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Reprodução assistida post mortem e seus efeitos no direito sucessório

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

RAQUEL SILVA TOSTES FARIAS

REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E SEUS EFEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO

Niterói 2016

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RAQUEL SILVA TOSTES FARIAS

REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E SEUS EFEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª Fernanda Pimentel

Niterói 2016

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito

F224 Farias, Raquel Silva Tostes.

Reprodução assistida post mortem e seus efeitos no direito sucessório / Raquel Silva Tostes Farias. – Niterói, 2016.

95 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Filiação. 2. Reprodução humana. 3. Direito das sucessões. 4. Paternidade. 5. Inseminação artificial. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito. II. Título.

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RAQUEL SILVA TOSTES FARIAS

REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E SEUS EFEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Direito Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em _____ de ___________________ de ________.

BANCA EXAMINADORA:

Profª Fernanda Pimentel

__________________________________

Profª Giselle Picorelli Yacaub Marques

__________________________________

Profª Esther Benayon Yagodinik

(5)

Dedico, em primeiro lugar, a Deus, meu Senhor e Salvador que me protege debaixo de suas asas. Em segundo, aos meus amados pais irmãos, sem os quais eu nada seria

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RESUMO

FARIAS, Raquel Silva Tostes Farias. Reprodução Assistida Post Mortem e Seus Efeitos no Direito Sucessório. 84 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016. O trabalho apresentado estuda as repercussões jurídicas, no direito sucessório, relativas à reprodução humana assistida post mortem. Essa pode ser entendida como a fecundação ocorrida após a morte do marido ou companheiro, que congelou seu material genético ainda em vida. A esse respeito, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.597, III, presume a paternidade dos filhos procriados postumamente, considerando-os concebidos na constância do casamento. Entretanto, a lei infraconstitucional não prevê direitos sucessórios ao concebido após a morte de seu genitor, fomentando o debate doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. Em suma, a doutrina pátria divide-se em duas grandes correntes, quais sejam: (i) a que admite a possibilidade da reprodução post mortem, mas não reconhece aos filhos oriundos dessa técnica os direitos sucessórios; (ii) e que defende a inseminação após a morte do genitor, devendo ser garantidos aos filhos resultantes os direitos sucessórios, por força do principio da igualdade entre os filhos exarado na Constituição Federal.

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ABSTRACT

The presented work studies the legal consequences in inheritance law relating to assisted human reproduction post mortem. This can be understood as fertilization occurred after the death of her husband or partner, who froze their genetic material still alive. In this regard, the Civil Code of 2002, in its art. 1597, III, assumed the paternity of children procreated posthumously, considering them designed during marriage. However, the law does not provide infra inheritance rights conceived after the death of his parent, promoting doctrinal and jurisprudential debate on the subject. In short, the homeland doctrine is divided into two main streams, namely: (i) that admits the possibility of reproduction post mortem, but does not recognize the children resulting from this technique the inheritance; (ii) and advocating insemination after the death of the parent, should be guaranteed to the children resulting from the inheritance by virtue of the principle of equality between children recorded in the Federal Constitution.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 DISCUSSÃO NORMATIVA SOBRE A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ... 10

2.1 Princípios Constitucionais Informativos da Filiação ... 10

2.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ... 10

2.1.2 Princípio da Igualdade Entre os Filhos ... 12

2.1.3 Princípio da Paternidade Responsável e Planejamento Familiar ... 14

2.1.4 Princípio Melhor Interesse da Criança e do Adolescente ... 16

2.2 A Reprodução Humana Assistida no Código Civil de 2002... 17

2.2.1 A Presunção Legal de Paternidade ... 18

2.2.2 A Presunção de Paternidade na Reprodução Assistida Homóloga ... 20

2.2.3 A Presunção de Paternidade na Reprodução Assistida Heteróloga ... 23

2.3 Os Parâmetros Fixados Pela Bioética e Pelo Biodireito ... 25

3 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ... 30

3.1 A Reprodução Humana Assistida Homóloga e Heteróloga ... 35

3.2 A Reprodução Humana Assistida Post Mortem ... 37

3.2.1 O Caso Parpelaix ... 38

3.2.2 O Caso Luiza Roberta Neils ... 39

3.3 A Maternidade de Substituição ... 41

3.4 O Direito Comparado ... 44

3.5 O Vazio Normativo ... 46

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4 OS EFEITOS JURÍDICOS DA FILIAÇÃO POST MORTEM ... 52

4.1 Do Direito à Filiação ... 53

4.1.1 O Debate Doutrinário... 55

4.1.2 A Presunção de Maternidade ... 58

4.1.3 A Presunção de Paternidade ... 60

4.1 Do Direito Ao Uso do Nome e Aos Alimentos ... 63

5 A FILIAÇÃO POST MORTEM E O DIREITO SUCESSÓRIO ... 65

5.1 Princípios Gerais do Direito Sucessório ... 65

5.2 O Momento da Sucessão ... 66

5.3 Espécies de Sucessão ... 68

5.4 Da Capacidade e Legitimação Para Suceder ... 70

5.4.1 Legitimação Por Testamento e a Prole Eventual ... 72

5.5 O Debate Doutrinário Quanto à Sucessão do Filho Concebido Post Mortem ... 74 5.5.1 A Primeira Corrente ... 76 5.5.2 A Segunda Corrente ... 78 5.6 A Petição de Herança ... 81 CONCLUSÃO ... 85 REFERÊNCIAS ... 88

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1 – INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, nossa sociedade sofreu fortes mudanças em virtude das inovações científicas e tecnológicas desenvolvidas pelo homem, especialmente na área médica. Um exemplo claro desses avanços é a reprodução humana medicamente assistida, sendo possível, atualmente, falarmos em concepção assistida post mortem, tema que ainda não é pacífico na doutrina nem na jurisprudência.

Pode-se afirmar que, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, a maior controvérsia sobre a reprodução humana póstuma se encontra no direito sucessório, pois, em razão da ausência de lei regulamentadora, são vários os entendimentos doutrinários quanto à capacidade sucessória do filho concebido por esta técnica.

Nesse sentido, no presente trabalho serão analisados os efeitos jurídicos, no direito sucessório, da reprodução assistida post mortem, entendida essa última como técnica de inseminação artificial realizada após a morte do genitor que, ainda em vida, congelou seu material genético.

Em um primeiro momento realizar-se-á uma discussão normativa sobre a reprodução humana medicamente assistida. Para tanto, serão vistos os princípios constitucionais informadores da filiação, sendo o mais importante deles a absoluta igualdade entre os filhos, independente da origem desses, exarado pela Carta da República em seu artigo 227, § 6º. Ademais, passando para a legislação infraconstitucional, será também analisado como o tema da procriação artificial é tratado, especialmente no Código Civil de 2002.

Mais adiante, será estudada a reprodução humana assistida propriamente dita, abordando-se quem são os sujeitos que podem submeter-se a essa técnica, quais são as espécies existentes, bem como a forma pela qual ela deve ser realizada. Além disso, será trazido à baila a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121/2015, regulamento que estabelece diretrizes morais e éticas que devem ser observadas pelos médicos, quando da realização da concepção artificial.

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Seguindo, serão abordados os aspectos jurídicos dos filhos nascidos por meio de reprodução assistida, especialmente os concebidos após a morte de seu genitor. Assim, serão tratadas as presunções de paternidade, maternidade, bem como quais são os direitos que aqueles gozam.

Finalmente, chegando à seara do direito sucessório, serão apresentados os aspectos essenciais para o estudo da capacidade sucessória dos filhos frutos da inseminação artificial póstuma. Desse modo, serão trazidos à baila os princípios gerais da sucessão, as espécies existentes, os sujeitos legitimados a suceder, bem como as principais correntes doutrinárias existentes a respeito da capacidade sucessória daqueles primeiros.

Para o estudo do tema aqui proposto, foram realizadas pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e na internet.

(12)

2 – DISCUSSÃO NORMATIVA SOBRE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

2.1 – Princípios Constitucionais Informativos da Filiação

A Constituição Federal de 1988, acompanhando as significativas mudanças sociais, políticas e científicas ocorridas no século passado, instituiu um novo olhar sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no direito privado. Com o advento da Constituição Cidadã, este último passou a ser interpretado à luz das regras constitucionais, reconhecendo-se a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas1. Portanto, sendo a

Carta da República o fundamento, a norma de validade de todo o sistema, tem-se hoje o chamado direito civil-constitucional.

Com a nova ordem instituída, no que tange ao Direito de Família, ocorreram profundas mudanças relativas ao instituto da filiação. Nos ensinamentos de Gonçalves (2014, p.20)2, foram equiparados “de forma

absoluta, em todos os direitos e qualificações, os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, proibindo qualquer designação discriminatória (CF, art. 227, § 6º)”. Em outras palavras, ficou consagrado no Texto Maior que todos os filhos, independente de sua origem e do tipo de relação jurídica/familiar de seus pais, têm as mesmas prerrogativas pessoais e patrimoniais, sendo repudiado qualquer tipo de discriminação, como ocorria com o sistema jurídico até então vigente3.

1 Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família – de acordo com a Lei n. 12.874/2013. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

3 Na excelente colocação de Bruna Zeni, em seu artigo sobre a evolução do instituto da filiação, “o Código Civil de 1916 classificava a filiação de acordo com a origem, ou seja, se era ou não advinda do matrimônio, considerando como filho legítimo aquele havido na constância do casamento, e ilegítimo o advindo de relações extramatrimoniais. Os ilegítimos dividiam-se em naturais e espúrios, e estes, por sua vez, classificavam-se em adulterinos e incestuosos”.

Disponível em:

https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/641/363. Acesso em 09.03.2016.

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Atualmente, é cediço o entendimento de que, dentre as relações de parentesco existentes, a mais importante, em razão do vínculo afetivo que é estabelecido, é a filiação, restando claro o laço existente entre pais e filhos. (FARIAS; ROSENVALD, 2016)4. Desse modo, nas palavras de Tartuce e

Simão, entende-se por filiação “a relação jurídica de parentesco por consanguinidade ou por outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau”. (TARTUCE; SIMÃO, 2011, p. 342)5. Completando a linha de pensamento, ensina o civilista Carlos Roberto

Gonçalves que:

Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade. (GOLÇALVES, 2014, p. 320).

Após essa breve introdução sobre a filiação na nova ordem constitucional, vejamos, a seguir, os princípios constitucionais relativos ao instituto.

2.1.1 – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Tal como exarado no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana é o fundamento do Estado Democrático de direito. De acordo com Sarlet (2005, p.124)6, o princípio aqui

em exame é “o reduto intangível de cada indivíduo e, nesse sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana”. Em outras palavras,

4 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 557.

5 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, volume : Direito de Família. 6ª ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

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esse é o princípio máximo constitucional, que permeia todos os outros direitos e garantias, submetendo-os aos seus ditames.

Não seria precipitado afirmar que, de todos os ramos do Direito Privado, é no Direito de Família em que se tem a mais forte presença do princípio da dignidade da pessoa humana. Isso porque, é no seio familiar que é promovida a dignidade de todos os seus membros, bem como são desenvolvidas as personalidades dos filhos, cidadãos do amanhã. Assim, é no centro de uma família que o indivíduo, desde sua tenra idade, é cuidado, alimentado, educado e, principalmente, amado. Essa é a dignidade que todo filho merece e deve ter. A esse respeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)7, em seu

artigo 3º, traz total claridade em sua redação:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

É justamente pelas razões colocadas acima que a família, fundação na qual se assenta toda a sociedade, núcleo no qual é desenvolvida a dignidade da pessoa humana, passou a ser supervalorizada e merecedora de especial proteção, tanto da Constituição, quanto das regras infraconstitucionais.

2.1.2 – Princípio da Igualdade Entre os Filhos

Em decorrência do princípio da igualdade constante do art. 5º, caput8,

ordena a Constituição Federal, em seu artigo 227, § 6º, que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Com essa regra, é vedada qualquer distinção entre os filhos e estabelecida a absoluta igualdade entre eles.

7 Lei 8.069/90.

8 Constituição Federal de 1988, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes".

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Dessa forma, superada está a discriminação que era feita pelo Código Civilista de 1916, o qual diferenciava filhos legítimos e ilegítimos, isto é, aqueles constantes ou não do casamento, bem como os filhos adotivos. Atualmente, com a redação constitucional e o Código Civil de 2002, todos os filhos são juridicamente iguais, inclusive a prole havida através da reprodução medicamente assistida. Nesse sentido, como muito bem coloca Carlos Roberto Gonçalves:

O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referência á filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (GONÇALVES, 2014, p. 24)

Ademais, como muito bem ensinam Farias e Rosenvald9:

A incidência da isonomia entre os filhos produzirá efeitos no plano patrimonial e no campo existencial. Com isso, pondo fim às discriminações impostas aos filhos adotivos, a igualdade assegura que um filho tenha o mesmo direito hereditário do outro. Ou seja, não mais a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem (se biológica ou afetiva). Outrossim, nem sequer são admitidas qualificações indevidas aos filhos, não mais sendo possível juridicamente atribuir a um filho a designação de adulterino ou incestuoso. (FARIAS; ROSENVALD, 2016)

Tendo em vista que princípio em questão rechaçou quaisquer discriminações entre os filhos, quer seja no âmbito do nome, do poder familiar, dos alimentos, do reconhecimento de paternidade e das sucessões, surge a questão acerca dos direitos sucessórios da criança concebida por meio da reprodução artificial post mortem, tema central do trabalho em apreço. Portanto, o princípio da igualdade entre os filhos é essencial para entendermos os aspectos sucessórios do indivíduo concebido após a morte de seu genitor.

9 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016.

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2.1.3 – Princípio da Paternidade Responsável e Planejamento Familiar

Elevado a status constitucional, o princípio da paternidade responsável e planejamento familiar assim vem tratado no art. 226, § 7º da Carta da República:

Art. 226, § 7º. Fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Através da leitura do dispositivo constitucional acima transcrito, percebe-se que o objetivo do planejamento familiar é evitar o surgimento de famílias sem quaisquer condições de subsistência, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para que haja esse planejamento. Dito isso, cabe, então, aos cônjuges ou companheiros a forma pela qual desejam formar sua família, vedado qualquer ato coercitivo de instituições oficiais ou privadas nesse sentido.

Desdobrando o assunto, nos ensina Lôbo,

Não se pode negar a possibilidade de a pessoa sozinha ter um projeto parental que atenda perfeitamente aos interesses da criança, o que vem de encontro ao contido na Lei n. 9.263/96, que prevê no seu artigo 3º, caput, que o planejamento familiar é parte integrante de várias ações em prol da mulher, do homem ou do casal, numa perspectiva mais abrangente que a do texto constitucional, mas perfeitamente adequada ao nosso sistema jurídico. Nos termos da legislação supracitada entende-se por planejamento familiar o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta iguais direitos de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, enquanto no plano governamental, o planejamento familiar deverá ser dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas. (LÔBO apud LEITÃO)10

10 LEITÃO, Camila Bezerra de Menezes. Análise jurídica sobre direitos sucessórios decorrentes da inseminação artificial homóloga post mortem. Fortaleza: 2011. Disponível em: < http://www.mpce.mp.br/esmp/biblioteca/monografias/dir.familia/analise.juridica.sobre.direitos.su cessorios.decorrentes.da.inseminacao.artificial.pdf>. Acesso em 19 de fevereiro de 2016.

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A mesma regra do art. 226, § 7º da Constituição Federal vem replicada no art. 1.565, § 2º do Estatuto Civil de 2002, o qual é contemplado no Enunciado 99 da Jornada de Direito Civil:

o art. 1.565, §2º do Código Civil não é norma destinada apenas às pessoas casadas, mas também aos casais que vivem em companheirismo, nos termos do art. 226, caput, §§ 3º e 7º da Constituição Federal de 1988, e não revogou o disposto na Lei 9.263/9611.

Em outras palavras, a regra do Código Civil relativa ao planejamento familiar é perfeitamente aplicável às uniões estáveis, tendo em vista, por óbvio, que o conceito de família fundada apenas no casamento civil há muito foi superado. Atualmente, a nossa Constituição consagra os diversos tipos de famílias existentes em nossa sociedade, a exemplo do exarado em seu artigo 226, §§ 3º e 4º.

Paralelo ao princípio do planejamento familiar, a Carta preconiza, igualmente, o princípio da paternidade responsável, voltando sua atenção para os membros que compõem o seio familiar. De forma resumida, a paternidade responsável, como o nome sugere, é a responsabilidade atribuída aos pais da criança ou adolescente – ou quem quer que seja seu guardião legal – que devem prezar pelo bem estar físico, moral e emocional de seus filhos. Essa é uma prerrogativa impassível de renúncia, sedimentada na situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram as crianças e adolescentes, justamente por estarem em desenvolvimento, razão pela qual merecem proteção especial de seus responsáveis.

Discorrendo sobre o assunto, Farias e Rosenvald (2016) trazem á baila a questão da alienação parental, infelizmente, não rara nas comunidades familiares. Dizem os renomados doutrinadores:

[...] a Lei 12.318/10 regulamentou a chamada alienação parental (também conhecida como síndrome das falsas memórias ou Síndrome de Medeia), caracterizada pela interferência na formação psicológica da criança ou do

11 A lei 9.263/96 regula o disposto no art. 226, § 7º da Constituição Federal. Assim, a mencionada lei trata da política de planejamento familiar, direito de todo o cidadão (art. 1º), e entendido como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (art. 2).

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adolescente promovida ou induzido por um dos genitores, pelos avós ou por quem tenha o menos sob sua autoridade, guarda ou vigilância para repudiar um dos genitores ou causando prejuízo ao vínculo existente entre eles (art. 2º). Não raro, um dos genitores (involuntariamente mesmo) busca implantar na criança ou no adolescente (o seu próprio filho, neto, enteado...) a sua própria versão sobre a verdade (?) do relacionamento fracassado, imputando ao outro responsabilidades praticamente exclusivas ou especialmente graves, denegrindo a sua personalidade alheia e vitimando-se. É um processo de estabelecimento de comportamento de “lobos e cordeiros”. Uma perturbação da relação afetiva existente entre a criança ou adolescente e um (ou ambos) de seus genitores ou familiares. (FARIAS; ROSENVALD, 2016)

A alienação parental, muito bem descrita acima, é um exemplo claro de violação ao princípio da paternidade responsável consagrado pela Constituição. O que se quer preservar com tal princípio é a integridade e o desenvolvimento do menor, tanto física quanto moral, emocional, psíquica e material, todos decorrentes dos deveres intrínsecos ao poder familiar.

2.1.4 – Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

Por sua vez, o art. 227, caput, da Carta da República preconiza o chamado princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Vejamos o dispositivo mencionado:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Essa mesma proteção é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como, por exemplo, em seu art. 3º, onde é determinado que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

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condições de liberdade e de dignidade. Evidente está a intenção do legislador em conferir total proteção ao menor, tendo em vista este último estar em pleno desenvolvimento e situação de vulnerabilidade, ainda incapaz de defender seus próprios direitos.

O referido princípio também é contemplado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança – incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº 99.710/90 – onde é determinado, em seu artigo 3º, que “1- Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”. Em outras palavras, as ações tomadas tanto pelo Poder Público quanto pela comunidade familiar devem levar em consideração aquilo que é melhor para a criança e o adolescente, mesmo que o melhor não coincida com aquilo que o menor deseja.

Em síntese, o princípio constitucional do melhor interesse da criança, coroado pelo art. 227, caput, da Carta Magna, que guarda estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, impõe aquilo que for de melhor interesse do menor, sendo um dever imposto à família, à sociedade e ao Estado.

2.2 – A Reprodução Humana Assistida no Código Civil de 2002

No subcapítulo anterior, foi visto que, com o advento da Constituição Federal de 1988, os filhos, independente de sua origem biológica ou afetiva, devem ser tratados igualmente, possuindo todos eles as mesmas prerrogativas pessoais e patrimoniais, sendo vedada qualquer discriminação. Com relação aos filhos de origem biológica, no presente item, será tratada a questão da presunção de paternidade e reprodução humana assistida na legislação brasileira, especialmente como esta é disciplinada pelo Código Civil de 2002.

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2.2.1 – A Presunção Legal da Paternidade

A presunção de paternidade vem disciplinada no Código Civil em seu artigo 1.597. Como se perceberá, é importante dizer que essa presunção é relativa (juris tantum), ou seja, não tem caráter absoluto, admitindo prova em contrário. Apesar desse viés relativo, em se tratando de filiação, as presunções apenas podem ser afastadas naqueles casos previstos em lei.

Outra questão que merece relevo é sobre a redação dada ao artigo 1.597. Em que pese o dispositivo enumerar as hipóteses de presunção utilizando a expressão “filhos havidos na constância do casamento”, em claro descompasso com a norma ordem constitucional a respeito da filiação, o mesmo deve ser trazido à luz, dada sua importância sobre o tema. Assim, vejamos:

Art. 1.597 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Em uma primeira leitura do supratranscrito dispositivo, percebe-se que o mesmo, nas palavras de Tartuce e Simão12,

[...] está amparado pela velha máxima latina mater semper certa est et pater est quem mupitiae demonstrant, que pode ser

12 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, volume : Direito de Família. 6ª ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

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resumida da seguinte forma: a maternidade é sempre certeza, a paternidade é presunção. (TARTUCE; SIMÃO, 2011, 342)

Acrescentam os escritores civilistas que essa máxima perdeu sua relevância prática, tendo em vista que a maternidade também é presumida e pode ser investigada. Ademais, a simples presunção de paternidade contemplada pelo Estatuto Civil dá lugar à investigação biológica através do exame de DNA.

Em um estudo mais detalhado, os incisos I e II presumem a filiação baseada na procriação natural, tendo em vista que fazem alusão ao período mínimo e máximo de uma gestação viável. Assim, o referido prazo de 180 dias do primeiro inciso é iniciado, não da data de celebração do casamento, mas da convivência conjugal, uma vez que existem casos em que as pessoas se casam por procuração. A esse respeito, diante da proteção que a Carta da República faz à família socioafetiva, aduz Paulo Luiz Netto Lôbo que:

Essa presunção não é determinante da paternidade ou da filiação, pois, independente da fidelidade da mulher, pai é marido ou companheiro que aceita a paternidade do filho, ainda que nascido antes do prazo de 180 dias do início da convivência, sem questionar a origem genética, consolidando-se o estado de filiação. Não consolidando-se deve esquecer que a origem dessa presunção, e sua própria razão de ser, antes da Constituição, era a atribuição da legitimidade ou ilegitimidade da filiação. (LÔBO, 2003, p.49)13

Por sua vez, a presunção trazida pelo inciso II encerra-se 300 dias após a dissolução matrimonial, período correspondente ao máximo gestacional. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.590). Por óbvio, deve-se entender que, ao falar nessa dissolução da sociedade conjugal, há que se ter em mente a separação de fato do casal, devidamente comprovada.

13 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado. Coordenação de Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. v. XVI.

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2.2.2 – A Presunção de Paternidade na Reprodução Assistida Homóloga

Sabe-se que, graças aos avanços na medicina e nos estudos genéticos, as novas tecnologias permitem que casais, antes impossibilitados de reproduzir, iniciem seu planejamento familiar. Diante da nova possibilidade, a reprodução assistida viabiliza a concepção por meio de técnicas médicas, dentre as quais se destacam a inseminação artificial e a fertilização in vitro14.

Nesse sentido, a reprodução humana medicamente assistida pode se dar de duas maneiras: homóloga e heteróloga. Na primeira, é utilizado o material genético do próprio casal, desde que haja expresso consentimento de ambos. Já na segunda, ocorre a utilização de material genético de uma terceira pessoa. Aduzem Farias e Rosenvald15:

[...] a fertilização assistida homóloga é caracterizada pela intervenção médica, facilitando casais que têm dificuldade em engravidar e levar a gestação a termo. Trabalha-se com o material genético do próprio casal, não gerando maiores dificuldades.

Na procriação assistida heteróloga, tem-se a participação de terceiro (s), sempre a título gratuito (Resolução nº 1.358/92, CFM, item IV, 1). O médico trabalhará com sêmen (e/ou óvulo) de terceira pessoa, realizando a fecundação em laboratório para, em seguida, implantar o embrião no corpo da mulher. Por isso, exige-se autorização expressa do marido ou do companheiro, de modo a viabilizar a procriação assistida na forma heteróloga. Essa autorização tem de ser expressa e escrita. Assim, a criança concebida por reprodução assistida heteróloga, pressuposta a anuência do marido ou companheiro, é, por presunção de lei, filha de quem autorizou o ato. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 592)

Feitas essas breves considerações a respeito da reprodução medicamente assistida, voltemos à análise do art. 1.597 que, em seus incisos III e IV, estabelece:

Art. 1.597 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

14 Frisa-se que esse assunto será melhor aprofundado no capítulo seguinte deste trabalho. 15 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 592.

(23)

[...]

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

O inciso III presume a paternidade nos casos de fecundação post mortem, ou seja, aquela que se caracteriza pela fecundação realizada após a morte do marido ou companheiro doador do sêmen. Esse tipo de reprodução assistida tornou-se possível em razão de uma técnica chamada criopreservação16, através da qual espermatozoides, óvulos e embriões são

congelados para serem utilizados posteriormente. No caso, eles são utilizados após a morte do indivíduo que conservou o material genético ainda em vida.

Tema novo e bastante polêmico, tanto na área médica quanto na área jurídica, a concepção post mortem traz grandes desafios aos operadores do direito. Percebe-se que o legislador, na redação do inciso III, não fez menção à necessidade ou não de prévia autorização do marido ou companheiro relativa à utilização de seu material biológico criopreservado após a sua morte. Além disso, não fez referência ao status civil da mulher na qual será implantada o sêmen, isto é, se é necessário manter ou não o estado de viuvez quando da inseminação. Diante dessas omissões legislativas, foi entendido no Enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil:

Art. 1.597 – Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético

16 Criopreservação, também chamado de crioconservação ou criobiologia, é uma técnica aplicada no congelamento de material orgânico, células, tecidos e, não muito distante, sistemas mais complexos como um órgão, em baixa temperatura, em média de cento e noventa e seis graus Celsius negativos (-196º), muito usado nas clínicas de reprodução humana, com a finalidade de preservar o material coletado viável para a utilização posterior, sem perder as propriedades biológicas, estrutura e funcionalidade, após o descongelamento. Essa técnica já é usada há quase cinqüenta anos pelas clínicas de reprodução humana assistida e na reprodução animal. SILVA, Michel Clei Farias; CAMPOS, Bruna Christiane Dantas. Aspectos

Jurídicos da Criopreservação Extracorpórea de Células Embrionárias Humanas.

Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6605>. Acesso em 09 de março de 2016.

(24)

do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

Em caso de descumprimento dessas recomendações, a presunção de paternidade do inciso III não incidirá no caso concreto. Porém, diante do status constitucional da filiação, o indivíduo concebido por técnica de reprodução assistida post mortem pode lançar mão da investigação de paternidade, com vistas a obter o reconhecimento de filho.

Por conseguinte, o inciso IV traz a hipótese de presunção de paternidade quando da fecundação homóloga de embriões excedentários. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves que cita os ensinamentos de Regina Beatriz Tavares da Silva17:

[...] embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há, basicamente, dois métodos de reprodução artificial: a fertilização in vitro, na qual o óvulo e o espermatozoide são unidos numa proveta, ocorrendo a fecundação fora do corpo da mulher, e a inseminação artificial, consistente na introdução de gameta masculino, por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais. (SILVA apud GONÇALVES, 2014, p. 327)

Quanto à preservação desses embriões, de acordo com a Lei de Biossegurança18, o prazo mínimo é de três anos, sendo o prazo máximo

avençado pelas partes nos ditames da lei. É nesse período de tempo que o casal tem a possibilidade de realizar uma nova fecundação artificial homóloga, utilizando o embrião remanescente. Nesse sentido, presumida estará a paternidade do filho concebido por essa técnica. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 597)19

17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família – de acordo com a Lei n. 12.874/2013. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 327.

18 Lei n. 11.105/05. A Lei da Biossegurança objetiva disciplinar as questões relativas aos organismos geneticamente modificados, bem como aquelas a respeito de células-tronco.

19 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 597.

(25)

Por fim, a mesma Jornada de Direito Civil citada anteriormente, com relação ao inciso IV, firmou o entendimento, que culminou no Enunciado 107, de que

Finda a sociedade conjugal, na forma do artigo 1.571 deste Código, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.

Nesse sentido, salientam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que, em caso da mulher utilizar o embrião remanescente sem a prévia autorização do ex-cônjuge ou ex-companheiro, em que pese não ser uma hipótede de incidência de presunção, a o status de filiação poderá ser determinado pelo critério biológico, tendo em vista que o filho não há de ficar sem pai. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.598)20

2.2.3 – A Presunção de Paternidade na Reprodução Assistida Heteróloga

Fechando as hipóteses de presunção de paternidade, exarada o art. 1.597 em seu inciso V:

Art. 1.597 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Aqui, o legislador infraconstitucional está tratando dos casos de reprodução artificial heteróloga, na qual o casal lança mão do material genético de uma terceira pessoa, com vistas à procriação. Desse modo, na fecundação heteróloga, os gametas são doados por terceiros, alheios á relação conjugal, sedimentando, mais uma vez, o entendimento trazido pela Constituição de 1988: o estado de filiação não mais se caracteriza apenas pela origem

20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 598.

(26)

biológica, como também pode ocorrer pelos laços de afeto, sem prejuízo do princípio de igualdade entre os filhos.

A respeito dessa técnica reprodutiva, Guilherme Calmon Nogueira da Gama aduz que, na procriação assistida heteróloga, os fundamentos relacionados à paternidade-filiação e à maternidade-filiação serão diferentes, levando em conta os casos em que um dos cônjuges ou companheiros contribui com seu material fecundante e o outro não, por força da esterilidade. (GAMA apud REIS)21

Para a realização da reprodução assistida heteróloga, o inciso V exige a anuência expressa do marido, que apenas poderá revogá-la até o início de implantação do material genético na mulher. Sendo assim, iniciado o procedimento de fertilização, não há que se falar em revogação da autorização, fazendo-se presumir, por conseguinte, a paternidade de caráter absoluto. Nas sábias palavras de Farias e Rosenvald,

De fato, é intuitivo inferir que quem consente na produção de um filho, com sêmen de outrem, não pode criar uma relação temporária que se mantenha ou se desfaça de acordo com a sua simples manifestação de vontade. A ratio do dispositivo é alvejante: consentindo o marido em que a sua esposa se submeta a um procedimento de fertilização assistida com material genético de terceiro, presume-se, de forma absoluta, a paternidade do filho nascido. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.599)22

Fundamenta-se essa presunção no fato de que ao terceiro doador do sêmen é garantido o anonimato, sendo este sigilo relativo. Isso porque, em casos em que haja força maior ou razões médicas, é admissível a quebra desse sigilo. De qualquer maneira, a revelação do doador do material genético não enseja a investigação de paternidade, uma vez que se presume pai o marido que anuiu expressamente com a reprodução assistida.

Em relação à impugnação de paternidade, esta não pode ser realizada pelo marido que anuiu expressamente a favor da reprodução heteróloga, eis

21 REIS, Carolina Eloáh Stumpf. Direitos Sucessórios na Reprodução Medicamente Assistida.

Disponível em: <

http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/direitos_sucessorios_na_reproducao_medicam ente_assistida.pdf>. Acesso em: 10 de março de 2016.

22 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 599.

(27)

que o nosso ordenamento jurídico veda o venire contra factum proprium, ou seja, o cônjuge não pode se voltar contra ato próprio. Nesse diapasão, aduz Maria Helena Diniz que

A impugnação da paternidade conduzirá o filho a uma paternidade incerta, devido ao segredo profissional médico e ao anonimato do doador do sêmen inoculado na mulher. Ao se impugnar a fecundação heteróloga consentida, estar-se-á agindo deslealmente, uma vez que houve deliberação comum dos consortes, decidindo que o filho deveria nascer. Esta foi a razão do art. 1.597, inc. V, que procurou fazer com que o princípio de segurança nas relações jurídicas prevalecesse diante do compromisso vinculante entre cônjuges de assumir paternidade maternidade, mesmo com componente genético estranho, dando-se prevalência ao elemento institucional e não biológico. (DINIZ, 2009, p.462)23

Percebe-se então, que de todos os incisos contidos no artigo 1.597, o único que comporta a presunção absoluta de paternidade é o inciso V. Isso ficou, inclusive, entendido pelo Enunciado 258 da Jornada de Direito Civil que salienta não caber “ação prevista no art. 1.601 do Código Civil, se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inciso V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta”.

2.3 – Os Parâmetros Fixados Pela Bioética e Pelo Biodireito

Sabe-se que, com o passar do tempo, nossa sociedade sofreu fortes mudanças em virtude das inovações científicas e tecnológicas da humanidade, especialmente a partir da Revolução Científica do século XVII24. Dentro desses

23 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol.5. 24.ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 462.

24 De acordo com Antônio Gasparetto Júnior, “a Revolução Científica tornou o conhecimento mais estruturado e mais prático, absorvendo o empirismo como mecanismo para se consolidar as constatações. Esse período marcou uma ruptura com as práticas ditas científicas da Idade Média, fase em que a Igreja Católica ditava o conhecimento de acordo com os preceitos religiosos. [...] Diversos movimentos sociais, culturais e religiosas prestaram suas valiosas contribuições para o incremento da Revolução Científica. Aquele era o período do Renascimento, uma fase que pregava a volta da cultura Greco-romana e propagava a mudança de orientação do teocentrismo para o antropocentrismo. Outra característica era o humanismo, uma corrente de pensamento interessada em um pensamento mais crítico e, principalmente, valorizava mais os homens. Tais abordagens mudaram muito o pensamento

(28)

avanços, encontra-se a reprodução humana medicamente assistida, sendo possível, atualmente, falarmos em concepção assistida post mortem, tema que traz consigo inúmeras controvérsias jurídicas, sociais e religiosas. As primeiras são as que nos interessam no trabalho aqui apresentado.

Nessa linha de pensamento, até onde a ciência pode ir? É justificável um avanço científico sem limites, em prol da sociedade? É a partir de questionamentos como esses que surge a chamada Bioética, que tem por objetivo atrelar a ciência e a ética, dando limites e freios às conquistas científica. Nas palavras de Maria Helena Diniz, “a bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência e no âmbito da saúde”. (DINIZ, 2009, P.10)25

Em que pese a Bioética fornecer parâmetros éticos e filosóficos acerca da ciência, ela não possui força normativa ou sanções a serem aplicadas em consequência do descumprimento de suas recomendações. É nesse momento que surge, então, o Biodireito, dotado de normas cogentes, que possuem o condão de impor a obrigatoriedade de seus comandos, sob pena de sanções jurídicas.

De acordo com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, o instituto do Biodireito ainda é difícil de ser definido com clareza, em razão da dificuldade que a sociedade tem em lidar com as inovações humanas. Nas palavras da doutrinadora:

por biodireito tem sido entendido o que seria supostamente um novo ramo do direito, mais um campo jurídico interdisciplinar do que exatamente uma nova disciplina, que busca apreciar juridicamente as novas práticas humanas de manipulação da vida. (HIRONAKA, 2007)26

Por sua vez, Nadson Chaves Pelegrini define o Biodireito como uma ramificação do Direito Público, que busca, diante das inovações científicas, fornecer princípios de boa-fé e prudência, bem como bem como estudar a

humano”. Revolução Científica. Júnior, Antônio Gasparetto. Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/revolucao-cientifica/. Acesso em 15 de março de 2016. 25 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

26 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. As Inovações Tecnológicas e o

Direito das Sucessões. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/artigos/290/As+inova%C3%A7%C3%B5es+biotecnol%C3%B3gicas+ e+o+direito+das+sucess%C3%B5es%2A>. Acesso em 03 de março de 2016.

(29)

relação existente entre o direito e a ciência médica, positivando normas a serem aplicadas nesta última. (PELEGRINI, 2008)27

Veremos, no capítulo subsequente deste trabalho, no que tange à reprodução humana assistida, em nosso país, inexiste legislação específica que regulamente a inseminação artificial. Diante do vazio normativo, o uso dessas técnicas, deve ser baseado, obviamente, nos princípios exarados na Constituição Federal de 1988, observando, especialmente, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).

Além da Carta da República, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121/201528 (CFM) deve ser observada, uma vez que que a

mesma dita um conjunto de normas éticas, bem como princípios gerais que devem ser observados, quando da realização de procedimentos relativos à procriação artificial. Assim, consoante o art.1º do mencionado documento, a resolução em pauta, tem como objetivo “adotar as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.”

Tendo em vista que o Biodireito é amplo e complexo, serão expostas, a seguir, algumas questões práticas relacionadas à reprodução humana medicamente assistida, presentes na obra de Flávio Tartuce e José Fernando Simão.29

a) As presunções de paternidade, presentes no art. 1.597, em seus incisos III, IV e V devem ser aplicadas também nos casos de união estável?

Ora, a união estável, bem como o casamento, é um dos tipos de família sob o manto da Constituição de 1988, abrangendo, portanto, os filhos havidos nessa união. Ademais, “não há vedação de aplicação da norma por analogia,

27 PELEGRINI, Nadson Chaves. Biodireito e Bioética. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/biodireito-e-bietica/6257/>. Acesso em 03 de março de 2016.

28 A resolução CFM nº2.121/2015 foi publicada, no Diário Oficial da União, em 24 de setembro

de 2015. Disponível em: <

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2121_2015.pdf>. Acesso em 10 de março de 2016.

29 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, volume : Direito de Família. 6ª ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

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pois não se trata de norma restritiva da autonomia privada ou norma de exceção”. (TARTUCE; SIMÃO, 2011).

Por sua vez, a Resolução CFM 2.121/2015, em seu item II, dita que qualquer pessoa, capaz, pode ser paciente das técnicas de reprodução assistida, estando aí, portanto, incluídas aquela que vive em união estável.

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente.

Diante de tais razões, conclui-se que, as presunções constantes devem ser aplicadas aqueles que vivem sob a união estável, sob pena de violação direta à Lei Maior.

b) Em caso união homoafetiva, é possível a inseminação artificial heteróloga?

Em primeiro lugar, a Resolução CFM 2.121/2015 dita que “é permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito a objeção de consciência por parte do médico”.

Em segundo lugar, como ensina Maria Berenice Dias:

É cada vez mais comum casais homossexuais fazerem uso de bancos de material reprodutivo, o que permite um do par ser o pai ou a mãe biológica, enquanto o outro fica excluído da relação de filiação. [...] Não há restrição alguma, nem pode haver qualquer obstáculo legal para impedir o uso de tais práticas. (DIAS, 2007, p. 335)30

Em terceiro lugar, o Supremo Tribunal Federal31 assentou de vez o

entendimento de que a união homoafetiva é um sinônimo perfeito de família, igualmente protegida pela Constituição Federal, que veda qualquer tipo de discriminação ou preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre o homem e a mulher.

30 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: RT, 2007. 31 Processos: ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ.

(31)

Portanto, não restam dúvidas de que o casal homoafetivo, entidade familiar como qualquer outra, pode fazer uso das técnicas de reprodução assistida heteróloga. Dessa maneira, princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, bem como o da paternidade responsável e planejamento familiar estarão sendo contemplados.

c) É possível, através da escolha, pelo casal, de material genético com as características dos doadores, a criação de um ser humano geneticamente superior?

Novamente, a Resolução do CFM 2.121/2015, traz como um dos princípios da reprodução humana assistida que

As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças do filho que venha a nascer.

Assim, é veementemente condenável qualquer forma artificial de seleção na procriação humana, sob pena de voltarmos às experiências eugênicas e racistas. Seria o mesmo que a tentativa abominável de Hitler de selecionar a raça ariana, supostamente pura, extinguindo, assim, todos os outros seres humanos da face da terra.

Nesse diapasão, não restam dúvidas de que à atividade científica devem ser impostos limites, freios éticos e morais, em busca de uma manipulação genética responsável, bem como da preservação de valores essenciais da condição de ser humano. Nas sábias palavras de Hironaka,

O respeito à condição e dignidade humana não deve ceder seu especo a conquistas científicas, de modo indiscriminado, sob pena de não se poder mais distinguir entre a indispensabilidade da evolução e a preservação dos valores. (HIRONAKA, 2002)32

32 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Procriações Artificiais: Bioética e Biodireito.

Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/artigos/47/Procria%C3%A7%C3%B5es+artificiais%3A+bio%C3%A9ti ca+e+biodireito>. Acesso em 03 de março de 2016.

(32)

3 – A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

A reprodução humana assistida pode ser entendida como o conjunto de técnicas especializas, com vistas a viabilizar a procriação de pessoas consideradas, pela medicina, estéreis ou inférteis. Isto é, a reprodução assistida viabiliza a concepção por meio de procedimentos médicos, permitindo que casais, antes impossibilitados de reproduzir, iniciem seu planejamento familiar.

Ressalte-se que, como lembra Marise Cunha de Souza, juíza de direito da 2ª vara de família da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, em que pese a reprodução assistida ter como técnicas mais famosas a fertilização artificial e a fertilização in vitro, aquela não está limitada por essas. Isso porque, ocorre igualmente reprodução assistida, quando há, por exemplo, administração de medicamentos com a finalidade de estimular a ovulação feminina. Nesse sentido, tem-se a reprodução assistida sempre que houver, de alguma maneira, a intervenção médica, para viabilizar ou facilitar a concepção33.

Em continuidade, segundo a juíza mencionada, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a percentagem de casais com alguma dificuldade na procriação varia de 8% a 15%, apresentando-se a reprodução medicamente assistida como uma possível solução do problema para que estes casais, enfim, possam constituir suas famílias. O mesmo se dá com casais homoafetivos, ao passo que um dos parceiros fornece o seu material genético para ser fecundado em um óvulo de uma doadora.

Como foi visto no capítulo anterior, a reprodução medicamente assistida relaciona-se com o princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar, exarado pela Carta Magna em seu art. 226, § 7º. Em outras palavras, é de livre escolha do casal a maneira pela qual constituirão sua família, não podendo o Estado interferir nessa decisão. Ao revés, cabe esse último propiciar recursos educacionais e científicos para que o planejamento familiar seja exercido.

33 SOUZA, Maria Cunha de. As Técnicas de Reprodução Assistida. Barriga de Aluguel. A Definição da Maternidade e da Paternidade. Bioética. Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010.

Disponível em:

<http://www.emerj.rj.gov.br/revistaemerj_online/edicoes/revista50/Revista50_348.pdf>. Acesso em 10 de marco de 2016.

(33)

Por sua vez, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121/2015 contempla normas éticas para o uso de tais técnicas, estabelecendo que as técnicas de reprodução assistida são empregadas quando há dificuldades reais na procriação, bem como quando há probabilidade de sucesso e não traga qualquer risco de saúde ao paciente ou a seu possível descendente. Dita o mesmo documento que, a idade máxima do paciente é de 50 (cinquenta) anos, comportando exceções a serem determinadas pelo médico especialista. Preza, ainda, a Resolução em comento pela obrigatoriedade do consentimento escrito dos envolvidos no procedimento.

Importante trazer à baila que, a Constituição Federal veda todo tipo comercialização de quaisquer partes ou produtos do corpo humano e, portanto, a doação de gametas ou pré-embriões deve ocorrer de forma gratuita e voluntária, rechaçado qualquer caráter lucrativo ou comercial. Vejamos na letra da Lei Maior:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

[...]

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

No plano infraconstitucional, a Lei de Biossegurança34 proíbe, em

seu art. 5º, § 3º, a comercialização de células embrionárias humanas, sob pena de incidência da sanção constante no art. 15 da Lei 9.434/9735. Senão,

vejamos, respectivamente, os mencionados artigos:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização

de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: [...]

34 Lei 11.105/2005.

35 Lei Federal que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.

(34)

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se

refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

Quanto à identidade do doador do material biológico, como dito anteriormente no capítulo 1 deste trabalho, é garantido o anonimato, sendo este sigilo relativo. Isso porque, em casos em que haja força maior ou razões médicas, é admissível a quebra desse sigilo, para a obtenção de informação genética indispensável á saúde dos envolvidos.

No que diz respeito à classificação, a reprodução humana medicamente assistida pode ocorrer de duas formas principais: a fertilização artificial, quando ocorre de maneira intracorpórea, isto é, dentro do corpo da mulher; e a fertilização in vitro, técnica extracorpórea, quando a fecundação se dá fora do corpo feminino.

Assim, na fertilização artificial, o gameta masculino é introduzido artificialmente no interior do aparelho genital feminino, possibilitando a fecundação dentro do corpo da mulher. Há a inoculação, a introdução do sêmen na mulher, não havendo qualquer tipo de manipulação externa do óvulo ou do embrião, razão pela qual essa técnica também é conhecida como fertilização in vivo.

Já na fertilização in vitro, recolhem-se o óvulo e o espermatozoide, faz-se a fecundação fora do corpo humano em um tubo de ensaio ou mídia de cultivo (daí a denominação bebê de proveta) sendo, posteriormente, o óvulo fecundado (embrião) transferido para o útero materno.36

A fertilização in vitro é considerada uma técnica revolucionária, uma vez que permite a fecundação extracorpórea, para posterior introdução do embrião no corpo da mulher, podendo ser esta última a fornecedora do óvulo ou não.

36 SOUZA, Maria Cunha de. As Técnicas de Reprodução Assistida. Barriga de Aluguel. A Definição da Maternidade e da Paternidade. Bioética. Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010.

Disponível em: <

http://www.emerj.rj.gov.br/revistaemerj_online/edicoes/revista50/Revista50_348.pdf>. Acesso em 10 de marco de 2016.

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Em outras palavras, tal procedimento é de maior complexidade, tendo em vista que os gametas, masculino e feminino, são fecundados em laboratório onde é criado “artificialmente o ambiente da trompa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente e a clivagem prossegue até o estágio em que o embrião é transferido para o útero”. (SILVA apud LEITE)37

De acordo com Elizandra Maria da Silva,

Essa técnica compreende o desenvolvimento de várias etapas, como: a indução da ovulação, a punção folicular e cultura dos óvulos, coleta e preparação do esperma, completando-se com a inseminação e cultura dos embriões. Na ovulação normal, ocorre a liberação de apenas um óvulo, com a indução, procura-se aumentar o número de óvulos, a fim de se conseguir maiores chances na obtenção de embriões. (SILVA, 2006)

A experiência científica demonstrou que, o ponto negativo da inseminação artificial in vitro é a ocorrência da gravidez múltipla, já que as chances da paciente submetida a esse procedimento, em ter gêmeos, trigêmeos ou mais filhos, são maiores do que quando se tem uma gravidez natural. Nesse sentido, em relação ao número de embriões a serem transferidos para o aparelho reprodutor feminino, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121/2915, com vistas a evitar o aumento de riscos à saúde e a multiparidade, determina em seu capítulo 1, item 7:

O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as seguintes determinações de acordo com a idade: a) mulheres até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até 4 embriões; d) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos óvulos.

Por conseguinte, na hipótese de embriões excedentários, isto é, quando ocorre a sobra de embriões produzidos através da técnica de fertilização in

37 SILVA, Elizandra Maria da. A filiação em face da reprodução humana assistida. Revista da EMESC, v. 13, nº 19, 2006. Disponível em: http://www.esmesc.org.br/site/ima/revista2006/2-1247232309.PDF. Acesso em 14 de marco de 2016.

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vitro e não utilizados pelo paciente, esses não podem ser destruídos. A esse respeito, segundo Souza, na doutrina brasileira se divide em duas correntes:

[...] concepcionista, para a qual a vida tem início com a concepção, e a nidacionista, que defende que a vida tem início com a implantação do embrião no útero materno – este momento é conhecido como nidação. Para a primeira, os embriões excedentários não podem ser destruídos ou descartados, porque desde a fecundação há vida; para a segunda, podem, se não ocorrer a nidação. (SOUZA, 2010)38

Quando foi tratada, no capítulo 1, a presunção de paternidade constante no Código Civil de 2002, falou-se brevemente que a reprodução humana medicamente assistida (no caso, a fertilização artificial e a fertilização in vitro) pode se dar de duas maneiras: homóloga e heteróloga. Na primeira, é utilizado o material genético do próprio casal, desde que haja expresso consentimento de ambos. Já na segunda, ocorre a utilização de material genético de uma terceira pessoa. Foi trazido, ainda, o ensinamento de Farias e Rosenvald39:

[...] a fertilização assistida homóloga é caracterizada pela intervenção médica, facilitando casais que têm dificuldade em engravidar e levar a gestação a termo. Trabalha-se com o material genético do próprio casal, não gerando maiores dificuldades.

Na procriação assistida heteróloga, tem-se a participação de terceiro (s), sempre a título gratuito (Resolução nº 1.358/92, CFM, item IV, 1). O médico trabalhará com sêmen (e/ou óvulo) de terceira pessoa, realizando a fecundação em laboratório para, em seguida, implantar o embrião no corpo da mulher. Por isso, exige-se autorização expressa do marido ou do companheiro, de modo a viabilizar a procriação assistida na forma heteróloga. Essa autorização tem de ser expressa e escrita. Assim, a criança concebida por reprodução assistida heteróloga, pressuposta a anuência do marido ou companheiro, é, por presunção de lei, filha de quem autorizou o ato. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 592)

Desse modo, a seguir, estudaremos as modalidades em que os procedimentos in vivo e in vitro podem ocorrer, quais sejam, na forma homóloga e heteróloga, bem como será estudada também inseminação

38 Idem.

39 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 8. ed. Salvador: Ed. JusPovim, 2016, p. 592.

Referências

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