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Reflexões a respeito da dêixis em fábulas selecionadas no Livro I das fábulas de Fedro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

RACHEL MARIA CAMPOS MENEZES DE MORAES

REFLEXÕES A RESPEITO DA DÊIXIS EM FÁBULAS SELECIONADAS NO LIVRO I

DAS FÁBULAS DE FEDRO

NITERÓI 2013

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RACHEL MARIA CAMPOS MENEZES DE MORAES

REFLEXÕES A RESPEITO DA DÊIXIS EM FÁBULAS SELECIONADAS NO LIVRO I

DAS FÁBULAS DE FEDRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: Linguística. Linha de Pesquisa: Teoria e Análise Linguística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lívia Lindóia Paes Barreto

NITERÓI 2013

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

M827 Moraes, Rachel Maria Campos Menezes de.

Reflexões a respeito da dêixis em fábulas selecionadas no Livro I das fábulas de Fedro / Rachel Maria Campos Menezes de Moraes. – 2013.

68 f.

Orientador: Lívia Lindóia Paes Barreto.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2013.

Bibliografia: f. 65-68.

1. Literatura clássica. 2. Fábula. 3. Fábula latina. I. Barreto, Lívia Lindóia Paes. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título.

CDD 878

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RACHEL MARIA CAMPOS MENEZES DE MORAES

REFLEXÕES A RESPEITO DA DÊIXIS EM FÁBULAS SELECIONADAS NO LIVRO I

DAS FÁBULAS DE FEDRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de concentração: Linguística. Linha de Pesquisa: Teoria e Análise Linguística.

Aprovada em 05 de março de 2013

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Livia Lindóia Paes Barreto – UFF (Orientadora)

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vanda Cardozo de Menezes – UFF

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rivia Silveira Fonseca – UFRRJ

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Thereza Basílio Vieira – UFRJ (Suplente)

NITERÓI 2013

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais Rui Menezes de Moraes (in memoriam) e Luci Campos de Moraes, que ensinaram a mim e a meus irmãos a importância da vida em família e do conhecimento.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas oportunidades de crescer e aprender sempre mais e por ter me dado forças para atingir mais este objetivo.

A meus pais por sempre acreditarem em mim e ajudarem tão grandemente na realização dos meus ideais, meu muito obrigada.

A meus irmãos, Rafael e Ana, pelos momentos de alegria e descontração.

A meus familiares, em especial meus padrinhos Fátima e Fernando, minha tia Ana, meu tio Rogério pela ajuda de sempre e pela formatação e revisão atenta de meus trabalhos.

Ao CNPQ, pela concessão da bolsa, que facilitou a realização da pesquisa.

À Prof.ª Dr.ª Livia Lindóia Paes Barreto, minha orientadora, pelo carinho, atenção, amizade e orientação de sempre.

À Prof.ª Dr.ª Vanda Maria Cardozo de Menezes pela atenção, carinho e ajuda, no período em que fui bolsista da FAPERJ sob sua orientação durante o curso de graduação.

À Prof.ª Dra. Rivia Silveira Fonseca pelas sugestões e comentários que foram muito úteis e muito me ajudaram na defesa de projeto.

Aos professores do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense e da Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, pela ajuda de sempre.

A Nelma Pedretti, pela atenção, ajuda de sempre e pela formatação do texto final, de acordo com as normas da ABNT.

A Aparecida, Isabel e Yousra, pela atenção e ajuda.

A meus amigos Bianca Bartira, Débora Costa, Aline Guida, Thaíse Pereira Bastos, Monique Petin Kale dos Santos e, Douglas Gonçalves, pelos momentos compartilhados, pelo incentivo e pela ajuda.

A meus colegas de trabalho, professores do Instituto Benjamin Constant, pelo apoio. A meus alunos.

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“Contra potentes Nemo est munitus satis” (Fedro II,6) Ninguém está suficientemente protegido contra os poderosos.

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RESUMO

A palavra latina fabula indica uma narrativa curta, que contém diálogos entre os personagens. Visando analisar e discutir o uso da dêixis e seus elementos em língua latina, sob a ótica da referenciação, esta dissertação de mestrado apresenta sete fábulas selecionadas (do livro I de Fedro) por apresentarem passagens, em que o número de diálogos se equilibrava com as partes narrativas. O autor viveu em Roma durante o século I d.C. e sua língua ainda pode ser considerada clássica apesar do caráter de oralidade que apresenta. A importância deste estudo se dá pelo fato da possibilidade que apresenta de compreensão do comportamento desta estratégia de referenciação nos textos latinos assim como os tipos de dêixis predominantemente encontrados em cada caso: narração, diálogos e descrição.

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ABSTRACT

The Latin Word fable indicates a short narrative that contains dialogs among them characters. In order to analyze and to discuss the use of deixis elements’ in Latin Language in Refferentiation view, this master Dissertation presents seven selected fables of Phaedrus’ book I, by presenting passages in which equilibrated themselves with the narrative parts. The author lived in Rome, during I a.D century and his language can be considered classical, although it presents a character of orality. The importance of this study consists in the fact of the comprehension of the behavior of this refferentiation strategy in Latin texts as types of deixis in each case (narration, dialogs and description).

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. FEDRO E SUAS FÁBULAS NO CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL DE ROMA DURANTE O SÉC. I. D.C. ... 13 2.1. Fedro e a situação política de Roma ... 13

2.2. Gênero textual fábula ... 16

3. EMBASAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 23

3.1. Dêixis, referência e referenciação ... 23

3.2. Referencial Metodológico ... 42

4. LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS EXEMPLOS DÊIXIS NAS FÁBULAS ... 43 4.1. Fábulas Selecionadas ... 43 4.1. Primeira Fábula ... 43 4.2. Segunda Fábula ... 47 4.3. Terceira Fábula ... 49 4.4. Quarta Fábula ... 51 4.5. Quinta Fábula ... 54 4.6. Sexta Fábula ... 57 4.7. Sétima Fábula ... 60 4.2. Tipologia da Dêixis ... 62 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 65

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1. INTRODUÇÃO

Nosso primeiro contato com fábulas se deu ainda na infância, por meio da obra de Monteiro Lobato. A estrutura simples das narrativas com a presença de animais dialogando e agindo como seres humanos atraíram nossa atenção.

Mais tarde, no Instituto de Letras da UFF, cursando habilitação em inglês tivemos nosso primeiro contato com latim: o estudo dessa língua aguçou-nos a curiosidade. Do material de estudos constava a fábula “Vacca et Capella, Ouis et Leo” de autoria de Fedro. Nesta fábula mais uma vez a presença de animais e o uso dos pronomes demonstrativos definitivamente foram nossos condutores no caminho da leitura e tradução dos textos latinos.

Por ocasião da Bolsa de Iniciação Científica/FAPERJ, sob orientação da Profa Dra Vanda Maria Cardozo de Menezes, com o projeto “Léxico e Referenciação: Nomeação, Nominalização e Anáfora” foi analisada a progressão referencial em diversos gêneros textuais, dentre eles, diálogos e fábulas. Na oportunidade realizamos diversos trabalhos com outras fábulas latinas com a tradução e a análise da progressão referencial nas mesmas.

A nossa decisão pelo estudo da dêixis nas fábulas, construções discursivas em versos, se deu pela observação do emprego recorrente dos pronomes demonstrativos e dos pronomes pessoais sujeitos, estes últimos não são de uso muito comum nos textos latinos. Daí o nosso interesse pela análise do livro I, especificamente, a partir da proposta de sentido que o poeta dá ao texto. Na nossa ótica, o fabulista, ao elaborar a sua produção literária, vê, nas circunstâncias contextuais, todo o material para a construção dos seus “libelli”.

O objetivo geral do trabalho é, portanto, apresentar uma reflexão sobre os diferentes usos da dêixis em língua latina visando à discussão dos elementos dêiticos, em particular, verbos, pronomes pessoais, advérbios e demonstrativos. Dentre os objetivos específicos destaca-se o fato de a pesquisa visar a uma nova contribuição de abordagem da sintaxe latina utilizando-se do emprego da dêixis.

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Como arcabouço teórico, utilizamos a Linguística Textual, uma disciplina científica que tem o texto como o seu objeto de investigação, considerado como forma específica de manifestação de linguagem. Além disso, ela pressupõe a investigação da constituição e da compreensão dos textos. Foram utilizados, KOCH (2002), BENVENISTE (1989), FONSECA (1996), entre outros trabalhos.

Algumas justificativas para o desenvolvimento do trabalho são o estudo da relação entre os conceitos de dêixis e referenciação em língua latina e o desconhecimento de pesquisas sobre o emprego da dêixis em latim, tomando-se como corpus sete fábulas selecionadas do livro I de Fedro.

As hipóteses que norteiam o trabalho são:

• A dêixis não é incompatível com a abordagem da referenciação, já que também se trata de referência discursiva e sócio-cognitiva;

• A dêixis é um fenômeno majoritariamente situacional. O fato de apontar objetos no espaço ou no tempo não indica necessariamente objetividade referencial.

No segundo capítulo será feita uma contextualização do autor das fábulas na situação política em que Roma se encontrava na época da dinastia Júlio Claudia, século em que Fedro escreveu sua obra.

Ainda neste capítulo, será feito um estudo do “gênero literário” fábula. Serão apresentadas, deste modo, suas características assim como a conceituação do gênero narrativo com embasamento nas classificações apresentadas por MARTIN & GAILLARD (p. 7-22).

A seguir faremos considerações a respeito das fábulas de Fedro – objeto de estudo deste trabalho – bem como apresentaremos outros fabulistas que escreveram em língua latina e que tiveram Fedro como fonte de inspiração: Aviano e Hygino.

No terceiro capítulo faz-se um estudo do embasamento teórico-metodológico, com informações sobre as duas teorias estudadas no trabalho: referenciação e dêixis, ambas, teorias discursivas.

No quarto capítulo faz-se o levantamento dos exemplos e tipos de dêixis encontrados nas sete fábulas do livro I de Fedro, A seleção das fábulas foi feita tomando-se por base a questão das partes dialogadas: das 31 selecionamos 07 que continham diálogos

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de maior extensão e por isso se prestavam para a exemplificação Desta forma, este capítulo é onde se verifica o foco desta pesquisa.

Como metodologia, fizemos a leitura atenta de todas as fábulas e o levantamento dos tipos de dêixis (pessoal, espacial, textual e temporal) naquelas que apresentavam maior parte dialogada, já que nosso principal intuito era a análise da dêixis pessoal, notadamente presente em diálogos, neste caso, na interação dos personagens/animais, que interagem em uma situação comunicativa, como enunciadores. Observamos a interação entre elocutor e elocutário “eu” versus “tu” enunciativo, que representam as duas categorias de “pessoa” do discurso, analisando as ocorrências dêiticas tanto na primeira quanto na segunda pessoa do discurso, segundo Benveniste (1989).

Não analisaremos, nas fábulas, os exemplos de dêixis em que ocorre terceira pessoa do discurso, já que, ainda segundo o autor, esta se trata de uma não-pessoa e, deste modo, como não se envolve nos diálogos por não ser elocutor nem elocutário, não será objeto de nossa atenção.

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2. FEDRO E SUAS FÁBULAS NO CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL DE ROMA DURANTE O SÉC. I D.C.

2.1. Fedro e a situação política de Roma

Durante algum tempo foram várias as interrogações a respeito da vida, local de nascimento e mesmo do seu nome: Phaeder ou Phaedrus. A resposta definitiva surgiu por volta do ano 1895 quando da publicação da edição paleográfica de Ulysses Robert, que trouxe a público o famoso manuscrito de Pierre Pithou. Com base neste documento podemos afirmar, com segurança, que Fedro nasceu na Trácia, país de língua grega e foi levado para Roma como escravo. Ele próprio nos revela o local do seu nascimento, no Prólogo do livro III das suas fábulas:

“Ego quem Pierio mater enixa est iugo” (v. 17)

Trad.: Eu a quem a mãe deu à luz na cadeia dos montes Piérios.

A data do seu nascimento é próxima da era cristã (séc. I d.C.). De acordo com as inscrições: C.I.L. 3, 5802; 6, 8562, 9958, 24507, o nome correto é Phaeder, que traduzimos em português por Fedro. Nascido escravo, em Roma, foi libertado pelo imperador Augusto e assim ele se apresenta aos seus leitores. Entre os anos 14 e 31 d.C. compõe seu primeiro livro de versos. O desenrolar dos acontecimentos de sua vida deixou traços marcantes e nítidos em seus versos e diálogos que fazem alusões a fatos sociais da Roma da sua época. Citamos como exemplo a fábula 51 – Lupus ad Canem (III, 17) onde, segundo M. Louis Havet (Havet apud Brénot, Introduction, p. 8)

“Sob a forma de diálogo entre dois animais, o autor dissimula um fundo de “realidade”: um acontecimento que teve lugar no ano 16 d.C., provavelmente na época em que era jovem ainda. Os animais representam dois príncipes irmãos: um é o herói da independência de sua nação, o outro um oficial a serviço do inimigo. O lobo é um personagem conhecido, Arminius, chefe cherusco vencedor de Varus, o cão é seu irmão Flauus que durante algum tempo cobrava tributo dos romanos.”

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É preciso, diz Havet,

“Com a ajuda dos historiadores, quando as circunstâncias o permitem decifrar as fábulas de Fedro como se decifra, em um velho jornal, linhas cheias de uma vida latente”. (Apud BRÉNOT in Introduction, Les Belles Lettres, p. X).

Assim, torna-se evidente, uma das características importantes das fábulas de Fedro: elas podem ser consideradas como uma escrita de comprometimento onde o autor considera as circunstâncias contextuais como matéria para a sua produção: sob a pele dos animais em enfrentamentos e diálogos imaginários está escondida uma crítica severa aos valores morais da época.

Uma das hipóteses para a datação da obra é a de que Fedro deve ter escrito os primeiros dois livros durante o reinado de Tibério, pois ele informa, no prólogo do livro III, a respeito de um processo intentado contra ele por Sejano, já que este último suspeitava que houvesse, nas fábulas, maledicência contra os poderosos da época. Como o fabulista continuou a escrever até o reinado de Cláudio, ele deve ter saído incólume deste processo.

“Quodsi accusator alius Seiano foret,

si testis alius, a íudex alius denique,” (V.17-18)

Trad.: Si eu tivesse tido um outro acusador que não Sejano, uma outra testemunha, enfim,

um outro juiz,...

O conjunto da obra compõe-se de cinco livros de fábulas, dos quais chegaram até nós todos os prólogos e partes desiguais de cada um dos livros, formando um total de 135 fábulas conhecidas.

A partir dos manuscritos, foram feitas diversas antologias e, ainda, durante a chamada Baixa Latinidade, o poeta é lembrado por Aviano, fabulista que viveu, provavelmente, entre os séculos III e IV d.C.. Ao relembrá-lo, no prefácio de sua obra, Aviano nos dá certeza de que a obra do fabulista macedônico era composta de cinco livros:

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“Pahedrus etiam partem aliquam quinque in libellos resoluit”

Trad.: “Fedro também dividiu uma certa parte delas em cinco livretos” (in: AVIANUS,

Fables. Texte établi et traduit par Françoise GAIDE. Paris, Les Belles Lettres, 2002.

Como afirmamos, o fabulista viveu no século I d.C., mais especificamente, sob a dinastia Julio-Claudia. Esse período, que teve início em, aproximadamente, 14 e término em 68 d.C. caracterizou-se pelas relações conturbadas entre o principado e a antiga classe dirigente de Roma e pode ser visto como o início do processo de decadência do Império Romano. O regime encaminhava-se para uma autocracia e a crise era latente. Para Fedro, o fator primordial das discórdias eram as desigualdades entre as classes sociais divididas entre patrícios, plebeus e escravos. O fabulista não poupou esforços para denunciar e argumentar a respeito da situação dos oprimidos subjugados por opressores como, por exemplo, na fábula Lupus et Agnus (I,1) em que o lobo simboliza o opressor e o cordeiro os escravos oprimidos, considerados instrumento de trabalho sem qualquer outro direito. A fábula se fecha com a seguinte moral:

“Haec propter illos scripta est homines fabula, Qui fictis causis innocentes opprimunt” (I,14-15)

Trad.: Esta fábula foi escrita por causa daqueles homens que oprimem os inocentes com

pretextos falsos.

A importância desta contextualização reside no fato de que a partir dela temos embasamento para a compreensão da criação poética do autor. No item seguinte serão feitos estudos a respeito do gênero textual utilizado por Fedro.

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2.2. Gênero textual fábula

A palavra latina fabulla, assim como a equivalente grega apologos indica uma narrativa principalmente aquela que contém diálogos entre os personagens. O primeiro sentido deste vocábulo é, portanto, o de “conversação”. Há ainda a fábula relacionada à “peça de teatro” (fabula palliata) e fabula togata. A fábula apólogo, por sua vez, se inclui no gênero narrativo, porém, a sua brevidade não permite colocá-la no plano das grandes formas narrativas (epopeia, romance e história).

Segundo ERNOUT & MEILLET (1967, p. 245),

“esta palavra tem sua origem no verbo For, faris, fatus sum, fari, que significa falar, porém quase não é usado. Já em Cícero aparece pouco usado; a partir do século II, ele se encontra apenas na língua literária e em algumas fórmulas.”

Os autores ainda destacam os seguintes significados:

“Fábula: conversa, daí assunto (ou objeto da conversa), “narrativa"; em particular:

1º narrativa dialogada e colocada em cena: fabula scaenica, fabula ad actum scaenarum composita, peça de teatro ou fábula;

2º fabula como uerbum opondo-se a res, facta designa uma narrativa enganosa ou fictícia, fabula; daí fabulae = canções! ou histórias! [...].”

Deste modo, a fábula é uma pequena narrativa que serve para ilustrar algum vício ou alguma virtude do ser humano e encerra, invariavelmente, uma lição de moral. Assim, pode-se perceber, neste gênero, uma característica sintética e moralizante.

De maneira diferente das grandes narrativas (a epopeia, a história e o romance) a fábula é normalmente uma narrativa breve que pode ter aproximadamente 20 versos no total. Assim, em Roma, a fábula era considerada um gênero menor por excelência e se caracterizava, ainda, por ter como forma métrica o senário iambico, o que a aproximava de gêneros como o epigrama. A fábula, além disso, contém uma moral (na maior parte das vezes explícita, mas às vezes implícita) antecedente ou subsequente à narrativa e que confere um caráter didático ao poema. Martin coloca o que chama de “pequeno gênero”,

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entre as formas do gênero narrativo fornecedor de uma excelente transição das obras narrativas para as obras demonstrativas também denominadas didáticas. (MARTIN&GAILLARD, 1981, 12-13)

A fábula pode ser comparada, ainda, com a parábola. Ambos os gêneros apresentam como características a inserção de imagens e exemplos. A primeira utiliza também as atitudes das aves e dos animais para receber deles incentivos perceptivos para a captação de certos aspectos da vida humana.

Na Roma antiga, o gênero fábula foi ilustrado por três autores, dentre os quais se inclui Fedro. São representantes deste gênero 177 pequenos poemas no total. Das 135 fábulas escritas por Fedro, 47 tratavam de assuntos tirados de Esopo e as outras eram originais.

O segundo fabulista, Aviano, é um poeta latino da chamada Baixa Latinidade (aproximadamente século IV d.C.). Ele compôs 42 fábulas e, no Prefácio dedicado a Teodósio (Ad Theodosium), menciona como fonte para as suas composições não só Esopo, mas também Fedro. Diferentemente do seu antecessor latino, Aviano usa o dístico elegíaco como o metro de suas fábulas. Vale ressaltar que Aviano (que teve como fonte principal o fabulista grego Babrius, (no século II ou III d.C. ele foi o equivalente helênico de Fedro) conheceu um grande sucesso durante a Idade Média: não só pela facilidade do dístico elegíaco como pela ausência de qualquer licenciosidade que caracteriza o conjunto, também, sob este aspecto, o de Fedro.

Hygino, o terceiro fabulista latino, viveu de aproximadamente 64 a.C. a 17 d.C.. Tal como Fedro, Hygino era liberto de Augusto. Julga-se que ele era espanhol e, pelo que se sabe, foi bibliotecário do Palatino, talvez a partir do ano 28 a.C. Além disso, foi um famoso antiquário. Pode-se afirmar, ainda, que Hygino escreveu sobre agricultura. A respeito de Esopo, fabulista grego, julga-se que ele viveu no século VI a.C., mas não se sabe, quase nada sobre a vida do autor e nem se ele existiu realmente.

Foi atribuída a Esopo uma compilação de contos (muito breves) escritos em prosa que colocavam em cena animais e incluíam uma conclusão que tirava uma moral da história. Isto não significa, todavia, que Esopo tenha sido um moralizador. As suas fábulas estavam isentas de moral e narravam um conflito no qual havia a oposição entre um forte e um fraco e indicavam as várias maneiras através das quais este conflito se resolve. Desta forma, tratava-se de uma moral prática.

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Voltemos a Fedro: ele retoma a tradição esópica, mas com traços de originalidade métrico-formal como, por exemplo, o uso do senário iâmbico, estrutural e semântico. Sua métrica pode ser comparada com a de Plauto e se traduz, inicialmente, por meio da escolha poética. Fedro, segundo alguns, teve como ancestral Sócrates por meio de Platão que o apresenta distraindo-se a compor fábulas, enquanto aguardava o momento do retorno do navio sagrado de Delos. O fabulista escolheu como metro, o senário iambico (o mais prosaico e o mais simples de todos os metros), utilizado no teatro para as cenas faladas em tom de conversa normal em oposição às cenas declamadas e às partes líricas que continham “livreto” e “divisão”.

Pode-se dizer que a fábula de Fedro também é original devido à escolha dos assuntos: somente pouco mais de um terço das suas fábulas são adaptadas de Esopo; para as outras, o poeta dá livre curso a sua imaginação, contando, como Esopo, histórias de animais ou personagens humanos dentre os quais o próprio Esopo.

Alguns outros personagens humanos que apareciam em suas fábulas eram Sócrates e Menandro. Destacam-se, dentre as peças com assunto humano, algumas narrativas longas, que não se devem considerar propriamente fábulas, mas novelas em miniatura, com narrativas de histórias ou “fatos diversos”. Dentre estas, destacam-se a do marido desconfiado que mata o próprio filho, pensando ser ele o amante de sua mulher (III, 10), ou o “conto Milesiano” da Matrona de Éfeso ( Appendix,13) que se encontra, de forma mais desenvolvida, no Satyricon, supostamente, de Petrônio, que teria vivido na mesma época de Fedro. A respeito deste conto vale a pena destacar que La Fontaine, por sua vez, incluiu-o em sua obra. Vale ressaltar ainda, a predileção de Fedro por assuntos escabrosos, o que fez com que Alice Brénot substituísse na edição, Les Belles Lettres, algumas passagens de suas fábulas por linhas pontilhadas na tradução do texto francês.

Apesar de não ser fácil classificar as composições de Fedro entre os quatro gêneros fundamentais (dramático, narrativo, demonstrativo e afetivo) propostos por Martin & Gaillard (p.12-13, T.I), a partir de critérios de escrita e conteúdo, a leitura das Fábulas nos mostra que não há dificuldade para determinar-lhes a concepção. O próprio autor desde o livro I, e em todos os prólogos dos demais livros, explicita a função e concepção dos seus versos.

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Segundo Martin&Gaillard, (op. cit., p. 163), “no prefácio do seu primeiro livro [...], o poeta explicita sua concepção de fábula: ela tem por função “fazer rir” (risum mouere) e

“advertir pelo exemplo” (exemplum monere).

No Prefácio do livro II ele nos diz da finalidade da fábula: o poeta se dirige a Ilius um personagem desconhecido nos versos 1-4:

Exemplis continetur Aesopi genus.

nec aliud quicquam per fabellas quaeritur quam corrigatur error ut mortalium acuatque sese diligens industria.

Trad.: O gênero de Esopo é sustentado com exemplos e nenhum outro é procurado pelas

fábulas senão para que o erro dos mortais seja corrigido e a atividade diligente se anime.

No Prólogo do livro III (versos 1-11)

Phaedri libellos legere si desideras, uaces oportet, Eutyche, a negotiis, ut liber animus sentiat uim carminis.

“Verum “inquis “tanti non est ingenium tuum momentum ut horae pereat officiis meis.” 5

Non ergo causa est manibus id tangi tuis, quod occupatis auribus non conuenit. Fortasse dices: ”aliquae uenient feriae, quae me soluto pectore ad studium uocent.”

(21)

Legesne quaeso potius uiles nenias, 10

Impendas curamquam rei domesticae,

Trad.: Se desejas ler os livrinhos de Fedro ó Euticho, é necessário que te afaste dos

negócios, para que o teu espírito livre possa sentir a força do poema.

“Verdadeiramente”, dizes, “não é tão grande o teu talento, para que um momento do meu tempo se perca para os meus trabalhos”.

Portanto, não há razão para tocares com tuas mãos este livro o qual não convém a ouvidos ocupados.

Talvez digas: “Alguns dias livres virão, os quais me convidarão para o estudo, quando eu tiver minha mente livre”.

Por favor, é preferível ler essas canções sem valor do que te ocupares com teus afazeres domésticos...

O poeta opõe a fábula, “canções sem valor” (uiles uenias)

(MARTIN&GAILLARD, op. cit., p. 163) ao gênero sério que exige uma leitura atenta. Dirige-se a Euticho, segundo Brénot (1979, p.33) deve tratar-se de algum liberto e como Fedro liberto do imperador. O Prólogo deste livro é como se fosse um monólogo de Fedro que tem Euticho como interlocutor passivo, o poeta ainda ressalta o pouco valor de sua obra ao dizer que para ler seu “livrinho” é necessário que se esteja com tempo livre e sem negócios. Este ponto de vista é confirmado no prólogo do livro IV onde Fedro acrescenta “inlitteratum plausum non desidero” (Pr. v.20) (Trad. “não pretendo os aplausos dos ignorantes”). Martin&Gaillard afirmam que para Noejgaard, a grande originalidade de Fedro consiste em modificar o conflito de interesse esópico, de forma a admitir um duplo valor, traduzindo uma realidade física e um sistema moral. O conflito seria, desta forma, construído sobre um jogo de oposição: (uma oposição “esópica” entre o mais forte e o mais fraco – conflito “físico”) e uma oposição ética entre um personagem maldoso e um personagem inocente – conflito “moral”, o maldoso pode ser tanto o fraco quanto forte.

Noejgaard ainda afirma que Fedro retrata as relações sociais (com o mundo dos animais figurando as relações sociais humanas e representando uma realidade bem determinada: a Roma contemporânea). De acordo com o pensamento fedriano, o mundo

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estaria dividido em dois grupos: os ricos e poderosos de um lado aos quais todos os outros se opõem. Desta forma, a solidariedade dos escravos e dos proletários contra os seus senhores seria um ensinamento direto da fábula de Fedro.

Fedro sempre tomaria o partido dos “pequenos”. No entanto, apesar de uma tentação revolucionária (expressa, segundo Noejgaard (apud MARTIN&GAILLARD, op. cit., p. 162-165), em I, 28 onde a raposa ameaça colocar fogo no carvalho onde habita uma águia que roubou os seus filhotes), ele repele – se bem que antigo escravo – esta tentação, já que está profundamente convicto de que, se a sociedade se baseia em um mal, a sua revolta é um outro, como assinalado nas fábulas 16 e 18 do Appendice, que tratam do problema da escravidão. Para Fedro, pois, a resignação será uma necessidade.

Vale ressaltar também que Noejgaard conclui que Fedro é um dos literatos mais originais da época imperial. Suas fábulas exprimem, muito clara e intensamente na literatura latina, sentimentos, aspirações e decepções de uma classe social covardemente traída por outros poetas. A arte de Fedro, contudo, reproduz “uma visão trágica da existência humana”. Ele se encontra, do ponto de vista político e social, em um impasse, pois, como todo oprimido liberado se conduz como opressor, considera a virtude irrealizável.

Alguns críticos admitem que, em diversas fábulas de Fedro, é possível se fazer uma leitura política. Considerado “um contador agradável, de uma inspiração muitas vezes anarquizante.” (BRÉNOT, op. cit., p. 77). No entanto, ele é um pensador profundo.

No plano literário, Fedro é um perfeito representante do estilo “Ático”. Sóbrio e despojado, sua escrita não é seca como a de Esopo, tanto que René Goast não hesita em falar das “insípidas fábulas de Fedro”. Vale ressaltar, todavia, que ele é excelente nos diálogos, o que nos interessa particularmente, para o estudo da dêixis.

Maingueneau (2001, p. 73) destaca que: “o universo das fábulas é tecido de

“transições” de todos os tipos: entre o animal e o humano, o humano e a natureza, o familiar e o nobre, o fútil e o sério”.

Vale ressaltar ainda, que a fábula é um gênero antigo e é encontrada em diversas culturas e em vários períodos da história. Seu caráter universal se deve ao fato de ter grande ligação com a sabedoria popular.

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Desta tradição temos a necessidade de querer buscar uma explicação ou causa para o que acontece em nossas vidas ou nas de outras pessoas, ou tentar tirar delas algum ensinamento útil ou lição prática. A moral de algumas fábulas se tornou provérbios, inclusive, nas línguas ocidentais.

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3. EMBASAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Para que possa ser feito um estudo dos conceitos relativos ao fenômeno da dêixis em língua latina, as Fábulas de Fedro foram escolhidas como fonte de pesquisa. Em um primeiro momento a mesma esteve centrada na questão da contextualização do autor do

corpus e mesmo da obra, em relação ao momento em que ele viveu. A seguir foram feitas a tradução e análise do texto latino bem como considerações a respeito do gênero fábula. A partir do material estudado foram analisadas e discutidas as características deste gênero textual, em geral, e das fábulas de Fedro, em particular. O segundo momento da pesquisa está voltado então para a aplicação das teorias estudadas durante o curso de graduação e a sua aplicação nas Fábulas de Fedro. Como usaremos um corpus em língua latina, nossa exemplificação será feita sempre com termos latinos.

3.1. Dêixis, referência e referenciação.

Desse modo, será apresentada a trajetória dos estudos de referência aos estudos de referenciação (incluídos na Linguística textual), assim como um percurso histórico dos estudos da dêixis e de sua tipologia.

A Linguística textual é uma das disciplinas científicas que tem como objeto de investigação o texto e não a palavra ou a frase. Os textos são considerados como forma específica de manifestação da linguagem. A linguística textual, assim, trata o texto como um ato de comunicação num complexo universo de ações humanas. Deve, por um lado, preservar a organização linear (o tratamento estritamente linguístico, aspecto da coesão) e por outro lado, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não-linear (níveis do sentido e intenções, responsáveis pela coerência – aspecto semântico e funções pragmáticas).

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Segundo Koch (1997, p. 67), “A origem do termo, [linguística textual] [...] remonta a Coseriu (1955, apud KOCH, 1967), embora ele só tenha sido empregado pela primeira vez, com o sentido que possui hoje em dia, por Weinrich (1966-1967)”.

Ainda segundo a autora (idem), a Linguística Textual vem tendo, desde então, um grande desenvolvimento, tendo passado por momentos diferentes e se inspirado em diferentes modelos teóricos, o que não deixa de ser bastante natural numa ciência em processo de desenvolvimento.

É possível distinguir, segundo Comte, três momentos principais na passagem da teoria da frase à teoria do texto: da análise transfrástica, das gramáticas textuais e da teoria ou linguística do texto. (1976, apud KOCH, 1997, p. 67).

De modo diferente de Comte, para Koch (ibidem), há uma ordem cronológica nessas três fases. No primeiro momento, o da análise transfrástica, percebeu-se a necessidade de se ultrapassar os limites da frase para que fosse possível dar conta de fenômenos como referenciação, seleção de artigo, concordância dos tempos verbais, relação semântica entre frases não ligadas por conectivos, fatos de ordem prosódica etc.. Tentou-se encontrar regras para o encadeamento de sentença, através dos métodos utilizados na época na análise sentencial, procurando ampliá-los para abranger pares ou sequências maiores de frases. Dessa forma, eram observadas no nível transfrástico (ou interfrasal) diversos fatos estudados no nível sentencial, tais como questões sobre a correferência, a conexão entre orações, a relação tópico/comentário, entre outros. Vale ressaltar que, neste momento, o texto é definido como “sequência pronominal ininterrupta” (HARWEG, 1968 apud KOCH, 1997, p. 67) ou “sequência coerente de enunciados” (ISENBERG, 1970; BELERT, 1970 apud KOCH, 1997, p. 67).

Pesquisadores de ambas as linhas, tanto da estruturalista quanto da gerativista, se dedicaram a essas questões. Todavia, as tentativas do desenvolvimento de uma linguística textual como uma linguística da frase corrigida ou ampliada, se mostraram infrutíferas.

As gramáticas textuais, que objetivam propor reflexões a respeito de fatos inexplicáveis pela gramática sentencial, começam, então, a ser elaboradas, durante a década de 1970. Nestas gramáticas, destaca-se a descontinuidade entre frase e texto, já que há, entre ambos, uma diferença não de ordem quantitativa, mas qualitativa.

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Entre os principais estudiosos das gramáticas de texto encontram-se estruturalistas como Weinrich e seguidores da gramática gerativa ou estudiosos que se formaram no interior do gerativismo como, por exemplo, Van Dijk, em seus trabalhos do início da década de 1970, de Lang (1971, 1972) e de Petofi (1972, 1974). Dessa forma, abandona-se o método ascendente (da frase para o texto). Procura-se, a partir da maior unidade (o texto) chegar-se às unidades menores e, consequentemente, classificá-las.

A segmentação e a classificação, todavia, só poderão ser realizadas desde que não se perca a função textual dos elementos individuais. Segundo Hartmann (1968, apud KOCH, 1997, p. 68), “O texto é considerado como o signo linguístico primário, atribuindo-se aos atribuindo-seus componentes o estatuto de signos parciais”. Vale ressaltar, na faatribuindo-se das gramáticas textuais, a importância da competência textual (capacidade que o leitor tem de reconhecer se um texto está completo ou não, assim como de parafraseá-lo ou resumi-lo).

O texto é, de acordo com essa visão, uma entidade do sistema linguístico cujas estruturas possíveis em cada língua são determinadas pelas regras de uma gramática textual.

Todavia, depois de alguns anos, os pesquisadores notaram a inviabilidade das gramáticas textuais e este projeto foi, finalmente, abandonado.

A terceira fase (fase da teoria do texto ou da linguística textual, propriamente) pressupõe a investigação da constituição, do funcionamento, da produção e da compreensão dos textos.

Assim, os textos são estudados tendo em vista seu contexto pragmático, ou seja, a investigação ultrapassa o texto e se estende ao contexto. Entende-se por contexto, "[...] o conjunto de condições – externas ao texto – da produção, recepção e interpretação dos textos." (KOCH, op. cit., p. 69).

Os estudos da referência à referenciação passaram por um longo percurso histórico desde a abordagem clássica (estudos sobre referência) até a abordagem discursiva (estudos sobre referenciação, estágio atual).

Até o século XIX, como não existia uma ciência da linguagem, este estudo ficava vinculado à filosofia. Dentre as questões propostas pelos filósofos se inseriam aquelas a respeito do significado, da realidade, de proposições e da referência. No século I a.C., os estoicos elaboraram uma teoria sobre a linguagem.

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Segundo Araújo (2004, p. 19-20),

“Para eles, a razão recebe as ideias mediante as sensações, a memória e a experiência. Daí nascem os conceitos. A representação, sendo intelecção pela qual se reconhece a verdade das coisas, permite que haja assentimento, compreensão e pensamento. [...]”

No processo de significação, há três elementos: o significado, o signo e a coisa, que pode ser uma entidade física, uma ação, um acontecimento.

Os estóicos já distinguiam, naquele tempo, entre expressão, conteúdo e referente. Sua análise ainda distinguia os sons produzidos fisiologicamente daqueles articulados, ou seja, a palavra que necessita de um correlato para subsistir.

A distinção entre expressão, conteúdo e coisa, como observa Eco (1995, p. 39), já tinha sido aventada por Platão e Aristóteles. Os estóicos, todavia, elaboraram o problema da linguagem: é possível ouvir um som produzido pela voz humana e não compreendê-lo como querendo dizer algo. Dessa forma, para os estóicos, só se diz algo, só há palavra, se houver conteúdo de caráter não visível, incorpóreo, ente da razão. O dizível, que pertence a essa categoria, pode ser aproximado à noção de proposição. As palavras que a compõem são os significados. As partes da proposição, sujeito e predicado, são entendidas como “conteúdos, unidades culturais.”

Desse modo, nota-se, já entre os estóicos, referência ao que, mais tarde, seria denominada teoria da referência e, no século XX, teoria da referenciação.

Também merece destaque a contribuição de Agostinho (354-430), para uma teoria do signo e sua relação com a realidade. Segundo Araújo (op. cit. p. 21), na obra De

Magistro Agostinho considera que falar é “exteriorizar o sinal de sua vontade por meio da articulação do som” e que, quando não for possível indicar o significado das palavras abstratas apontando para algo, este sinal deve ser interpretado por meio de outro sinal como, por exemplo, um gesto. Se, entretanto, alguém não conhecer o sinal, ele poderá ser explicado pela ação correspondente. Se o sinal, ainda assim não for compreendido, são acrescentados mais sinais.

Para Agostinho, são considerados sinais gestos, palavras ou letras. As palavras são sinais verbais que remetem a outros sinais; isso demonstra, por parte de Agostinho,

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conhecimento a respeito do que, mais tarde, seria explicado como “teoria da referência”. Segundo o autor, as orações são compostas por nomes e a presença de um verbo assegura tratar-se de uma proposição.

Vale destacar que, enquanto a palavra resulta da verbalização, o nome se relaciona ao que o espírito conhece ou compreende. Portanto, para memorizar, pergunta-se o nome de algo e não a palavra utilizada para nomear. Desta forma, Agostinho esboça o problema da nomeação.

Ainda vale ressaltar que, segundo AGOSTINHO (apud ARAÚJO, op. cit. 21-22),

“O significado se esvazia se não houver referente, conteúdo, coisa significada, tanto que conhecer as coisas é preferível que conhecer os sinais correspondentes; falar é valioso porque possibilita [...] usar os sinais no discurso. Apesar de a maioria das coisas depender do sinal para ser transmitida e ensinada, o conhecimento resultante é mais valioso do que os sinais [...]”

Também merece destaque o Nominalismo, do qual Quine foi um dos maiores defensores. Para este estudioso, “[...] os conceitos referem não pela relação com as coisas, mas devido a certas relações que as classes estabelecem [...]”.

Além da contribuição de Agostinho e de Quine, com o Nominalismo, (mencionados acima), merece destaque, ainda, no que diz respeito aos estudos sobre referência, a teoria de Saussure (1852-1913), que nasceu em Genebra e é considerado o pai da linguística e do estruturalismo. Para o mestre genebrino não há relação direta entre os signos linguísticos e os referentes aos quais se referem estes signos. (apud ARAÚJO, op. cit.)

Chegando a um estágio mais recente da trajetória de estudos sobre a referência, merece destaque a teoria exposta em Halliday & Hasan (1976 apud SILVA, 2004). Segundo os autores, a referência é um dos mecanismos coesivos principais para um texto ter significado e se constituir como texto.

Desse modo, os mecanismos coesivos ao conectarem as partes do texto, lhe dão textura. A coesão, segundo Halliday & Hasan (1976, p. 3 apud SILVA, 2004, p. 8), “refere-se às relações de significado que existem dentro do texto e que o definem como um texto”. A coesão é, assim, compreendida como um conceito semântico, pois entre os

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enunciados do texto se estabelecem relações de sentido, a interpretação de um elemento (forma pronominal, verbal, adverbial), depende da interpretação de outro elemento.

Um texto que tem textura é aquele em que alguns itens lexicais estão interconectados, no sentido de um item fornecer informações para a interpretação referencial de outros.

A referência, que é dividida por Haliday & Hasan (1976, apud SILVA, 2004) em intratextual (ou endofórica) e extratextual (ou exofórica) é um dos mecanismos de coesão. Enquanto a referência endofórica ocorre entre dois ou mais itens lexicais da superfície textual, a exofórica ocorre entre um item lexical e algo extratextual,

“[...] mas não como relação direta e de etiquetagem de objetos/fatos do mundo da realidade. Em ambos os tipos, os itens lexicais referem-se indicialmente a objetos, indivíduos, relevantes para a construção de determinado texto: grosso modo postura condizente com abordagens sobre texto e referência na linguística em geral.” (SILVA, 2004, p. 8-9)

A referência intratextual (ou endofórica) ocorre quando um elemento retoma algo anteriormente mencionado (relação anafórica) ou antecipa algo posterior (relação catafórica) constituindo, desta forma, elos coesivos entre dois itens lexicais.

Quando ocorre coesão (ou progressão referencial) entre várias expressões, há o que se denomina cadeia coesiva. Vale destacar que, para Haliday & Hasan (1976, apud SILVA, 2004), na referência endofórica, a correferência (identidade referencial) atua como processo coesivo. Para esses autores, esse tipo de referência pode ocorrer de diversas maneiras: pessoal (o item é um pronome pessoal ou possessivo), demonstrativa (o item é um pronome demonstrativo ou advérbio indicativo de lugar) e comparativa (que ocorre indiretamente, através de identidades ou similaridades). A forma linguística é, para os autores, um elemento importante na relação de referência.

Na abordagem clássica da referência, finalmente, merece destaque ainda a ideia do “espelho”. Os referentes pertencem, de acordo com esta ideia, necessariamente, à realidade concreta e atuam como um “espelho” que reflete esta realidade. Dessa forma, só é possível fazer referência ao que existe na realidade concreta e, portanto, no mundo real.

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“[...] as respostas a respeito de como a língua refere o mundo são diferentes, de acordo com os diversos quadros conceituais. A maior parte delas, porém, pressupõe ou visa uma relação de correspondência entre as palavras e as coisas, correspondência dada, preexistente e perdida [.] esta perspectiva se exprime através das metáforas do “espelho” e do reflexo e, mais recentemente, do “mapeamento” (mapping matching), que se referem todas a uma concepção especular do saber e do discurso, considerada como uma representação adequada da realidade.” (RORTY, 1980 apud MONDADA & DUBOIS, 2003)

Menezes (2009, p. 37), afirma que “[...] a trajetória do pensamento sobre referência é acompanhada pelo dilema das dicotomias, o que de alguma forma também ocorre com as trajetórias de concepção de outros fenômenos de linguagem.” Segundo a autora, há, no que diz respeito aos estudos sobre este assunto, outra dicotomia, representada por uma concepção de estabilidade referencial, que corresponderia ao estado das coisas no mundo, versus uma concepção de desestabilidade generalizada, que impediria qualquer possibilidade de apreensão.

Segundo Koch (2002, p. 79, “[...] a referenciação é uma atividade discursiva, [...] pressuposto este que implica uma visão não referencial da língua e da linguagem.” Essa visão da referenciação, como uma atividade discursiva e cognitiva é compartilhada por vários autores, como mencionado abaixo.

Cavalcanti (2005, p. 125) afirma que “é da inter-relação entre língua e práticas

sociais que emergem os referentes, ou “objetos-de-discurso”, por meio dos quais percebemos a realidade que [...] nos afeta.”. Deste modo, os referentes não são entidades congeladas, e sim uma instância de referencialidade efêmera.

Segundo Marcuschi (apud CAVALCANTI, 2005, p. 125),

“Tudo indica que o melhor caminho não é analisar como representamos o que representamos, nem como é o mundo ou a língua, e sim que processos estão envolvidos na atividade de referenciação em que a língua está envolvida. Não vamos analisar se o mundo está ou não discretizado nem se a língua é um conjunto de etiquetas ou não. Vamos partir da ideia de que o mundo e o nosso discurso são constantemente estabilizados num processo dinâmico levado a efeito por sujeitos sócio-cognitivos e não sujeitos individuais e isolados diante de um mundo pronto”.

Atualmente, na referenciação, fala-se em estratégias de progressão referencial, que podem ser definidas como estratégias que possibilitam a construção e manutenção dos

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referentes (ou objetos de discurso) em um texto, seja ele oral ou escrito. Dentre as estratégias de progressão referencial, destacam-se a anáfora (com seus diversos tipos), a recategorização, o encapsulamento e outras.

É importante mencionar, também, a teoria dos protótipos e sua relação com definições a respeito de dêixis. O estudo dos protótipos no que diz respeito à dêixis será aprofundado no decorrer da pesquisa.

Como afirma Duque (2001), “Na versão padrão [da teoria dos protótipos], formulada por E. Rosch e seu grupo, no início dos anos 70, o protótipo é considerado o exemplar mais adequado, o melhor representante ou caso central de uma categoria”. Ainda segundo o autor, passa, posteriormente, a ser definido como o exemplar idôneo de uma categoria.

Anáforas e introduções podem ser dêiticas ou não dêiticas, de acordo com a interpretação dos fenômenos da dêixis. Para que um processo referencial seja considerado dêitico, ele precisa fazer apelo ao ponto de origem onde se situa o falante ou o coenunciador. Assim, pode-se considerar o cruzamento entre anáfora ou introdução referencial e dêixis.

Para que seja possível se compreender os dêiticos é necessário que haja a explicitação na situação comunicativa em que estes são empregados. A dêixis é utilizada para “mostrar” algo, por isso este termo significa “apontar para algo”.

A mesma ideia a respeito do conceito de dêixis é compartilhada por FONSECA (1996) quando afirma que: “Pelo seu sentido etimológico, o termo dêixis está relacionado com o gesto de apontar: um gesto, um fazer, que, pressupondo uma situação de comunicação face à face e uma intencionalidade significativa comum a dois sujeitos, se situa a meio caminho do dizer. Ainda segundo a autora,

“Prefigurando o carácter corporal e individual do dizer (a voz tal como o gesto, parte de um corpo e prolonga-o), o gesto de apontar patenteia a inseparabilidade entre fazer e dizer, que num sentido mais amplo, é posta em relevo pela pragmática.”

A dêixis é definida como a forma de ativação semântica em elementos presentes em contextos compartilhados pelos participantes em um ato verbal. Desta forma, este

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fenômeno constitui o modo como está gramaticalizada a inseparabilidade entre a linguagem e o contexto. O fato de existir um grande número de termos com função dêitica na estrutura formal das línguas forma um conjunto designado por Benveniste como “dispositivo formal da enunciação”. (BENVENISTE, 1974 apud FONSECA, 1996)

Para Benveniste (1989, p. 82) entende-se como enunciação “[...] este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização.”

É possível, assim, se fazer a separação entre o ato (objeto de estudo da linguística da enunciação) e o produto (o discurso).

Este ato, segundo Flores & Teixeira (2005, p. 35-36), [...] é o próprio fato de o locutor relacionar-se com a língua com base em determinadas formas linguísticas da enunciação que marcam essa relação. Enunciar é transformar individualmente a língua – mera virtualidade – em discurso. A semantização da língua se dá nessa passagem. A enunciação, vista desse prisma, é produto de um ato de apropriação da língua pelo locutor, que, a partir do aparelho formal da enunciação, tem como parâmetro um locutor e um alocutário. É a alocução que instaura o outro no emprego da língua.

Esse quadro teórico dá conta do processo de referenciação como parte da enunciação, isto é, ao mobilizar a língua e dela se apropriar, o locutor estabelece relação com o mundo via discurso de um sujeito, enquanto o alocutário co-refere.

Ainda de acordo com Benveniste (1974, p. 84) “o ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. [...] A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada instância de discurso constitua um centro de referência interno.”

O sistema formal das línguas, deste modo, não precede o uso, mas é o resultado desse uso. O mesmo ressalta Lyons ao afirmar a respeito do funcionamento dos dêiticos: “Há muita coisa na estrutura das línguas que só pode ser explicada se assumirmos que elas se constituíram para a comunicação em situações de interação face a face” (LYONS, 1977, p. 637 apud FONSECA, 1996).

Existem diversos tipos de dêixis, que se diferenciam de acordo com o tipo de contexto compartilhado que viabiliza a mostração. Fonseca (1996) afirma que, segundo Buhler (1934), “[...] é pertinente distinguir [...] três modalidades de dêixis: dêixis indicial, dêixis textual, dêixis transposta (na terminologia buhleriana, “deixis ad óculos”, “anáfora” e “deixis em fantasma”, respectivamente).”

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Na deixis indicial, o contexto compartilhado é a situação (situação de enunciação). A possibilidade de mostração se apoia em uma evidência dêitica, isto é, no contexto situacional daquilo para que se aponta.

A dêixis indicial é também designada por referência exofórica, mas tal denominação não é totalmente correta, pois o contexto situacional, constituído a partir de um ato verbal, não é exterior à linguagem.

Na dêixis textual (ou discursiva), os dêiticos desempenham uma função de referenciação endofórica, já que apontam para os segmentos discursivos que precedem ou seguem o signo dêitico no todo textual em que se integra.

A função mostrativa dos dêiticos se realiza, neste espaço textual, como anáfora (se há remissão a uma pré-informação) e como catáfora (se há remissão a uma pós-informação).

Fonseca (1996) afirma que na dêixis textual é utilizada significativamente a dimensão espacial do texto, dimensão inerente ao caráter temporalmente extenso e linear da linguagem verbal que, no caso do texto escrito, se concretiza como dimensão espacial concreta (linhas, páginas, capítulos etc..). Este tipo de dêixis desempenha um papel fundamental na construção do texto. O uso dos dêiticos é, inclusive, uma das marcas formais da coesão textual.

Destaca-se, a este respeito, a análise de Weinrich (1971) sobre a função textual dos artigos (definidos, anafóricos e indefinidos, catafóricos).

Na dêixis transposta (ou projetada) não há qualquer evidência real que viabilize o ato de mostrar. Este tipo de dêixis se torna possível porque há uma “evidência mental” compartilhada por locutor e interlocutor, utilizando, assim, dados presentes na sua memória mediata (de longo prazo) que ele supõe constituir a memória compartilhada pelo interlocutor. O locutor, desse modo, constrói ou imagina determinada situação diferente daquela em que estão inseridos. Propõe desse modo, ao interlocutor, uma transposição para esta situação imaginada. Nesse caso, o contexto compartilhado utilizado é a memória comum.

Essa modalidade de dêixis ilustra a possibilidade de criação, pela linguagem (na narração, nomeadamente) do seu próprio contexto referencial.

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Quanto aos componentes do contexto ativados semanticamente pelo uso dos dêiticos, se distinguem, principalmente, três tipos de dêixis: pessoal, espacial e temporal, relacionados, respectivamente a cada um dos polos da tríade que forma as coordenadas enunciativas (eu/tu-aqui-agora, em latim: ego/tu – hic - nunc).

Há ainda a dêixis circunstancial (denominada também nocional ou modal), que se relaciona à possibilidade de ativação semântica de outros elementos do contexto que pode ser efetuada a partir da utilização do dêitico genérico “assim”, em latim: sic.

A dêixis pessoal se refere à função dos signos dêiticos que indiciam o estatuto de participante em um ato verbal. O estatuto de participante é instituído pelos pronomes pessoais eu (ego) e tu (tu) e o pronome pessoal ele (ille) institui o estatuto de não participante.

Este pensamento é compartilhado por Benveniste quando o linguista opõe as categorias de pessoa (eu-tu, em latim: ego–tu) e não-pessoa (ele, em latim: ille). (BENVENISTE, 1966)

Segundo Fonseca (1996),

“A dêixis pessoal constitui o cerne do que Benveniste designa como subjectividade da linguagem, usando o termo num sentido técnico que não se pode confundir com o sentido corrente da palavra: “EU” e “TU” não têm como referente a individualidade de alguém, mas apenas o seu estatuto de participante num acto verbal.”

Além dos pronomes pessoais, fazem parte da dêixis pessoal os possessivos, a flexão verbal e os vocativos. Também podem ser representativos deste tipo de dêixis certas formas de referência aos participantes do ato de enunciação, através das formas de tratamento (você, o senhor, excelência etc..). Exemplos como os citados acima foram designados por Fillmore como dêixis social, indiciam a relação hierárquica estabelecida entre os participantes de um ato de enunciação.

A dêixis pessoal está presente em todos os outros tipos de dêixis, já que todos implicam uma referenciação relativa aos participantes no ato de enunciação.

Na dêixis espacial (também denominada local) a noção dêitica de espaço é gramaticalizada em relação ao advérbio hic = aqui enunciativo. São dêiticos espaciais os

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demonstrativos, os advérbios de lugar e alguns lexemas (verbos de movimento: ir, vir, trazer, levar, em latim: ire, uenire, afferre, portare/ferre).

Os dêiticos espaciais gramaticalizam uma maior ou menor relação de proximidade em relação ao lugar que o locutor ocupa.

Há, tanto no paradigma dos demonstrativos quanto no dos advérbios de lugar, ainda as formas hic/haec = este, hoc = isto, que indicam a proximidade em relação ao interlocutor. Vários linguistas compartilham desta ideia a respeito da dêixis, dentre os quais, destaca-se Émile Benveniste.

Denomina-se temporal a dêixis que diz respeito ao momento da enunciação nunc = agora, como marco de referência para a localização temporal. O tempo, como concebido pela linguagem, é de natureza dêitica, já que presente, passado e futuro não são noções absolutas, mas em relação ao momento da enunciação. São dêiticos temporais advérbios temporais hodie = hoje, hieri = ontem, cras = amanhã e tempos verbais sum = sou/estou,

eram = era/estava, ero = serei /estarei. A interpretação dos dêiticos pressupõe uma identificação pragmática prévia do momento de enunciação.

De acordo com FONSECA (1996, não paginado), “É imprescindível tomar em conta a função deíctica dos tempos verbais – que se realiza quer como referência ao AGORA enunciativo quer como dêixis temporal transposta (referência a um marco temporal alternativo)”.

Ocorre ainda a dêixis circunstancial, expressa pelo dêitico plurivalente “Sic = assim”.

A respeito da história do conceito de dêixis, vale destacar que, apesar de este termo ser usado de forma metalinguística (na descrição das línguas desde a antiguidade), o termo foi usado pela primeira vez pelos gramáticos gregos. Somente mais tarde o termo “dêixis” passou a ocupar a posição que ocupa atualmente na teoria linguística.

Vale ressaltar que em uma primeira acepção que é próxima do seu sentido etimológico, dêixis tem o sentido de digitação, mostração. Este termo, usado no âmbito da descrição gramatical, refere uma mostração de caráter verbal, o “gesto verbal” de apontar, que chama atenção, por exemplo, para um elemento do contexto evidente pela sua proximidade: Volo hunc = Quero este.

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Esta foi a noção de dêixis que foi consagrada pela gramática tradicional como definição dos demonstrativos (tradução latina do termo grego que prevaleceu na terminologia gramatical).

O alargamento do conceito de dêixis começou a se processar com Karl Buhler, o primeiro linguista a atribuir ao fenômeno da dêixis uma importância central no funcionamento da linguagem verbal (BUHLER, 1934).

O pesquisador explica duas implicações bastante fecundas do conceito de mostração verbal: a de campo mostrativo e a de marco de referência egocêntrico.

A mostração verbal de um objeto corresponde à localização deste objeto no interior de um campo mostrativo. Este campo se desenha à volta de um “centro” (origo), na expressão de Buhler, constituído pelo sujeito falante e por suas coordenadas espacio-temporais (“ego-hic-nunc”).

Um campo mostrativo não é de natureza física, mas linguística, já que só pode ser gerado a partir de um ato de fala. Fonseca esclarece que Buhler analisa a reprodutividade, na linguagem verbal, dessa noção de campo mostrativo e considera que para além do campo mostrativo situacional também são utilizados, na linguagem verbal, um campo mostrativo textual e um campo mostrativo imaginário.

Depois desse conceito mais restrito de dêixis como mostração, passa-se, paulatinamente, a um conceito mais amplo de dêixis como referenciação:

“[...] Para que a dêixis funcione [...] é imprescindível que exista um termo ou ponto de referência [...]: esse termo ou baliza referencial é a pessoa do próprio sujeito que fala, no momento em que fala e em que, apontando ou chamando a atenção para si próprio, se designa como eu.” (CARVALHO, 1973: 664-665 apud FONSECA, 1996)

Herculano de Carvalho, o introdutor dos termos “dêixis” e “dêictico” na terminologia metalinguística portuguesa, destaca que a mostração verbal é sempre, antes de mais, a mostração verbal do sujeito realizada pelo próprio sujeito. Dessa forma, a noção fundamental de sui-referencialidade da enunciação é alargada pela dêixis.

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Na referência indireta o leitor precisa tanto da memória episódica (memória de trabalho) como da memória de longo prazo. A dêixis, como ressalta Cavalcanti (2005), é um fenômeno subjetivo por excelência.

É importante destacar, principalmente em textos literários, o uso de pronomes demonstrativos como dêiticos. Ocorre, no uso insólito do demonstrativo uma imposição cognitiva, psicológica ou memorial do referente nas representações mentais do locutor. Esta situação denomina-se dêixis in absentia ou dêixis memorial. O estudo do uso insólito do demonstrativo será aprofundado no decorrer desta pesquisa. Tais usos devem ser considerados dêiticos espaciais.

Os conceitos de intersubjetividade e subjetividade são muito importantes no estudo da dêixis. A condição experiencial mais básica compartilhada por locutor e interlocutor é o fato de desempenharem estes papéis. Ao falar, assumem, no ato verbal, o estatuto de participantes, representados pelos dêiticos eu e tu, em latim: ego e tu. Instituem-se, deste modo, como centro de um sistema de coordenadas espacio-temporais que geram a possibilidade de referência. As operações de referenciação que possibilitam a significação e que constituem a base do funcionamento da dêixis se realizam a partir deste sistema de coordenadas ego/tu = eu/tu – hic = aqui – nunc = agora da enunciação.

Para FONSECA (1996), “O funcionamento dos deícticos ilustra a dependência do contexto das línguas no seu grau mais liminar, isto é, ao nível da incorporação e utilização significativa pela linguagem, das próprias circunstâncias criadas pela realização de um acto verbal.” Desta forma, uma característica definidora dos dêiticos é a sui-referencialidade: são signos que adquirem significação mediante a referência a sua própria enunciação: “ego = eu” significa “quem diz”, “eu no momento em que diz.”

Todo falante, ao dizer “ego = eu”, institui a sua própria existência, a de um “Tu = tu” e a da linguagem, que é designada por Benveniste como subjetividade (BENVENISTE, 1966, p. 260 apud FONSECA, 1996) coincide com a capacidade de processar a ancoragem enunciativa (referenciação às coordenadas da enunciação), uma operação cognitiva fundamental. A referenciação (que costuma ser designada como egocêntrica) esquece a inseparabilidade ego/tu no centro da instância enunciativa. Institui, assim, a possibilidade de uma referenciação centrada no ato de enunciação. A subjetividade implica, portanto, a intersubjetividade, que é indispensável à efetivação da comunicação e à possibilidade de referência.

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Os dêiticos ego e tu representam na estrutura formal das línguas, a inscrição de sua natureza dialógica. Desta forma, segundo Flores & Teixeira (2005, p. 34), “A intersubjetividade está para a linguagem assim como a subjetividade está para a língua.” A linguagem, é, deste modo, condição de existência do homem sendo, assim, sempre referida ao outro, isto é, na linguagem se tem a intersubjetividade como condição da subjetividade, ideia também expressa por Fonseca (op. cit.) anteriormente, ainda com base em Benveniste.

Para Benveniste (1988, p. 288), os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio da subjetividade na linguagem:

“Desses pronomes dependem por sua vez outras classes de pronomes, que participam do mesmo status. São os indicadores da dêixis, demonstrativos, advérbios, adjetivos que organizam as relações espaciais e temporais em torno do “sujeito” tomado como ponto de referência: “isto, aqui, agora” e as suas numerosas correlações “isso, ontem, no ano passado, amanhã, etc.” Têm em comum o traço de se definirem somente com relação à instância de discurso na qual são produzidos, isto é, sob a dependência do eu que aí se enuncia.”

As línguas naturais também dispõem de recursos formais para indicar que o marco de referência espacio-temporal não coincide com o ego/tu = eu/tu – hic = aqui – nunc = agora da enunciação. Isso ocorre em oposições como hic/ibi = aqui/ali, nunc/tunc = agora/então, hodie/hoc die = hoje/nesse dia, hieri/ pridie = ontem/na véspera, fui/eram = estive/estava, em que o traço distintivo é o tipo de marco de referência. Os primeiros termos, então, pressupõem as coordenadas zero da enunciação como marco de referência e os segundos “[...] um marco de referência alternativo, transposto para uma situação diferente da enunciação.” (FONSECA, 1996) Em latim ocorre no conjunto fui/eram que apresentam dois temas diferentes, para duas situações distintas de enunciação. Ainda de acordo com a autora, essa projeção das coordenadas referenciais é uma operação que condiciona a possibilidade de referência a mundos alternativos.

A respeito da relação entre anáfora indireta e dêixis, Schiffrin (1990, p. 264 apud MARCUSCHI, 2005, p. 59), afirma que é difícil se fazer uma distinção clara entre anáfora e dêixis. Segundo a autora,

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“é difícil traçar uma linha divisória e estabelecer as relações entre “o mundo criado por palavras (o texto) e o mundo representado pelas palavras (o contexto)”, o que torna difícil uma distinção clara entre o que é um contexto textual e um contexto extratextual e dificulta também a distinção clara entre anáfora e dêixis. Assim, é difícil distinguir com precisão uma anáfora indireta (AI) de uma ocorrência dêitica.”

Para Lyons (1980, p. 261, apud APOTHÉLOZ, 2003, p. 67), a dêixis é entendida como “a localização e a identificação das pessoas, objetos, processos, eventos e atividades [...] em relação ao contexto espácio-temporal acreditado e mantido pelo ato de enunciação, e a participação, em regra geral, de um locutor único e de pelo menos um interlocutor”. A categoria dos dêiticos compreende notadamente em latim os localizadores espaciais e temporais hic = aqui, ibi = ali, nunc = agora, hieri = ontem, cras = amanhã etc.) e os pronomes de primeira e de segunda pessoas.

É notável que existam em francês, como em muitas outras línguas, dois pares de expressões tendo o mesmo significado, mas diferindo somente do ponto de vista de seu funcionamento, uma sendo dêitica, a outra não.

DÊITICOS Hoje = hodie Agora = nunc Amanhã = cras Ontem = hieri Próximo = proximus daqui a pouco = mox (logo) esta noite = haec nox no último ano = ultimo anno

NÃO-DÊITICOS naquele dia = in illo die

naquele momento, então = tum no dia seguinte = postero die

na véspera = In hesterno die (pridie) pouco depois = paulo post

mais tarde, em seguida (deinde, depois =posterius (postea, – na sequência dos fatos)

naquela noite = in illa nocte no ano anterior=in anteriore anno

(APOTHÉLOZ, 2003, p. 67).

Apothéloz e Chanet destacam que “De um modo geral, o demonstrativo é estreitamente solidário com o valor não determinativo do material lexical que qualifica o substantivo” (APOTHÉLOZ & CHANET, 2003, p. 147).

Referências

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