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DE ACORDO COM A REFORMA TRABALHISTA LEI N /2017. Capítulo especial sobre indenizações decorrentes da Covid-19

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Capítulo especial sobre indenizações decorrentes da Covid-19

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ACIDENTE DO TRABALHO E

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

5.1. DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DO RISCO

A responsabilidade de natureza subjetiva tem raízes milenares e está visceralmente impregnada em toda a dogmática da responsabilidade civil. Por essa razão, aquele que sofre um dano tem, como primeiro pensamento, praticamente como reação instintiva, a necessidade de procurar o culpado para cobrar a reparação. Assinala a professora Maria Celina Bodin que “a ideia subjacente à responsabilidade subjetiva possui raízes tão profundas na cultura ocidental que nunca foi preciso, realmente, explicar por que a culpa enseja responsabilidade, sendo ela própria a sua razão justificativa.”1

No entanto, a complexidade da vida atual, a multiplicidade crescente dos fatores de risco, a estonteante revolução tecnológica, a explosão demográfica e os perigos difusos ou anônimos da modernidade acabavam por deixar vários acidentes ou danos sem reparação, uma vez que a vítima não lograva demonstrar a culpa do causador do prejuízo, ou seja, não conseguia se de-sincumbir do ônus probatório quanto aos pressupostos da responsabilidade civil. Assim, ainda hoje, é comum deparar-se com uma situação tormentosa para os operadores jurídicos: o dano sofrido pela vítima é uma realidade imutável, mas a dificuldade de provar a culpa do réu impede o deferimento da indenização. No caso do acidente do trabalho, tem sido frequente o inde-ferimento do pedido por ausência de prova da culpa patronal ou por acolher a alegação de ato inseguro do empregado ou, ainda, pela conclusão da culpa exclusiva da vítima.

1. MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva. Revista RT, São Paulo, v. 854, p. 22, dez. 2006.

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O choque da realidade com a rigidez da norma legal impulsionou os estudiosos no sentido da busca de soluções para abrandar, ou mesmo ex-cluir, o rigorismo da prova da culpa como pressuposto para indenização, até porque o fato concreto, colocado em pauta para incômodo dos juristas, era o dano consumado e o lesado ao desamparo... Pouco a pouco, o ins-trumental da ciência jurídica começou a vislumbrar nova alternativa para acudir as vítimas dos infortúnios. Ao lado da teoria subjetiva, dependente da culpa comprovada, desenvolveu-se a teoria do risco ou da responsabili-dade objetiva, segundo a qual basta o autor demonstrar o dano e a relação de causalidade, para o deferimento da indenização. Em outras palavras, os riscos da atividade, em sentido amplo, devem ser suportados por quem dela se beneficia.

Aponta Caio Mário que a proposição originária da doutrina objetiva surge em 1897, quando Raymond Saleilles publica estudo especializado inti-tulado Les Accidents de Travail et la Responsabilité Civile — Essai d’une théorie

objective de la responsabilité delictuelle.2 Mais tarde, o professor de Direito Civil da Faculdade de Lyon, Louis Josserand, defende abertamente a teoria objetiva, asseverando que a causa da constante evolução da responsabilidade “deve ser procurada na multiplicidade de acidentes, no caráter cada vez mais perigoso da vida contemporânea; (...) multiplicam-se os acidentes, muitos permanecem anônimos e sua causa verdadeira fica desconhecida.”3 Em outro trecho, Josserand deixa transparecer sua desconfortável inquietação: “Quando um acidente sobrevém, em que à vítima nada se pode censurar, por haver desempenhado um papel passivo e inerte, sentimos instintivamente que lhe é devida uma reparação; precisamos que ela a obtenha, sem o que nos sen-tiremos presos de um mal-estar moral, de um sentimento de revolta; vai-se a paz da nossa alma.”4

No Brasil, vários autores aprofundaram estudos no tema da responsabili-dade objetiva, valendo citar o professor Alvino Lima, que, em 1938, defendeu tese para concorrer à cátedra de Direito Civil, perante a Faculdade de Direito de São Paulo, intitulada “Da culpa ao risco”, posteriormente publicada com o título Culpa e Risco5. Anos mais tarde, o notável Professor Wilson Melo da Silva apresentou tese perante a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, defendendo ardorosamente a corrente objetivista, com o 2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.16. 3. JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 86, p.

549, jun. 1941. 4. Ibidem, p. 550.

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título Responsabilidade sem Culpa6. De grande relevo também as posições dos mestres José de Aguiar Dias e Caio Mário da Silva Pereira em obras es-pecíficas a respeito da responsabilidade civil.

Cabe registrar, por outro lado, que a teoria da responsabilidade objetiva coleciona também vários opositores. Reclamam que “a demasiada atenção à vítima acaba por negar o princípio da justiça social, impondo cegamente o dever de reparar, e levando-o a equiparar o comportamento jurídico e injurí-dico do agente.”7 Alegam que, se o pressuposto da culpa for afastado, aquele que age corretamente, tomando todas as medidas recomendáveis para evitar os danos, receberia o mesmo tratamento do outro que atua displicentemente. Os irmãos Mazeaud, considerados os campeões contra a doutrina do risco, afirmam que “a equidade exige que aquele que retira os proveitos suporte os riscos, mas exige também que não se inquiete aquele cujo procedimento é irrepreensível.”8

Como se vê, a aceitação progressiva da teoria da responsabilidade objetiva demandou amadurecimento prolongado, especialmente pelos confrontos das ideias antagônicas e dos ricos embates doutrinários. O desenvolvimento da “culpa” até o “risco”, como pressuposto indispensável para a reparação, ocorreu por etapas que o transcurso do tempo ajudou a consolidar. Num primeiro passo, mesmo reconhecendo a necessidade da culpa para o cabimento da indenização, houve concessões ou tolerância dos julgadores para abrandar o rigor desse pressuposto em benefício da vítima, o que o mestre Caio Mário denomina de adelgaçamento da própria noção de culpa, porquanto os juízes, invocando o velho adágio In lege Aquilia, et

levissima culpa venit, entendiam que a mais mínima culpa já era o bastante

para gerar a responsabilidade9. Numa etapa posterior, ainda com apoio na teoria da responsabilidade subjetiva, adotou-se a técnica intermediária da culpa presumida, favorecendo sobremaneira a vítima pela inversão do ônus da prova. No Brasil, a Súmula n. 341 do STF, adotada em 1963, consagrou que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do em-pregado ou preposto”, suplantando a interpretação literal do art. 1.523 do Código Civil de 1916. Da etapa da presunção da culpa, bastou um passo a mais para atingir a responsabilidade sem culpa, conforme preconiza a teoria objetiva.

6. SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.

7. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 271. 8. Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 1, p.

69.

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A responsabilidade civil objetiva, ao longo do século XX, ganhou adeptos notáveis e crescente densidade doutrinária, tanto que foi incorporada por diversas leis especiais em muitos países, contemplando hipóteses em que a comprovação da culpa se mostrava mais difícil ou complexa. Ficou evidente a tendência apontada por Georges Ripert no sentido de que o direito moderno já não visa ao autor do dano, porém à vítima10. E foi na questão do acidente do trabalho que essa teoria surgiu e obteve maior aceitação dos juristas, tanto que foi adotada sem grandes controvérsias no campo do seguro acidentário11.

É necessário registrar, todavia, que a responsabilidade objetiva não su-plantou nem derrogou a teoria subjetiva, mas afirmou-se em espaço próprio de convivência funcional, para atender àquelas situações em que a exigência da culpa representa demasiado ônus probatório para as vítimas, praticamente inviabilizando a indenização do prejuízo sofrido. Não há dúvida, portanto, que continuará sendo aplicável a responsabilidade subjetiva, quando a culpa do infrator restar demonstrada, hipótese em que ficará mais fácil o êxito da demanda para o lesado e até com a possibilidade de obter indenização mais expressiva. Como afirmou com segurança Louis Josserand, “a responsabilidade moderna comporta dois polos, o polo objetivo, onde reina o risco criado, e o polo subjetivo, onde triunfa a culpa; é em torno desses dois polos que gira a vasta teoria da responsabilidade.”12

5.2. ABRANGÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA O embasamento doutrinário que proporcionou o desenvolvimento da responsabilidade objetiva, bastante sintetizado no item anterior, para não fugir dos limites deste livro, promoveu reflexos visíveis na jurisprudência e em leis especiais. Ao lado da responsabilidade subjetiva de previsão genérica, o ordenamento jurídico brasileiro contempla várias hipóteses de aplicação da teoria objetiva13, sem falar na inovação do Código Civil de 2002, que será abordada no próximo item.

10. Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 18. 11. “Tudo começou com uma dificuldade que parecia secundária: a da prova da culpa no caso específico dos acidentes do trabalho. Para enfrentá-la, de início a jurisprudência e, logo em seguida, o legislador francês criaram, como hipótese absolutamente excepcional, uma regra de responsabilidade civil que independia da culpa. Foi o início de uma revolução.” Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva. Revista RT, São Paulo, v. 854, p. 35, dez. 2006.

12. JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 86, p. 559, jun. 1941.

13. Principais hipóteses de responsabilidade objetiva previstas em leis esparsas: 1) Responsabilidade das estradas de ferro, conforme Decreto n. 2.681, de 7 dez. 1912; 2) O seguro de acidente do

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A responsabilidade sem culpa já ocorre, por exemplo, nos danos nuclea-res, conforme disposição do art. 21, XXIII, d, da Constituição da República de 1988. Também o art. 225, § 3º, estabelece a obrigação de reparar os danos causados pelas atividades lesivas ao meio ambiente, sem cogitar da existência de dolo ou culpa. Esse último dispositivo constitucional merece leitura atenta porque permite a interpretação de que os danos causados pelo empregador ao meio ambiente do trabalho, logicamente abrangendo os empregados que ali atuam, devem ser ressarcidos independentemente da existência de culpa, ainda mais que o art. 200, VIII, da mesma Constituição, expressamente inclui o local de trabalho no conceito de meio ambiente.

Pode-se invocar, também, em respaldo a essa tese, a Lei n. 6.938/1981, que estabelece a política nacional do meio ambiente, cujo art. 14, § 1º, prevê: “... É o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.” E o conceito de poluição, que, conforme nosso entendimento, alcança boa parte dos fatores causais das doenças ocupacionais, foi inserido no art. 3º, III, da mesma lei, com o seguinte teor: “Entende-se por poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população...”

Vale dizer, a propósito, que não faz sentido a norma ambiental proteger todos os seres vivos e deixar apenas o trabalhador, o produtor direto dos bens de consumo, que, muitas vezes, consome-se no processo produtivo, sem a proteção legal adequada. Ora, não se pode esquecer — apesar de óbvio, deve

ser dito — que o trabalhador também faz parte da população e é um

tercei-ro em relação ao empregador poluidor. Além disso, não há dúvida de que o ruído, a poeira, os gases e vapores, os resíduos, os agentes biológicos e vários produtos químicos degradam a qualidade do ambiente de trabalho, gerando consequências nefastas para a saúde do empregado.

É curioso constatar que o Direito Ambiental tem mais receptividade na sociedade e nos meios jurídicos quando comparado com a proteção ju-rídica à saúde do trabalhador. O seu prestígio é tamanho que praticamente ninguém defende a sua flexibilização, como vem ocorrendo com os direitos trabalhistas. É provável que a explicação para essa diversidade de tratamento trabalho, regulado atualmente pela Lei n. 8.213/1991; 3) A indenização prevista pelo Seguro Obri-gatório de responsabilidade civil para os proprietários de veículos automotores; 4) A indenização mencionada no art. 37, § 6º, da Constituição da República; 5) A reparação dos danos causados pelos que exploram a lavra, conforme o Código de Mineração, no art. 47, VIII; 6) A reparação dos danos causados ao meio ambiente, conforme art. 225, § 3º, da Constituição da República e Lei n. 6.938/1981; 7) A responsabilidade civil do transportador aéreo, conforme arts. 268 e 269 do Código Brasileiro de Aeronáutica; 8) Os danos nucleares, conforme art. 21, XXIII, da Constituição da República; 9) O Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em diversos artigos.

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resida no fato de que o Direito Ambiental leva em conta o risco de exclusão do futuro de todos, enquanto o direito à saúde ocupacional só compreende a categoria dos trabalhadores. Por outro lado, o inconformismo do vizinho, do cidadão ou de qualquer um do povo, que luta para preservar boas condições ambientais, é de mais fácil manifestação se comparado com o do empregado que luta para manter sua fonte de sobrevivência, e qualquer reclamação pode atrair o fantasma angustiante do desemprego. Em síntese, o Direito Ambiental pretende a “salvação” de todos, enquanto o direito à saúde do trabalhador só abrange os problemas de alguns.

Discorrendo a respeito da responsabilidade civil objetiva do empregador nas doenças ocupacionais, assevera Júlio César de Sá da Rocha, estudioso do Direito Ambiental, que:

A Constituição estabelece que, em caso de acidente de trabalho, o empre-gador pode ser responsabilizado civilmente, em caso de dolo ou culpa. O dispositivo fundamenta-se no acidente de trabalho tipo individual. Con-tudo, ocorrendo doença ocupacional decorrente de poluição no ambiente de trabalho, a regra deve ser da responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática ambiental, na medida em que se configura a hipótese do art. 225, § 3º, que não exige qualquer conduta na responsabilização do dano ambiental. Em caso de degradação ambiental no ambiente do trabalho, configura-se violação ao direito ‘ao meio ecologicamente equili-brado’, direito eminentemente metaindividual. Como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo in-dividual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.14 Sobre essa questão, João José Sady aponta inquietante contradição lógica, que reforça a tese da responsabilidade objetiva para o caso das indenizações provenientes das doenças ocupacionais:

Imaginemos, por exemplo, que o poluidor-pagador deve reparar, in-dependentemente de culpa, o prejuízo gerado pelo dano ambiental ao terceiro. Como hipótese, examine-se o caso de uma empresa que polui 14. ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 1997.

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um rio destilando um poluente orgânico persistente, que gera doenças terríveis para o empregado, assim como a degradação do curso de água. O terceiro que tem uma propriedade ribeirinha prejudicada irá gozar do conforto de tal responsabilidade objetiva do poluidor, enquanto o empregado doente terá que provar a culpa da empresa?15

Aliás, a respeito desse tema, por ocasião da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho realizada em Brasília, em novembro de 2007, foi aprovado o Enunciado n. 38, com o seguinte teor: “Responsabilidade

civil. Doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente

do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sis-temática dos arts. 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981.”

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, considerado um marco no avanço da responsabilidade civil no Brasil, contempla abertamente a teoria objetiva, prevendo a reparação independentemente da existência de culpa, valendo citar dois artigos principais:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por in-formações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (...) Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da exis-tência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...)

A posição doutrinária, de que a responsabilidade civil subjetiva era a regra básica no Brasil, restou superada ou, pelo menos, abalada, desde a vigência do Código do Consumidor, que trouxe avanços extraordinários nessa área. Desenvolvendo esse pensamento, pontua o Desembargador Sérgio Cavalieri:

Trata-se de diploma legislativo que, ao fazer da responsabilidade objetiva regra para todas as relações de consumo, conquistou imenso território que antes pertencia à responsabilidade subjetiva (...). E como tudo ou quase tudo em nossos dias tem a ver com o consumo, não haverá nenhuma impropriedade em se afirmar que hoje a responsabilidade objetiva, que era 15. SADY, João José. Direito do meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 37.

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exceção, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria responsabilidade subjetiva. O Código Civil de 2002 ampliou ainda mais os domínios da responsabilidade objetiva (...). Embora tenha mantido a res-ponsabilidade subjetiva, optou pela resres-ponsabilidade objetiva, tão extensas e profundas as cláusulas gerais que a consagram no parágrafo único do art. 927 e no art. 931. Presentemente, a responsabilidade subjetiva se res-tringe às relações interindividuais, só para pessoas físicas e os profissionais liberais, enquanto a objetiva domina todas as relações entre o grupo e o indivíduo — Estado, empresas, fornecedores de produtos e serviços etc.16 Uma vez consolidada a estrutura básica da responsabilidade objetiva, surgiram várias correntes com propostas de demarcação de seus limites, criando modalidades distintas da mesma teoria, mas todas gravitando em torno da ideia central de reparação do dano tão somente pela presença do risco, independentemente da comprovação de culpa do réu. Assim, podem ser indicadas as teorias do risco-proveito, do risco criado, do risco profissional, do risco excepcional e do risco integral.

Na teoria do risco-proveito, aquele que se beneficia da atividade deve responder pelos danos que seu empreendimento acarreta; quem se aproveita dos bônus deve suportar todos os ônus. A dificuldade prática dessa teoria reside na indagação do que seria “proveito”, com a possibilidade de restringir a reparação apenas quando haja proveito econômico.

A modalidade mais aceita e que supera o embaraço anterior é a do risco

criado, porquanto não indaga se houve ou não proveito para o responsável;

a reparação do dano é devida pela simples criação do risco. Segundo o sau-doso Caio Mário, “o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.”17

A teoria do risco profissional considera que o dever de indenizar decorre da atividade profissional da vítima, sendo que o seu desenvolvimento está diretamente ligado aos acidentes do trabalho. Assevera Sérgio Cavalieri que “a desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de produzir provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, 16. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 199. 17. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 270.

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quer pela monotonia da atividade, tudo isso acabava por dar lugar a um grande número de acidentes não indenizados, de sorte que a teoria do risco profissional veio para afastar esses inconvenientes.”18

A teoria do risco excepcional justifica o dever de indenizar, independen-temente da comprovação de culpa, sempre que a atividade desenvolvida pelo lesado constituir-se em risco acentuado ou excepcional pela sua natureza pe-rigosa. São exemplos: atividades com redes elétricas de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos etc.19 Esclarece Carlos Alberto Bittar que a teoria objetiva obteve sua aplicação mais elástica quando da exploração pacífica do átomo, fazendo a responsabilidade incidir automaticamente, em caso de acidente nuclear, sobre o explorador da atividade, em uma verdadeira “responsabilidade automática” ou “obrigação legal de indenizar”, em face da extraordinária exacerbação dos riscos nesse setor20.

A teoria do risco integral é considerada a modalidade extremada da responsabilidade objetiva, já que exige somente o dano para acolher a inde-nização, mesmo que o prejuízo tenha ocorrido por culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior21. Dada a sua grande abrangência, essa modali-dade só é adotada em situações específicas indicadas em leis especiais, como é o caso das indenizações devidas pelo seguro obrigatório — DPVAT — às vítimas de acidentes de veículos, mesmo que o acidente tenha sido provocado por veículo desconhecido ou que tenha ocorrido culpa exclusiva da vítima22.

Qualquer que seja a teoria adotada, percebe-se a preocupação cada vez maior de não desamparar o lesado e que os danos sofridos sejam reparados. Em vez de concentrar o foco na pesquisa da ilicitude do evento danoso, preocupa-se mais em buscar ressarcir o dano injusto sofrido pela vítima. Como enfatiza Rui Stoco, “há um contínuo processo de evolução, de modo a sempre assegurar que a vítima obtenha a reparação, ainda que para isso seja necessário tornar dúctil o sistema até então vigente, deslocando-se o epicentro da responsabilidade, em sua dimensão mais significativa, qual seja, a da culpa do causador imediato do dano, para o imperativo do seu ressarcimento.”23

18. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 195. 19. Ibidem, p. 196.

20. BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 97. 21. DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil. 2.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. XIII, p. 15.

22. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 204. 23. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Tomo

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O fundamento da reparação dos danos, nas atividades de risco, repousa na violação do dever jurídico de garantir segurança ao trabalhador. Quanto maior a probabilidade de ocorrer acidentes do trabalho, pela natureza da ati-vidade exercida, maior deverá ser a diligência patronal na adoção das medidas preventivas. Pontua Sérgio Cavalieri que o dever jurídico violado, no caso de responsabilidade objetiva, é o dever de segurança que a lei estabelece, implícita ou explicitamente, para quem cria risco para outrem.24

Também anota com percuciência Roger Aguiar que “a introdução do risco como fator resolutivo da equação reparatória teve como propósito responder ao ponto de tensão criado pela ausência de segurança e, com isso, emitir para a sociedade uma mensagem de reafirmação de que esta — a vivência em um ambiente seguro — era possível.”25

Em síntese, na atividade de risco, o empregador indeniza o acidentado porque violou o dever de segurança dos trabalhadores, que ficaram expostos a uma maior probabilidade de sofrer danos. Considerando que não é possí-vel garantir totalmente a segurança do trabalhador, procura-se proporcionar relativa segurança jurídica. Se na sociedade atual os riscos são crescentes e alguns danos praticamente inevitáveis ou mesmo previsíveis, é necessário, pelo menos, assegurar aos prejudicados que não lhes faltarão a solidariedade, a cooperação e a reposição dos prejuízos.

O elastecimento das hipóteses de indenização está incrementando a técnica contemporânea da contratação de seguro, como a melhor forma de socializar os riscos, garantindo-se o amparo das vítimas, com a participação indireta de todos, sem sobrecarregar demasiadamente aquele que explora a atividade em que ocorreu o evento danoso. Com esse mesmo pensamento, Gustavo Tepedino aponta os caminhos para a universalização do seguro social, entrevendo-se uma espécie de “securitização das atividades produtivas”26, ou “mutualização compulsória de danos”, como afirmou Patrícia Serra Vieira27. 5.3. A TEORIA DO RISCO ACOLHIDA NO NOVO CÓDIGO CIVIL Como vimos nos itens anteriores, a responsabilidade objetiva no Brasil era considerada exceção à regra principal da teoria subjetiva, uma vez que 24. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas,2020. p. 197. 25. AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade civil — a culpa, o risco e o medo. São Paulo: Atlas, 2011. p.

220.

26. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 184.

27. SERRA VIEIRA, Patrícia Ribeiro. A responsabilidade civil objetiva do direito de danos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 158.

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INDENIZAÇÕES DECORRENTES DA

COVID-19 OCUPACIONAL

16.1. O ADVENTO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS No final de 2019, surgiu primeiramente na cidade de Wuhan, na China, uma doença infecciosa causada por um novo coronavírus, com surpreen-dente grau de contágio e letalidade, avançando, em seguida, para a Europa e, posteriormente, para o restante do planeta. Os múltiplos efeitos danosos dessa patologia já provocaram mudanças no modo de viver, de produzir, de consumir, com repercussões acentuadas no mundo do trabalho e na regulação dos direitos trabalhistas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a denominar a doença causada pelo novo coronavírus pela sigla Covid-19, formada pela junção das letras iniciais dos vocábulos em inglês “Corona Virus Disease”, sendo que o 19 representa o ano em que o vírus foi detectado. Diante da rápida expansão da doença por todos os continentes, a OMS declarou oficialmente, no dia 11 de março de 2020, o surto da Covid-19 como uma pandemia1.

No Brasil, o primeiro caso da Covid-19 foi confirmado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro 2020 e a primeira morte ocorreu no dia 17 de março 2020. A Portaria n. 454 do Ministério da Saúde, de 20 de março 1. Segundo a OMS “os coronavírus são uma extensa família de vírus que podem causar doenças em

animais e humanos. Em humanos, sabe-se que vários coronavírus causam infecções respiratórias que podem variar do resfriado comum a doenças mais graves, como a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e a síndrome respiratória aguda grave (SARS). O coronavírus descoberto mais recentemente causa a doença de coronavírus COVID-19”. Disponível em:<https://www. who.int/es/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/q-a-coronaviruses> Acesso em 26 maio 2020.

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de 2020, declarou o estado de transmissão comunitária do coronavírus (Covid-19) em todo o território nacional. Em pouco tempo, a quantidade de infectados e de óbitos cresceu rapidamente e permaneceu elevada ao longo de 2020.

Já se vislumbra, nas cogitações atuais, que no período do pós-pandemia não ocorrerá o desejado retorno ao normal, uma vez que estamos ingres-sando no desconhecido território de um “novo normal”. Assim, em vez de continuar percorrendo os roteiros habituais que proporcionavam relativa estabilidade e segurança, teremos agora que caminhar desbravando trilhas ignoradas, superando obstáculos, construindo pontes com o desconhecido, ao mesmo tempo em que buscamos soluções adequadas para uma nova etapa civilizatória.

Os efeitos surpreendentes e até certo ponto devastadores da Covid-19 repercutem intensamente no mundo do trabalho, na saúde do trabalhador e no adoecimento ocupacional. Chegamos ao final de 2020 com muitas perguntas sem respostas conclusivas sobre a pandemia. Por outro lado, há também uma intensa atividade de pesquisa científica sobre a doença ao redor do mundo, o que permite alimentar a expectativa de breve superação deste período aflitivo. Só mesmo o transcurso do tempo permitirá organizar melhor as ideias e avaliar com segurança esse marco histórico representado pelo novo coronavírus, que eclodiu em 2019.

Considerando a estatística surpreendente de vítimas e os diversos danos que a Covid-19 está causando (morte, incapacidade permanente, incapacidade parcial com sequelas definitivas, agravamento de doenças preexistentes, transtornos mentais etc.), tudo indica que haverá um elevado número de ações judiciais na Justiça do Trabalho, reivindicando indeni-zações por responsabilidade civil em face do empregador ou do tomador de serviços.

Levando-se em conta os questionamentos e as dúvidas decorrentes da Covid-19 de natureza ocupacional, resolvemos adicionar ao livro este novo capítulo, para estudar separadamente as prováveis repercussões jurí-dicas dos danos causados ao trabalhador. Convém mencionar, todavia, que estamos analisando fatos novos, inesperados, ainda no período de atuação da pandemia, o que dificulta vislumbrar com segurança todos os possíveis desdobramentos, bem como esboçar respostas com grau acentuado de certeza. É prudente ressalvar, portanto, que o entendimento aqui adotado certamente sofrerá ajustes futuros, em decorrência do aprofundamento das pesquisas científicas sobre a patologia, da produção legislativa a respeito e das decisões judiciais, especialmente das Cortes superiores.

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16.2. CARACTERIZAÇÃO DA COVID-19 COMO DOENÇA OCUPACIONAL

16.2.1. Repercussões do enquadramento ocupacional da Covid-19

A Constituição da República confere aos trabalhadores, no art. 7º, XXVIII, o direito aos benefícios do seguro contra acidentes do trabalho, sem excluir a indenização a que o empregador está obrigado, quando in-correr em dolo ou culpa.

Desse modo, para auferir os benefícios de natureza acidentária junto ao INSS, bem como para veicular a postulação judicial das indenizações por responsabilidade civil em face do empregador, deverá o trabalhador que foi vítima da Covid-19, primeiramente, demonstrar que aquela ocorrência pode ser enquadrada em uma das hipóteses que a Lei Previdenciária n. 8.213/1991 considera como doença relacionada ao trabalho.

Além disso, a caracterização da patologia como de natureza ocupacional proporciona à vítima benefícios superiores aos que são concedidos quando a doença não tem relação causal com o trabalho.

Após a alteração promovida pela Emenda Constitucional n. 103/2019, o segurado que se aposentar por incapacidade permanente, em decorrência de acidente do trabalho, de doença profissional ou de doença do trabalho, terá direito a receber um valor mensal correspondente a 100% do salário benefício. Por outro lado, na aposentadoria comum por incapacidade não relacionada ao trabalho, o valor a receber partirá de um piso de 60% do salário de benefício, com o acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos, no caso dos homens, e de 15 anos, quando for mulher2.

Também haverá repercussão no valor inicial da pensão por morte, ocorrida a partir de 14 de novembro de 2019, quando oriunda de causa ocupacional, cuja renda mensal inicial será correspondente ao valor a que o segurado teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de dez pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100%. Assim, considerando que a aposentadoria por incapacidade decorrente de aci-dente do trabalho, de doença profissional ou doença do trabalho proporciona

2. Emenda Constitucional n. 103, 12 nov. 2019. Art. 26, §§ 2º, 3º e 5º. Os critérios desses cálculos foram detalhados na Portaria do INSS n. 450, de 3 de abr. 2020.

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um benefício de valor maior, também a pensão dos dependentes da vítima, nessas circunstâncias, terá um valor superior3.

Ao lado dessas repercussões que produzem efeitos de longo prazo, há outras consequências que destacam a importância do enquadramento da doença como de natureza ocupacional. Se for constatada a Covid-19 ocupacional, a vítima terá direito a continuar recebendo os depósitos do FGTS na sua conta vinculada, durante todo o período de afastamento junto ao INSS, conforme previsto no art. 15, § 5º, da Lei n. 8.036/19904. Ademais, quando ocorrer o afastamento por doença ocupacional, o trabalhador terá garantia de emprego pelo prazo mínimo de doze meses, após a cessação do auxílio-doença acidentário, de acordo com o que estabelece a Lei de Benefícios da Previdência Social5.

Mas não é só. A caracterização ocupacional da Covid-19 dispensa a carên-cia para obtenção de benefícios da Previdêncarên-cia Socarên-cial, repercute no aumento da alíquota do seguro de acidente do trabalho pago pelo empregador, pode gerar repercussão criminal, possibilita a lavratura de auto de infração pela Inspeção do Trabalho e pode ensejar ainda o ajuizamento de ação regressiva pela Previdência Social em face do empregador.

Como se depreende do exposto, o empregado, para respaldar sua pre-tensão, buscará sempre enquadrar a Covid-19 como patologia relacionada ao exercício do contrato de trabalho e, por outro lado, o empregador, para fortalecer sua defesa, insistirá que o adoecimento não guarda nexo causal com o trabalho e, portanto, só autoriza a concessão de benefícios de natureza estritamente previdenciária.

No quadro abaixo, sintetizamos as consequências jurídicas para o em-pregado e para o emem-pregador, decorrentes da caracterização do afastamento 3. Emenda Constitucional n. 103, 12 nov. 2019. Art. 23 caput, combinado com o art. 26, §§ 2º, 3º e 5º. A Portaria INSS n. 450, de 3 de abr. 2020 esclareceu no art. 47: “Na pensão por morte, o valor do benefício, com fato gerador a partir de 14 de novembro de 2019, será calculado na forma da aposentadoria por incapacidade permanente a que o segurado teria direito na data do óbito, aplicando sobre esse valor a regra de cotas para cada dependente, nos termos fixados pelo art. 23 da EC nº 103, de 2019.” Essa data foi também confirmada pela alteração do Regulamento da Previdência Social, promovida pelo Decreto nº 10.410 de 30 jun. 2020.

4. Este dispositivo foi regulamentado pelo art. 28 do Decreto n. 99.684/1990 que estabelece: “Art. 28. 0 depósito na conta vinculada do FGTS é obrigatório também nos casos de interrupção do contrato de trabalho prevista em lei, tais como: (...) II - licença para tratamento de saúde de até quinze dias; III - licença por acidente de trabalho (...). Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, a base de cálculo será revista sempre que ocorrer aumento geral na empresa ou na categoria profissional a que pertencer o trabalhador.

5. Lei n. 8.213, 24 jul. 1991. “Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”

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por doença ocupacional (Gera benefícios acidentários), em comparação com o afastamento por doença não relacionada ao trabalho (Gera apenas benefícios previdenciários):

Consequências do enquadramento do evento

como acidentário ou previdenciário Acidentário Previdenciário

1. Aposentadoria por incapacidade permanente no valor

correspon-dente a 100% do salário de benefício. Sim Não

2. Pensão aos dependentes com proventos superiores para os casos

de mortes por causas ocupacionais Sim Não

3. Garantia provisória de emprego — Lei n. 8.213/1991, art. 118. Sim Não 4. Depósito do FGTS no período do afastamento — Lei n. 8.036/1990,

art. 15, § 5º. Sim Não

5. Dispensa período carência para auferir determinados benefícios

junto ao INSS — Lei n. 8.213/1991, art. 26. Sim Não

6. Majoração da alíquota do seguro de acidente do trabalho — Decreto

n. 3.048/1999, art. 202-A. Sim Não

7. Possíveis efeitos criminais — Código Penal, arts. 121, 129 e 132; Lei

n. 8.213/91, art. 19, § 2º. Sim Não

8. Possíveis multas aplicadas pela Inspeção do Trabalho – CLT. Sim Não 9. Possível ação regressiva do INSS em face do empregador — Lei n.

8.213/1991, art. 120. Sim Não

10. Possível indenização pelo empregador para reparar os danos

sofridos pela vítima. Sim Não

16.2.2. Enquadramento ocupacional após emissão regular da CAT

O primeiro passo para o reconhecimento de qualquer direito trabalhista ao empregado que foi contaminado pela Covid-19, em razão do seu trabalho, é obter a comunicação da ocorrência à Previdência Social6.

6. Estabelece o art. 129, II, da Lei n. 8.213/1991 que os litígios e medidas cautelares relativos ao acidente do trabalho serão apreciados na via judicial mediante petição inicial instruída pela prova da efetiva notificação do evento à Previdência Social, por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho — CAT.

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Com o objetivo de facilitar a concessão rápida dos benefícios e, ainda, diante do caráter social do seguro acidentário, a norma legal atribui primeira-mente ao empregador a obrigação de expedir a comunicação do adoecimento ocupacional, ficando dispensada, em princípio, a vítima ou seus dependentes. Estabelece a Lei n. 8.213/1991:

Art. 22. A empresa ou o empregador doméstico deverão comunicar o aci-dente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. (...)

Nesse sentido, a Comunicação do Acidente do Trabalho à Previdência Social deverá ser expedida pela empresa ou pelo empregador doméstico, de acordo com formulário próprio criado pelo INSS7, cujo modelo pode ser obtido pela Internet no endereço <https://www.inss.gov.br/servicos-do-inss/ comunicacao-de-acidente-de-trabalho-cat/>, sendo que atualmente a remessa deve ser feita preferencialmente no sítio eletrônico da Previdência Social8.

Conforme já mencionamos, o adoecimento pela Covid-19 decorrente do trabalho pode ser o fato gerador de diversas e sérias consequências jurídicas. Com receio de tantas repercussões onerosas e diante dos inúmeros questio-namentos que a Covid-19 suscita, provavelmente muitos empregadores não irão emitir a CAT. Deve-se ponderar, também, que há situações efetivamente duvidosas que nem mesmo os profissionais da Medicina têm, por enquanto, respostas seguras quanto ao nexo causal da doença com o trabalho.

Quando a CAT for regularmente emitida pelo empregador já haverá um indicativo forte de que a Covid-19 tem natureza ocupacional, ou seja, tem nexo causal com o exercício do trabalho da vítima9.

7. O formulário da CAT e as respectivas instruções de preenchimento estão regulados pela Portaria n. 5.817 de 6 outubro de 1999 e pela Ordem de Serviço INSS/DSS n. 621, de 5 de maio de 1999. Mais recentemente o tema foi tratado pela Instrução Normativa do INSS/PRES. n. 77, de 21 jan. 2015, a partir do art. 327.

8. A Instrução Normativa do INSS/PRES. n. 77, de 21 jan. 2015, prevê no art. 328: “A CAT será regis-trada preferencialmente no sítio eletrônico: www.previdencia.gov.br ou em uma das Unidades de Atendimento. § 1º A CAT registrada pela Internet é válida para todos os fins perante o INSS.” 9. A abordagem genérica quanto à emissão da CAT foi feita no capítulo 3, ao qual nos reportamos.

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16.2.3. Enquadramento ocupacional sem a emissão da CAT pelo empregador

A não emissão da CAT pelo empregador, apesar de dificultar, não impede o enquadramento ocupacional da Covid-19, tanto para fins de obtenção dos benefícios perante o INSS, quanto para auferir indenização pela via judicial. No caso de omissão ou resistência do empregador, a CAT também pode ser emitida pelo próprio trabalhador, por seus dependentes, pela entidade sindical competente, pelo médico que o assistiu ou por qualquer autoridade pública, mesmo depois de vencido o prazo fixado para a comunicação pela empresa10.

Muitas empresas estão negando a emissão da CAT, alegando que não existe o diagnóstico firmado de que a doença tem natureza ocupacional. Se verificar-mos o “Manual de Instrução para Preenchimento da CAT” disponível no sítio eletrônico do INSS, publicado por intermédio da Ordem de Serviço INSS/DSS n. 621/1999, há previsão de que “todos os casos com diagnóstico firmado de doença profissional ou do trabalho devem ser objeto de emissão de CAT pelo empregador” e, ainda, de que “no caso de doença profissional ou do trabalho, a CAT deverá ser emitida após a conclusão do diagnóstico.” Entendemos, todavia, que a referida exigência, além de equivocada, é ilegal, pois contraria norma expressa. Diz o art. 169 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 6.514/1977:

Art. 169. Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho.

Assim, a partir do momento em que surge a “suspeita diagnóstica” de Covid-19 relacionada ao trabalho, é dever do empregador e direito do em-pregado a emissão da CAT. Contudo, é necessário que haja alguma alteração, algum sintoma ou sinal clínico que possa levar à “suspeita”, para não cair no comportamento excessivo de emissão da CAT pela simples desconfiança ou para atender a um capricho do empregado.

10. Lei n. 8.213, de 24 jul. 1991, art. 22, § 2º ou Decreto n. 3.048, de 6 maio 1999, art. 336, § 3º. A Instrução Normativa do INSS/PRES n. 77, de 21 jan. 2015 relaciona no art. 331, § 2º, quais são as autoridades que podem emitir a CAT: “Para efeito do disposto no § 1º deste artigo, consideram-se autoridades públicas reconhecidas para tal finalidade os magistrados em geral, os membros do Ministério Público e dos Serviços Jurídicos da União e dos Estados, os comandantes de unidades militares do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e das Forças Auxiliares (Corpo de Bombeiros e Polícia Militar), prefeitos, delegados de polícia, diretores de hospitais e de asilos oficiais e servidores da administração direta e indireta federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, quando investidos de função.”

Referências

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