Antonio Ferriani Branco
Nutrição e Formulação de
Rações para Bovinos de Corte
com Microcomputador
Aprenda os princípios e também os programas
NutriMax e BeefMax
5
Princípios de formulação de rações
5.1
Introdução
Na área de alimentação animal, a formulação de rações é de importância capital, pois é através da adequada combinação de alimentos que o animal terá a dieta que fornecerá todos os nutrientes demandados para mantença e produção. A formulação de ração é o processo em que diferentes ingredientes e alimentos são combinados em uma proporção adequada para prover a quantidade ade-quada de nutrientes necessários para atender às exigências do animal em uma determinada condição de produção. A formulação não envolve meramente cálcu-los matemáticos para atender a essas exigências, pois o resultado da formulação pode ser impraticável e não ser o ideal para alimentar o animal.
Os primeiros trabalhos nesta área iniciaram em 1810 quando Thaer criou a pri-meira tabela para alimentação animal denominada de Equivalente Feno. O século passado apresentou marcada evolução no processo de formulação de rações, que passou de uma arte baseada na experiência para uma ciência com uso da tecnologia do computador. A despeito da sofisticação que os programas de computadores colocam a disposição dos usuários, é fundamental desenvolver habilidades matemáticas para o caso de necessidade de formulação de dietas
mas de computadores.
Essas habilidades contribuirão para predizer o desempenho animal, definir pro-gramas de nutrição, estimar demanda de alimentos, exigências de infraestrutura de armazenamento de alimentos, identificação de causas de desempenho abaixo do desejado ou estimado e marketing.
O processo de formulação começa com dois tipos de informações fundamentais:
1) as exigências nutricionais dos animais;
2) o valor nutricional dos alimentos. A exatidão e confiabilidade
des-tas duas informações é que vão permitir uma formulação correta. As informações das exigências referem-se à mantença e às funções produtivas, incluindo a reprodução. Estas informações são obtidas dos sistemas de nutrição, como o NRC (2000), por exemplo.
Em relação ao valor nutricional dos alimentos, esta informação é obtida de tabe-las dos sistemas de nutrição, de livros, de padrões de alimentação, da indústria, de laboratórios e de órgãos governamentais.
Outros pontos importantes são a aceitabilidade pelo animal da dieta formulada, custo dos alimentos, presença de fatores antinutricionais e toxinas, além de ex-cesso de determinados nutrientes.
Após estabelecer coerentemente esses pontos, passa-se à modelagem do problema para obtenção da dieta que possa produzir o melhor desempenho animal ao mínimo custo. Antes do processo de formulação propriamente dito, é necessário definir alguns parâmetros:
1) caracterização dos animais de acordo com categoria, idade, peso,
grupo genético, sexo etc;
2) definição das exigências e como serão expressas. Serão estimadas
as exigências de energia, proteína, minerais e vitaminas?
3) a dieta será balanceada com base na matéria seca ou matéria natural? 4) quais nutrientes devem fazer parte da formulação?
5) estimar o consumo de matéria seca;
6) conhecer bem a composição e valor nutricional dos alimentos.
Métodos de formulação 1) formulação simples; 2) tentativas e erros; 3) quadrado de Pearson; 4) método algébrico; 5) equações Simultâneas; 6) matrizes; 7) programas de computador.
Em ruminantes, devemos aplicar os seguintes conceitos:
1) assegurar ótimas condições para crescimento microbiano no rúmen e
tornar o sistema digestivo do animal o mais eficiente possível;
2) suprir os nutrientes deficientes em relação às exigências além dos
produtos da digestão no sentido de maximizar a produção.
5.2
Formulação de ração usando o Quadrado
de Pearson
O quadrado de Pearson é um método de formulação de rações muito simples usado há muito tempo. Ele é de grande utilidade quando apenas dois ingredien-tes farão parte da mistura.
Olhando para o quadrado vemos vários números nos cantos do mesmo. O nú-mero mais importante é o que aparece no meio do quadrado. Ele representa a exigência nutricional do animal para um nutriente específico, que pode ser proteína bruta, NDT, aminoácidos, minerais ou vitaminas.
Para que o quadrado de Pearson nos dê a solução para o problema é necessário atender a 3 exigências:
1) o valor do centro do quadrado deve ser intermediário aos dois
valores dos cantos da esquerda, que são os valores do nutriente em cada alimento. Por exemplo, 14 é intermediário entre 45 (% de PB do farelo de soja) e 10 (% de PB do milho);
ser considerados como positivos. Considere apenas a diferença nu-mérica. No caso 10 – 14 = - 4, mas será considerado 4;
3) subtraia o valor do nutriente da exigência na diagonal e coloque no
canto do quadrado de Pearson. Some os valores dos cantos da direita. Divida cada valor pelo total e divida por 100. Será encontrado o valor em porcentagem que o ingrediente deve entrar na mistura.
No caso, a exigência é de 14% de proteína bruta numa mistura de farelo de soja e milho. Qual deve ser a porcentagem de cada alimento para se obter esses 14%?
Farelo de soja 45%PB Milho 10%PB 4 partes de Farelo de soja 31 partes de Milho 35 partes total 14%
No caso do farelo de soja, a conta será 45 – 14 = 31; e no caso do milho, 10 – 14 = 4. Assim, são misturados 4 partes de farelo de soja com 31 partes de milho. Em porcentagem isso dará: (4/35) x 100 = 11,43% de farelo de soja e (31/35) x 100 = 88,57% de milho. Conferindo:
(11,43 x 45) /100 = 5,14 % de PB; (88,57 x 10) /100 = 8,86 % de PB; Somando-se 5,14 + 8,76 = 14% de PB.
O quadrado de Pearson também pode ser utilizado em duas etapas para preparar uma dieta com quatro alimentos, ou mesmo mais.
Em seguida será mostrado um exemplo com dois alimentos protéicos e dois energéticos para se obter uma dieta com os mesmos 14% de PB. Usaremos farelo de algodão (30% PB) e farelo de soja (50% PB), e polpa de citrus (7% PB) e casquinha de soja (12% PB). Inicialmente vamos obter um concentrado protéico com 45% de PB e depois um energético com 10% de PB.
O primeiro quadrado será:
Farelo de soja 50%PB Farelo de algodão 30%PB 15 partes de Farelo de soja 5 partes de Farelo de algodão 20 partes total 45%
No caso do farelo de soja, a conta será 50 – 45 = 5; e no caso do farelo de algodão, 30 – 45 = 15. Assim, são misturados 15 partes de farelo de soja com 5 partes de farelo de algodão. Em porcentagem isso dará: (15/20) x 100 = 75% de farelo de soja e (5/20) x 100 = 25% de farelo de algodão. Conferindo:
(75 x 50) /100 = 37,5 % de PB; (25 x 30) /100 = 7,5 % de PB; Somando-se 37,5 + 7,5 = 45% de PB.
O segundo quadrado será: Polpa de citrus 7%PB Casca de soja 12%PB 2 partes de Polpa de citrus 3 partes de Casca de soja 5 partes total 10%
No caso da polpa de citrus, a conta será 7 – 10 = 3; e no caso da casca de soja, 12 – 10 = 2. Assim, mistura-se 2 partes de polpa de citrus com 3 partes de casca de soja. Em porcentagem isso dará: (2/5) x 100 = 40% de polpa de citrus e (3/5) x 100 = 60% de casca de soja. Conferindo:
(40 x 7) /100 = 2,8 % de PB; (60 x 12) /100 = 7,2 % de PB; Somando-se 2,8 + 7,2 = 10% de PB.
Mistura protéicos 45%PB Mistura energéticos 10%PB 4 partes de Mistura protéicos 31 partes de Mistura energéticos 35 partes total 14%
No caso da mistura protéica, a conta será 45 – 14 = 31; e no caso da mistura de energéticos, 10 – 14 = 4. Assim, mistura-se 4 partes da mistura de protéicos com 31 partes da mistura de energéticos. Em porcentagem isso dará: (4/35) x 100 = 11,43% de protéicos e (31/35) x 100 = 88,57% de energéticos. Conferindo:
(11,43 x 45) /100 = 5,14 % de PB; (88,57 x 10) /100 = 8,86 % de PB; Somando-se 5,14 + 8,76 = 14% de PB
Para saber quanto deve ser misturado de cada alimento na mistura final, são considerados os primeiros quadrados, onde na mistura de protéicos tem-se 75% de farelo de soja e 25% de farelo de algodão. Na mistura de energéticos tem-se 40% de polpa de citrus e 60% de casca de soja.
(11,43 x 75) / 100 = 8,5725% de farelo de soja; (11,43 x 25) / 100 = 2,8575% de farelo de algodão; (88,57 x 40) / 100 = 35,428% de polpa de citrus; (88,57 x 60) / 100 = 53,142% de casca de soja;
Somando 8,5725% + 2,8575% + 35,428% + 53,142%, chega-se aos 100%.
A grande limitação do quadrado de Pearson é que através deste método faz-se o balanceado de apenas um nutriente.
5.3
Formulação de ração usando sistemas de
equações lineares simultâneas
Através do uso de sistemas de equações lineares simultâneas, pode-se resol-ver uma formulação de rações. Este sistema leva vantagem sobre o quadrado de Pearson, pois neste caso pode-se ajustar mais de um nutriente ao mesmo tempo. O número de nutrientes que entram na formulação é igual ao número de equações. É importante entender que quanto maior o número de nutrientes que entram na formulação maior a dificuldade de solução. Quando há neces-sidade de formulações com mais que dois nutrientes recomenda-se o uso de matrizes. Outro detalhe importante é que os níveis de cada nutriente devem ser intermediários àqueles encontrados nos alimentos ou ingredientes escolhidos. Muitas vezes utiliza-se espaço de segurança para inclusão de fontes específicas de determinados nutrientes, como minerais. Neste caso determina-se um valor fixo, ou uma constante, que é somado do lado esquerdo da equação, ou seja, do lado das incógnitas e coeficientes.
Com relação ao número de soluções, um sistema de equações lineares simultâ-neas pode ser classificado da seguinte forma:
1) compatível e determinado: quando admitir uma única solução; 2) compatível e indeterminado: quando admitir um número infinito
Vale lembrar que a condição para que um sistema de equações lineares tenha solução única é que o determinante da matriz dos coeficientes não seja nulo. Caso contrário, será indeterminado ou incompatível.
No exemplo de formulação com equações simultâneas, pretende-se usar cana-de-açúcar (27% de MS), milho (88% de MS) e farelo de algodão 30%PB (90% de MS) para formular uma dieta com 73% de NDT (0,73) e 11% de PB (0,11). No caso do NDT, considerou-se que a cana tem 55% (0,55), o milho 88% (0,88) e o farelo de algodão 70% (0,70). No caso da PB, considerou-se que a cana tem 2% (0,02), o milho 10% (0,10) e o farelo de algodão 30% (0,30). Assim, são montadas as três equações e o sistema de equações simultâneas:
A+B+C=1 (equação 1);
0,55A+0,88B+0,70C=0,73 (equação 2); 0,02A+0,10B+0,30C=0,11 (equação 3).
O que representa cada termo na equação 2, por exemplo?
Nesta equação A, B e C são as incógnitas, 0,55; 0,88 e 0,70 são coeficientes (constantes) e 1; 0,73 e 0,11 são termos independentes.
Qual deve ser a porcentagem de A, B e C na mistura?
Inicialmente resolve-se a determinante da matriz (M) dos coeficientes, que será:
Det (M) = 1 1 0,55 0,88 1 0,70 0,02 0,10 0,30
det (M) = [(1 x 0,88 x 0,3) + (0,55 x 0,1 x 1) + (0,02 x 0,7 x 1)] - [(0,02 x 0,88 x 1) + (0,1 x 0,7 x 1) + (0,3 x 1 x 0,55)]
det (M) = 0,0804
Portanto, este sistema de equações lineares simultâneas não é nulo, ou seja, a Det (M) não é zero e, portanto, tem uma única solução.
Passa-se então à solução:
1) multiplica-se a equação 1 por -0,55 e soma-se com a 2: -0,55A – 0,55B – 0,55C = -0,55
0,55A + 0,88B + 0,70C = 0,73
0,33B + 0,15C = 0,18 (equação 4).
2) multiplica-se a equação 1 por -0,02 e soma-se com a 3: -0,02A – 0,02B – 0,02C = -0,02
0,02A + 0,10B + 0,30C = 0,11
0,08B + 0,28C = 0,09 (equação 5).
3) multiplicar a equação 4 por 0,08 e a equação 5 por -0,33 e em
seguida somá-las:
0,0924B + 0,042C = 0,0504 -0,0120B – 0,042C = 0,0135 B = 0,459
4) substituir B na equação 4: 0,33B + 0,15C = 0,18 0,33 x 0,459 + 0,15C = 0,18 0,15147 + 0,15C = 0,18 C = 0,1902 5) substituir B e C na equação 1: A + B + C = 1 A + 0,459 + 0,1902 = 1 A = 0,3508
Assim, tem-se a solução para a formulação desejada. Com base na matéria seca, deve-se misturar 35,08% de cana-de-açúcar + 45,90% de milho + 19,02% de farelo de algodão.
Checando o NDT da dieta:
NDT (%) = (35,08 x 0,55) + (45,9 x 0,88) + (19,02 x 0,7) = 73% PB (%) = (35,08 x 0,02) + (45,9 x 0,1) + (19,02 x 0,3) = 10,9976% = 11%
A partir destes dados, deve-se fazer a transformação para matéria natural. Con-siderando que a formulação é feita com base em 100% de MS, a referência será 100 kg de matéria seca, e assim tem-se:
Para cana-de-açúcar: 35,08/0,27 = 129,93 kg; Para o milho: 45,9/0,88 = 52,16 kg;
Para o farelo de algodão: 19,02/0,90 = 21,13 kg;
Somando-se: 129,93 + 52,16 + 21,13 = 203,22 kg com base na matéria natural.
Pode-se agora obter a quantidade de cada alimento em 100kg de mistura com base na matéria natural:
Cana = (129,93/203,22) x 100 = 63,9 kg; Milho = (52,16/203,22) x 100 = 25,7 kg;
Farelo de algodão = (21,13/203,22) x 100 = 10,4kg.
A formulação está completa.
5.4
Formulação de ração usando matrizes
Nos próximos parágrafos serão abordados pontos importantes que permitirão o aprendizado sobre a formulação de rações usando matrizes. Será utilizado o mesmo exemplo de formulação anterior.
Usando cana-de-açúcar (27% de MS), milho (88% de MS) e farelo de algodão 30%PB (90% de MS), pretende-se formular uma dieta com 73% de NDT (0,73) e 11% de PB (0,11). No caso do NDT, considerou-se que a cana tem 55% (0,55), o milho 88% (0,88) e o farelo de algodão 70% (0,70). No caso da PB, considerou-se que a cana tem 2% (0,02), o milho 10% (0,10) e o farelo de algodão 30% (0,30). Assim, são montadas as três equações e o sistema de equações simultâneas:
A + B + C = 1
0,55A + 0,88B + 0,70C = 0,73 0,02A + 0,10B + 0,30C = 0,11
Usando a regra de Sarrus, calcula-se a determinante da matriz principal (M) dos coeficientes, que será:
Det (M) = 1 1 0,55 0,88 1 0,70 0,02 0,10 0,30 1 0,55 1 0,88 0,02 0,10 Det (M) = [(1 x 0,88 x 0,3) + (1 x 0,7 x 0,02) + (1 x 0,55 x 0,1)] - [(0,02 x 0,88 x1) + (0,1 x 0,7 x 1) + (0,3 x 0,55 x 1)] Det (M) = [0,264 + 0,014 + 0,055] – [0,0176 + 0,07 + 0,165) = 0,0804 Det (M) = 0,0804. Portanto, tem-se apenas uma solução.
Para calcular a solução pela regra de Cramer, substituímos sucessivamente as colunas da matriz M pela matriz coluna dos termos independentes, que são 1; 0,73 e 0,11. Det (A) = 1 1 0,73 0,88 1 0,70 0,11 0,10 0,30 1 0,73 1 0,88 0,11 0,10 Det (A) = [(1 x 0,88 x 0,3) + (1 x 0,7 x 0,11) + (1 x 0,73 x 0,1)] – [(0,11 x 0,88 x 1) + (0,1 x 0,7 x 1) + (0,3 x 0,73 x 1)] Det (A) = [0,264 + 0,077 + 0,073] – [0,0968 + 0,07 + 0,219] = 0,0282 Det (A) = 0,0282
Det (M) x A = Det (A)
A = Det (A) / Det (M) = 0,0282 / 0,0804 = 0,3507 A = 35,07%
Det (B) = 1 1 0,55 0,73 1 0,70 0,02 0,11 0,30 1 0,55 1 0,73 0,02 0,11 Det (B) = [(1 x 0,73 x 0,3) + (1 x 0,7 x 0,02) + (1 x 0,55 x 0,11)] – [(0,02 x 0,73 x 1) + (0,11 x 0,7 x 1) + (0,3 x 0,55 x 1) Det (B) = [0,219 + 0,014 + 0,0605] – [0,0146 + 0,077 + 0,165] = 0,0369 Det (B) = 0,0369 Det (M) x B = Det (B) B = Det (B) / Det (M) = 0,0369 / 0,0804 = 0,459 B = 45,9% Det (C) = 1 1 0,55 0,88 1 0,73 0,02 0,10 0,11 1 0,55 1 0,88 0,02 0,10 Det (C) = [(1 x 0,88 x 0,11) + (1 x 0,73 x 0,02) + (1 x 0,55 x 0,1)] – [(0,02 x 0,88 x 1) + (0,1 x 0,73 x 1) + (0,11 x 0,55 x 1)] Det (C) = [0,0968 + 0,0146 + 0,055] – [0,0176 + 0,073 + 0,0605] = 0,0153 Det (C) = 0,0153 Det (M) x C = Det (C) C = Det (C) / Det (M) = 0,0153 / 0,0804 = 0,1903 C = 19,03%
Os resultados foram os mesmos obtidos com as equações simultâneas e, por-tanto, não há necessidade de checar. Estes resultados confirmam que os dois métodos podem ser adotados com a mesma precisão.
Atenção: a formulação de ração utilizando o computador será abordada no próximo capítulo com a utilização do programa NutriMax, que executa formulação de custo mínimo.
w w w . i e p e c . c o m