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Artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário RFDT, Belo Horizonte, ano 15, n. 85, p , jan./fev

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Artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 15, n. 85, p. 63-68, jan./fev. 2017.

Autor: João Francisco Bianco

ANÁLISE DE CASO DE TRIBUTAÇÃO DE ESTABELECIMENTO PERMANENTE

Em janeiro de 2016, o CARF analisou caso de incidência de imposto de renda na fonte (IRF) sobre as remessas feitas ao exterior a título de remuneração pela prestação de serviços técnicos executados no Brasil. A decisão foi formalizada no Acórdão nº 2202-003.114 e a ementa, na parte que nos interessa, teve a seguinte redação:

“TRATADO BRASIL-FRANÇA PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO. EXISTÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PERMANENTE. TRIBUTAÇÃO NA FONTE. São características do estabelecimento permanente a existência de uma instalação material, com caráter de permanência, que esteja à disposição da empresa, a qual deve exercer a sua atividade nesta instalação ou por meio desta instalação. Na existência de um estabelecimento permanente, os lucros podem ser tributados na fonte.”

A simples leitura da ementa acima transcrita já desperta a curiosidade do analista. Isso porque – à primeira vista – parece estranho o reconhecimento da possibilidade de tributação pelo IRF dos lucros apurados por um estabelecimento permanente (EP). Daí por que, desde logo, senti a necessidade de aprofundar o exame dos fatos para poder fazer uma análise crítica dos fundamentos da decisão. E a conclusão a que cheguei é que, a despeito de o acórdão utilizar corretamente alguns dos conceitos básicos que orientam a tributação internacional, a decisão final não pode ficar imune a críticas.

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domiciliada na França para prestar serviços de assistência técnica, sem transferência de tecnologia. A fiscalização exigiu a incidência do IRF sobre os valores remetidos à França como pagamento pela prestação dos serviços, com base no disposto no art. 685, inciso II, do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 (RIR). A empresa insurgiu-se contra a autuação, alegando que a referida incidência feriria o disposto no art. 7º do tratado firmado entre o Brasil e a França para evitar a dupla tributação da renda (TBF).

O acórdão inicia o exame do mérito da autuação sustentando que não deveria ser aplicado ao caso o Ato Declaratório Normativo RFB nº 1, de 2000. Referido ato, como se recorda, previa a possibilidade de haver a incidência de IRF sobre os valores remetidos ao exterior a título de remuneração pela prestação de serviços, ainda que o beneficiário dos rendimentos estivesse domiciliado em país com tratado firmado com o Brasil. Isso porque o art. 21 daqueles tratados, que regula a tributação dos “outros rendimentos não expressamente mencionados”, autorizaria essa tributação.

Os fundamentos do ADN nº 1 de 2000 foram afastados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a própria Administração Fazendária, reconhecendo que as suas conclusões não estavam corretas, revogou aquele ato por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 2014.

Assim sendo, o acórdão reconhece a submissão do caso concreto ao art. 7º do TBF e passa a analisar as condições para a sua aplicação. Esse dispositivo prevê que os lucros de uma empresa com domicílio na França somente serão tributados na França. A não ser que a empresa exerça sua atividade no Brasil por meio de um EP localizado no Brasil. Nesse caso, os lucros da empresa com domicílio na França poderão ser tributados no Brasil.

Em seguida, o acórdão examina o parágrafo 5º do art. 7º do TBF. Esse dispositivo prevê a possibilidade da não aplicação do previsto no caput do art. 7º quando os lucros auferidos pelo residente no exterior compreenderem elementos de rendimentos tratados separadamente em outros artigos do tratado.

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Isso quer dizer o seguinte: a regra geral (caput do art. 7º) estabelece que os lucros da empresa francesa auferidos no Brasil somente podem ser tributados na França. Mas se esses lucros tiverem natureza de rendimentos específicos, com regime de tributação previsto separadamente nos demais artigos do tratado, aí se afasta a regra geral (art. 7º) e prevalece a norma especial. Exemplo: se os lucros tiverem natureza de remuneração a título de

royalties pelo uso de know-how, poderá haver a incidência do imposto, até o

limite máximo de 15%, em virtude de haver expressa previsão excepcional nesse sentido (art. 12). O mesmo se aplica no caso de pagamento de juros (art. 11) ou de dividendos (art. 10).

No caso dos autos, o acórdão reconhece que a natureza jurídica dos rendimentos remetidos ao exterior era de remuneração pela prestação de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia. E como o art. 12 do TBF não prevê a possibilidade de tributação excepcional desse tipo de rendimento, aplica-se ao caso o art. 7º e, em tese, não poderia mesmo haver incidência do IRF. Até aqui o raciocínio desenvolvido não poderia estar mais correto.

Ocorre que, em seguida, o acórdão dá um passo adiante e passa a analisar a segunda exceção prevista na regra geral do art. 7º, conforme disposto na parte final do caput desse artigo. Com efeito, a tributação exclusiva pela França dos lucros auferidos no Brasil pela empresa francesa somente se aplica se não houver no Brasil um EP da empresa francesa. Caso haja no Brasil um EP da empresa francesa, os lucros da empresa francesa poderão ser tributados no Brasil.

Com base nesse raciocínio, o acórdão passa então a examinar se há ou não um EP da empresa francesa no Brasil. Para tanto, transcreve o art. 5º do TBF, onde consta a definição de EP. E em seguida considera a situação de fato. Com efeito, sustenta o acórdão que os serviços prestados eram muito amplos e variados, abrangendo administração em geral, comunicações, vendas e marketing, administração de programa, contabilidade, controle e impostos, tesouraria, questões legais, seguro, imóveis, administração do sistema de informação, recursos humanos, administração da organização de compras, compra de itens relacionados à produção, auxílio no processo de fabricação e assessoria para melhoria de qualidade.

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que as empresas beneficiárias dos rendimentos “exerciam na realidade as suas atividades no Brasil por meio da empresa brasileira, consistindo em um verdadeiro estabelecimento permanente das empresas francesas neste país, o que lhes propiciavam manter a prestação do serviço como contratado”.

Por fim, conclui o acórdão: “Desse modo, são aplicáveis a esses contratos as regras da tributação do IRRF nas remessas feitas pela contratante ao exterior, conforme ressalva do parágrafo 1º do art. 7º do Tratado, em relação à existência de estabelecimento permanente no país da tributação”.

O raciocínio desenvolvido no acórdão tem pelo menos três erros gravíssimos, contaminando completamente a conclusão final. Vejamos cada um deles separadamente.

O primeiro erro é muito comum e tem sido cometido frequentemente por pessoas pouco afeitas a lidar com questões envolvendo tributação internacional. Trata-se de pensar que os tratados para evitar a dupla tributação criam obrigações para os contribuintes. Vamos deixar claro: tratado não cria incidência tributária. O tratado simplesmente autoriza os Estados Contratantes a criarem as incidências tributárias, dentro dos limites estabelecidos. O nascimento da obrigação tributária é determinado exclusivamente pela lei interna. É este – e somente este – o veículo legal de criação da obrigação tributária. Editada a norma interna, é preciso verificar se ela é compatível ou não com o tratado. Sendo compatível, ela é aplicável na sua total amplitude. Sendo incompatível, a norma interna será aplicada em todos os casos, menos naqueles em que o residente do país signatário do tratado estiver envolvido.

Vamos a um exemplo. O art. 12 do TBF prevê que os royalties pagos a beneficiário residente na França podem ser tributados pelo Brasil às seguintes alíquotas máximas:

- 10% no caso de remuneração de direito de autor; - 25% no caso de remuneração pelo uso de marca; e

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- 15% nos demais casos.

Em princípio, os royalties são tributados à alíquota de 15% quando remetidos a beneficiário no exterior (art. 710 do RIR). Como se vê, há um claro choque entre a lei interna e o TBF. Esse conflito se resolve da seguinte forma. Se os pagamentos forem feitos a título de remuneração de direito de autor, a alíquota a ser aplicada é de 10%, por força da prevalência do tratado sobre a lei interna. Isso porque o tratado autorizou o legislador brasileiro a criar incidência de IRF até o limite de 10%. O percentual que exceder aquele limite não pode ser exigido. Mas se os pagamentos forem feitos a título de remuneração pelo uso de marca, a alíquota devida é de 15%. Isso porque, ainda que autorizado a criar uma incidência de 25% sobre esse tipo de remessa, preferiu o legislador interno adotar uma alíquota mais reduzida. Desse modo, como o tratado não cria tributo, o percentual máximo a ser exigido é aquele previsto na lei interna.

O acórdão aqui analisado descreve longamente o conceito de EP previsto no art. 5º do TBF. E conclui que, no caso concreto, está caracterizada a existência do EP por força do que dispõe o referido art. 5º. Ora, esse raciocínio está totalmente incorreto. O TBF prevê a possibilidade de ser caracterizado o EP nas condições ali previstas. Mas cabe ao legislador ordinário criar o conceito de EP e fixar os critérios para a sua caracterização. Que poderão ou não estar em linha com o que dispõe o TBF. O TBF simplesmente fixa as condições a serem seguidas pelo legislador interno para a definição do conceito de EP. Mas cabe ao legislador interno estabelecer esse conceito, que pode até nem ser estabelecido. Se o legislador brasileiro decidir não introduzir o conceito de EP na legislação tributária, ele é livre para fazê-lo. Ele está simplesmente autorizado pelo TBF para tanto, mas não há obrigatoriedade de adoção de norma interna nesse sentido. Nem o TBF pode ser aplicado diretamente ao caso concreto, pois o TBF não cria obrigação tributária.

O raciocínio é fácil de ser entendido se utilizarmos o exemplo do IRF incidente sobre a remessa de dividendos ao exterior. O art. 10 do TBF prevê a possibilidade de ser criada a incidência do IRF à alíquota de 15% sobre os pagamentos de dividendos a beneficiário no exterior. A lei interna prevê isenção de IRF sobre esse tipo de remessa (art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995). Como se

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Assim, as remessas de dividendos estarão sempre isentas de IRF, ainda que o beneficiário esteja domiciliado na França, pois o TBF não cria tributo. O legislador ordinário, ainda que autorizado pelo TBF a criar uma incidência de IRF de 15%, preferiu abrir mão do seu direito e conceder isenção sobre as remessas de dividendos ao exterior. Isso quer dizer que o TBF não pode ser utilizado como fundamento para a exigência de tributo não previsto na lei ordinária.

Pois foi exatamente isso que ocorreu no caso em exame. O legislador ordinário tinha autorização para criar o conceito de EP sempre que presentes as condições previstas no art. 5º do TBF. Mas, ainda que autorizado a adotar todas as hipóteses ali previstas, preferiu o legislador ordinário identificar a existência do EP em apenas três situações isoladas, previstas no art. 147, inciso II, do RIR (filiais de empresas do exterior); no art. 147, inciso III (comitente no exterior); e no art. 539 também do RIR (agente com poderes de representação).

Fora dessas hipóteses, não há que se falar na caracterização de EP simplesmente porque o legislador ordinário brasileiro optou por adotar um conceito muito restrito de EP, ainda que autorizado pelo TBF a adotar um conceito mais amplo.

Voltando ao caso concreto, o acórdão aplicou o TBF para caracterizar a existência do EP, quando a legislação ordinária interna assim não procedeu. Olvidouse o CARF que tratado não cria obrigação tributária. Se, no caso concreto, não puder ser caracterizado o EP de acordo com a lei interna, não há que se considerar existente o EP com fundamento exclusivamente no TBF.

O segundo erro cometido pelo acórdão foi presumir a existência do EP. Ora, o EP não pode ser caracterizado por presunção. As hipóteses previstas no art. 5º do TBF são taxativas, não podendo ser ampliadas nem presumidas. Trata-se de matéria de prova: ou está provada a existência de uma filial, de um escritório, ou de um canteiro de obras por mais de seis meses, ou não pode ser caracterizado o EP.

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O acórdão presume a existência do EP no caso concreto porque, como os serviços prestados eram muito amplos, “os beneficiários dos rendimentos exerciam suas atividades no Brasil por meio da empresa brasileira (???), consistindo em um verdadeiro estabelecimento permanente da empresa francesa no Brasil (???)”. Como se vê, O CARF desenvolveu o seguinte raciocínio: o fato de os serviços prestados serem amplos justifica a conclusão de que não haveria como prestá-los sem a existência de um EP no Brasil. Ora, esse tipo de raciocínio é mero exercício de presunção. Não há qualquer prova da caracterização do EP, mas simples presunção de sua ocorrência. E a caracterização do EP por presunção não pode ser admitida, pois em completo desacordo com a lei interna e com o TBF.

Por fim, o acórdão comete o seu terceiro e mais grave erro, ao concluir pela incidência do IRF sobre os valores remetidos ao exterior.

Vamos admitir como válidos os pressupostos – ainda que errados – adotados pelo acórdão, no sentido de que foi caracterizada a existência do EP e que os rendimentos por ele auferidos podem ser tributados no Brasil. O passo seguinte, então, é determinar qual o regime tributário aplicável ao caso. Segundo o acórdão, o fundamento da autuação está nos arts. 5º e 7º do TBF, que definem o conceito de EP e que determinam a sua tributação. Ocorre que o item 2 do art. 7º prevê a possibilidade de tributação dos lucros imputados ao EP, como se ele constituísse uma empresa distinta e separada que exercesse as atividades desenvolvidas pelo EP. Além disso, o item 3 do mesmo artigo ainda admite expressamente a possibilidade de dedução das despesas que forem feitas para a realização das atividades, inclusive as despesas de direção e de administração.

Isso quer dizer que a base de cálculo do imposto a ser exigido do EP é o lucro a ele imputado pelo exercício da prestação dos serviços, ou seja, as receitas por ele auferidas, deduzidas das despesas operacionais, incluindo as administrativas. Se o fundamento para exigir a tributação dos serviços é o art. 7º do TBF, então que seja aplicado o referido dispositivo por inteiro, e não somente parte dele.

Pois o acórdão em exame, contrariamente ao disposto nos itens 2 e 3 do art. 7º do TBF, acaba por concluir pela incidência do IRF sobre os valores

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Com isso, o acórdão demonstra completa incoerência de raciocínio. Se o TBF for utilizado como fundamento para a exigência do imposto, então temos de coerentemente aplicar todos os dispositivos do TBF aplicáveis à matéria, ou seja, tributa-se o EP calculando-se o lucro auferido com a prestação dos serviços. Lucro, como se sabe, corresponde a receitas menos custos e despesas. O acórdão adotou dois pesos e duas medidas. Para determinar a existência do EP utilizou como fundamento o TBF; e para determinar o regime de tributação, abandonou o TBF e utilizou a lei interna, que nem trata de tributação de EPs, mas sim da tributação de remessas de rendimentos ao exterior.

Em resumo, uma completa confusão de critérios, sem qualquer tipo de coerência lógica de raciocínio. A decisão correta seria pela impossibilidade de tributação dos rendimentos remetidos ao exterior, com fundamento no art. 7º do TBF. A decisão errada – mas coerente – seria pela possibilidade de tributação do lucro apurado com a prestação dos serviços no Brasil pelo EP, com fundamento nos itens 2 e 3 do mesmo art. 7º. O acórdão acabou optando pela decisão errada e incoerente, concluindo pela possibilidade de incidência do IRF sobre rendimentos brutos remetidos ao exterior, mas que foram auferidos por um EP localizado no Brasil. Uma verdadeira comédia de erros.

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