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UMA HISTÓRIA DE DOIS TRIÂNGULOS: RELAÇÕES SINO-VIETNAMITAS DURANTE 1949-1990

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UMA HISTÓRIA DE DOIS TRIÂNGULOS: RELAÇÕES SINO-VIETNAMITAS DURANTE 1949-1990

Shu Chang-sheng*

RESUMO44

As relações sino-vietnamitas durante a Guerra Fria constituem uma história conturbada, repleta de episódios de solidariedade revolucionária, misturados com desconfianças e conflitos. De modo geral, diversos fatores afetaram as relações sino-vietnamitas e destruíram a cooperação fraterna entre os dois países socialistas: a Conferência de Genebra de 1954; divergência sino-soviética; a Revolução Cultural chinesa; aproximação sino-americana; e apoio chinês ao Pol Pot e Khmer Rouge. Em 1975, as relações China-Vietnã começaram a deteriorar e, ao término da guerra do Vietnã, Beijing e Hanói acabaram se distanciando um do outro. Entre 1976 e 1978, surgiram conflitos nas fronteiras, culminando com o alinhamento do Vietnã ao campo soviético em novembro de 1978. Quando o Camboja foi invadido pelo Vietnã em janeiro de 1979, Beijing percebeu que perdera para a União Soviética sua influência sobre o Vietnã e sobre o resto da península indochinesa. Portanto, Deng Xiaoping resolveu ensinar ao Vietnã uma lição, lançando uma guerra de grande escala contra o regime de Hanói. Os conflitos duraram praticamente toda a década 1980 até que em 1990, depois do colapso do bloco soviético, os dois países fizeram as pazes e normalizaram as relações. Toda a história das relações sino-vietnamitas no período 1949-1990 pode ser contextualizada e compreendida à luz de dois jogos estratégicos triangulares, um entre China-Vietnã-União Soviética e outro, entre União Soviética-China-Estados Unidos. O artigo procura embasar parte das narrativas nessa complexidade histórica e geopolítica durante a Guerra Fria.

Palavras-chave: Relações sino-vietnamitas. Relações triangulares China-União Soviética-Estados Unidos. Guerra Fria.

44 As primeiras versões deste artigo foram desenvolvidas durante o período de 2006-2008 quando o autor estava realizando as pesquisas de pós-doutorado na Universidade Cândido Mendes (UCAM), no Rio de Janeiro. O autor agradece ao Professor Dr. Clovis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Cândido Mendes pelas opiniões críticas e pela orientação acadêmica durante a elaboração deste trabalho.

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* Graduação em Língua e Literatura Inglesa pela Universidade Fudan (1989), mestrado em Economia pela Universidade Federal Fluminense (1998) e doutorado em História pela

Universidade Federal Fluminense (2002). É Professor Doutor em Literatura Moderna Chinesa do Departamento de Letras Orientais, Universidade de São Paulo. Autor do livro A história da China Popular do século XX, editado pela Fundação Getúlio Vargas, em 2011. Contato: <shu@usp.br>.

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HISTORY OF TWO TRIANGLE: THE SINO-VIETNAMESE RELATIONS BETWEEN 1949-1990

ABSTRACT

The history of Sino-Vietnamese relations, during the Cold War years, consist of a troubled history, a history of revolutionary solidarity, mixed with distrust and conflict. Overall, several factors affected the Sino-Vietnamese relations and destroyed the fraternal cooperation between the two socialist countries: the Geneva conference in 1954; Sino-Soviet dispute; the Chinese Cultural Revolution; Sino-American rapprochement; and Chinese support for Pol Pot and Khmer Rouge. In 1975, the Sino-Vietnam relations began to deteriorate, and ending the war in Vietnam, Beijing and Hanói ended up with quarrels and hostility. Between 1976 and 1978, there were border conflicts culminating in the alignment of Vietnam to the Soviet camp in November 1978. When Cambodia was invaded by Vietnam, in January 1979, Beijing realized that they had lost to the Soviet Union all his influence over Vietnam and over the rest of the Indochinese peninsula. Therefore, Deng xiaoping decided to “teach Vietnam a lesson” by launching a large-scale war against the Hanoi regime. The conflict lasted nearly the entire decade from 1980 to 1990. After the collapse of the Soviet bloc, the two countries made peace and normalized relations. The whole history of Sino-Vietnamese relations in the period 1949-1990 must be contextualized and understood in the light of two strategic triangle games: one, between China-Vietnam-Soviet Union, and the other, between the Soviet Union-China-United States. The article tries to base all narratives in this complex network of historical geopolitical interrelationships, during the Cold War.

Keywords: Sino-Vietnamese relations. Strategic triangle China-Soviet Union and the United States. Cold War.

UNA HISTORIA TRIANGULAR: RELACIONES SINO-VIETNAMITAS DURANTE 1949-1990

RESUMEN

Las relaciones sino-vietnamitas durante la guerra fría constituyen una turbulenta historia, repleta de episodios de solidaridad revolucionaria, mezclada con la desconfianza y el conflicto. En general, varios factores afectaron las relaciones sino-vietnamitas y destruyeron la cooperación fraterna entre los dos países socialistas: la conferencia de Ginebra en 1954; la Disputa chino-soviética; la Revolución Cultural china; el Acercamiento chino-americano; y el apoyo chino para Pol Pot y los Jemeres Rojos. En 1975, las relaciones entre China y Vietnam comenzaron a deteriorarse y, con el fin de la guerra en Vietnam, Beijing y Hanói se alejan. Entre 1976 y 1978, hubo conflictos fronterizos que culminaron en la alineación de Vietnam al campo

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soviético en noviembre de 1978. Cuando Camboya fue invadido por Vietnam en enero de 1979, Beijing se dio cuenta de que había perdido a la Unión Soviética durante toda su influencia sobre Vietnam y el resto de la península de Indochina. Por lo tanto, Deng Xiaoping decidió “enseñar una lección a Vietnam” con el lanzamiento de una guerra a gran escala contra el régimen de Hanói. El conflicto duró casi toda la década de 1980 hasta que en 1990, tras el colapso del bloque soviético, los dos países hicieron la paz y las relaciones se normalizaron. Toda la historia de las relaciones sino-vietnamitas en el período 1949-1990 se contextualiza y se entiende a la luz de dos juegos estratégicos triangulares, uno entre China - Vietnam - Unión Soviética y otro entre Unión Soviética - China - Estados Unidos. El artículo busca fundamentar todas las narraciones de complejidad histórica y geopolítica durante la Guerra Fría.

Palabras clave: Relaciones entre China y Vietnam. Triangular entre China y la Unión Soviética y los Estados Unidos. Guerra Fría.

1 INTRODUÇÃO

As relações sino-vietnamitas misturavam-se com as tradições imperiais chinesas e os ressentimentos vietnamitas contra o chauvinismo e expansionismo chinês. Por mais de mil anos, o Vietnã foi dominado pela China e somente ganhou a independência em relação à China depois de 1885, quando a Guerra Sino-Francesa (1883-1885) terminou e quando o governo imperial chinês (então sob o domínio da Dinastia Manchu) foi derrotado e obrigado a reconhecer o poder colonial da França sobre o Vietnã. Para os vietnamitas, a história do país era uma história de lutas contra a colonização chinesa. Na primeira metade do século XX, no meio do movimento internacional comunista, sentimentos de fraternidade e solidariedade revolucionária prevaleceram entre os dois lados. Mas depois de 1949, no momento em que os comunistas chineses, sob a liderança de Mao Zedong, tomaram o poder, a situação ficou cada vez mais delicada: por um lado, a China tentou apoiar os movimentos revolucionários do Vietnã sem restrição; por outro lado, as exigências de Realpolitik frequentemente obrigavam os chineses a contornar ou sacrificar os interesses dos comunistas do Vietnã. Essa contradição entre o compromisso revolucionário e as circunstâncias da Realpolitik foi particularmente evidente na Conferência de Genebra de 1954, quando o primeiro ministro da China, Zhou Enlai, obrigou os comunistas vietnamitas a aceitarem as condições particularmente desfavoráveis dos franceses.

Em 1945, aproveitando-se da rendição japonesa, Ho Chi Minh e seus grupos de guerrilheiros do Viet Minh (Liga para a Independência do Vietnã, fundada em 1941), marcharam a Hanói, a capital do Vietnã, e proclamaram a fundação da República Democrática do Vietnã (RDV). No entanto, os franceses recusaram a reconhecer a RDV, mandaram tropas para retomar o controle sobre a sua antiga colônia.

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Assim, começou a Guerra Franco-Vietnamita (1946-54). Com o grande apoio da China, principalmente depois de 1950, os vietnamitas derrotaram os colonizadores franceses na batalha estratégica de Dien Bien Phu (1953-1954) e já avançavam na direção de libertar todos os territórios vietnamitas dos domínios franceses.

2 A CONFERÊNCIA DE GENEBRA E A COEXISTÊNCIA PACÍFICA

Em fevereiro de 1954, houve uma conferência internacional em Berlim entre os EUA, a União Soviética, a França e a Grã-Bretanha para reduzir a tensão na Europa. Nessa reunião, os soviéticos mostraram-se desinteressados, o que levou ao agendamento de um novo encontro em Genebra que incluiria os representantes da China e da República Democrática do Vietnã, a fim de resolver os conflitos na Península Indochina que envolviam três países: Vietnã, Laos e Camboja, todos, ex-colonias francesas.

A Conferência de Genebra, de 1954, começou em uma atmosfera de luto para o Ocidente, criada pela queda de Dien Bien Phu e pela desmoralização total dos franceses. Considerando a superioridade da posição dos comunistas vietnamitas após Dien Bien Phu e a situação extremamente vulnerável dos franceses, a Conferência de Genebra foi desastrosa para os vietnamitas. O país foi dividido, ao longo do Paralelo 17, em duas esferas de influência: Vietnã do Norte, controlado pelos comunistas liderados por Ho Chi Minh; Vietnã do Sul, sob a tutela dos norte-americanos, que substituiriam os franceses posteriormente. A RDV foi reduzida para o Vietnã do Norte, com capital em Hanói, e os comunistas no Vietnã do Sul seriam retirados para o Vietnã do Norte. A independência do Camboja e do Laos foi garantida.45 E o Camboja foi declarado neutro.46

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a China obrigaram os comunistas vietnamitas a aceitar as decisões de Genebra, no intuito de evitar um conflito direto com os Estados Unidos, cuja superioridade bélica ficou visível na Guerra da Coreia (1950-53). Foi um caso típico em que os interesses dos partidos menores

45 Foi declarada a independência do Laos, porém foi preservado um santuário para o grupo guerrilheiro Pathet Lao, patrocinado pelos comunistas vietnamitas. O Acordo de Genebra planejou a integração do Pathet Lao no novo Estado independente, o que foi um fracasso. Os conflitos entre os comunistas e as forças do governo continuaram até os anos 1970.

46 Em 1954, os chineses e os soviéticos chegaram a Genebra preparados para defender a tese dos comunistas vietnamitas, de que eles representavam os movimentos de libertação dos três países que constituíam a antiga colônia francesa. A intransigência da delegação cambojana e o prestígio do príncipe Norodom Sihanouk, como homem de espírito independente, impressionaram Zhou Enlai e Molotovo que, por sua vez, mudaram de opinião e favoreceram a retirada das forças da RDV do Laos e do Camboja. No entanto, depois da Conferência de Genebra, o Vietnã continuava a ver a Indochina como um todo, no qual os vietnamitas, como a raça mais vigorosa e populosa, estariam destinados a herdar a autoridade integral exercida antes pela administração colonial francesa.

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foram sacrificados pelos big brothers para apaziguar os Estados Unidos da América (EUA), que estavam determinados em conter o avanço do comunismo na Ásia.

Logo depois da Conferência de Genebra, os EUA montaram a Organização dos Tratados do Sudeste Asiático (SEATO), uma aliança militar designada para prevenir agressão comunista. A mira da SEATO era a China, pois a Organização declarou, como áreas de sua proteção, o Vietnã do Sul, o Laos e o Camboja.

Em 1955, o primeiro ministro Ngo Dinh Diem, do Vietnã do Sul, liderou um golpe de Estado que depôs o rei Bao Daí, instalado pelos franceses, e organizou um regime ditatorial. Diem recebeu amplo apoio norte-americano. Esse apoio pode ser atribuído principalmente aos esforços do governo de Eisenhower de conter a expansão do comunismo. Diem reprimiu brutalmente os movimentos de oposição e atacou violentamente a Frente de Libertação Nacional (NLF), organização comunista dirigida pelo Vietnã do Norte.

Diante da hostilidade americana, a China preservava sua manutenção da paz internacional, já que a prioridade era o fortalecimento interno. Por estar em meio a um desenvolvimento industrial em massa, o Beijing afirmou que não apoiaria conflitos armados antigovernamentais feitos por comunistas do Sudeste Asiático, uma política que se aplicaria não só em Laos e Camboja, mas em Birmânia, Tailândia e Malásia.

De fato, o acordo assinado na Conferência de Genebra de 1954 seria uma bomba-relógio para a fraternidade sino-vietnamita. Apesar da superioridade das forças comunistas do Vietnã sobre os franceses, os chineses e os soviéticos decepcionaram os seus camaradas vietnamitas pela imposição de um arranjo que resultou no abandono das lutas revolucionárias no Vietnã do Sul, em Camboja e Laos (WESTAD et al., 1998).

Os líderes do RDV, Le Duan e Pham Van Dong, haviam experimentado tempos difíceis depois do acordo de 1954. Ambos vieram do Sul do Vietnã e tinham mais motivos para lutar pela reunificação. O principal negociador de 1954, Pham Van Dong fora forçado pelos soviéticos e chineses a assinar um acordo, que, mais tarde, Mao admitiu que fora um erro (YANG, 2002). Le Duan permaneceu no Sul depois de 1954 e testemunhou as perdas e danos causados pela política da coexistência pacífica favorecida por Beijing e Moscou. As forças revolucionárias no Vietnã do Sul foram instruídas a conduzir apenas infiltrações políticas e lutas não violentas enquanto Ngo Dinh Diem intensificava as repressões violentas contra os comunistas e outros movimentos democráticos.

Muitos comunistas cambojanos também se sentiram decepcionados não só pela China e União Soviética, mas também pelos seus mentores do Vietnã. Como resultado do acordo, assinado pelos representantes vietnamitas e franceses, mais de quinhentos comunistas cambojanos foram obrigados a se refugiar no Vietnã do Norte e permaneceram ali até 1970-71. Quando finalmente voltaram para Camboja, foram acusados de serem agentes do Vietnã.

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No início dos anos 60, surgiu um novo partido comunista do Camboja, conhecido como Khmer Rouge, com Saloth Sar (Pol Pot) como secretário-geral do partido, a partir de 1963. Beijing e Hanói, principalmente Hanói, relutavam em ajudar o Khmer Rouge na sua luta armada no Camboja, porque preferiam sustentar o Príncipe Sihanouk no poder, enquanto ele mantivesse a neutralidade, deixar livre o Caminho de Ho Chi Minh, o santuário dos guerrilheiros comunistas do Vietnã, e permitir que os suprimentos da NLF fossem canalizados pelo Porto Sihanoukville. Pol Pot fez a primeira tentativa de persuadir Le Duan em meados de 1965, mas enfrentou uma bronca de Duan: “Nós usamos a neutralidade de Sihanouk para evitar trazer o Camboja para a guerra [...]. No Camboja, nós apoiamos Sihanouk. Não podemos subvertê-lo [...]” (WESTAD et al., 1998, p. 39).

3 A DIVERGÊNCIA SINO-SOVIÉTICA NAS POLÍTICAS EXTERNAS

Em 1956, durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Khrushchev lançou um relatório secreto denunciando Stalin e o stalinismo pelos crimes das violações dos direitos civis, pelo massacre dos quadros do partido e pelos erros graves de avaliação política, principalmente no que diz respeito à imobilidade de Stalin frente à militarização da Alemanha e seu avanço rumo ao Leste Europeu. O novo líder soviético culpou Stalin por um conjunto de crises socioeconômicas criadas por um Estado militarizado e acusou-o pela montagem de uma máquina de propaganda que enaltecia sua personalidade. Esta última acusação constrangeu Mao Zedong, que ocupava na China um lugar de líder máximo.

Khrushchev mudou a política externa soviética no período stalinista e iniciou a aproximação com os EUA, sob a estratégia da coexistência pacífica. Krushchev negou a luta armada como o único caminho para realizar o socialismo e defendeu o uso dos meios pacíficos para os comunistas tomarem o poder. Khrushchev foi criticado por Mao de nutrir perspectivas revisionistas ao abandonar os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo.

O tema da guerra e da revolução foi objeto de constantes desavenças entre Mao e Khrushchev a partir de 1956. Em novembro de 1957, Mao criticou os cinco princípios da coexistência pacífica preconizados pela Conferência de Bandung (1955)47 valorizados por Khruschev. Ele afirmava haver uma coexistência da Guerra Fria marcada pela tensão, já que ocorriam polos de lutas entre grupos capitalistas e socialistas em vários países e que não seria possível a coexistência pacífica entre os campos capitalistas e socialistas porque a paz só seria garantida com a vitória final do socialismo sobre o capitalismo. Mao viu a impossibilidade

47 Em 1955, na Conferência de Bandung, foram estabelecidos “cinco princípios para a coexistência pacífica”: Respeito à integridade territorial; Não agressão; Não interferência em assuntos internos; Ajuda mútua; Coexistência pacífica.

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de uma coexistência pacífica num mundo pontuado por guerras de libertação nacional e movimentos progressistas.48 Ora, esses movimentos, localizados na periferia, de certa forma, eram embriões para o desenvolvimento de experiências revolucionárias semelhantes à revolução chinesa, a qual Mao considerava como modelo para a revolução mundial.

4 POLÍTICAS CHINESAS EM RELAÇÃO À GUERRA DO VIETNÃ (1965-1975)

Para Mao Zedong, o movimento vietnamita de libertação nacional foi um dos principais desdobramentos dos movimentos revolucionários na Ásia desde a revolução chinesa de 1949. Eles consideravam a revolução do Vietnã como uma revolução chinesa em escala menor, um modelo clássico da confrontação entre o imperialismo e as forças revolucionárias. Ho Chi Minh havia passado anos na China e adotou a maior parte das políticas e estratégias chinesas na revolução vietnamita. Desde o período de Yan’an até os anos de 1970, Mao impunha para si uma missão histórica de expulsar os imperialistas para fora do Vietnã. Mesmo antes da proclamação da República Popular da China, o apoio dos comunistas chineses a Ho Chi Minh havia sido substancial. Em 1949-50, se Stalin não recusasse a endossar o plano do Partido Comunista Chinês (PCC), Mao teria enviado suas tropas para lutar no Vietnã. Até 1954, a China tinha fornecido a Ho Chi Minh armamentos, alimentos e especialistas militares necessários para o Vietnã do Norte vencer sua batalha contra a França (CHEN, 1993). E até 1976, o PCC permaneceu sendo a maior fonte de ajuda ao Vietnã do Norte frente à União Soviética. De acordo com uma estimativa soviética, durante os dez anos, de 1955 a 1965, o valor da ajuda chinesa a Hanói alcançou mais de meio bilhão de dólares (GAIDUK, 1996 apud WESTAD et al., 1998).49

Apesar de Mao ter concordado com as negociações de paz em 1954, na Conferência de Genebra, ele acreditava que os acordos feitos em Genebra eram

48 Pode haver certa confusão quanto ao uso do conceito de coexistência pacífica, valendo a pena um esclarecimento sobre as manipulações feitas por chineses e por soviéticos a esse respeito. Conforme assinalado antes, a China já se manifestava desde a década de 1950 em prol dos “cinco princípios de coexistência pacífica”, que deveriam reger a convivência entre todas as nações. Quando os soviéticos começaram a empregar a expressão para definir uma forma de relacionamento mais distendido entre países de sistema comunista e capitalista, a China viu no fato uma possibilidade de acomodação perigosa entre as duas superpotências de então, visando resguardar seus interesses específicos a expensas dos de outros membros da comunidade internacional, inclusive, e sobretudo, os da própria China. A propaganda chinesa passou a identificar a coexistência pacífica, em sentido soviético, restrito, a uma forma de hegemonismo e chauvinismo de grandes potências, Mas a partir dos anos 1970, Mao voltou a defender os cinco princípios básicos de coexistência pacífica, levantando as bandeiras da “igualdade” e “benefício mutual”, que até hoje figuram como grande diretriz da política exterior da República Popular da China.

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táticas temporárias. Isto porque, nesse momento, a China precisava se recuperar da guerra, e a RDV ainda era fraca e não conseguiria alcançar uma vitória completa contra os franceses que contavam com o apoio dos norte-americanos. Mao manteve postura de cautela em relação às lutas armadas na Indochina até 1964, na véspera da ruptura sino-soviética, quando a China endossou o plano de Hanói a retomar da luta armada no Vietnã do Sul.50

O objetivo do Vietnã do Norte era obter o máximo de apoio dos países do bloco socialista, mas a ruptura sino-soviética e o consequente esfacelamento do bloco socialista significavam, para Ho Chi Minh, o prolongamento da divisão do Vietnã. O apoio soviético era tido como fundamental, no entanto, após a crise dos mísseis de Cuba em 1962, Khrushchev continuou se unindo aos EUA, demonstrando abertamente que não mais apoiaria ações armadas lançadas por Hanói contra Saigon. Portanto, a China continuou sendo a principal fonte de apoio de Ho Chi Minh. No período de 1962 e 64, os EUA aumentaram sua pressão militar e econômica sobre a Indochina, dando ensejo a Mao de aproximar ainda mais de Hanói e pressionar para que este se distanciasse de Moscou.

Beijing foi perturbada pela primeira decisão do governo dos EUA de ajudar o Vietnã do Sul, para que este sobrevivesse à guerrilha e à insurreição dirigida por Hanói. Kennedy aumentou o apoio americano ao governo de Ngo Dinh Diem, apesar das dúvidas acerca da sua estabilidade: enviaria a Saigon milhares de tropas terrestres e helicópteros de combate aéreo com suas equipes. Essa aliança entre os EUA e Saigon causou preocupação em Beijing que, como resposta, mandou a Hanói, sem nenhuma cobrança, armamentos suficientes para equipar 230 batalhões de infantaria.

O envolvimento americano cresceu durante a administração de Kennedy, e os chineses, por sua vez, também intensificaram sua ajuda ao Vietnã do Norte. Mao organizou uma delegação militar que viajou para o Vietnã do Norte em 1963 para discutir a possibilidade de uma invasão das tropas americanas à RDV. Nota-se, nesse período, que a solidariedade chinesa e o ressentimento de Hanói a Moscou, pelo compromisso de Khrshchev em alcançar uma coexistência pacífica com os EUA, levaram os vietnamitas a inclinarem-se para o lado de Beijing, abandonando a sua posição neutra a respeito da divergência sino-soviética.

Johnson assumiu a presidência dos EUA, após o assassinato de Kennedy, e considerou que a guerra no Vietnã era uma daquelas que o Ocidente deveria ganhar a qualquer custo (MACFARQUHAR, 1997). Após os ataques comunistas da RDV às embarcações americanas no Golfo de Tonkin em agosto de 1964 e ao quartel

50 Depois da ruptura oficial sino-soviética em 1964, aos poucos, Mao se posicionou abertamente em favor da ideia de que a China passou a representar a verdadeira luta anti-imperialista, já que Khrushchev defendia políticas revisionistas que traíram os princípios básicos do marxismo-leninismo. Sob essa orientação, a China intensificou sua ajuda ao Vietnã.

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americano em fevereiro de 1965, Johnson conseguiu convencer o Congresso e a sociedade americana da necessidade de intervir no Vietnã, obtendo carta branca para aplicar qualquer tipo de defesa do Vietnã do Sul.51

Em geral, a estratégia chinesa era que, em primeiro lugar, se os americanos mandassem as forças terrestres para invadir o Vietnã do Norte, então a China seria obrigada a enviar tropas de combate para salvar Hanói; segundo, ela deveria passar sinais de alerta para os EUA para impedir que estes ampliassem livremente o escopo de operações militares ao Norte, como também para evitar trazer a guerra para a China; e terceiro, a China deveria evitar, tanto quanto possível, a confrontação direta com os EUA, mas no caso de necessidade, ela não tergiversaria da confrontação (CHEN, 1995).

5 O APOIO CHINÊS AO VIETNÃ DO NORTE

Com a queda de Khrushchev em outubro de 1964, Moscou novamente demonstrou vontade de apoiar a causa comunista do Vietnã do Norte. Brezhnev declarou o apoio soviético à RDV. Depois da visita de Kosygin a Hanói em 1965, os soviéticos começaram a enviar armamentos militares para Hanói, o que resultou na neutralidade vietnamita em relação ao conflito sino-soviético.

Já em 1965, os soviéticos forneceram, ao Vietnã do Norte, armas, munições, tanques e mísseis. A China aceitou o pedido de Moscou para transportar os armamentos soviéticos para território chinês. No entanto, Beijing duvidava das intenções soviéticas, impondo restrições ao tráfego de materiais destinados a Hanói pelo espaço territorial chinês e pressionando fortemente o Vietnã do Norte para que não se aproximasse de Moscou. A posição chinesa nesta conjuntura foi complicada, pois a tensão sino-soviética determinava que, por questões de segurança e soberania, Beijing deveria se preocupar com a presença constante dos materiais bélicos e dos agentes soviéticos em seu território. Essa situação deixou a China em um grande dilema: por um lado, a falha em responder às exigências de Moscou e Hanói poderia limitar a influência chinesa sobre o Vietnã do Norte; por outro lado, a escalação da Guerra faria a influência soviética crescer inevitavelmente. Indo ainda mais longe, a própria determinação de Hanói em lutar contra os americanos com recursos iguais aumentaria os riscos da invasão americana à própria China.

A decisão foi tomada: Liu Shaoqi, sob instrução de Mao, deu ordens de satisfazer as demandas vietnamitas incondicionalmente. No dia 10 de abril de 1965, um grupo de oficiais e de soldados partiu da China em direção ao Vietnã com o objetivo de ajudar na construção da estrada e nas defesas antiaéreas. A partir de 9 de junho de

51 Documentações decodificadas revelaram recentemente que esses ataques eram forjados pelos americanos. Disponível: < http://www.usni.org/magazines/navalhistory/2008-02/truth-about-tonkin>. Acesso em: 15 mar. 2015.

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1965, unidades de artilharias antiaéreas, batalhões de engenheiros e construtores, bem como contingentes logísticos foram enviados para o Vietnã do Norte. Os americanos certamente tinham conhecimento da presença chinesa e da natureza de suas atividades, entretanto, Washington aparentemente não sabia do tamanho do envolvimento da China: no momento de utilização máxima da força, havia um total de 170.000 soldados chineses desempenhando diversas funções. Em quase três anos (de junho de 1965 a março de 1968), um total de 320.000 militares chineses serviram no Vietnã. Além disso, 6.000 técnicos militares foram enviados para o Vietnã do Norte com o propósito de treinamento. Mais tarde, a presença das forças chinesas diminuiu gradualmente, como o combinado. Até 1971, todas as unidades terrestres foram retiradas. As forças antiminas permaneceram no Vietnã do Norte até 1973.

A China ofereceu ao Vietnã do Norte mais de 170 aviões, 140 navios de guerra, 500 tanques, 16.000 veículos motorizados, 37.000 peças de artilharia, 2.160.000 fuzis e metralhadores, 1.280 milhões de munição. De agosto de 1965 a março de 1969, as unidades antiaéreas chinesas participaram de 558 batalhas, derrubaram 597 aviões americanos e danificaram 479. Durante essas operações, 280 soldados chineses das unidades antiaéreas morreram e 1.166 ficaram feridos. O custo total da ajuda chinesa foi aproximadamente 20 bilhões de dólares. No total, as tropas da China sofreram 5.770 baixas, das quais, 1.070 pessoas morreram (MACFARQUHAR, 1997).

6 DIVERGÊNCIAS E CONFLITOS SINO-VIETNAMITAS: UM JOGO TRIANGULAR CHINA-UNIÃO SOVIÉTICA-VIETNÃ

Os vietnamitas são descendentes de um povo que emigrou do sul da China, pressionado pelos conquistadores mongóis em sua marcha para o sul, no século XIV. O Vietnã foi virtualmente uma colônia chinesa por mil anos, e os vietnamitas lutaram para manter a própria identidade em face dos chineses e da profunda sinicização de sua cultura. O idioma vietnamita é hoje uma língua tonal monossilábica, de vocabulário tão aparentado com o cantonês que quase poderia ser definida como outro dialeto chinês. A literatura vietnamita foi outrora escrita em ideogramas chineses. Hoje, os vietnamitas usam uma romanização, o quoc ngu, inventado no século xVII por missionários franceses e portugueses. Os vietnamitas têm um sentimento tradicional de hostilidade aos chineses que inspiram entre os vizinhos a insegurança e a desconfiança. Portanto, as relações contemporâneas entre China e Vietnã devem ser vistas nesse pano de fundo histórico.

Apesar das amarguras históricas, depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu uma chance de amizade e aliança plena. A cooperação sino-vietnamita durante a Primeira Guerra da Indochina (1946-1954) fincou uma base sólida para a aliança entre o PCC e a Viet Minh. De fato, durante o primeiro período da ruptura sino-soviética até a queda de Khrushchev, Hanói sintonizava-se mais com os argumentos de Beijing do que com os de Moscou. As políticas econômicas e as táticas

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revolucionárias do Viet Minh foram formuladas nas experiências dos chineses. No entanto, existia uma bomba-relógio contra a amizade sino-vietnamita: Hanói odiava a imposição sino-soviética sobre Viet Minh, um acordo que dividiu o país em duas partes. Na galeria das memórias vietnamitas, a Conferência de Genebra sombreava a relação sino-vietnamita como se fosse uma infidelidade do passado que obcecava um casamento hoje (WESTAD et al., 1998).

A partir de 1965, o peso dessa sombra avolumou-se com dois novos acontecimentos: o primeiro, o aumento súbito do apoio soviético a Hanói, o que impossibilitou Hanói e Beijing de creditar toda a culpa de Genebra na perfídia soviética; o segundo acontecimento foi o advento da Revolução Cultural, que danificou ainda mais a relação sino-vietnamita. Por um lado, Mao desejaria uma escalação da guerra e uma consequente tensão internacional, que o ajudaria a justificar a Revolução Cultural e radicalizar a vida sociopolítica dos chineses. Mas por outro lado, quando Mao precisou direcionar os limitados recursos para os problemas domésticos, a capacidade chinesa de ajudar o Vietnã ficou comprometida (evidenciada pela diminuição da ajuda chinesa em 1968-1969). Esse paradoxo inevitavelmente gerou uma distância entre suas palavras e práticas, o que de fato causou a suspeita de Hanói sobre os compromissos chineses com os vietnamitas (WESTAD et al., 1998).

Quando começou a détente sino-americana no final de 1968, o medo de uma nova “Genebra” tornou-se um espectro visível para todos os líderes vietnamitas. Zhou Enlai viajou para Hanói imediatamente depois da despedida de Kissinger. Beijing mantinha Hanói informado sobre as negociações sino-americanas. Mas na perspectiva dos vietnamitas, Beijing aspirava exercer o papel de mediador para maximizar as suas influências sobre Hanói e Washington. Durante 1972 e início de 1973, Zhou Enlai pressionou Hanói para aceitar o presidente Nguyen Van Thieu como um parceiro no futuro governo de coligação do Vietnã do Sul: uma proposta dos americanos para a Conferência de Paz em Paris. Mesmo depois do bombardeio americano sobre Hanói no Natal de 1972, Zhou Enlai advertia os negociadores de Viet Minh de que “o mais importante é deixar os americanos saírem”: alcançar um acordo de qualquer forma. Zhou estava preparada para aceitar outro longo período de divisão do Vietnã que poderia surgir em Paris – uma atitude que devia relembrar os vietnamitas da posição de Zhou na Conferência de Genebra em 1954.

Para o alívio dos vietnamitas, Mao continuou a apoiar a determinação de Viet Minh de alcançar uma vitória completa contra Saigon. Enquanto Zhou falava aos vietnamitas sobre a necessidade de manter o status quo por um período de cinco a dez anos, durante o qual o Vietnã do Sul poderia “construir a paz, independência e neutralidade”, Mao previu um período de seis meses de status quo no qual as tropas do Vietnã do Norte poderiam ser fortalecidas e, ainda, falou da necessidade de destruir o Vietnã do Sul.

Antes da vitória final dos Viet Minh sobre Saigon em abril de 1975, a aliança entre Beijing e Hanói já havia terminado. A divergência transformou-se em

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hostilidade quando Beijing reafirmou o seu apoio ao Khmer Rouge – este último havia-se tornado antivietnamita nos primeiros meses de 1974. Hanói acusou Beijing por alimentar controvérsias entre os irmãos Khmers e Vietnamitas.52 No final de 1974, Hanói e Beijing estavam empenhados numa série de brigas sobre a demarcação das fronteiras. A propaganda vietnamita posicionou-se contra a China, apontando-a como “ameaça do Norte”. Numa conversa de Deng xiaoping com Le Duan em setembro de 1975, Deng reclamou que, no Vietnã, os dramas históricos, os textos escolares e os jornais usavam os episódios do passado histórico para insinuarem a ameaça chinesa.

Vale a pena explicar as raízes desses ressentimentos entre os dois lados. Em primeiro lugar, desde o início dos anos 50, havia uma chance de surgir uma nova relação sino-soviética baseada nos princípios socialistas e comunistas. Ambos, Beijing e Hanói, estavam numa amizade socialista que, em princípio, poderia garantir a igualdade no relacionamento diplomático e na luta contra o imperialismo. No entanto, a igualdade parecia como um termo em que o lado mais fraco se refere ao lado mais forte. Foi o mesmo caso na relação sino-soviética: os chineses não se conformavam com o papel de little brother frente aos soviéticos, e, sem poder para desafiar o big brother, resolveram insistir nos princípios de igualdade. O mesmo caso na relação sino-vietnamita: diante da superioridade dos chineses, os vietnamitas esperavam que os princípios socialistas de igualdade fossem seguidos estritamente nas relações bilaterais, para que sua independência ficasse preservada. Ironicamente, o Vietnã, por sua vez, também mostrou as mesmas atitudes mediante os vizinhos socialistas mais fracos como Camboja de Khmer Rouge e queria exercer influência controladora sobre este último (CHEN, 1995).

Em segundo lugar, na era de Khrushchev, Moscou adotou uma política que evitava qualquer ligação com os acontecimentos no Vietnã para não afetar negativamente as relações sino-soviética e soviético-americana. Portanto, Hanói interagia mais frequentemente e intensamente com a China do que com Moscou, o que aumenta as chances de fricção sino-vietnamita. Quando surgiu a divergência sino-soviética, Beijing continuou a apoiar Hanói nas suas ofensivas contra o Sul. No entanto, além da solidariedade socialista, o intuito de Beijing também era ganhar influência sobre o Vietnã e exercer um papel de big brother nas relações sino-vietnamitas. Porém, no início de 1965, quando Moscou começou a aumentar seu

52 De fato, em 1968, Beijing tentou convencer Hanói a passar pelo menos alguma parte da ajuda chinesa para o Khmer Rouge. Mas mesmo depois do golpe de Lon Nol que depôs o Príncipe Sihanouk e da subsequente invasão americana ao Camboja na primavera de 1970, ambos, Beijing e Hanói, tomavam cuidado para evitar desagradar Sihanouk. Depois da eclosão da guerra do Camboja, os chineses e norte-vietnamitas tentaram manipular as três facções: Lon Nol, Sihanouk e Khmer Rouge. As tentativas chinesas de limitar o envolvimento vietnamita em Camboja (e Laos) teriam aborrecido Hanói, pois o sucesso militar da RDV dependia, em larga medida, da sua capacidade em conter os avanços americanos nesses países vizinhos.

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apoio ao Vietnã do Norte, as relações soviético-vietnamitas começaram a aquecer. Hanói iniciou as negociações com os EUA, uma decisão contra o conselho de Beijing (e não necessariamente influenciada pelos soviéticos), os líderes chineses entenderam que um aumento da influência soviética significaria uma diminuição da influência chinesa. O resultado é um ciclo vicioso: Beijing aderiu uma postura cada vez mais crítica a Hanói, a capital do Vietnã ficou cada vez mais desconfortável com as atitudes de Beijing, capital da República Popular da China.

No meio do fogo cruzado entre Beijing e Moscou, Hanói encontrava-se cercada por seus dois aliados principais, cada um hostil ao outro e tentando puxar Hanói para o seu lado. E Hanói seguiu uma política própria: ganhar a máxima assistência dos dois aliados, porém preservar a máxima independência na condução da guerra; manter um equilíbrio no seu relacionamento com Beijing e Moscou, não tomando nenhuma posição e, ao mesmo tempo, fazendo intermediação entre soviéticos e chineses.

Logo Hanói sentiu que Beijing tinha motivo especial na sua ajuda ao Vietnã. Quando os chineses relembravam Hanói sob as conspirações soviéticas, o Vietnã do Norte assistiu a uma mudança dramática nas relações sino-americanas e achou que Beijing tinha explorado a Guerra do Vietnã para benefícios próprios. Hanói também acreditava que as viagens de Kissinger e Nixon a Beijing em 1971-72 evidenciavam as tentativas chinesas de usar a questão do Vietnã para melhorar a relação sino-americana. Depois do rompimento sino-vietnamita em 1979, a cidade de Hanói qualificou as políticas chinesas como “traiçoeiras” (VIETNAM, 1982 apud WESTAD et al., 1998). 53

A Península Indochina tornou-se um campo de batalha sino-soviética pela esfera de influências. Na superfície, ambos apoiavam o Vietnã do Norte durante a Guerra do Vietnã (1965-1975), mas, na prática, um buscava excluir a influência do outro no Vietnã e nos países vizinhos, tal como Camboja e Laos. A rivalidade rapidamente tornou-se aberta depois que a China conquistou forte amizade e adesão do Khmer Rouge de Pol Pot, especialmente após a tomada do poder em dezembro de 1975 pelo Khmer Rouge. Os soviéticos conseguiram atrair o Vietnã para seu lado. Conflitos armados nas fronteiras khmer-vietnamitas tornaram-se constantes depois do Massacre de Ha Tien quando Khmer Rouge matou centenas de vietnamitas que respondiam agindo da mesma maneira (CHANDA, 1986).

Os conflitos fronteiriços entre Camboja e Vietnã aumentaram em 1977, culminando em grandes conflitos armados em novembro do mesmo ano. Os líderes vietnamitas decidiram derrubar o regime de Pol Pot, e planos de conspiração foram executados, mas todos fracassaram. Então, acerbaram-se ainda mais as divergências entre os dois países. Nessa altura, o Vietnã começou uma invasão de grande escala para acabar, de uma vez por todas, com o regime de Khmer Rouge. Sabendo que o Camboja era o mais importante aliado da China no Sudeste Asiático, no meio da

53 VIETNAM. Ministry of Foreign Affairs. The white book on the Vietnamese-Chinese Relations. Hanói: Truth Publishing House, 1982.

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hostilidade sino-soviética, o Vietnã decidiu aliar-se à União Soviética, assinando um tratado de vinte e cinco anos de amizade e cooperação. Não havia dúvida de que o tratado mirava na China, pois, na sexta cláusula, diz que o Vietnã e a URSS “[...] consultariam um ao outro imediatamente quando qualquer um sofresse ataque ou ameaças, com propósito de eliminar tal intimidação [...]” (ELLEMAN, 1996). Em agosto de 1978, chegaram ao Vietnã mais de quatro mil conselheiros soviéticos. Durante setembro de 1978, a URSS começou a aumentar a exportação para o Vietnã, com armamentos através do ar e do mar, que incluíam aviões de combate, mísseis, tanques e munições, com intuito de preparar para um possível confronto com a China. Ao mesmo tempo, Hanói implementou o programa da socialização do comércio, que expulsou trezentos mil étnicos chineses para fora do Vietnã, segundo informação do ONU (JING; MCKINSEY; DOBBS, 2007).

Surgiram protestos massivos das comunidades chinesas ultramarinas, tal como Hong Kong. Nesse contexto, tornou-se impossível para a China engolir a nova aliança soviético-vietnamita, que havia severamente atingido os interesses estratégicos da China e percebeu que tinham de “ensinar uma lição aos vietnamitas” antes que a União Soviética instalasse no Vietnã o poder de fogo superior para reforçar a sua presença na região. Do ponto de vista chinês, a formação da aliança soviético-vietnamita e o ataque soviético-vietnamita ao Camboja eram uma parte da estratégia global de Moscou para controlar a Ásia Sudeste. Com o Vietnã na órbita de Moscou e com a presença militar soviética no Vietnã, um novo adversário instigou a ameaça militar soviética sobre a China. A China sentiu a pressão soviética no seu quintal.

Desde a invasão vietnamita ao Camboja em janeiro de 1979, Beijing percebeu que perdera, para a União Soviética, toda sua influência sobre o Vietnã e sobre o resto da Indochina. No período de 1975-79, também houve mudanças nas atitudes chinesas em relação ao Vietnã, da amizade para desconfiança e hostilidade. Em 1978, a imprensa chinesa publicizou os maus-tratos que os migrantes chineses no Vietnã tinham sofrido das autoridades de Hanói. Os discursos oficiais da China acusavam a “camarilha Le Duan” por ter traído a “amizade tradicional sino-vietnamita”. Finalmente, em 17 de fevereiro de 1979, Deng Xiaoping mandou as tropas chinesas invadir o Vietnã, para dar uma lição ao pequeno irmão desobediente – segundo a expressão muito popular nos anos de 1980.

Em toda a década de 1980, a presença das tropas do Vietnã em Camboja tornou-se um problema central. Uma coligação dos países – China, Estados Unidos e países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)54 – conseguiu um apoio internacional para isolar o Vietnã. Ao mesmo tempo, a resistência dos Khmer

54 A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) é um bloco econômico formado, inicialmente, por seis Estados: Brunei, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Tailândia e Malásia. Desde 1990, também foram incorporados os quatro Estados: Laos, Mianmar, Vietnã, Camboja, além de dois países observadores: Papua-Nova Guiné e Timor Leste.

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transformou a ocupação vietnamita do Camboja um trabalho de Sísifo. O governo de coligação do Camboja, liderado por Sihanouk com participação de Khmer Rouge, recebeu apoio internacional e ocupou o assento do Camboja na ONU. Ao mesmo tempo, o Vietnã perdeu toda sua reputação internacional.

A partir de 1989, com o colapso da Europa Oriental e da União Soviética, o Vietnã enfrentou enorme crise econômica. Os novos dirigentes sob a liderança de Nguyen Van Linh resolveram retirar suas tropas do Camboja. Em setembro de 1990, os líderes vietnamitas viajaram secretamente para Beijing e fizeram as pazes com os líderes chineses. No mesmo período, iniciou-se o processo da Organização das Nações Unidas (ONU) para a solução política dos conflitos em Camboja, um longo processo que só se completou em 1998 com a morte de Pol Pot e o colapso do Khmer Rouge.

7 GUERRA DE DENG XIAOPING CONTRA O VIETNÃ: JOGO ESTRATÉGICO ENTRE CHINA, UNIÃO SOVIÉTICA E ESTADOS UNIDOS

Foi uma “boa estratégia”, porém “má tática”, de acordo com os comentários de Terry McCarthy (1999). Em geral, Deng Xiaoping obteve ganhos estratégicos: a guerra contra o Vietnã era um enfrentamento sino-soviético; com isso, a China consolidou sua aliança com os Estados Unidos, que durou por mais de dez anos até o colapso da União Soviética. Uma estratégia fundamental para a modernização tecnológica da China.

Deng xiaoping obteve apoio tácito dos EUA na sua viagem a Washington no dia 29 de janeiro de 1979. Na arena diplomática, os laços recém-estabelecidos com os Estados Unidos ajudaram a China nesse jogo perigoso. Apesar da negação chinesa, Washington ficou no lado chinês, protegendo-o da intervenção soviética. Jimmy Carter ligou para Breznev através da linha direta para dissuadir Moscou a lançar qualquer ataque contra a China. O porta-avião americano Constellation foi enviado para o Golfo de Tonkin para monitorar atividades navais da União Soviética. Deng Xiaoping havia feito uma declaração sobre uma possível ação conjunta sino-americana contra o “Urso Polar” durante sua visita aos EUA em janeiro de 1979, que não foi negado pelo governo de Carter (CHANDA, 1986). Deng planejou uma guerra curta e limitada, de acordo com Zbigniew Brzezinski:

A China tem feito uma conclusão de que devemos quebrar os cálculos estratégicos dos soviéticos e que seria necessário restringir as ambições vietnamitas e dar-lhes uma lição apropriada e limitada [...]. Ele [Deng] diagnosticou [para Presidente Carter e seus conselheiros] as possíveis reações soviéticas, e indicando como a China pode contê-las. Ele incluiu até a pior das possibilidades, e, mesmo assim, a China pode se manter firme. Tudo [que] a China precisaria do governo dos

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EUA seria um apoio moral na arena internacional. (BRZEZINSKI, 1985, p. 128).

Além de visitar os EUA, Deng também fez uma viagem de nove dias para visitar os países não comunistas no Sudeste da Ásia, incluindo Tailândia, Malásia e Cingapura, informando a esses países sobre a possível ação chinesa (HOOD, 1992).

Ademais, a China tentou melhorar suas relações com o Japão, assinando um tratado em agosto de 1978, inserindo críticas sobre a política expansionista da União Soviética na Ásia e condenando especificamente o “hegemonismo [soviético].” O Japão, no entanto, expressou sua preocupação em relação a seus navios de petróleo vindos do Oriente Médio, que poderiam ser amolestados pelas forças navais soviéticas instaladas na Baía de Cam Ranh do Vietnã. Com apoio político dos EUA e do Japão, Deng estava confiante da sua decisão sobre a operação militar da defesa ativa contra Vietnã.

De fato, o desempenho das tropas chinesas não foi brilhante, e o Exército de Libertação Popular (ELP) conseguiu atingir seu objetivo só pelo seu peso e tamanho. De 17 de fevereiro a 16 de março, num curto período de um mês, morreram cerca de 6.900 integrantes das tropas chinesas, 14.800 ficaram feridos e 238 soldados chineses foram capturados pelos inimigos. Nos primeiros dois dias da guerra (17 e 18 de fevereiro), as baixas chinesas chegaram a 4.000. O departamento de logística era deficiente, e muitos soldados feridos morreram por falta de pronto-socorro.55 A retirada do ELP terminou em 17 de março de 1979, e, no meio da retirada, o ELP destruiu sistematicamente as infraestruturas econômicas e as malhas de transportes nas áreas sob a ocupação chinesa (CHANDA, 1986).

O ELP não conseguiu destruir as divisões regulares nem forçar o Vietnã a se retirar do Camboja. Mas Beijing alcançou seu objetivo político principal: o de demonstrar ao mundo inteiro que a União Soviética e seus aliados podem ser desafiados com sucesso. Beijing manteve a credibilidade como aliado digno e facilitou o aquecimento das relações com o Japão, os EUA e, por extensão, com a Europa e com a Tailândia.

O objetivo de ordem interna da China também foi alcançado. Em 1978, depois das pressões dos veteranos, Deng Xiaoping recebeu de volta todos os cargos para os quais Mao havia lhe nomeado e, depois, destituído. Mas somente depois da guerra contra o Vietnã em 1979 que Deng xiaoping conseguiu consolidar o seu poder e exonerar todos os elementos maoistas do Exército de Libertação Popular (ELP). A guerra expôs todas as fraquezas do ELP, mostrando que ele não estava apto para enfrentar uma guerra moderna com nova tecnologia, mas que a China tinha o maior número de soldados no mundo (seis milhões). Depois da guerra, Deng xiaoping começou a modernização das forças armadas.

55 Disponível em: <http://www.sanjun.com/dangan/20140421/30555_4.html>. Acesso em: 25 nov. 2015.

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Aproveitando o momento da guerra, Deng Xiaoping eliminou todos os maoistas do exército e começou a modernização do ELP. O exemplo disso foi o caso do Major-General Wu Zhong, o ex-Comandante da região militar de Beijing, que foi nomeado Vice-Comandante da operação na Frente de Guangxi contra o Vietnã. No meio da guerra, ele foi convocado para depor sobre sua associação com o “Bando dos Quatro” (o grupo radical fiel ao falecido Presidente Mao Zedong). Foi destituído dos cargos e aposentou-se logo depois das investigações militares. Depois da guerra, toda a velha guarda maoista foi obrigada a fazer autocríticas sobre as perdas na guerra.

Finalmente, pelo lado do Vietnã, a lição dada por Deng xiaoping foi percebida. De acordo com Henry Kenny, para muitos vietnamitas, a lição primária da guerra de 1979 é que a China nunca permitiria a independência completa do Vietnã. As atitudes dos chineses de “ensinar ao Vietnã uma lição”, refletiam a cultura política chinesa do “reino do meio”, da sua relação de suserano com os estados tributários. Como lidar com a China, portanto, seria um grande desafio para o Vietnã no século xxI: “Temos que aprender a conviver com nosso vizinho gigante e achar o caminho para coexistir com ele.” (KENNY, 2003, p. 236).

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações sino-vietnamitas de 1949-1990, de modo geral, sofreram as influências de diversos fatores que, passo a passo, destruíram a cooperação fraterna entre os dois países socialistas: a Conferência de Genebra de 1954; a divergência soviética; a Revolução Cultural chinesa; a aproximação americana; e o apoio chinês ao Pol Pot e Khmer Rouge. Em 1975, as relações sino-vietnamitas começaram a deteriorar e, terminando a guerra do Vietnã, Beijing e Hanói acabaram se distanciando um do outro. Entre 1976 e 1978, surgiram conflitos nas fronteiras, culminando no alinhamento do Vietnã ao campo soviético em novembro de 1978. Quando o Camboja foi invadido pelo Vietnã, em janeiro de 1979, Beijing percebeu que perdera para a União Soviética toda sua influência sobre o Vietnã e sobre o resto da península indochinesa. Portanto, Deng Xiaoping resolveu “ensinar ao Vietnã uma lição”, lançando uma guerra de grande escala contra o regime de Hanói. Os conflitos duraram praticamente toda a década 1980 até que, em 1990, depois do colapso do bloco soviético, os dois países fizeram as pazes e normalizaram as relações.

Ressaltamos que a guerra sino-vietnamita foi praticamente uma guerra “US proxy-war”, de revanche contra o Vietnã. Como resultado, Deng xiaoping consolidou seu poder e exonerou quase todos os elementos radicais maoistas. Deng renovou e consolidou a aliança sino-americana que havia sido planejada por Mao Zedong. Depois da guerra sino-vietnamita, com a aproximação da China com os EUA, a ela foi concedido o Estatuto da Nação Mais Favorável (MFN) e foi aceita

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pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, tendo quase livre acesso ao investimento e à tecnologia do Ocidente. Com a guerra sino-vietnamita, a China ganhou a simpatia e confiança dos EUA, do Japão e da Europa Ocidental, construindo um ambiente internacional muito favorável para sua reforma e abertura. Rapidamente, a China enveredou para o crescimento econômico acelerado num ritmo de 10%, por mais de trinta anos.

REFERÊNCIAS

BRZEZINSKI, Zbigniew. Power and principle: memoirs of the national security adviser, 1977-1981. New York: Farrar, Straus, Giroux, 1985.

CHANDA, Nayan. Brother enemy: the war after the war. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1986.

CHEN, Jian. China and the first Indochina War: 1950-1954. China Quarterly, London, n. 133, p. 85-110, 1993.

______. China’s involvement in the Vietnam War: 1964-1969. China Quarterly, London, n. 143, p. 366, jun. 1995.

ELLEMAN, Bruce. Sino-Soviet relations and the February 1979 Sino-Vietnamese conflict. Texas: Texas Tech University, 1996. Disponível em: <www.ttu.

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HOOD, Stephen J. Dragons entangled: Indochina and the China-Vietnam war. Armonk, NY: M.E. Sharpe, 1992.

JING, Song; MCKINSEY, Kitty; DOBBS, Leo (Ed.). Vietnamese refugees well settled in China, await citizenship. The UN Refugee Agency, [S.l.], 10 May 2007. Disponível em:

<http://www.unhcr.org/news/latest/2007/5/464302994/vietnamese-refugees-well-settled-china-await-citizenship.html>. Acesso em: 23 jul. 2016. KENNY, Henry J. Vietnamese perceptions of the 1979 war against China. In: RYAN; Mark A.; FINKELSTEIN, David Michael; MCDEVITT, Michael A. (Ed.). Chinese Warfighting: The PLA Experience Since 1949. Armonk, NY: M.E. Sharpe, 2003, p. 217-236.

MACFARQUHAR, Roderick. The Sino-Soviet rupture and the Vietnam war. In: ______. The origins of the cultural revolution: the coming of Cataclysm, 1961-1966. New York: Columbia University Press, 1997. v. 3, cap. 16, p. 349-377.

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MCCARTHY, Terry. A nervous China invades Vietnam. Time, [S.l.], 27 Sept. 1999. Disponível em: <http://content.time.com/time/world/article/0,8599,2054325,00. html>. Acesso em: 23 jan. 2008.

WESTAD, Odd Arne et al (Org.). 77 conversations between Chinese and foreign leaders on the wars in Indochina: 1964-1977. Washington DC: Cold War

International History Project, Woodrow Wilson Center for International Scholars, 1998. (Working Paper, n. 22).

YANG, Kuisong. Changes in Mao Zedong’s attitude toward the Indochina war: 1949-1973. Washington, DC: Cold War International History Project, Woodrow Wilson International Center for Scholars, 2002. (Working Paper, n. 34).

Recebido em: 18/11/2015 Aceito em: 02/02/2016

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COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS AO PILOTO DE KC-390

Bruno Américo Pereira* Flavio Neri Hadmann Jasper** RESUMO

O presente artigo tem por objetivo verificar se as competências individuais de determinados pilotos de C-130 poderão influenciar a adaptação desses tripulantes durante a fase de instrução básica de voo na futura aeronave KC-390. Para identificar as competências já disponíveis nas Unidades Aéreas daquela aeronave, realizou-se uma análise das fichas de histórico operacional de um grupo formado por catorze pilotos que ingressaram no quadro de tripulantes entre os anos de 2013 e 2014. Em seguida, demonstrou-se a aplicabilidade do método Delphi relativa à definição das competências necessárias para voar o futuro avião com segurança, realizando três rodadas de questionários entre dez pilotos instrutores de C-130, considerados especialistas na operação da aeronave. Após as rodadas de discussão, os especialistas definiram uma relação contendo vinte e sete competências necessárias aos pilotos de KC-390, separadas nas áreas de conhecimentos, habilidades e atitudes. Dessa maneira, foi possível identificar nas fichas de histórico operacional que as ausências de cinco competências individuais poderiam influenciar negativamente, numa visão prospectiva, a adaptação de alguns pilotos. Assim, o resultado deste artigo pode ser utilizado para o aprimoramento do processo de treinamento dos novos pilotos, buscando reduzir a ocorrência de voos deficientes na fase de instrução básica. Palavras-chave: Competências. Treinamento. Pilotos. KC-390.

NECESSARY SKILLS TO KC-390 PILOT ABSTRACT

This article aims to analyze whether the individual skills of certain C-130 pilot may influence the adaptation of crew members in the stage of basic education of flight in the future KC-390 aircraft. To identify the skills already available in the Air Units that aircraft performed an analysis of the records of the historical operating group of fourteen pilots, who entered the framework of crew between the years 2013 and 2014. Then, it was shown the applicability of the Delphi method for ____________________

* Capitão Aviador da Força Aérea Brasileira. Especialista em Análise de Ambiente Eletromagnético no Instituto Tecnológico de Aeronáutica e em Gestão Pública e Emprego da Força Aérea na Universidade da Força Aérea. Trabalha na Seção de Doutrina e Estudos da Quinta Força Aérea (V FAE) e é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea. Contato: <brunoamericobap@gmail.com>.

** Doutorado em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (2010). Professor do Curso de Pós-graduação (PPG) da Universidade da Força Aérea. Diretor do Instituto de Economia e Finanças da Aeronáutica. Contato: <fnhjasper@gmail.com>.

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defining the necessary skills to fly the future aircraft safely, applying three rounds of questionnaires among ten riders’ instructors C-130, considered experts in the operation of the aircraft. After rounds of discussion, the experts defined a relation containing twenty-seven competencies needed by pilots KC-390, separate areas of knowledge, skills, and attitudes. With the necessary skills set, it was possible to identify the records of historical operating that the absences of five individual skills may negatively influence, a forward-looking vision, the adaptation of some pilots. Thus, the result of this work can be used to improve the training process of new pilots, seeking to reduce the occurrence of flights hearing stage of basic instruction.

Keywords: Skills. Training. Pilots. KC-390.

HABILIDADES NECESARIAS PARA PILOTO KC-390 RESUMEN

En este artículo se pretende analizar si las habilidades individuales de ciertos C-130 pilotos pueden influir en la adaptación de los miembros de la tripulación en la fase de educación básica de vuelo en el futuro avión KC-390. Para identificar las habilidades ya están disponibles en las Unidades Aéreas esa aeronave realizó un análisis de registros de historial operativo del grupo de catorce corredores que entró en el marco de la tripulación entre los años 2013 y 2014. El siguiente fue demostrado la aplicabilidad del método Delphi para definir las habilidades necesarias para volar el avión con seguridad el futuro, la aplicación de tres rondas de cuestionarios entre los diez pilotos C-130 monitores expertos considerados en la operación de la aeronave. Después de rondas de discusión, los expertos han definido una lista que contiene veintisiete habilidades necesarias para el piloto KC-390, separados en las áreas de conocimiento, habilidades y actitudes. Con las habilidades necesarias establecidos, fue posible identificar los registros del historial de funcionamiento que los cinco ausencias habilidades individuales pueden tener un impacto negativo en una visión prospectiva, la adaptación de algunos pilotos. Por lo tanto, el resultado de este trabajo se puede utilizar para mejorar el proceso de formación de los nuevos pilotos, tratando de reducir la aparición de los vuelos con discapacidad en la fase de enseñanza básica.

Palabras clave: Habilidades. Formación. Pilotos. KC-390. 1 INTRODUÇÃO

A aviação militar de transporte tem um papel fundamental para ampliar o alcance e a mobilidade dos meiosempregados na garantia da Soberania do Espaço Aéreo Brasileiro.

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A Quinta Força Aérea (V FAE), Unidade da Força Aérea Brasileira (FAB) responsável pelo preparo e emprego das Unidades Aéreas de Transporte do país, está inserida neste contexto. Ao longo dos seus 70 anos de existência, uma grande quantidade de profissionais já passou pelas cabines de suas aeronaves, sempre honrando o lema: lançar, suprir, resgatar - nossa sagrada missão.

Desde 1964, o avião C-130 Hércules é a principal aeronave utilizada em todas as missões da Aviação de Transporte no Brasil. Durante esse período, a indústria nacional aeronáutica, principalmente representada pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), conquistou importante projeção nacional, até tornar-se hoje uma das referências no mercado internacional de fabricação de aeronaves, com diversos modelos civis e militares voando em todos os continentes.

De acordo com Brasil (2014), foi anunciado o contrato da Força Aérea Brasileira com a EMBRAER para o fornecimento de vinte e oito aeronaves KC-390. A necessidade, cada vez maior, de projeção do governo brasileiro no cenário internacional impulsionou o desenvolvimento desse novo projeto. Essas aeronaves chegarão para ocupar o espaço hoje preenchido pelos C-130 Hércules.

Sendo assim, natural é a preocupação dos atuais operadores da plataforma C-130 em atingir a total prontidão para recebimento do futuro vetor (mais moderno, com maior segurança e autonomia). Os pilotos serão obrigados a se aprimorar, repensando e atualizando suas habilidades e práticas individuais. Essa transição representará um salto tecnológico de mais de 50 anos em termos de equipamentos e tecnologias embarcadas e será um forte fator motivacional para as Unidades Aéreas de Transporte.

Dessa forma, já no primeiro semestre de 2018, a Força Aérea Brasileira receberá a primeira das vinte e oito aeronaves KC-390. Após a fase inicial de implantação, a formação dos novos pilotos desse vetor de última geração passará a ser realizada exclusivamente em uma Unidade Aérea (UAE) de Transporte do Grupo C56 subordinada a V FAE. Ao serem selecionados por um Conselho Operacional, realizarão o curso teórico da aeronave. Satisfeitos todos os requisitos nas fases anteriores, o piloto estará apto a iniciar a instrução aérea.

Para compor o Quadro de Tripulantes (QT) inicial desta aeronave, a futura Unidade Aérea de KC-390 receberá três grupos distintos de pilotos. O primeiro composto por pilotos que voam o C-130, o segundo pelos que já voaram outras aeronaves com algum grau de automação, e o terceiro grupo formado por aqueles sem experiência em aeronaves automatizadas. Deve-se ressaltar que, nas conclusões deste trabalho, a experiência do primeiro grupo não foi considerada como fator de influência na adaptação desses pilotos na fase de instrução básica de voo do KC-390.

56 Unidades Aéreas de Elevação Operacional para os pilotos da Aviação de Transporte, são elas: 1º/1º GT,1º GTT, 2º/2º GT, 1º/2º GT, 1º/9º GAV e 1º/15º GAV.

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A experiência de trabalho no Setor de Doutrina da V Força Aérea e acompanhamento do processo de formação dos pilotos de transporte, observando suas dificuldades e evoluções, evidenciou a inquietação desses autores em saber quais são as competências individuais que poderão influenciar a adaptação desses tripulantes durante a fase inicial de voo na futura aeronave KC-390.

Entendendo competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, Dutra (2013) desenvolveu o seguinte problema de pesquisa: Quais são as competências individuais dos pilotos, aceitos nas Unidades Aéreas de C-130 entre os anos de 2013 a 2014, que poderão influenciar a adaptação desses tripulantes durante a fase de instrução básica de voo na aeronave KC-390?

É importante destacar também que o futuro avião possuirá dois motores do tipo turbofan57. Para delimitar a pesquisa, foram selecionados catorze pilotos que ingressaram no Quadro de Tripulantes do C-130 no período de 2013 e 2014. Para este trabalho, alguns dos pilotos do universo da pesquisa podem nunca ter voado em aeronaves com esse tipo de motor, porém esse fato não foi considerado como influenciador de adaptação na fase de instrução básica de voo. Estes catorze pilotos fazem parte de dois grupos distintos. O primeiro composto por pilotos que voaram outras aeronaves diferentes do C-130 e KC-390 com algum grau de automação e o segundo grupo formado por pilotos que não têm experiência com aeronaves automatizadas.

Com a finalidade de responder ao problema proposto para esta pesquisa, foram elaboradas três questões norteadoras (QN):

QN1 – Quais são os requisitos estabelecidos para a seleção dos pilotos da aeronave C-130?

QN2 – Quais são as competências individuais necessárias para que um piloto possa operar a aeronave KC-390 com segurança na fase básica de instrução?

QN3 – Quais foram os comentários negativos nos históricos operacionais dos pilotos aceitos nas Unidades Aéreas de C-130 entre os anos de 2013 a 2014?

Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo geral examinar se as competências individuais dos pilotos, aceitos nas Unidades Aéreas de C-130 entre os anos de 2013 a 2014, poderão influenciar a adaptação desses tripulantes durante a fase de instrução básica de voo na futura aeronave KC-390. Para um melhor direcionamento das ações de pesquisa, tornou-se essencial a formulação dos seguintes objetivos específicos, a saber:

OE1 – Identificar os requisitos que a legislação determina como mínimo indispensável para um piloto compor o quadro de tripulantes do C-130;

57 Motor a reação utilizado em aeronaves projetadas especialmente para altas velocidades de cruzeiro, que possui um excelente desempenho em altitudes elevadas, entre 10.000 e 15.000 metros, apresentando velocidades na faixa de 700 km/h até 1.000 km/h.

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OE2 – Identificar quais são as competências individuais necessárias para que um piloto possa operar a aeronave KC-390 com segurança na fase básica de instrução; e

OE3 – Identificar os comentários negativos nos históricos operacionais dos pilotos aceitos nas Unidades Aéreas de C-130 entre os anos de 2013 a 2014.

A metodologia adotada neste artigo foi a mais adequada aos objetivos específicos definidos. Segundo os procedimentos propostos por Gil (2007), com relação ao objetivo, esta pesquisa é do tipo descritiva, na medida em que se procurou descrever as competências individuais necessárias para que um piloto possa operar a aeronave KC-390 com segurança na fase básica de instrução, e foram analisados os históricos operacionais dos futuros pilotos quanto ao atendimento dessas competências.

Quanto aos procedimentos metodológicos, ainda segundo Gil (2007), este trabalho pode ser classificado como bibliográfico, documental e estudo de campo. O primeiro procedimento, de pesquisa bibliográfica, indicou, por meio da consulta, o referencial teórico para o conceito de competência. Paralelamente, tornou-se estornou-sencial uma investigação documental para obtenção das informações da legislação referente aos critérios e requisitos exigidos aos oficiais aviadores para ingresso nas Unidades Aéreas de C-130 e, adicionalmente, uma análise dos históricos operacionais, com a finalidade de identificar os comentários negativos, registrados nas fichas de voo e fichas de Histórico Operacional (HOPE)58 dos pilotos. Por fim, um estudo de campo para identificar as competências individuais (conhecimentos, habilidades e atitudes) essenciais ao futuro piloto de KC-390, mediante elaboração de questionário aos especialistas designados no presente trabalho.

As consultas realizadas à ICA 55-6 (BRASIL, 2016) e ao Histórico Operacional dos pilotos permitiram o levantamento dos atuais requisitos exigidos aos oficiais aviadores candidatos a ingressar no Quadro de Tripulantes do KC-390. Assim, resolvendo-se a primeira questão norteadora QN59 (Questão Norteadora n.1).

Com a finalidade de identificar as competências individuais necessárias para voar com segurança a futura aeronave da FAB, procedeu-se um estudo de campo, respondendo, dessa forma, à QN2. Para tanto, foi utilizado o método Delphi, eficiente ferramenta de determinação de competências, o qual consiste na aplicação sucessiva de questionários a um grupo de especialistas ao longo de várias rodadas, conforme as proposições de Cuesta (2001), que visa, basicamente, à prospecção de tendências futuras sobre o objeto em estudo. No intervalo de cada rodada, são feitas análises estatísticas das respostas, e o resultado é compilado em

58 Resumo dos dados operacionais dos pilotos, contendo as aeronaves voadas, a quantidade de horas por avião e o desempenho operacional nas atividades aéreas.

59 Daqui em diante, a expressão Questão Norteadora aparecerá com a abreviatura QN, seguida do respectivo número.

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novos questionários que, por sua vez, são novamente distribuídos ao grupo. Os criadores do método Delphi afirmam que o propósito principal está em tentar obter o mais confiável consenso entre os especialistas. O método de especialistas (Delphi), adotado neste artigo, ilustra a possibilidade de determinar as competências com rigor científico e técnico, embora não se trate do único método factível.

No presente trabalho, foram realizadas três rodadas para se chegar cientificamente à matriz das competências necessária. A primeira com a finalidade de obter a listagem de competências, desdobradas em conhecimentos, habilidades e atitudes, indispensáveis ao desempenho da função de piloto do KC-390. A segunda rodada teve como objetivo estabelecer o consenso dos especialistas acerca das competências listadas na primeira rodada. E, por fim, a partir da terceira rodada, foi possível distinguir as competências em duas categorias: a) Essenciais ao desempenho da função de piloto de KC-390; b) Desejáveis ao longo da experiência da função de piloto da aeronave.

Com o intuito de verificar o consenso entre os especialistas, durante a segunda e terceira rodadas, realizou-se o cálculo do Coeficiente de Concordância (Cc) Kendall W das competências sugeridas inicialmente no primeiro questionário. O referido coeficiente foi obtido por meio da aplicação da seguinte fórmula, quadro 1:

Quadro 1 - Fórmula para cálculo do Coeficiente de Concordância

Cc = (1 - Vn / Vt) X 100

Variável Significado

Cc Coeficiente de concordância expresso em porcentagem

Vn Quantidade de especialistas em desacordo com o critério predominante

Vt Quantidade total de especialistas

Fonte: CUESTA, 2001.

Cuesta (2001) entende como especialista aquele profissional que se dedica a certa atividade específica e é possuidor de grande conhecimento teórico e experiência prática elevada. Relacionando o entendimento de Cuesta com o universo de pesquisa deste trabalho, foram considerados como especialistas os oficiais aviadores que voam ou já voaram o C-130, qualificados como instrutores de voo na referida aeronave, e com um mínimo de 1.000 horas de voo no equipamento. Ressalta-se que dez pilotos foram selecionados como especialistas. Eles não voam o KC-390, mas têm conhecimento teórico, experiência prática elevada e plenas condições de estabelecerem as competências necessárias para voar o futuro vetor.

Adicionalmente, para responder a QN3, procedeu-se a análise com a finalidade de identificar os comentários negativos das fichas de voo e fichas de Histórico Operacional dos pilotos.

Imagem

Figura 1 - Estágios de dependência homem-máquina
Figura 2 – Identificação do Gap (lacuna) de competências
Tabela 1 - Matrizes de Competências apuradas em nível de concordância
Tabela 3 - Competências necessárias aos pilotos da aeronave KC-390
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Referências

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