• Nenhum resultado encontrado

Lições aprendidas a partir do caso da UHE de belo monte: alguns pontos prioritários para mitigar e reparar impactos no deslocamento compulsório

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Lições aprendidas a partir do caso da UHE de belo monte: alguns pontos prioritários para mitigar e reparar impactos no deslocamento compulsório"

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DO CASO DA UHE DE BELO MONTE: ALGUNS PONTOS PRIORITÁRIOS PARA MITIGAR E REPARAR IMPACTOS NO DESLOCAMENTO COMPULSÓRIO

(2)

Sumário

Sobre a Pesquisa ... 3

Pontos de Partida ... 3

Sumário Executivo ... 9

(3)

Sobre a Pesquisa

O aprendizado aqui exposto baseia-se em estudo específico desenvolvido pelo Grupo de Direitos Humanos e Empresas - GDHeE - da FGV DIREITO SP que analisou o caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte para entender como as obrigações jurídicas advindas da legislação nacional e internacional foram aplicadas no processo de deslocamento compulsório dos ribeirinhos do Rio Xingu.

É importante ressaltar que os resultados aqui apresentados correspondem a conclusões parciais de um projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido pelo GDHeE cujo objetivo é oferecer subsídios para a elaboração de uma política pública sobre o tema e ao mesmo tempo sugerir diretrizes a serem seguidas pelas empresas responsáveis por executar processos de deslocamento forçado.

Pontos de Partida

O deslocamento forçado de pessoas decorrente da instalação de obras de infraestrutura é responsável pela geração de diversos impactos negativos. Esse foi o diagnóstico feito pela Comissão Mundial de Barragens (WCD) em seu Relatório Final publicado no ano de 2010. Os casos analisados pela Comissão revelaram que boa parte dos programas de reassentamento elaborados tinham como foco predominante o deslocamento físico de pessoas em detrimento do desenvolvimento econômico e social daqueles que perderam suas moradias ou que foram afetados de outras formas. Como resultado, houve o empobrecimento de uma grande parte dos reassentados em quase todos os

projetos de barragens ao redor do mundo1.

Em 2011, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) também produziu importante Relatório a partir dos trabalhos feitos pela Comissão Especial de Atingidos por Barragens. Com base no estudo de caso de sete hidrelétricas brasileiras2, a Comissão identificou problemas comuns a todos os empreendimentos, como, por exemplo, o empobrecimento da população atingida em razão da supressão das condições de trabalho e de moradia preexistentes; padrões de moradia inadequados ao

1 WORLD COMMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new Framework for Decision Making – The Report of

The World Commission on Dams, Londres: Earthscan Publications Ltd, 2000, p. 103.

2 1) Barragem de Acauã, 2) UHE Aimorés, 3) UHE Canabrava, 4) UHE Emboque, 5) UHE Foz do Chapecó, 6) UHE

(4)

desenvolvimento das atividades anteriores; degradação das condições sanitárias e de atendimento à saúde; e dissolução de laços familiares e de vizinhança3.

Outro fator a ser tomado em conta é o desconhecimento do número preciso de pessoas deslocadas por empreendimentos de infraestrutura até hoje. A nível mundial, segundo dados da WDC, até o ano de 2000, entre 40 e 80 milhões de pessoas teriam sido deslocadas mundialmente em decorrência da construção de barragens4. Com relação aos números brasileiros, de acordo com denúncia feita pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) à CDDPH em 2006, estima-se que mais de um milhão de pessoas tenham sido deslocadas nos últimos 40 anos para a construção de 2.000 barragens. Tendo em vista que mais de uma década se passou desde a apresentação de ambos os estudos e que estes se limitam apenas a um tipo específico de empreendimento de infraestrutura – as hidrelétricas – certamente os números encontrados hoje são ainda maiores.

a) Normativas internacionais sobre deslocamento forçado

Dadas as dimensões numéricas do problema, passa-se a averiguar, então, qual é o seu tratamento legal no plano nacional e internacional. Há alguns anos, organismos internacionais vêm estabelecendo parâmetros com o objetivo de garantir que os direitos à moradia adequada e à reparação integral sejam respeitados nos casos de deslocamento forçado. Tais instrumentos são importantes na medida em que podem preencher possíveis lacunas das políticas públicas nacionais e servir, também, como diretrizes para a atuação das empresas.

Dentre as normativas existentes, os Comentários Gerais nº 4 (1991) e 7 (1997) do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas são as principais referências. Brevemente, o primeiro trata de estabelecer parâmetros para o conteúdo normativo do direito à moradia adequada, enquanto o segundo se debruça sobre a incompatibilidade do deslocamento forçado com as normativas internacionais de direitos humanos, traçando requisitos a serem respeitados no decorrer de todo o processo de deslocamento. Os Comentários Gerais, ao oferecem orientações práticas para implementação do direito à moradia adequada e deslocamento forçado, assumem forte destaque na regulamentação do tema.

3 CDDPH. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Resoluções nº 09/2011 e 06/2012. Relatório Final do

Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada, 2011.

4WORLD COMMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new Framework for Decision Making – The Report of

(5)

Há também outros documentos internacionais importantes. Estes, apesar de serem “não vinculantes” do ponto de vista normativo, complementam e aprofundam os critérios estabelecidos nos Comentários Gerais, ampliando a sua efetivação. É o caso, por exemplo, dos Relatórios, Diretrizes, Resoluções e Padrões de Desenvolvimento produzidos por instituições como o Banco Mundial, a Comissão Mundial de Barragens (WCD), o IFC (International Finance Corporation) e a própria ONU5.

Tomando como base esse extenso arcabouço normativo, sobretudo os Comentários Gerais da ONU, foram consolidados os seguintes requisitos quanto à moradia adequada e ao processo de deslocamento.

Sobre a moradia adequada:

Proteção jurídica da posse contra reintegrações forçadas;

Disponibilidade de instalações, infraestrutura, serviços adequados para garantir segurança e conforto;

Condições econômicas de arcar com os custos associados à manutenção da casa; Condições de habitabilidade (proteção contra calor, frio, vento, etc);

Acessibilidade para grupos vulneráveis como idosos, crianças e pessoas com deficiência;

Localização em áreas de fácil acesso aos serviços sociais e localizados em áreas não poluídas;

Respeito a expressão cultural, inclusive aos materiais utilizados na construção da residência.

Antes de listar os requisitos para o processo de deslocamento forçado, cumpre informar que estes foram divididos de acordo com a separação feita pela ONU em seus

Princípios Básicos e Diretrizes sobre Expulsões e Deslocamentos com Origem no Desenvolvimento. Segundo o documento, os deslocamentos de pessoas ocorreriam em

três fases principais: antes, durante e após o deslocamento, sendo que para cada uma destas fases há a necessidade de se observar critérios específicos. Isso não quer dizer que os critérios não se comuniquem entre as etapas, pois muitos perpassam todas elas, como é o caso da participação e consulta à população, que, apesar de ser elencada no

5 Dentre estes, destacam-se: os Comentários Gerais das Nações Unidas nº 4 (1991) e nº 7 (1997); os Padrões de

Desenvolvimento (PD) 1, 2, 5 e 7 do IFC (International Finance Corporation); Fact Sheet 25: Forced Eviction da UN HABITAT; Handbook Assessing the impact of eviction (2014) da UN HABITAT; Relatório do Banco Mundial: Involuntary

Resettlement Sourcebook: Planning and Implementation in Development Projects (OP 4.12); Guidelines for Aid Agencies on Involuntary Displacement and Resettlement in Development Projects (1992) da OECD; Relatório da Comissão Mundial

de Barragens, caps. 4, 8 e 9; e Princípios Básicos e Diretrizes sobre as expulsões e o deslocamento com origem no

(6)

antes, também deve ser observada no durante e no após. Tendo isso em vista, os

seguintes parâmetros devem ser observados:

Antes do deslocamento:

Exploração de alternativas ao deslocamento;

Oportunidade de consulta genuína com a população afetada; Notificação prévia e adequada da data de deslocamento e despejo;

Informação e transparência sobre as propostas de deslocamento e sobre o uso da propriedade ou terra, disponível em tempo razoável aos afetados;

Caso o processo de deslocamento seja inevitável, ele deve ser realizado com respeito ao devido processo e aos direitos humanos;

Disponibilidade de recursos judiciais e extrajudiciais efetivos para garantia de assistência ao deslocado a todo momento;

Disponibilização das medidas de compensação e mitigação anteriormente ao deslocamento; entre outras.

Durante o deslocamento:

Presença de representantes do governo durante o deslocamento; Identificação dos funcionários responsáveis pelo deslocamento;

Autorização da presença de observadores externos (ONGs, representantes das comunidades e especialistas);

Autorização legal para o deslocamento;

O deslocamento não pode ocorrer durante a noite ou em condições climáticas ruins, salvo no caso de consentimento expresso das pessoas deslocadas;

Previsão de recursos legais para contestar a ação e assistência jurídica às pessoas que necessitam acessar o sistema de justiça;

Qualquer uso legal da força deve respeitar os princípios da necessidade e proporcionalidade;

Populações afetadas não podem ser forçadas a demolir suas próprias casas; entre outras.

Após o deslocamento:

O deslocamento não pode resultar em pessoas vivendo em situação de rua ou vulneráveis a outras violações de direitos humanos;

Reassentamento e alternativas de moradia adequada devem ser oferecidas; O reassentamento deve satisfazer os elementos de uma moradia adequada;

Consulta às populações afetadas sobre a definição da política de reassentamento; entre outras.

(7)

Diante desse cenário, a legislação nacional reconhece e assegura os direitos à moradia adequada6 e à reparação integral7, porém, o que se nota é a permanência de um paradigma patrimonialista quanto às formas de reparação. Durante décadas a legislação nacional sobre desapropriações se apoiava sobre um único Decreto-lei, editado no início da década de 40, que previa como forma exclusiva de reparação o pagamento de indenização (ou “preço”)8 e limitava este direito apenas aos que comprovassem ser proprietários de seus bens9. Com o tempo, a jurisprudência mudou seu entendimento e estendeu a proteção também aos posseiros, que passaram a ter direito de serem indenizados caso fossem expropriados.

Hoje, contamos com outras leis e decretos importantes, como é o caso do Decreto Federal nº 7.342/2010, que regulamenta o Cadastro Socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, além da recente Portaria nº 317 editada pelo Ministério das Cidades no ano de 2013, que regulamenta os deslocamentos involuntários provocados especificamente pela execução de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Obviamente, estas são apenas pinceladas do que se tem sobre deslocamentos forçados, não se pretendendo, com isso, exaurir todas as fontes normativas acerca do tema10.

Nota-se, todavia, pouco avanço em uma regulamentação nacional e específica do tema. Apesar de existir um Projeto de Lei (nº 29/2015), em discussão na Câmara dos Deputados, que visa institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), o Brasil ainda não conseguiu editar instrumento legal capaz de fixar parâmetros concretos acerca das garantias a serem observadas no contexto do deslocamento de pessoas em razão de projetos de desenvolvimento.

6Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

8Dispõe o artigo 13:

Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruida com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

9Prevê o artigo 34:

Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.

10Há, por exemplo, leis estaduais e outras portarias de âmbito administrativo que são relevantes, como é o caso da Lei Estadual no. 5887/1995 – Estado do Pará; Resolução Normativa da ANEEL nº 279/2007; Lei estadual 7192/2016 – Estado do Rio de Janeiro; Decreto 51.595/2014 – Estado do Rio Grande do Sul; e Resoluções nº 09/2011 e 06/2012, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).

(8)

b) O contexto dos deslocamentos forçados em Belo Monte

Dentre as condicionantes da Licença Prévia concedida pelo IBAMA estava a avaliação de eficiência das medidas mitigadoras de impactos causados pela obra. Conforme consta no PBA, o Programa de Negociação e Aquisição de Terras e benfeitorias previa aos atingidos que tivessem que deixar suas moradias, tanto em área urbana como rural, as seguintes modalidades de reparação: indenização de terras e benfeitorias; reassentamento coletivo – com assessoria técnica, social e ambiental – e carta de crédito.

A despeito da aparente diversidade de medidas oferecidas, o que se constatou foi o uso predominante de compensações pecuniárias. Um estudo feito pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV no ano de 2015 revelou que a empresa Norte Energia tinha oferecido a indenização como forma de reparação a 1.358 atingidos, enquanto que o direito ao reassentamento rural coletivo foi reconhecido para apenas 28 pessoas11. De fato, o pagamento de indenização não foi a opção escolhida pela maioria da população ribeirinha atingida, que tinha como demanda o reassentamento em área próxima ao rio, de forma a permitir a reconstituição do modo de vida tradicional.

Some-se a isso o fato de que os valores pagos pela empresa eram insuficientes para a compra de imóveis em áreas próximas, obrigando os atingidos a se mudar para locais muito afastados ou para o meio urbano, rompendo os laços de vizinhança que tinham em suas comunidades e dificultando o desenvolvimento da atividade pesqueira pelo aumento da distância do rio.

Recentemente, esse processo desencadeou uma série de reações. A Defensoria Pública da União, que passou a ter sede em Altamira apenas em 2015, recebeu uma série de denúncias de violações de direito por parte de pessoas tingidas por Belo Monte e passou a organizar essas demandas através da abertura de “PAJs”, os Processos de Assistência Judiciária. Trata-se de um procedimento pré-processual cujo objetivo é o de colher o maior número possível de informações e documentos relevantes sobre determinada questão, para que sirvam de embasamento em possíveis estratégias de negociação ou judicialização, principalmente em demandas coletivas. No caso de Belo Monte, a ideia era agregar todas as informações sobre casos de ribeirinhos deslocados para a construção da obra e, a partir disso, estabelecer negociações extrajudiciais com a Norte Energia. O objetivo das negociações era o de obter melhores reparações aos ribeirinhos, principalmente o direito ao reassentamento rural nas áreas de beira de rio. O Centro de Direitos Humanos e Empresas teve acesso a 94 (noventa e quatro) destes

(9)

processos, que forneceram informações valiosas a respeito da forma como se deu o deslocamento forçado de boa parte da população ribeirinha atingidas por Belo Monte.

Sumário Executivo

A construção de grandes obras de infraestrutura, como é o caso das hidrelétricas, impacta significativamente as populações locais, sobretudo aquelas que habitam as áreas diretamente afetadas pelo empreendimento, e que, por conta disso, se veem obrigadas a ter que deixar suas casas de forma compulsória, muitas vezes sem receber qualquer forma de auxílio ou reparação em troca, seja por parte do Estado como por parte das Empresas envolvidas.

Algumas questões surgem diante desse contexto: qual é o papel das empresas em relação aos impactos causados? Quais são as responsabilidades do Estado em relação às violações que decorrem da realização de tais obras? Como incorporar no processo de instalação do empreendimento medidas capazes de prevenir, mitigar e reparar os impactos e proteger direitos humanos?

O objetivo do presente documento é o de identificar lições que podem ser aprendidas a partir do caso de Belo Monte e que devem ser levadas em conta ao se promover o deslocamento compulsório de pessoas em razão da construção de empreendimentos de infraestrutura. Estas lições estão ancoradas, de um lado, na normativa nacional e internacional já apontada e, de outro, no estudo do caso de Belo Monte.

Em primeiro lugar, deve-se priorizar o reassentamento em detrimento de outras formas de reparação, principalmente patrimoniais – como é o caso da indenização. A priorização do reassentamento foi apontada por instrumentos internacionais, como é o caso do parágrafo 60 dos Princípios Básicos e Diretrizes sobre as expulsões e o

Deslocamento com Origem no Desenvolvimento do Relator Especial para Direito à

Moradia das Nações Unidas, ao estabelecer que:

¨A compensação em dinheiro não deve, em circunstância alguma, substituir a compensação real na forma de terras e recursos de propriedade comuns. Nos casos em que foram retiradas terras, os deslocados devem ser compensados com terras equivalentes ou superiores em termos de qualidade, dimensão e valor”.

Não apenas a normativa internacional aponta para a necessidade de priorização do reassentamento em detrimento da indenização, como no caso concreto de Belo Monte,

(10)

como se verá a seguir, os ribeirinhos manifestaram em diferentes momentos do processo de deslocamento o seu descontentamento com a indenização e a preferência por serem reassentados em locais que propiciassem a manutenção do seu modo de vida.

Em segundo lugar, a elaboração e execução dos cadastros socioeconômicos deve se dar de forma publicizada; contemplar as especificidades das populações afetadas, principalmente com relação à existência de pessoas não alfabetizadas; ser realizada nas fases iniciais do empreendimento; e contar com corpo técnico de cadastradores devidamente capacitados. O Brasil regulamentou o Cadastro Socioeconômico por meio Decreto Federal nº 7342/2010, com a finalidade de promover a “identificação, qualificação e registro público da população atingida por

empreendimentos que se destinam à geração de energia hidrelétrica” (art. 1º). No caso

de Belo Monte, tanto a correta identificação da totalidade dos atingidos quanto a sua qualificação enquanto populações não homogêneas (indígenas, ribeirinha, urbana, rural, etc.) apresentaram falhas graves. Como veremos em detalhe mais adiante, o cadastramento feito pelo empreendedor “se esqueceu” de parcela significativa da população atingida pela usina e se mostrou inadequado para atender as especificidades da população ribeirinha.

Em terceiro lugar, é preciso garantir a participação prévia e bem informada das comunidades atingidas, provendo-lhes toda a assistência técnica e jurídica devida, a fim de que seja minimizada a assimetria de informações e poder de decisão. A reivindicação do ponto de vista estritamente jurídico passa pelo

conhecimento dos direitos em jogo. Sem assistência técnica adequada os deslocados não conseguem saber, por exemplo, a quais modalidades de mitigação têm direito. Além disso, os acordos realizados entre deslocados e a empresa, bem como todas as informações divulgadas pelo empreendedor, devem ser redigidos em linguagem simples e acessível à população, para que tenham conhecimento exato dos termos que estão negociando.

Em quarto lugar, o deslocamento forçado precisa ser considerado na etapa de planejamento do empreendimento a fim de que os direitos das comunidades sejam garantidos desde o início. No caso de Belo Monte, por exemplo, a necessidade

de se deslocar os ribeirinhos só foi “descoberta” pela empresa somente no momento do enchimento do reservatório da usina. A própria insistência por parte da empresa, à época, de não reconhecer na região a presença de grupos sociais desenvolvendo um

(11)

modo de vida tradicional ribeirinho indica que não havia canais de escuta capazes de identificar suas demandas e verificar seu modo de vida específico.

Em quinto e último lugar, o reassentamento deve observar os critérios de moradia adequada, de forma a reproduzir e garantir o modo de vida tradicional, incorporando as diferentes dimensões, como as relações de vizinhança, atividades de subsistência, expressão cultural, etc.

COMPLEMENTAR

Lições aprendidas: pontos prioritários para minimização de

impactos

A partir do caso de Belo Monte bem como dos parâmetros estabelecidos pela normativa internacional, foram identificadas algumas falhas de atuação por parte do Estado e da empresa na forma como conduziram e operaram o processo de deslocamento forçado da população atingida. Tendo em vista que esse modus operandi foi um elemento importante no desencadeamento dos impactos sociais e violações de direitos constatados, uma lista de lições aprendidas em matéria de deslocamento de pessoas no contexto de obras de infraestrutura e desenvolvimento.

1.

Priorização do reassentamento em detrimento de outras

formas de reparação

Conforme os dados obtidos através da análise dos autos dos Processos de Assistência Jurídica (PAJs), a principal demanda das comunidades ribeirinhas deslocadas pela construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte é o reassentamento, seja em área próxima ao Rio Xingu, seja em outra localidade. Ao todo, essa modalidade de mitigação de impacto foi pedida em 74% dos PAJs. No entanto, a despeito das recomendações internacionais e da evidente demanda por novas terras, em 96% dos casos o Consórcio responsável pela execução da obra não assegurou ao assistido a reocupação em áreas adequadas à reconstrução do modo de vida anterior.

O gráfico a seguir evidencia a prevalência da lógica patrimonialista no tratamento dos atingidos.

(12)

Gráfico 1

Fonte: Elaboração dos autores com base na análise dos PAJs

Esse diagnóstico também foi confirmado pelo “Mapa dos Caminhos: deslocamentos no meio rural” elaborado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Segundo dados obtidos em Relatório feito pela própria Norte Energia, a indenização foi a forma de reparação mais explorada, evidenciando, inclusive, disparidade relevante com relação às demais formas de mitigação inicialmente planejadas pela empresa (indenização, carta de crédito e reassentamento):

Tabela I: Tipos de reparação e quantidade de atingidos contemplados

Tipo de reparação Nº de atingidos contempladas

(jan/2015)

Indenização 1.358

Carta de Crédito 379

Reassentamento rural coletivo (RRC) 28

Reassentamento em área remanescente (RAR) 33

Fonte: GVces. Mapa dos Caminhos: deslocamentos no meio rural – fevereiro 2015/julho 2015 p. 12

Para os casos em que houve pagamento de indenização, importa destacar que as compensações foram consideradas insuficientes por não permitiram aos atingidos a compra de novos terrenos próximos a sua região de origem, obrigando-os a se deslocar com suas famílias para locais distantes. No caso de Belo Monte, estes locais, em grande medida, não se encontram em áreas de beira de rio ou zonas rurais, mas em zonas periféricas de centros urbanos, onde a população ribeirinha não consegue desenvolver suas atividades tradicionais (como a pesca, o extrativismo e a agricultura), descaracterizando por completo o modo de vida anterior.

78%

4% 18%

Inicialmente qual foi a medida de reparação adotada pela

Empresa?

Indenização ou carta de crédito Reassentamento Sem nenhum tipo de reparação

(13)

Ainda, mesmo nos casos em que os atingidos optaram pelo reassentamento, este foi feito em região urbana12. De acordo com o planejamento do empreendimento, seriam construídos seis RUCs – Reassentamentos Urbanos Coletivos – destinados a aproximadamente 4.100 famílias deslocadas13. Para estas, no entanto, a saída do meio rural e o aumento da distância com relação ao rio tornou a pesca uma atividade de muito difícil execução. O aumento dos gastos com transporte e a diminuição da produtividade dos pescadores também foram fatores negativos desencadeados em grande media pela inadequação dos novos locais de moradia. Sem a possibilidade de plantar e criar animais nos RUCs, a manutenção do modo de vida ribeirinho se tornou quase impossível, obrigando essa população a abandonar suas atividades tradicionais para conseguir alguma fonte de renda na cidade. Muitas tentam se inserir no mercado de trabalho para exercer atividades profissionais tipicamente urbanas, enfrentando diversos obstáculos nesse processo.

Dessa forma, a priorização do reassentamento não basta por si só, mas deve estar obrigatoriamente atrelada aos critérios da moradia adequada, pois apenas dessa forma garantiria a manutenção das condições de vidas anteriores ao deslocamento. Essa foi inclusive, uma das constatações feitas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos durante sua missão em Belo Monte. Como se nota, a possibilidade de Reassentamento Urbano não foi considerada pela CNDH dentre as possibilidades de reassentamento mais adequadas aos atingidos:

“Deveria ser ofertado aos atingidos, aos quais se reconhece a moradia, opções aptas à manutenção das condições que detinham

antes do processo, em especial pela sua permanência próximo ao rio

Xingu, mediante a possibilidade de escolha entre uma área em

reassentamento rural coletivo, uma área em reassentamento em área remanescente ou uma área adquirida mediante realocação assistida”14.

2.

A elaboração e execução dos cadastros socioeconômicos deve:

i) se dar de forma publicizada; ii) contemplar as especificidades das

12De acordo com a Constatação nº 30 feita pela CNDH “não se verificou a oferta de áreas próximas ao rio aptas a

satisfazer as expectativas dos atingidos e à manutenção de seu modo de vida”. CNDH (2015). Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo Monte, p. 10

13CNDH (2015). Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo

Monte, p. 119.

14CNDH (2015). Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo

(14)

populações afetadas, sobretudo a existência de populações

tradicionais; iii) ser realizada de preferência antes da licença

prévia; e iv) possuir corpo técnico de cadastradores devidamente

capacitados.

Em muitos casos, a desconsideração de parcela dos atingidos pelo empreendedor é resultado da forma como é realizado o cadastramento das famílias afetadas. No relatório produzido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) como resultado da Inspeção Interinstitucional organizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Belo Monte consta que “muitas pessoas alegam que não têm cadastro porque, quando a empresa passou, não estavam em casa, pois estavam trabalhando"15.

Além dos elementos coletados durante a inspeção interinstitucional conduzida pelo do MPF, as entrevistas realizadas pelo CDHeE em campo revelaram problemas no momento da realização dos Cadastros. A metodologia utilizada pela empresa, com o preenchimento de um questionário escrito, representou um obstáculo considerável à população atingida, tendo em vista a existência de um grande número de ribeirinhos não alfabetizados ou mesmo analfabetos funcionais. A impossibilidade de ler ou compreender com alguma exatidão o resultado do questionário aplicado gerou situações como a de um ribeirinho que, muito embora tenha vivido por décadas em sua ilha, assinou um documento que não reconhecia a sua condição de morador.

De acordo com Parecer Técnico feito pelo IBAMA em 2016 (PT nº 02543.000003/2016-15) a principal fragilidade do Cadastro Socioeconômico feito em Belo Monte seria a vinculação da inscrição no cadastro como critério exclusivo para o reconhecimento enquanto ribeirinho. Com isso, infringe-se a prerrogativa do autorreconhecimento garantida pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6.040/2007)16. Além do desconhecimento das garantias legais referentes aos povos tradicionais, a implementação do cadastro socioeconômico tal como foi realizado pela NESA apresentou outras falhas importantes. Em primeiro lugar, não contemplou as especificidades das populações atingidas,

15 CNDH (2015). Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo

Monte, p. 26.

16 Art. 3º: Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

(15)

fato que se evidencia pelo não reconhecimento da dupla moradia dos ribeirinhos. Segundo o relatório preparado pelo CNDH:

“Em relação aos ribeirinhos com dupla moradia, ou moradia sazonal, a empresa afirma que foi realizado um cadastro em janeiro de 2013 e que o posicionamento da NESA é de que só deve ser

indenizada uma das moradias. Não consideram que os ribeirinhos se enquadrem na condição de povos tradicionais”17.

Sob a lógica deste posicionamento, os cadastradores orientaram os ribeirinhos que tinham dupla moradia a optar por apenas uma de suas casas para fim de reparação. Como as residências da cidade possuíam melhor infraestrutura do que as de beira de rio, muitos optaram em declarar a posse da casa urbana, almejando com isso uma avaliação patrimonial melhor e, consequentemente, uma indenização maior.

Diante da insuficiência do primeiro cadastramento em identificar e qualificar a totalidade dos atingidos pela usina, houve a necessidade de proceder a sua revisão. O órgão licenciador apontou que os resultados da revisão do cadastro socioeconômico partiram de critérios que igualmente não foram capazes de dialogar com a realidade do modo de vida da tradicional ribeirinho e, em razão isso, determinou a necessidade de uma nova versão da lista de atingidos, bem como a utilização do reconhecimento social por parte dos ribeirinhos para dimensionamento do grupo afetado:

“Como resultado da terceira rodada dos diálogos ribeirinhos, depreendeu-se que os critérios de enquadramento advindos do CSE

pouco conversaram com a realidade do modo de vida ribeirinho, daí

a necessidade apontada para a revisão da lista, bem como a necessidade do reconhecimento social dos ribeirinhos atingidos pela construção da UHE Belo Monte18”.

Por fim, houve casos em que a exclusão do atingidos do Cadastro se deu em decorrência da ausência do ocupante no momento em que foram realizadas as visitas técnicas. Como é sabido, boa parte dos ribeirinhos pratica a pesca, seja para a subsistência ou para o comércio. Sobretudo neste último caso, é normal que permaneçam uma parte da semana fora de casa, vendendo o peixe na cidade. Diante desta realidade, a publicização de informações relativas ao cronograma de execução

17CNDH (2015). Relatório da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo

Monte, p. 37.

(16)

das obras se mostra essencial. Da leitura dos PAJs se nota que muitos dos ribeirinhos estavam vendendo seu peixe na cidade no momento da visita dos cadastradores, revelando que não houve a preocupação por parte do empreendedor em comunicar previamente aos ribeirinhos o dia em que seriam realizadas tais visitas.

A divulgação de todas as etapas do Cadastro Socioeconômico é extremamente relevante e foi objeto da Portaria Interministerial 340/2012, que regulamentou o Decreto do Cadatro Socioeconômico (7342/2010). De acordo com o seu artigo 10º, o responsável pelo empreendimento assegurará ampla divulgação das atividades do

Cadastro Socioeconômico junto ao público-alvo no decorrer de cada etapa do

processo, mediante o uso dos seguintes meios de comunicação: a) emissoras de televisão locais e regionais; b) emissoras de rádio locais e regionais; c) rede mundial de computadores (Internet); d) periódicos locais ou regionais; e) outros meios de comunicação, tais como cartazes, folders, carros de som; ou f) promoção de reuniões informativa. Além disso, o artigo 11º determina expressamente a responsabilidade da empresa quanto à divulgação de informações relativas ao Processo de Cadastramento, incluindo: informações sobre datas e locais de visitas para entrevistas e aplicação

dos questionários serão divulgadas por, no mínimo, trinta dias anteriores ao início do cadastramento propriamente dito, conforme definição do cronograma para cada localidade (inciso I).

3.

É preciso garantir a participação prévia e bem informada das

comunidades atingidas, provendo-lhes toda a assistência técnica e

jurídica devida, a fim de que seja minimizada a assimetria de

informações e poder de decisão

.

A ausência de assistência jurídica aos atingidos também trouxe dificuldades para os deslocados negociarem a mitigação dos impactos causados pelo Consórcio. Segundo os relatos contidos nos PAJs, após o Laudo de Avalição Patrimonial ser realizado unilateralmente por técnicos da empresa, o atingido recebia um documento denominado Termo de Aceite o qual contava com três opções:

(17)

A última opção trazia a possibilidade do ribeirinho examinar a proposta pelo prazo de cinco dias. Esse prazo é extremamente exíguo ainda mais levando-se em consideração todo o contexto, ou seja, o deslocamento compulsório de um local que permitia o desenvolvimento de um determinado modo de vida. Some-se a isso o fato de que o Termo de Aceite ainda dispunha que “a indenização ofertada possui validade apenas para negociação extrajudicial, não possuindo efeito após o prazo solicitado para análise” e ao mesmo tempo “resguardando a Norte Energia S. A. o direito de adotar as medidas judiciais cabíveis”, essa redação do aludido Termo para pessoas que já se encontravam vulneráveis pelas mais diferentes razões pode ter levado a que muitos aceitassem o valor sem poder contar com qualquer auxílio jurídico que permitisse compreender como os critérios foram estabelecido para a realização dos cálculos.

Inclusive, em 7% dos PAJs os ribeirinhos disseram expressamente que se sentiram coagidos a assinarem a documentação exigida pela empresa, havendo relatos nos processos de que os funcionários diziam “ou aceita o valor oferecido ou não terá direito a nada”. Nesse contexto, é muito provável que os valores arbitrados pela NESA foram aceitos sem contestações ou exames adicionais por parte dos deslocados.

Como vimos, parte significativa dos PAJs existentes hoje junto à DPU tem como objetivo principal a promoção de negociações extrajudiciais com a Norte Energia, de forma a rever o tratamento inicial concedido aos ribeirinhos e possibilitar o reassentamento. No entanto, a DPU, órgão competente para atuar nos casos que envolvem violações de direitos de povos tradicionais, apenas foi sediada em Altamira no ano de 2015, ou seja, somente cinco anos após a obtenção da primeira licença. Retira-se disso o fato de os atingidos terem começado a receber atendimento específico e estruturado de suas demandas por um órgão do estado a posteriori: após os deslocamentos já terem ocorrido.

Ainda, a Comissão de Atingidos por Barragens (CDDPH) revela problema semelhante em outros empreendimentos hidrelétricos. Com relação à UHE Foz do Chapecó, por exemplo, os atingidos não tiveram assistência jurídica no momento de formalizar sua

(18)

opção de reparação ou de firmar os termos de quitação. Outro fator relevante observado nesse caso é que o estado de Santa Catarina não dispunha de Defensoria Pública até o ano de 2012, mesmo ano em que se pôs fim ao processo de construção da usina. A ausência de assistência jurídica aos atingidos foi considerada falha grave pela Comissão, segundo a qual muitos direitos têm sido violados sem que os atingidos tenham podido contar com assistência da Defensoria Pública ou outra assistência jurídica, contrariando a previsão constitucional do Art. 5º, inciso LXXIV19.

A ausência de informação e participação popular também foi outro problema reiteradamente destacado pela CDDPH, que verificou violações nesse âmbito em todos os empreendimentos por ela estudados, ilustradas na tabela a seguir:

Tabela II: Estudos de casos de violações de direitos humanos decorrentes da implementação de barragens.

Empreendimentos Participação, informação e livre associação

Barragem de Acauã Não foram realizadas audiências públicas. Não houve acesso a quaisquer outras fontes de informação acerca do empreendimento.

UHE Aimorés

Perda das condições de trabalho e geração de renda antes existentes.

A empresa selecionou lideranças para responder ação de interdito proibitório decorrente de suposta ameaça de manifestação popular, configurando claro intento de constranger e punir.

UHE Canabrava

Insuficiência de estudos prévios realizados.

Incorreta identificação dos atingidos, o que não favoreceu a organização social. Falta de informação: não foram divulgados os dados obtidos em 2 estudos de impacto.

Os casos “não-elegíveis”, não foram justificados, nem demonstrados os critérios utilizados.

UHE Emboque Não houve divulgação do empreendimento.

UHE Foz do Chapecó

Não foi fornecida à população atingida cópia dos levantamentos cadastrais de suas propriedades.

Embora o IBAMA tenha realizado duas audiências públicas, questionamentos importantes dos atingidos, não foram esclarecidos antes da concessão das licenças ambientais.

Defensores de direitos humanos respondem processos civis e penais relacionados às atividades de mobilização coletiva pacífica dos atingidos UHE Fumaça Policiais constrangeram mobilizações dos atingidos no canteiro de obras e por

terem reprimido protesto pacífico realizado em Ouro Preto;

UHE Tucuruí

Não se proporcionou às populações o conhecimento efetivo e prévio do projeto da barragem e suas consequências, particularmente durante o regime militar. Já durante o período democrático, a dispensa de EIA/RIMA para a regularização da barragem restringiu a possibilidade de acesso à informação e participação. No caso de Belo Monte, especificamente, a ausência de sólidas informações sobre o empreendimento foi salientada pelo Ministério da Pesca já em 2011:

19CDDPH. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Resoluções nº 09/2011 e 06/2012. Relatório Final do

(19)

“Outra coisa impressionante é a desinformação dessas

pessoas. As pessoas denunciaram que, em um momento, os

funcionários da empresa falaram que tal área ia ser alagada, depois disseram que não iria mais. Há três anos fizeram o cadastro; há dois meses passaram lá e fixaram prazo para agora, estabelecendo prazo desumano para remoção”20.

Já no início do licenciamento ambiental, ainda na fase dos estudos de impacto da obra, a ausência de consulta e participação popular foi por diversas vezes denunciada, seja através de jornalistas, especialistas, do movimento de atingidos ou pelo próprio MPF, que, inclusive, ajuizou a Ação Civil Pública nº 26161-70.2010.4.01.3900 sustentando que nem todos os municípios que foram afetados pela construção da UHE Belo Monte tiveram a sua participação garantida nas audiências públicas.

O processo de licenciamento ambiental prevê a realização de audiências com a população atingida para a discussão dos estudos de impacto e das demandas populares. À época, foram realizadas apenas quatro audiências públicas, nas quais diversas demandas e questionamentos foram feitos por parte dos especialistas presentes, da FUNAI, MPF e população afetada. Tendo em vista que a finalidade das audiências públicas é a de expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e

do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito21, as críticas feitas pela população atingida e especialistas não poderiam ter o efeito de impedir a emissão da licença prévia, que foi concedida pelo IBAMA. Apesar disso, o órgão licenciador adicionou a ela 40 condicionantes relativas às demandas apresentadas no decorrer das audiências. Dentre estas, estava a avaliação da eficácia das medidas mitigadoras de impacto, que não foi realizada no momento da elaboração do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) nem durante a emissão da Licença Prévia (LP).

No que tange às audiências públicas, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública (ACP 26161-70.2010.4.01.3900/PA) alegando que o número de audiências (quatro) realizadas foi insuficiente para atender os atingidos. A participação da população durante as audiências foi obstaculizada por diversos fatores, sendo os principais: as grandes distâncias entre os locais escolhidos para sediar as reuniões e as aldeias indígenas e comunidades envolvidas, além de estradas de acesso bastante precárias; (ii) tempo exíguo conferido às populações atingidas para exporem seus

20 CDDPH. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Resoluções nº 09/2011 e 06/2012. Relatório Final do

Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada, 2011, p. 34.

(20)

posicionamentos e dúvidas sobre o projeto; (iii) linguagem inapropriada utilizada nas reuniões, impossibilitando a efetiva compreensão do projeto pela população e a devida apropriação do conteúdo relativo aos impactos ambientais e sociais da usina22 Diante disso, a ACP requereu à Justiça Federal o reconhecimento da nulidade das audiências realizadas, bem como a designação de novas audiências públicas para oitiva das comunidades arroladas pelo Ibama, garantidas às comunidades o prévio conhecimento dos estudos ambientais. Em 2009, a Justiça Federal suspendeu liminarmente o licenciamento ambiental de Belo Monte e determinou a realização de novas audiências públicas. No entanto, pouco tempo depois o Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu os efeitos da decisão liminar por meio do instituto da Suspensão de Segurança. Por fim, apenas em 2016 a ACP foi julgada pelo TRF1, que considerou improcedentes os pedidos feitos pelo MPF.

Outra consequência da falta de participação popular gerou o PAP, modalidade de reparação que revela o desconhecimento da Empresa com relação às particularidades da população ribeirinha do Rio Xingu. O Ponto de Apoio para a Pesca (PAP)23 foi uma modalidade de mitigação de impacto criada recentemente pela Norte Energia quando a situação dos ribeirinhos passou a ser revista. Como se depreende do gráfico abaixo, o reassentamento é a demanda prioritária dos ribeirinhos, mas continua a não ser ofertado em número suficiente: dos 217 casos reexaminados, 49,3% receberam PAP e não o reassentamento. Ocorre que o PAP não foi considerado pelos ribeirinhos uma medida adequada para a manutenção do modo de vida. Se o fosse não teríamos 66% dos pedidos dos assistidos pela reocupação em áreas próximas ao rio enquanto apenas 2% pleiteiam o PAP. O gráfico abaixo ilustra de forma clara este descompasso:

22FAINGUELERNT, Maíra Borges. A Trajetória Histórica do Processo de Licenciamento Ambiental da Usina Hidrelétrica

de Belo Monte. Ambiente & Sociedade, vol.19, no.2 São Paulo Apr./June 2016. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-753X2016000200245&script=sci_arttext&tlng=pt#aff02

23 Em vista da abertura dos PAJs pela DPU, medidas adicionais foram tomadas pela empresa, que reconheceu como

tradicionais alguns grupos e ofereceu-lhes a possibilidade de revisão de tratamento: ou os ribeirinhos poderiam ser reassentados, caso comprovassem a moradia no local atingido, ou receberiam o ponto de apoio à pesca (PAP), caso não comprovassem a moradia, mas apenas o uso comercial do local.

(21)

Gráfico 2

Fonte: Elaboração dos autores com base na análise dos PAJs

O pouco interesse da população com relação ao PAP se deve ao fato de os ribeirinhos não serem exclusivamente pescadores, mas também agricultores, criadores de animais e extrativistas. Dessa forma, o PAP, ao limitar sua extensão apenas à pesca, não é capaz de restabelecer o modo de vida anterior.

4.

O deslocamento forçado precisa ser considerado na etapa de

planejamento do empreendimento a fim de que os direitos das

comunidades sejam garantidos desde o início

CONSTATAÇÃO n. 20: Não se verificou sequer projeto de um Reassentamento Rural Coletivo para os ribeirinhos, que contemple a necessidade de se manterem próximos ao rio;

contar o que aconteceu com os ribeirinhos esquecidos, mostrar que a ONU já aponta que isso gera empobrecimento etc

5.

O reassentamento deve observar os critérios de moradia

adequada, de forma a reproduzir e garantir o modo de vida

tradicional, incorporando suas diferentes dimensões, como os

66% 9%

8%

7% 6% 2%

1% 1%

Qual a medida solicitada pelo assistido?

Reassentamento - próximo ao rio Revisão de valor indenizatório Reassentamento - qualquer região Efetivação de medida acordada

Indenização PAP

(22)

laços de parentesco e vizinhança, as atividades de subsistência e

sua expressão cultural

.

A primeira constatação feita pela CNDH em sua visita a Belo Monte foi justamente com relação à manutenção no modo de vida das comunidades impactadas. Segundo ela, o processo de remoção compulsória dos ribeirinhos atingidos pela construção da usina hidrelétrica Belo Monte descumpre as premissas do próprio PBA, com risco de perda

definitiva do modo de vida desses grupos e de grave violação de direitos humanos.

Como vimos, não se verificou em Belo Monte sequer projeto de um Reassentamento Rural Coletivo específico para os ribeirinhos, que contemplasse a necessidade de se manterem próximos ao rio. Na ausência de um plano adequado para o reassentamento, cada família teve que encontrar alguma forma de se realocar, desfazendo os círculos comunitários antes existentes. A quebra de muitos dos vínculos familiares e de vizinhança, que são característicos dessa população, foi mencionado por diversos dos atingidos entrevistados como um aspecto bastante negativo decorrente da construção da Usina de Belo Monte.

Imagem

Gráfico 1
Tabela II: Estudos de casos de violações de direitos humanos decorrentes da implementação de  barragens
Gráfico 2

Referências

Documentos relacionados

(2008), o cuidado está intimamente ligado ao conforto e este não está apenas ligado ao ambiente externo, mas também ao interior das pessoas envolvidas, seus

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

...32 Table 8 – Comparison of the activity categories (“physically active” and “physically inactive”) obtained from the IPAQ-sf 2 and accelerometer-based data in

13 Assim, a primeira fase no momento da dispensa de um MSRM é a validação da receita, por isso, independentemente do modo de disponibilização da prescrição, a receita

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

Ainda podemos ir um pouco mais longe e tentar ver quais as idades possíveis para os dois rapazes, o mais novo e o mais velho. Podemos organizar as idades numa tabela, recorrendo ao

Diante deste quadro faz-se necessário identificar como as atividades sociais deste município tem sido responsáveis pelas variações do padrão térmico, ou seja, entender como

São considerados custos e despesas ambientais, o valor dos insumos, mão- de-obra, amortização de equipamentos e instalações necessários ao processo de preservação, proteção