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Saúde e Doença na Perspectiva de Eclesiástico 38,1-15

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SAÚDE E DOENÇA NA PERSPECTIVA

DE ECLESIÁSTICO 38, 1-15* Erika Pereira Machado**

Raimundo Nonato Leite Pinto*** Sirle Maria dos Santos Vieira****

Resumo: o artigo apresenta uma investigação da perícope bí-blica de uma das importantes temáticas sobre saúde, doença e morte, partindo do contexto de Eclesiástico 38, 1-15. A medicina e o médico são partes integrantes da criação de Deus, que delega a continuidade de sua atividade criadora à natureza e ao homem.

Palavras-chave: Saúde. Doença. Medicina. Corporalidade. Eclesiástico 38.

T

odos nós seres vivos somos mortais, e nós humanos somos os úni-cos a ter consciência disso. A mortalidade revela a nossa fragilidade que se expressa de diferentes maneiras, uma dentre tantas é a doença, que nos expõe cotidianamente à vulnerabilidade e finitude de nossa existência (GEBARA, 2010, p. 129).

Desde a Antiguidade, a doença é representada como experiência social de caos e desequilíbrio, constituindo uma das formas de representa-ção do Mal que vai construindo identidades de coesão ou exclusão social. Somente através dos processos terapêuticos, o indivíduo se reestrutura possibilitando liberdade e superação do Mal (RICHTER REIMER, 2008, p. 43).

A doença é capaz de mover o coração humano e provocar misericór-dia, cuidado, preocupação, doação, busca de cura até o restabelecimento da pessoa. Igualmente, porém, também é capaz de provocar o medo hu-mano. Além disso, pode ser ‘matéria prima’ que pode ser explorada por

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meio do comércio de cura. Em nosso contexto as doenças e suas curas ou cuidados obedecem às leis da hierarquia social capitalista.

Doenças, doentes e curas são classistas, racistas, sexistas. Quan-to mais rico o doente, mais nobre é sua doença e mais cuidado ele tem. Quanto mais pobre é o doente, menos remédios, serviços terapêuticos ou profissionais terá a sua disposição e menor também pode ser a sua chance de cura.

Doentes e doenças são parte das prioridades ou do esquecimento dos órgãos públicos e privados. A cada pessoa é dado o cuidado segundo o poder econômico, político e financeiro que tem. O que vale não é mais a pessoa, é o lucro que dela advém, manifestando o “esquecimento do ser” (GEBARA, 2010, p. 131-132).

Muitas das situações, condições e experiências socioeconômicas no que se refere a doenças e processos terapêuticos, também eram vividas em tempos antigos, como por exemplo, no tempo de Jesus e no início das igrejas. Na concepção da época, as curas de Jesus eram caracterizadas como ação da divindade que intervém e interfere nas relações sociais e simbólicas de corpos doentes e sofridos (RICHTER REIMER, 2008, p. 43).

Saúde e doença manifestam-se em nosso corpo. As relações do cris-tianismo com o corpo têm sido ambivalentes. Por um lado, o criscris-tianismo aborda a fé num Deus que se tornou corpo e nas narrativas de cura do Novo Testamento são especialmente os corpos discriminados de mulheres que são curados. Por outro lado evoluíram no cristianismo uma prática e uma ascese de hostilidade ao corpo (MOLTMANN-WENDEL; PRAE-TORIUS, 1997, p. 62).

Nosso corpo é o elo com o qual experienciamos o mundo, e o mun-do vão experiencianmun-do as ações realizadas por meio de nosso corpo. (RI-CHTER REIMER, 2009, p. 195).

Para encontrar a estrutura do ser, Santiso (1993, p. 256, 258-260) afirmou que a busca vem a detectar o significado pelo significante. Nos-so significante é o corpo revelador do significado. O corpo é símbolo no sentido de ser estrutura de significação, toda a emoção profunda e ge-nuinamente sentida e quase todo o pensamento se vê expresso em nosso organismo inteiro. O corpo engloba e transcende o mundo de diferenças e se refere à estrutura interna, autônoma, biológica e somática. Todo ser humano, sendo corpo como corpo, é espaço de vida aberto e/ou espaço aberto de vida.

Na situação de doença, todo corpo sofre; a vida da pessoa está ma-chucada, e também suas relações familiares e sociais podem sofrer prejuízos.

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Caminhando a partir desta perspectiva nos encontramos em um dos textos bíblicos em Eclesiástico ou Sirácida, sendo constituinte de um dos livros deuterocanônicos da Bíblia, possuindo 51 capítulos, composto por Jesus, filho de Sirach (Jesus Bem Sirach ou Bem Sirá ou, em grego, Sirácida). O livro é composto por reflexões e é considerado sagrado pela maioria dos cristãos, como a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa Etíope. O nome Eclesiástico (Livro da Igreja ou da Assembléia) provém do uso oficial que a Igreja faz desse livro, em contraposição à Sinagoga judaica, que não o aceita como Palavra de Deus.

Parte dos judeus aceitava adaptar o judaísmo a uma civilização mais universal, entretanto outra parte buscava preservar a identidade e sal-vaguardar a fé e a vocação de Israel, testemunha do Deus vivo para todas as nações. Ben Sirac escreveu este livro, sendo considerado uma espécie de longa meditação sobre a fidelidade hebraica; procura reavivar a memória e a consciência histórica do seu povo, a fim de mostrar sua identidade pró-pria e o valor perene de suas tradições. O autor, porém, não é intransigen-te, pois em seu livro mostra ter já assimilado diversos aspectos da cultura grega, iniciando o caminho de uma síntese que culminará no Livro da Sabedoria, ou seja, o livro dirige-se a todo aquele que queria se comportar como judeus em um mundo que mudava. Trata-se de uma obra de um conservador lúcido, que quer preservar o essencial, sabendo que não se deve ignorar as situações novas.

O centro do livro está no capítulo 24, em que o autor identifica a Sabedoria com a Lei de Moisés (24,23). Não se trata das leis (= legislação) e sim dos cinco livros do Pentateuco, que, em hebraico, se chamam Torá = Lei. Na visão do autor, constitui a Sabedoria de Israel. Com efeito, a narração toda do Pentateuco mostra a experiência básica de todo homem e de qualquer povo: a sabedoria que nasce da experiência concreta e conduz à vida.

Neste artigo, no entanto, vamos nos ater ao capítulo 38 do Livro do Eclesiástico, mais precisamente entre os versículos 1 a 15, numa ten-tativa de estabelecermos um diálogo entre a palavra bíblica e as ciências da vida, particularmente em relação à medicina. Vamos tentar relacionar a Medicina com o projeto de Deus, uma vez que o(s) autor(es) do Eclesi-ástico demonstra(m) muita simpatia para com o médico com intuito de promoção de vida.

1 Respeita o médico, pois necessitas dele; também ele foi criado por Deus. 2 O médico recebe sua ciência de Deus, e seu sustento do rei. 3 Por sua

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ciência anda de cabeça erguida e se apresenta diante dos nobres. 4 Deus faz que a terra produza remédios: o homem prudente não os desprezará. 5 Não adoçou ele a água com um ramo, mostrando assim a todos seu poder? 6 O médico alivia as dores com plantas e o boticário prepara seus ungüen-tos. 7 Deus concedeu inteligência ao homem para que se glorie da eficácia divina; 8 assim, não cessa a atividade dos filhos de Deus nem a habilidade dos filhos de Adão. 9 Filho meu, quando caíres doente, não te descuides, reza a Deus, e ele te fará sarar; 10 foge do delito, lava tuas mãos e limpa teu coração de todo pecado; 11 oferece, sim, em obséquio, gordura que aplaca, segundo tuas possibilidades; 12 mas deixa também o médico agir, e não te falte, pois também dele necessitas; 13 há momentos em que o êxito depende dele, 14 e também ele reza a Deus para que lhe dê acerto ao diag-nosticar e ao aplicar o remédio saudável. 15 Peca contra seu Criador quem resiste diante do médico (BÍBLIA DO PEREGRINO, 2006, p. 1655-6).

Já no primeiro versículo, podemos perceber a grande importância atribuída à figura do médico, destacando-o como criação divina – “Honra o médico, porque ele é necessário. Foi o altíssimo que o criou”.

Este versículo é bem ilustrado em uma dissertação de mestrado de Raimundo Pinto, de acordo com as manifestações de pessoas doentes, entrevistadas por este autor:

Deus abençoa a mão do médico para que cuide de mim, para que coloque no papel os remédios certos, na hora certa (10º 59a, masculino, casado); Sempre peço a Deus prá guiar aquele médico prá que ele seja um instru-mento usado prá tratar as minhas doenças (16º 38a, feminino, solteira) (PINTO, 2010, p. 94).

Esta relação de proximidade que a medicina tem com o sagrado é destacada por alguns autores, ao afirmarem que:

A relação privilegiada que a medicina mantém com o sagrado não é neces-sariamente velado do ponto de vista da própria medicina, pelo menos por parte de certo número de médicos, e o tema do médico com coração de ouro, capaz de operar milagres, está longe de pertencer apenas ao gênero da ficção (LAPLANTINE, 2004, p. 244).

Se considerarmos o que nos afirma Rosa (2005), que “nos pensa-nos pensa-mentos semita, babilônicos e cristãos, encontramos a doença associada

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ao mal, estando o sofrimento sempre presente no núcleo da condição humana”, poderíamos inferir que o conhecimento das ciências por parte do médico, além de outros profissionais da área da saúde, teria como razão principal a garantia de que a saúde das pessoas precisaria ser resta-belecida com freqüência, uma vez que a ameaça da doença estaria sempre presente, já que o pecado, o mal, é inerente ao ser humano. Tal observa-ção vem de encontro ao segundo versículo, deste mesmo capítulo - “As-sim, suas obras não ficam inacabadas e a saúde se difunde sobre a terra”. O princípio da beneficência surge no terceiro versículo, no reconhecimen-to da ciência do médico que faz o possibilita andar de cabeça erguida.

Nos próximos dois versículos Ferreira (2009, p. 52) relata a exis-tência de um pequeno bloco – o princípio da sacralidade, onde no quarto versículo aborda que é de Deus a criação original, e sugere o princípio da alteridade numa dimensão ecológica, ou seja, uma medicina de origem vegetal, assim, a terra deve ser preservada, pois dela provém remédios que pode dar vida aos doentes. O quinto versículo refere a história do Exôdo que fala da água no deserto após a saída dos hebreus do Egito.

O bloco dos versículos 6 a 8 expõe um diálogo de fé e ciência da saúde, como vivenciado nos versículos 2 e 4 que reforça o princípio da sacralidade e da alteridade. Porém, o versículo 9 é reforçado por Ferreira (2009, p. 53) a existência da autonomia, sugerindo a capacidade de se au-togovernar, de ter equilíbrio e maturidade, sendo uma relação com Deus de dependência. Logo em seguida no versículo 12 há novamente a presen-ça dos princípios de alteridade e sacralidade quando relata a importância de ir ao médico, assim é bem exposto por Ferreira (2009, p. 53) de que necessitamos do outro e que é de fundamental importância ao doente estar procurando um profissional da saúde que o ajude a suprir suas necessida-des diante de um estado de doença, pois em algumas circunstâncias a cura está em suas mãos, como diz o versículo 13, ressaltando os princípios da alteridade e benevolência.

O versículo 14 reporta a um diálogo de ciência e fé, sugerindo ao médico que se diminua de si e busque ao Senhor, colocando-se nas mãos do Senhor; assim, os profissionais da saúde precisam orar sempre ao Se-nhor diante das suas atividades. Para Ferreira (2009, p. 54) a oração mostra a pessoa em relação com Deus, ou seja, é um diálogo contínuo com o transcendente, levando a pessoa a entender o que é limitado.

Por fim, o versículo 15 distingue o princípio da autonomia da arro-gância do paciente, havendo um encontro de dois sujeitos, o paciente e o médico diante de uma situação clínica; em outras palavras proclama que

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num evento de doença, não submeter-se ao conhecimento e à competência do médico é pecar contra o Criador.

Terrim sintetiza muito bem o conteúdo destes quinze versículos ao afirmar que:

Quando realizamos uma pesquisa histórica, percebemos que a saúde sempre foi uma preocupação própria das religiões. Na história comparada das re-ligiões não se encontra em nenhum canto da terra um mundo religioso que não tenha também uma ‘função terapêutica’. O que percebemos é que não é possível desatrelar a saúde física daquela espiritual. Da mesma forma como também não é possível trabalhar para a salvação da alma sem ao mesmo tem-po empenhar-se na saúde total da pessoa do fiel (TERRIN, 1998, p. 151).

Olhando esse tema a partir do campo da saúde, mais uma vez se reafirma a complexidade que envolve o conceito de saúde e doença, vida e morte, ultrapassando e perpassando a realidade biopsicossocial. Em outras palavras, embora o campo de intervenção médica se circunscreva tecni-camente aos contornos e ao interior do corpo, o médico como cientista, artista ou técnico não pode desconhecer a complexidade que envolve qual-quer problema ou situação de saúde e doença, além das manifestadas pela ciência médica (TERRIN, 1998).

Rabelo (1994) menciona que a passagem da doença à saúde pode vir a corresponder a uma reorientação mais completa do comportamento do doente, na medida em que transforma a perspectiva pela qual este per-cebe seu mundo e relaciona-se com outros. Fundamental nessa abordagem é identificar os meios pelos quais as terapias religiosas efetuam tal transfor-mação. Neste sentido, não é à toa que tantos estudos têm se voltado para uma compreensão do ritual enquanto espaço por excelência, em que os do-entes são conduzidos a uma reorganização da sua experiência no mundo.

Observando a narrativa em perspectiva de histórias de vida e inter-pretando-a também simbolicamente, pode indicar para o fato de o doen-te estar diminuído não só de tamanho ou aparência, mas estar limitada em vários sentidos e isto ocasionado por estar vivendo em um estado de doença, tendo dificuldade para execução de suas atividades básicas e ocu-pacionais de vida diárias, além de intensas dores musculares, articulares e provavelmente irradiações nervosas; enfim, apresentando-se em um estado de marginalização e discriminação em todos os níveis e dimensões.

Os milagres de cura fazem parte da esfera de coisas e das relações de causa e efeito invisíveis, indemonstráveis e inexplicáveis, tornadas visíveis

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no corpo que era doente. As narrativas de milagres reivindicam o senhorio de Deus e apresentam algumas características essenciais:

Contexto religioso de relação interpessoal de fé, confiança entre pessoa(s) e divindade, seu agente; a pessoa necessitada não é cliente, mas devota que implora a Deus; Jesus profere uma palavra e/ou realiza um ato; a cura acontece como reciprocidade e não como coação; a cura está inserida num contexto maior de obediência e cumprimento da vontade de Deus pelo agente; a ação de Jesus não prejudica ninguém (RICHTER REIMER, 2008, p. 61-2).

Para tanto, desde o princípio de sua existência o ser humano busca diversas alternativas, tentando eliminar seus males sejam eles físicos ou não. E a psicologia, dentro de uma perspectiva psíquica e em seu desenvol-vimento teórico e epistemológico, não pode ficar alheia ao campo da saúde e da doença, pois estes são dois de seus eixos essenciais.

A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se manifesta no organismo humano, que não pode ser explicado pelos seus distintos com-ponentes (físico e psíquico) separadamente (Capra, 1998). E um dos desa-fios da psicologia é, portanto, o desenvolvimento da construção teórica de ambos. Quanto à constituição do corpo humano a saúde expressa a “qua-lidade em situação normal do sistema biológico, em suas funções orgânica, física e mental”, sendo a doença uma “denominação genérica de qualquer desvio do estado normal” (AURÉLIO, 1988).

Segundo Straub (2007, p. 23), “a palavra saúde vem de uma antiga palavra da língua alemã que é representada, em inglês, pelas palavras hale e whole, as quais se referem a um estado de integridade do corpo”, e logo em seguida relata que “atualmente, somos mais propensos a pensar na saúde como a ausência de doenças, em vez da ausência de ferimento”.

Atualmente diversos teóricos acreditam que a saúde não se limita so-mente ao bem estar físico, e acrescenta outros dois aspectos, onde cada qual é influenciado pelos demais, como também cita Straub (2007, p. 23-4):

A saúde psicológica significa ser capaz de pensar de forma clara, ter uma boa auto-estima e um senso geral de bem-estar. Ela inclui a criatividade, as habilidades de resolução de problemas (como buscar informações sobre questões relacionadas com a saúde) e a estabilidade emocional. Ela tam-bém é caracterizada pela auto-aceitação, abertura de novas idéias e uma “tenacidade” geral na personalidade.

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A saúde emocional envolve ter boas habilidades interpessoais, relaciona-mentos significativos com amigos e família, e apoio social em épocas de crise. Ela também está relacionada com fatores sóciosculturais em saúde, como o status socieconômico, a educação, a etnicidade, a cultura e o gênero.

Independentemente das diferentes perspectivas filosóficas, teóricas e políticas envolvidas, e segundo Boltanski (1989) cada pessoa experimenta em seus estados de saúde e doença, a expressão dos sintomas, assim como os hábitos e estilo de vida e as próprias práticas de entendimento à saúde.

Para melhor compreensão, ainda é necessário acrescentar que nas últimas décadas ocorreram ações relacionadas ao binômio doença/saúde do ser humano, caracterizando a historicidade do contexto sócio-cultural. E junto com esta composição o desenvolvimento da psicologia possibilitou ações preventivas e promocionais da saúde do homem.

No entanto, quaisquer teorias ou ciências isoladas ainda são con-sideradas redutoras e pouco eficazes, quando se pensa na unidade do su-jeito, e na amplitude e totalidade dos fenômenos psíquicos de saúde e do adoecer.

A psicanalista Françoise Dolto (2010) chama a atenção, depois de leituras e reflexões sobre os Evangelhos, para a possibilidade de uma intera-ção entre o psiquismo e a história pessoal do indivíduo, e que ambos possi-bilitam uma abordagem e compreensão daquele que crê, no sentido de ter fé. Gérald Sévérin, que também é um estudioso e referência psicanalítica, comenta sobre as relações entre fé e psicanálise, e dialoga com Françoise Dolto (2010, p. 52-53) sobre assuntos diversos, dentre eles, a necessidade de um projeto e o desejo pessoal de cura:

Veja a passagem da cura da mulher hemorrágica. Somente ela, no seio daquela multidão que comprimia Jesus, foi curada. Por quê? Porque tinha a intenção. Estava voltada para Jesus e seu poder. Pobre, despojada, “es-gotada”, tinha dentro de si espaço para receber. Por outro lado, a multi-dão que tocava Jesus sem nenhum projeto nada recebia. É uma questão de desejo. Certamente podemos contatar, tocar, ser curiosos, tal como a multidão que cercava Jesus. Mas nada acontecerá se você não tiver nada para pedir.

Dolto e Sévérin (2010, p. 49) ainda registram um capítulo e versí-culos sobre a fé que cura, fazendo referência no Evangelho de Marcos 1: 32-33:

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À tarde, ao cair do sol, trouxeram a Jesus todos os enfermos e endemonin-hados. Toda a cidade estava reunida à porta.

E ele curou muitos doentes de toda sorte de enfermidades, e também ex-pulsou muitos demônios, ao lhe permitindo falar, porque o conheciam.

Richard O. Straub (2007, p. 23) aborda em sua obra que a “psi-cologia da saúde é a ciência que busca responder estas e outras questões a respeito da forma como seu bem-estar é afetado pelo que você pensa, sente e faz”.

Como se pode perceber as tendências observadas e relatadas no decorrer da história humana criaram a necessidade de contínuos mo-delos, ou perspectivas, de saúde e de doença. E cada perspectiva é uma forma diferenciada, atual e complementar de uma imagem da saúde e da doença.

Perante este contexto precisamos ainda nortear o que é deficiência numa perspectiva de Amiralian et al. (apud Silva e Neves, 2010, p. 299) que destacam deficiência como uma perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanen-te, incluindo defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou estrutura do corpo. De acordo com esta acepção a pessoa deficiente, ou seja, o pa-ciente precisa submeter a procedimentos médicos diários e contínuos para se reabilitar e prosseguir sua vida social.

Partindo deste princípio, Silva e Neves (2010, p. 300) enfatizam que o modelo social defende que a deficiência não está somente no corpo com lesão, mas na estrutura da sociedade que o segrega. Diniz (apud Silva e Neves, 2010, p. 300) esclarece que é preciso considerar não só o corpo deficiente e com debilidades, mas o meio que ele está inserido, pois defici-ência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente.

No entanto, autores como Diniz, Squinca e Medeiros (2007, p. 3) esclarecem que não é qualquer corpo com lesão que ascende à categoria de corpo deficiente. O esforço descritivo nesta indagação está na catalogação das diferentes lesões consideradas como deficiência, dada a impossibilidade de definir e descrever um corpo não-deficiente senão em termos compara-tivos com uma expectativa de normalidade. O corpo deficiente é definido caso a caso, sempre amparado em um discurso medicalizante da perícia, que pressupõe conhecer a variação da norma. Ou seja, o deficiente não é aquele que considera sua lesão grave ou incapacitante para a vida inde-pendente e o trabalho, mas sim aquele que o discurso médico reconhece

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como tal, e somente após uma perícia biomédica que um corpo com lesões ascende à categoria de corpo deficiente para as políticas sociais do Estado.

O Brasil possui uma das legislações sociais mais avançadas na Amé-rica Latina, mas o reconhecimento dos direitos não é suficiente para garan-tir sua efetivação. Na sua maior parte, as pessoas portadoras de deficiência desconhecem seus direitos, assim como suas associações e movimentos representativos, não sabem como usar as leis para cobrar e participar das políticas públicas.

Neste contexto, pode-se dizer que a expansão histórica dos direitos depende primordialmente de princípios éticos, e ao remeter a este conceito uso as palavras de Segato (2006, p. 223) que a define como resultante da aspiração ou do desejo de mais bem, de melhor vida, de maior verdade. Diz Drucilla Cornell (apud Segato, 2006, p. 225) “[...] ética não é um sistema de regras de comportamento nem um sistema de padrões positivos a partir dos quais é possível justificar a desaprovação dos outros; é uma atitude com relação ao que é alheio”.

A ética é o que nos permite estranhar nosso próprio mundo e revisar a moral que nos orienta e a lei que nos limita, assim, pode-se dizer que constitui o princípio motor da história dos direitos humanos (SEGATO, 2006, p. 227).

No entanto, apesar de tantos avanços na saúde, a dignidade da pes-soa humana muitas vezes é deixada em segundo plano; e a doença passa a ser um objeto de estudo, desarticulado da pessoa que a abriga e, assim, os profissionais da saúde gradativamente favorecem a desumanização. Desse modo, Backes, Lunardi e Lunardi Filho (2006, p. 133) relatam que a ética, por enfatizar valores, deveres e direitos, o modo como os sujeitos se condu-zem nas relações, constitui-se numa dimensão fundamental à humaniza-ção, necessitando estar na base de todo processo de intervenção no campo interdisciplinar da saúde.

Perceber o outro requer uma atitude humana. Reconhecer e pro-mover a humanização de forma ética demanda uma revisão de atitudes e comportamentos dos profissionais envolvidos direta ou indiretamente no cuidado da pessoa doente.

No entanto, para que este processo possa ocorrer com dignidade respeitando o outro e sua condição humana, necessita de ser também mantida e reconhecida a condição humana e de trabalho do profissional de saúde, como confirmado e defendido por Backes; Lunardi; Lunardi Filho (2006, p. 134), sendo que, a humanização requer o fomento de relações profissionais saudáveis, de respeito pelo diferente, de

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investimen-to na formação humana dos sujeiinvestimen-tos e reconhecimeninvestimen-to dos limites pro-fissionais, consequentemente, o profissional compreenderá sua condição humana e sua condição de cuidador de outros seres humanos, respeitando sua condição de sujeito, sua individualidade, privacidade, história, senti-mentos, direito de decidir quanto ao que deseja para si, para sua saúde e seu corpo.

O verdadeiro cuidado humano, para Backes, Lunardi e Lunardi Filho (2006, p. 134), prima pela ética, enquanto elemento impulsionador de ações e intervenções pessoais e profissionais, constituindo a base do pro-cesso de humanização. Neste contexto, é imprescindível reconhecer que o exercício da autonomia não é um valor absoluto, mas um valor que digni-fica tanto a pessoa que cuida quanto a que está sob cuidado profissional.

Para tanto, este artigo é uma chamada para a defesa dos direitos humanos, como condição essencial e majoritária para as múltiplas expres-sões de pessoas doentes e de profissionais que lidam com a pessoa doente, buscando o empoderamento, a preparação para o protagonismo e a cons-trução de um sujeito-cidadão.

Espera-se que a partir destas reflexões possamos desenvolver a com-preensão de um importante fator de desigualdade e representa um desafio para as políticas sociais, pois diante de um contexto de saúde e doença, Jesus anuncia a ação em favor da saúde do povo. Na época, o texto de Eclesiástico 38, 1-15 anunciava a participação dos doentes na cura, apre-sentando uma maneira de viver a religião ligada à vida, colocando o doente em nível de igualdade, apesar das deformações trazerem sentimentos de distanciamento, repulsa, aversão e exclusão. Porém, Jesus chama para junto de si e anuncia um maravilhoso e memorável ato de amor e compaixão para com pessoas necessitadas. Esse amor é capaz de reerguer vidas e criar novas condições de inclusão e dignidade.

HEALTH AND DISEASE IN THE PERSPECTIVE OF ECLESIASTICUS 38, 1-15

Abstract: the paper presents an investigation of the biblical passage from one of the important themes about health, illness and death, leaving the context of Eclesiasticus 38, 1-15. Medicine and the doctor are parts of God’s creation, which delegates the continuation of his creative activity to nature and man.

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TERRIN, Aldo Natale. Saúde e Salvação – reflexão fenomenológica sobre a fun-ção terapêutica das religiões. In: TERRIN, Aldo Natale. O Sagrado Off Limits: a experiência religiosas e suas expressões. Tradução Euclides Balancin. São Paulo: Loyola, 1998.

* Recebido em: 01.11.2010. Aprovado em: 21.11.2010.

** Doutoranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Mestre em Ci-ências da Saúde pela UnB-DF. Professora na Universidade de Rio Verde-FESURV. Fisioterapeuta.

*** Doutorando em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Mestre em Ciências da Religião na PUC Goiás. Professor de Fisiologia na UEG-GO no Departamento de Educação Física e Fisioterapia e na PUC Goiás no Departamento de Medicina. Médico Infectologista.

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**** Doutoranda em Ciências da Religião pela PUC-GO. Mestre em Psi-cologia Social PUC Goiás. Diretora geral na Faculdade Estácio de Sá-GO. Psicóloga.

Referências

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