ATO ADMINISTRATIVO E REGIME JURÍDICO DA
INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito Administrativo), sob orientação do Professor Doutor Carlos Ari Sundfeld.
Banca Examinadora
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A meus pais,
Leonídio e Wilma, que desde sempre me
incentivaram os estudos, e a meu neto,
Guilherme, luz da minha vida, com muito
Agradeço em primeiro lugar a Jesus, que me deu a chance de viver para realizar
este trabalho.
Muito obrigada, Professor Carlos Ari Sundfeld, por ter aceitado ser orientador
deste trabalho; obrigada, Professor Eurico de Santi, pela sugestão do tema e pelo apoio;
obrigada, Professor Paulo de Barros Carvalho, pela acolhida no grupo de estudos; obrigada
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, pela oportunidade e pelas preciosas lições
jurídicas; e obrigada, Professor Valmor Slomski, pelas dicas sobre os conceitos contábeis. À
Dra. Renata Pereira, meus agradecimentos pela sua dedicação profissional e paciência, que
me mantiveram, literalmente, em pé durante toda a fase de elaboração deste trabalho.
Agradeço também às bibliotecárias da Procuradoria do Município de São Paulo, pela atenção
...quanto mais
ultrapassamos o reino da consciência, mais
encontramos transformações...
Dirigido a implementar a convivência social, o direito, enquanto normas
jurídico-positivas, propicia a constituição de relações jurídicas voltadas a obter
comportamentos consistentes em entregar prestações patrimoniais, canalizadas à obtenção dos
recursos financeiros que possibilitem o funcionamento e a manutenção do Estado e à
preservação da ordem social. Essas relações jurídicas instituem-se com vínculos abstratos que
criam direitos e deveres, provenientes dos efeitos de atos jurídicos praticados pela
Administração, por particulares ou ambos, com natureza de sancão, negocial, arrecadadora,
prestadora de serviços e qualquer outra, juridicamente adequada e necessária à sobrevivência
e à manutenção da sociedade. Este trabalho identifica e estuda o regime jurídico que o direito
positivo brasileiro dedica atualmente à instrumentalização jurídica da Fazenda Pública, de
modo a possibilitar a obtenção coativa de prestações patrimoniais insatisfeitas, e ao ato
administrativo de inscrição em dívida ativa, do qual emanam relações jurídicas que
implementam direitos e deveres correspondentes. Para tanto, optou-se por trabalhar com
enfoque jurídico abrangente, na medida em que muitas informações foram selecionadas a
partir de uma visão interdisciplinar com o direito financeiro e com a contabilidade pública, o
que foi muito útil para aumentar o espectro e a irradiação das reflexões e das idéias,
enriquecendo as imbricações do tema no tópico conclusões. As premissas partem de análises
sobre os termos “lançamento” e “crédito”, as significações jurídicas da locução “dívida ativa”
e os conceitos jurídico-contábeis previstos na legislação correlata. O desenvolvimento se dá a
partir da teoria geral dos atos administrativos e da teoria das fontes do direito. Os resultados
acham-se nos múltiplos efeitos jurídicos identificados como conseqüências do ato
administrativo de inscrição em dívida ativa.
Art. – artigo Arts – artigos
CADIN – Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais CC – Código Civil
CDA – Certidão de Dívida Ativa CF/88 – Constituição Federal de 1988 CPC – Código de Processo Civil CTN – Código Tributário Nacional
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço INSS – Instituto Nacional do Seguro Social Inc. – inciso
Incs. – incisos
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LEF – Lei de Execução Fiscal
LOA – Lei de Orçamento Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional PPA – Plano Plurianual
INTRODUÇÃO... 14
1 DÍVIDA ATIVA... 24
1.1 Constituição e inscrição do crédito fiscal como formalização de relações jurídicas fiscais ... 24
1.1.1 Constituição do crédito fiscal ... 25
1.1.1.1 Crédito e obrigação/lançamento fiscal e lançamento contábil ... 27
1.1.1.2 Créditos passíveis de lançamento... 32
1.1.1.3 Lançamento da receita... 35
1.1.1.4 Lançamento do crédito tributário pela autoridade fiscal – ato administrativo de lançamento ... 36
1.1.1.5 Lançamento do crédito tributário pelo contribuinte – ato instrumental de lançamento ... 38
1.1.2 A inscrição do crédito ou da prestação? ... 40
1.1.2.1 O significado do termo “inscrever” na Lei nº 4.320/64 e na Lei nº 6.830/80 ... 41
1.1.2.2 A inscrição do crédito fiscal e a apuração da liquidez e da certeza ... 47
1.1.3 Dívida ativa tributária – revestimento lingüístico - constituição ou formalização do crédito tributário e inscrição do crédito em dívida ativa ... 49
1.1.3.1 Reconhecimento pela autoridade administrativa... 50
1.1.3.2 Reconhecimento pelo contribuinte... 58
1.1.3.3 Preferência dos créditos tributários entre si ... 64
1.1.3.4 Preferência dos créditos tributários em relação a outros... 66
1.1.4 Dívida ativa não-tributária - revestimento lingüístico - constituição ou formalização do crédito e inscrição do crédito em dívida ativa ... 68
1.1.4.1 A constituição do crédito proveniente de obrigação legal e sua inscrição em dívida ativa ... 69
1.1.4.2 A constituição do crédito proveniente de obrigação contratual e sua inscrição em dívida ativa ... 71
1.1.4.3 Preferência do crédito não-tributário... 72
1.1.5 Observância da formalidade legal para constituir o crédito (fato do exercício da competência) e crédito formalizado (norma jurídica individual e concreta do crédito fiscal) ... 72
1.2 A dívida ativa e os conceitos jurídico-contábeis previstos na Lei nº 4.320/64 combinada com os
demais aspectos jurídicos do CTN e da LEF... 80
1.2.1 Noções de contabilidade e contabilidade pública – enfoque legal ... 81
1.2.2 Ativos e passivos/orçamento e plano de contas... 85
1.2.3 Vários aspectos jurídicos... 89
1.2.3.1 A Constituição Federal e a LRF... 89
1.2.3.2 Orçamento e balanço na Lei nº 4.320/64 ... 98
1.2.3.3 Receita e despesa/crédito e débito – ativos e passivos na Lei nº 4.320/64...100
1.2.3.4 Tributo na Lei nº 4.320/64 e tributo no CTN ...106
1.2.3.5 Classificação das receitas e despesas ...109
1.2.3.6 A escrituração dos créditos da Fazenda Pública ...112
1.2.3.7 Créditos da Fazenda Pública e sua inscrição em dívida ativa ...113
1.2.3.8 Dívida ativa tributária e não-tributária ...114
1.2.3.9 Dívida ativa tributária na Lei nº 5.172/66 ...117
1.2.3.10 Dívida ativa na Lei nº 6.830/80...118
2 O ATO ADMINISTRATIVO DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA...122
2.1 A Inscrição como ato administrativo de controle do processo de produção jurídica do ato-fato ...122
2.1.1 A recuperação do ato-fato (ato de aplicação) no ato-norma...122
2.1.2 O controle do exercício da competência ...124
2.1.3 O controle do produto do exercício da competência ...125
2.2 Ato-fato administrativo de inscrição em dívida ativa – ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da competência para determinar a inscrição do crédito fiscal em dívida ativa ...125
2.2.1 Sujeito do ato de inscrição...126
2.2.1.1 Capacidade ...127
2.2.1.2 Atribuições ao órgão público ...128
2.2.1.3 Delegação de competências ...128
2.2.2 Motivo do ato ...129
2.2.2.1 Pressupostos de fato previstos em lei...129
2.2.2.2 O vencimento ...130
2.2.2.3 A liquidez e a certeza ...131
2.2.3 Obrigatoriedade da inscrição...132
2.2.6.2 Verificação da documentação que instrui a constituição do crédito ...141
2.2.6.3 Verificação de elementos necessários à lavratura do termo...141
2.2.6.4 Verificação se o processo administrativo quanto aos elementos do ato-fato administrativo de lançamento fiscal exigidos pela legislação respectiva...142
2.2.6.5 Verificação da decadência ou prescrição ...143
2.2.6.6 Requisito procedimental - notificação do devedor sobre o encaminhamento para inscrição e ajuizamento, com advertência sobre os acréscimos legais do decreto-Lei no 1.025/69 ...144
2.2.7 Publicidade ...145
2.2.7.1 Comunicação da concretização da inscrição ao devedor ...146
2.2.7.2 Publicidade e cobrança administrativa...146
2.2.8 Formalização - despacho de inscrição...147
2.2.9 Pertinência à função administrativa...149
2.2.9.1 Função administrativa ...150
2.2.10 Causa ...151
2.2.10.1 Causa do ato de constituição do crédito e causa do ato de inscrição ...153
2.2.10.2 Inscrição em dívida ativa diante do fato jurídico da prescrição ...155
2.2.10.3 Inscrição de créditos com exigibilidade suspensa...156
2.2.10.4 Inscrição em dívida ativa diante do fato jurídico da decadência...157
2.2.10.5 Inscrição em dívida ativa diante da inconsistência de créditos fiscais...158
2.3. Ato-norma administrativo de inscrição em dívida ativa – norma individual e concreta produzida pelo ato-fato (elementos e pressupostos de existência) ...160
2.3.1 Fato-evento...161
2.3.1.1 Veículo introdutor (despacho)...161
2.3.1.2 Lugar sintático do antecedente...162
2.3.1.3 Referenciais de espaço e tempo ...163
2.3.1.4 Regra de direito habilitante ...163
2.3.1.5 Fato jurídico ...164
2.3.1.6 Enunciação da causa ...164
2.3.2 Fato-conduta...165
2.3.2.1 Norma introduzida – lugar sintático do conseqüente ...165
2.3.2.2 Nome do devedor, dos co-responsáveis e domicílio ...166
2.3.2.6 A data e o número da inscrição no registro de dívida ativa ...169
2.3.2.7 O número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida ...170
2.3.3 Dívida ativa no CTN ...171
2.3.4 Forma ...173
2.3.4.1 Termo escrito ...173
2.3.4.2 Assinatura no Termo escrito ...174
2.3.5 Finalidade ...175
2.3.5.1 Resultado correspondente à tipologia do ato...175
2.3.5.2 Ingresso de receitas ...176
2.3.5.3 Cadastro de créditos ou devedores ...177
2.3.5.4 Registro contábil ...177
2.3.6 Objeto ...178
3 ATRIBUTOS DO ATO-NORMA ADMINISTRATIVO DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA...180
3.1 O que é atributo? ...180
3.2 Presunção de legitimidade...182
3.2.1 Presunção de legitimidade da inscrição...185
3.2.2 Presunção de legitimidade do crédito fiscal ...185
3.3 Imperatividade ...187
3.3.1 Constituição unilateral de obrigações a terceiros ...188
3.3.2 Inscrição em dívida e imposição a terceiros das prerrogativas do crédito fiscal...189
3.4 Exigibilidade ...189
3.4.1 Exigibilidade e óbices ao ajuizamento ...191
3.4.2 Exigibilidade e execução fiscal ...192
3.4.3 Exigibilidade e cobrança administrativa ...194
3.5 Executoriedade...194
3.5.1 Executoriedade e execução administrativa...195
4.1.1 Constituição de título executivo extrajudicial ...198
4.1.1.1 Formação unilateral do título: requisitos e CDA ...199
4.1.2 Prova pré-constituída...200
4.1.2.1 Emissão de CDA ...201
4.1.2.2 Documento probatório ...202
4.1.2.3 Pertinência ao crédito e ao devedor...203
4.1.3 Inscrição e protesto...203
4.1.4 Mora ...204
4.1.5 Publicidade (dever de notificar o devedor) ...207
4.1.6 Suspensão da prescrição por 180 dias ...209
4.1.6.1 Fundamento na Lei nº 6.830/80 ...209
4.1.6.2 Ajuizamento da execução fiscal e extinção da prescrição ...210
4.1.7 Incidência dos encargos de cobrança da dívida...212
4.2 Atípicos ...212
4.2.1 Certidão negativa de débitos para com a Fazenda Pública...213
4.2.2 CADIN (Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais) .214 4.2.3 Fraude à execução ...216
4.3 Outros efeitos ...217
4.3.1 Balanço Patrimonial ...218
4.3.2 Balanço Orçamentário...220
4.3.3 Balanço Financeiro...221
4.3.4 Demonstração das variações patrimoniais...223
5. CONCLUSÕES...227
Dirigido a implementar a convivência social, o direito, enquanto normas
jurídico-positivas, propicia a constituição de relações jurídicas voltadas a obter
comportamentos consistentes em entregar prestações patrimoniais, canalizadas à obtenção dos
recursos financeiros que possibilitem o funcionamento e a manutenção do Estado e à
preservação da ordem social. Essas relações jurídicas instituem-se com vínculos abstratos que
criam direitos e deveres, provenientes dos efeitos de atos jurídicos praticados pela
Administração, por particulares ou ambos, com natureza de sanção, negocial, arrecadadora,
prestadora de serviços e qualquer outra, juridicamente adequada e necessária à sobrevivência
e à manutenção da sociedade. Este trabalho identifica e estuda o regime jurídico que o direito
positivo brasileiro dedica atualmente à instrumentalização jurídica da Fazenda Pública, de
modo a possibilitar a obtenção coativa de prestações patrimoniais insatisfeitas, e ao ato
administrativo de inscrição em dívida ativa, do qual emanam relações jurídicas que
implementam direitos e deveres correspondentes. Para tanto, optou-se por trabalhar com
enfoque jurídico abrangente, na medida em que muitas informações foram selecionadas a
partir de uma visão interdisciplinar com o direito financeiro e com a contabilidade pública, o
que foi muito útil para aumentar o espectro e a irradiação das reflexões e das idéias,
enriquecendo as imbricações do tema no tópico conclusões. As premissas partem de análises
sobre os termos “lançamento” e “crédito”, as significações jurídicas da locução “dívida ativa”
e os conceitos jurídico-contábeis previstos na legislação correlata. O desenvolvimento se dá a
partir da teoria geral dos atos administrativos e da teoria das fontes do direito. Os resultados
acham-se nos múltiplos efeitos jurídicos identificados como conseqüências do ato
administrativo de inscrição em dívida ativa.
INTRODUÇÃO
No direito positivo brasileiro, qualquer pessoa natural ou jurídica
poderá estar apta a ter direitos e deveres criados, modificados ou extintos pelo
fenômeno jurídico do ato de inscrição em dívida ativa, desde que se tenha
envolvido, ou potencialmente possa se envolver, em uma das inúmeras
situações descritas em lei, as quais propiciam a instauração do vínculo
jurídico instituidor de relação jurídica de cunho patrimonial, cujo sujeito ativo
processual é uma entidade política e/ou econômico-administrativa do setor
público, contemplada em lei com a prerrogativa da execução fiscal.
Essas pessoas podem ter seus direitos e deveres afetados pela
norma da inscrição em dívida ativa por via indireta, basta que, eficientemente,
estejam em situação jurídica que a lei determinou como suficiente para serem
alcançadas pelos efeitos do ato administrativo de inscrição em dívida ativa, os
quais constituem direitos e obrigações reflexos, contribuindo, assim, para o
aumento das imbricações de ordem jurídica que permeiam o ato de inscrição.
Além do amplo alcance de seus efeitos, o ato de inscrição em
dívida ativa encontra-se sobremaneira em evidência pelos inúmeros
problemas que a Administração vem enfrentando para fazer valer o título
O Poder Judiciário, pólo angular da relação jurídica processual
em que a Fazenda Pública tem o direito de exigir coativamente, pela
expropriação de bens do sujeito passivo, o cumprimento da prestação
patrimonial insatisfeita, não suporta a demanda de execuções fiscais que são
ajuizadas todos os dias; os devedores, por sua vez, enfrentam situações cada
vez mais inusitadas para defender os seus direitos em face do emperramento
da máquina administrativa e em razão dos elevados custos do direito ao
contraditório e à ampla defesa judicial. Soma-se a isso a ineficiência dos
meios judiciais para efetivação dos direitos da Fazenda Pública em juízo,
sopesada a relação custo/benefício econômico da execução fiscal.
A sensibilização que o panorama causa não trouxe para o
presente trabalho o objetivo de oferecer solução definitiva para esses
problemas, mas a esperança de, respondendo às indagações propostas,
contribuir com a indicação de caminhos para o esquadrinhamento dos
problemas atuais e urgentes, auxiliando na busca de soluções que possam
corrigir essas situações indesejadas pelo direito e de modo que cada vez mais
sejam preservadas a legalidade dos atos da administração, instituidores de
relações jurídicas patrimoniais aos cidadãos, e a segurança e a certeza
jurídicas em relação aos direitos e deveres dos administrados.
Centrado no estudo do ato administrativo de inscrição em dívida
direito, esta potencializada pela teoria de PAULO DE BARROS
CARVALHO, que ao desenvolver o tema desloca estudo das fontes para o ato
de enunciação criador de documentos jurídicos, este trabalho tem por objetivo
identificar um regime jurídico próprio da dívida ativa e do ato administrativo
de inscrição e seus efeitos, para estudar as relações jurídicas daí emanadas,
com base nos enunciados dos principais textos jurídico-positivos brasileiros
que regulam atualmente o instituto da dívida ativa, a saber: Constituição
Federal de 1988 (CF/88), Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal - LRF), Lei nº 4.320/64 (normas gerais sobre
orçamento, contabilidade e direito financeiro), Lei nº 6.830/80 (Lei de
Execuções Fiscais LEF), Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional
-CTN), Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil - CPC) e lei nº 10.406/2002
(Código Civil - CC).
As premissas e pressupostos relevantes ao tema “dívida ativa”
concentram-se no aspecto jurídico-financeiro e jurídico-contábil, pois aí se
delineiam significações jurídicas para termos e expressões que são utilizados
tanto no direito quanto na contabilidade e que gravitam em torno da locução
“dívida ativa”: ativos e passivos, crédito, débito, receita, lançamento, dívida
ativa tributária e não-tributária, lançamento, inscrição e a própria expressão
Muitos desses termos migraram da contabilidade para o direito
financeiro sem modificação na sua grafia, mas carregam um conteúdo
semântico totalmente diferente. Para compreender melhor esse fenômeno,
julgou-se útil trabalhar um pouco com algumas noções ligadas à contabilidade
pública e o tratamento que ela dispensa à dívida ativa.
Essa etapa culmina com a fixação de significações jurídicas para
as seguintes expressões: “lançamento fiscal” e “crédito fiscal”, com ênfase no
lançamento tributário e no crédito tributário como espécies de lançamento
fiscal e de crédito fiscal, contrapondo-se a espécie ao lançamento não-
tributário. Com isso, pretende-se demonstrar que o ato de inscrição em dívida
ativa, como atividade/processo, não é complementar ao lançamento fiscal,
mas autônomo e independente. Longe de ser mera formalidade em relação ao
crédito fiscal, o ato administrativo de inscrição em dívida ativa significa uma
mudança importantíssima para a situação jurídica do crédito fiscal, o qual
passa a tomar parte de novas relações jurídicas.
O segundo capítulo inicia-se com uma exposição sobre os dois
tipos de controle jurídico que são pressupostos da edição do ato
administrativo de inscrição em dívida ativa: i) controle do procedimento de
produção jurídica do ato-fato administrativo de lançamento fiscal; ii) controle
do conteúdo do ato-norma administrativo ou instrumental de lançamento
Segue-se uma análise da anatomia do ato administrativo de
inscrição em dívida ativa, à luz dos estudos de EURICO DE SANTI sobre a
ambigüidade processo/produto do ato administrativo, a qual, conforme
esclarece o autor, compatibiliza a teoria dos atos administrativos de CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, fundada na distinção entre elementos
(componentes do ato, partes de um todo) e pressupostos do ato (realidades
que lhe são extrínsecas) com a proposta talhada pelos estudos teóricos de
PAULO DE BARROS CARVALHO, que considera elementos as
proposições jurídicas que compõem o fato, diferenciando-as das entidades da
ordem dos acontecimentos.
EURICO DE SANTI trabalha com os elementos do ato-fato
(processo - exercício da competência) e do ato-norma (produto - norma
jurídica individual e concreta) e acrescenta ao plano do ato-norma os
requisitos da forma, da finalidade e do objeto, mas não lida com estes últimos.
Este estudo optou por desenvolvê-los e também acrescentar o requisito da
causa no plano do ato-fato.
A causa, relação entre o motivo e o objeto do ato em vista da
finalidade legal, particularmente do ato jurídico-administrativo de inscrição
em dívida ativa, pode sofrer constantes modificações devido à edição de
normas individuais que influem na apreciação do motivo do ato de inscrição
que interferem diretamente no crédito fiscal, objeto do ato de inscrição (por
exemplo: norma individual e concreta da decadência ou da prescrição). São
todos vícios de causa que o sujeito do ato de inscrição deve ter em conta para
decidir se é caso de exercitar ou não a competência, ou seja, inscrever ou não
o crédito fiscal.
Transporta-se, então, a distinção feita por EURICO DE SANTI
entre ato-fato e ato-norma como espécies do gênero ato administrativo para
outras espécies de atos formalizadores de relações jurídico-fiscais: ato
administrativo de inscrição em dívida ativa, ato instrumental de lançamento
fiscal, ato administrativo de lançamento fiscal, visando uma sistematização
uniformizadora da estrutura dos atos produtores dessas relações jurídicas, bem
como do alcance de seus efeitos.
Ao discorrer sobre o controle do procedimento de produção do
ato de inscrição, fixaram-se noções sobre vencimento e prazo para pagamento
numa tentativa de sistematizar o tratamento que a legislação pesquisada
imprime à figura jurídica da exigibilidade, tendo em vista três aspectos: i)
imposição da prática do ato jurídico administrativo de inscrição; ii)
identificação de hipóteses que dispensam a edição do ato de inscrição; e iii)
fixação de situações que impeçam a ponência desse ato.
A sistematização é importante para estabelecer um procedimento
princípios da legalidade e da publicidade, colhidos na Carta Constitucional
como garantia dos direitos dos administrados à ampla defesa e ao
contraditório e, também, como instrumento de realização de seus direitos.
Privilegia-se o critério dos efeitos que o ato de inscrição em
dívida ativa desencadeia no plano das normas individuais e concretas como o
aspecto preponderante deste estudo, pois eles interessam especialmente às
relações jurídicas nascidas sob a sua égide, principalmente àquela expressa
pelo título executivo extrajudicial da Fazenda Pública.
Aparta-se a causa do ato de lançamento fiscal da causa do ato de
inscrição em dívida ativa, as quais não se confundem, sendo a primeira
relacionada com a constituição jurídica de um dever ao sujeito passivo, cuja
conduta é o recolhimento de determinada quantia em dinheiro aos cofres
públicos, e a segunda afeita ao exercício do direito de exigir coativamente
uma prestação patrimonial na instância judicial por meio de ação executiva
específica.
Os atributos do ato administrativo de inscrição em dívida ativa
foram abordados sob o aspecto dos efeitos. Identificam-se, assim, três
atributos próprios ao ato de inscrição: i) presunção de legitimidade; ii)
Colhe-se, no direito positivo atual, previsão legal expressa para
convalidação e invalidação do ato de inscrição por iniciativa de qualquer dos
sujeitos da relação jurídica então instaurada. Tal oportunidade que o direito
positivo abre à correção do ato de inscrição ou à sua invalidação denota a
preocupação do legislador quanto ao princípio da legalidade nessa área de
atuação estatal, a ponto de oferecer a disciplina jurídica de suas invalidades,
ainda que de maneira geral.
Diferencia-se imperatividade do ato de inscrição das
prerrogativas do crédito fiscal. Identifica-se a exeqüibilidade (uma espécie de
exigibilidade restrita ao crédito fiscal inscrito em dívida ativa e com cobrança
judicial em curso) em contraposição ao sentido lato de exigibilidade, relativo
aos fatos do vencimento e do transcurso do prazo para pagamento e, a final,
ressalta-se a diferença entre auto-executoriedade e heteroexecutoriedade.
O quarto capítulo dedica-se ao estudo dos efeitos do ato
administrativo de inscrição em dívida ativa e das relações jurídicas que se
formam a partir daí.
Efeitos típicos do ato de inscrição são aqueles que correspondem
à tipologia específica do ato, apontados em lei como parte de seu conteúdo.
No caso do ato de inscrição, temos: i) a constituição unilateral do título
executivo extrajudicial da Fazenda Pública; ii) a prova pré-constituída; e iii) a
Efeitos atípicos são aqueles que não advêm do conteúdo
específico do ato. Neste estudo identificaram-se os seguintes: i) suspensão da
prescrição; ii) certidão positiva de débitos; iii) inclusão em cadastro de
devedores; iv) termo inicial para a caracterização de possível fraude à
execução; e v) registro contábil.
Como principais finalidades do ato jurídico administrativo de
inscrição em dívida ativa foram mencionadas: i) oferecer controle de
arrecadação de receitas, registro e controle do patrimônio público; ii) fixar
responsabilidades na gestão fiscal de ativos públicos representados pelos
créditos fiscais; iii) promover o controle e a fiscalização da legalidade do
lançamento dos créditos fiscais; e iv) constituir vínculo abstrato da relação
jurídica angular entre o Estado-juiz, a Fazenda Pública como sujeito ativo
processual e o sujeito passivo, representado pelo título executivo extrajudicial
da Fazenda Pública, emprestando exeqüibilidade aos créditos fiscais não
pagos.
Todas essas finalidades são objetivamente voltadas ao alcance e à
realização dos fins impostos ao Estado pela ordem jurídica constitucional, por
isso o ato administrativo de inscrição em dívida ativa deve ser editado sob o
exercício de competência vinculada de agentes estatais para afastar qualquer
afronta à legalidade dos atos jurídico-administrativos formalizadores dos
feitura e em seu conteúdo, como prevenção de prejuízos aos cidadãos e
1 DÍVIDA ATIVA
1.1 Constituição e inscrição do crédito fiscal como formalização de relações jurídicas fiscais
Relações jurídicas são entidades abstratas, vínculos jurídicos
entre sujeitos de direito, decorrentes de atos de aplicação de preceitos legais
que os impõem diante da ocorrência fáctica de fenômenos jurídicos previstos
em lei genérica e abstratamente1.
A relação jurídica somente adquire existência para o direito
diante da sua descrição em linguagem competente para, assim, constituir-se
intersubjetivamente. Essa linguagem competente está apta a funcionar como
meio de comprovar que ocorreu um acontecimento jurídico (acontecimento da
natureza ou social que interessa ao direito) qualquer no mundo dos fatos. O
evento devidamente posto em linguagem passa ao mundo dos fatos jurídicos e
estará apto a motivar o ato de aplicação do direito, que fará documentar o
vínculo abstrato da relação jurídica, mais uma vez, por meio da linguagem
credenciada pelo direito.
1Definição baseada no pensamento de CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed.
A seguir, procura-se identificar e sistematizar um procedimento
de lançamento fiscal, que culmina com a relação jurídica do crédito fiscal, e
um procedimento de inscrição em dívida ativa, que culmina com a relação
jurídica do título executivo extrajudicial da Fazenda Pública.
1.1.1 Constituição do crédito fiscal
Crédito é elemento integrante da estrutura lógica das
relações jurídicas de cunho patrimonial e, segundo PAULO DE BARROS
CARVALHO2, ostenta uma relação da parte com o todo.
Crédito constituído é relação jurídica de cunho
patrimonial, o produto, quantificado (líquido) e qualificado (certo), de atos de
aplicação de um feixe de normas jurídicas dirigidas à instituição da relação
jurídica mencionada, mediante procedimento que reveste em linguagem
competente o ato de aplicação do direito que reconhece ao sujeito ativo o
direito, de exigir do sujeito passivo uma prestação de cunho patrimonial,
consistente em entregar-lhe dinheiro, ou algo economicamente apreciável3.
2CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 364.
Crédito fiscal é o crédito constituído ou, nos termos do
artigo 53 da Lei nº 4.320/64, a receita lançada4, cujo sujeito ativo é uma das
entidades relacionadas no art. 1º da mesma lei, ou no § 1º do art. 2º da Lei nº
6.830/80.
Norma jurídica5 é a significação, o juízo
hipotético-condicional, que se constrói pela combinação de proposições jurídicas obtidas
com base na leitura dos enunciados prescritivos veiculados nos textos do
direito positivo. É entidade ideal, construída pelo pensamento que a leitura do
texto jurídico provoca em nosso espírito, portanto estará sempre implícita nos
textos positivados.
Proposições jurídicas6 são as significações colhidas do
exame dos enunciados prescritivos dos textos jurídico-positivos.
Enunciado prescritivo7 é o conjunto de fonemas e
grafemas dispostos segundo as regras gramaticais de um idioma, a base
empírica da comunicação jurídica, veiculados por entes normativos, a lei em
sentido amplo.
4O assunto da receita lançada será repassado mais adiante. 5CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 8.
1.1.1.1 Crédito e obrigação/lançamento fiscal e lançamento contábil
Quando se fala em dívida ativa da Fazenda Pública, em
homenagem ao princípio da legalidade, é necessária uma incursão pelo
procedimento que instaura a relação jurídica do crédito fiscal, objeto do ato de
inscrição.
Observe-se que o § 1º do art. 39 da Lei nº 4.320/64 define
como dívida ativa os créditos exigíveis pelo transcurso do prazo para
pagamento, após apuradas sua liquidez e sua certeza, provenientes, completa
o § 2º, de obrigação legal ou contratual. Além disso, o § 3º do art. 2º da Lei nº
6.830/80 dispõe que a inscrição em dívida ativa é ato administrativo de
controle da legalidade.
A relação jurídica, como único meio de que o Direito
dispõe para alcançar seu objetivo de regrar a vida social disciplinando os
comportamentos humanos, segundo PAULO DE BARROS CARVALHO8, é
definida pela Teoria Geral do Direito:
"(...) como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem
o direito subjetivo de exigir de outra, denominada de sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação".
O mesmo autor9, utilizando o vocábulo “obrigação” como
sinônimo de relação jurídica de índole economicamente apreciável, define-a:
"(...) como o vínculo abstrato, que surge pela imputação normativa consoante o qual uma pessoa, chamada de sujeito ativo, credor ou pretensor, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo ou devedor, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial".
Conforme se percebe, a definição de PAULO DE
BARROS CARVALHO refere-se a vínculo abstrato, que surge pela
imputação normativa, a qual indica a ligação da hipótese normativa à
conseqüência jurídica, elo fixado pelo legislativo.
O vínculo implicacional do conseqüente é a relação
jurídica entre dois ou mais sujeitos, regida por leis lógicas. Essa relação,
prossegue o autor, é um fato como outro qualquer, que se instala mediante a
formação de um enunciado lingüístico protocolar e denotativo, ressaltando
que a circunstância do cumprimento ou descumprimento da prestação
estipulada é, em princípio, estranha ao fato da relação jurídica.10
Dado que a obrigação é uma relação11 simétrica, isto é, a
relação R ocorre entre Sa e Sp (R’) e entre Sp e Sa (R”), teremos, partindo do
sujeito ativo da obrigação e atingindo o sujeito passivo, a parte ativa da
relação (direito de exigir), que não existe sem a sua simétrica parte passiva
(dever de entregar), partindo do sujeito passivo em direção ao sujeito ativo.
As obrigações jurídicas têm como objeto uma prestação,
consubstanciada em uma conduta de entregar dinheiro ou algum bem
economicamente apreciável.
A Lei nº 6.830/80 (art. 2º) reporta-se ao conceito de dívida
ativa inserto no § 1º do art. 39 da Lei nº 4.320/64 e acrescenta que qualquer
valor cobrado pelas entidades indicadas no seu art. 1º também será
considerado como se dívida ativa fosse. Em seguida, o § 3º do art. 2º, ao
dispor sobre a inscrição do crédito fiscal, impõe como requisito para a sua
efetivação as respectivas liquidez e certeza (valor certo e determinado,
conforme será adiante desenvolvido em item próprio). Completando as
exigências, o § 5º do mesmo artigo traça um rol no qual se incluem requisitos
10CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário... p. 282-283 e Id. Direito tributário:
fundamentos jurídicos... p. 130-133.
11Segundo ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. 3. ed. São Paulo:
referentes ao valor originário, termo inicial dos juros e sua forma de cálculo e
indicação de atualização monetária, bem como termo inicial para seu cálculo
e demais encargos previstos na lei ou contrato respectivos, entre outros.
Esses requisitos são indispensáveis para a inscrição, o que
autoriza a conclusão de que, se o crédito fiscal não tiver essa conotação
exigida pela lei, não poderá ser inscrito em dívida, nem ser cobrado, ou
melhor, exigido pela via da execução fiscal. O próprio conceito de dívida
ativa, veiculado pela Lei nº 4.320/64, traz embutida a idéia de
patrimonialidade, quando fala de prazo de pagamento, pois as relações
jurídicas de cunho patrimonial é que se satisfazem por esse tipo de conduta,
isto é, pelo pagamento, que se dá, normalmente, com a entrega de pecúnia, ou
de algum bem que em pecúnia possa ser expresso.
O crédito da Fazenda Pública será inscrito em dívida ativa,
segundo a Lei nº 4.320/64, desde que exigível após o transcurso do prazo para
seu pagamento.
Todo ato jurídico dispõe algo sobre alguma coisa, um
objeto. No caso do ato de inscrição em dívida ativa, o objeto, diz o caput do
art. 39 da Lei nº 4.320/64 cc. seu § 1º, será o crédito da Fazenda Pública, de
natureza tributária ou não-tributária, cuja prestação (conduta de entregar
dinheiro aos cofres públicos ou algo economicamente apreciável) está omissa,
pressupõe a descrição desse objeto segundo critérios legais insertos na Lei nº
6.830/80 (art. 2º, § 5º).
Indispensável para o ato de descrever é a documentação,
veículo físico12 do revestimento lingüístico13 (fato-causa , fato jurídico ou
enunciado geral) da obrigação jurídica (fato-efeito, relação jurídica ou
enunciado protocolar) 14 – reconhecimento lingüístico da relação jurídica
patrimonial. A documentação deverá conter ou propiciar o conhecimento de
todos os elementos exigidos pela Lei nº 6.830/80 à inscrição do crédito fiscal.
O conteúdo dessa documentação propiciará outro revestimento lingüístico,
cuja forma (tipo de documento/canal físico), formalização (modo ou
procedimento da mensagem), agente (emissor) e destinatário (receptor) são
determinados por lei. Temos o ato-fato de inscrever, ponente de ato-norma: o
título executivo de dívida ativa da Fazenda Pública.
Ao revestimento lingüístico da relação jurídica, cujo
conteúdo carrega os elementos15 suficientes e necessários exigidos pela Lei nº
6.830/80 à inscrição em dívida ativa, designaremos lançamento fiscal
12Documento escrito, tinta no papel, dados no sistema, etc.
13Segundo o prof. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos... p. 129: “Fato
Jurídico, enunciado lingüístico protocolar e denotativo”.
14Id. Ibid., p. 30: a relação jurídica.
15SANTI, Eurico Marcos Diniz de.Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad,
(processo/ato humano); ao seu reconhecimento lingüístico, crédito fiscal
(produto/norma jurídica individual e concreta).
O lançamento contábil, por sua vez, significa o registro de
um fato jurídico administrativo, mensurável e expressivo monetariamente.
A contabilidade registra os créditos fiscais que passaram a
ter um título executivo por meio do ato de inscrição em dívida ativa, que é o
controle de legalidade do lançamento fiscal, uma vez que é por meio deste
que o crédito adquire situação jurídica específica.
1.1.1.2 Créditos passíveis de lançamento
Segundo o art. 52 da Lei nº 4.320/64, são objeto de
lançamento os impostos diretos e quaisquer outras rendas com vencimento
determinado em lei, regulamento ou contrato.
Esse dispositivo trata do lançamento fiscal, instrumento
jurídico que serve ao reconhecimento lingüístico do crédito fiscal, figura de
direito financeiro, pois diz respeito a quaisquer rendas com vencimento
determinado em lei, regulamento ou contrato. A referência feita aos impostos
Os impostos diretos, assim chamados pela Lei nº 4.320/64,
não coincidem com aqueles da conhecida e ultrapassada classificação dos
impostos em diretos e indiretos16, mas referem-se àqueles cujo revestimento
lingüístico do crédito respectivo é de iniciativa do sujeito ativo (lançamento
direto), em oposição aos quais o revestimento lingüístico é de iniciativa do
sujeito passivo (lançamento indireto)17.
Assim, quando a Lei nº 4.320/64 (art. 52) utiliza o
vocábulo “rendas”, refere-se às receitas que provêm de relação jurídica de
cunho patrimonial, com vencimento determinado em lei, regulamento ou
contrato e que prescinde de outro tipo de avaliação ou julgamento para
sujeitar-se ao lançamento fiscal na modalidade lançamento direto. Justamente
por se tratar de lei financeira, sua preocupação central é a previsão e
arrecadação das receitas e a fixação e realização das despesas. A Lei nº
4.320/64 trata o lançamento como um dos estágios pelos quais passa a receita
pública18.
16Essa classificação utiliza o critério consistente no fenômeno econômico da translação ou repercussão.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1992. p. 126.
17Aqui, o chamado lançamento indireto é verdadeiro reconhecimento lingüístico do crédito fiscal, pois, ao
declarar (reconhecimento lingüístico) o crédito fiscal, o sujeito passivo reconhece a relação simétrica que é o direito de exigir, isto é, o sujeito passivo está a constituir o crédito fiscal: “devo X ao sujeito ativo Y”. O sujeito ativo, por sua vez, não se opõe ao reconhecimento de seu crédito e o encaminha para cobrança (caso não identifique pagamento correspondente), ou promove a baixa daquele crédito por pagamento. Se houver motivo para a não-aceitação, o sujeito ativo promoverá, pelo procedimento legal próprio, averiguação e correção ou instituição de outra relação jurídica, conforme o caso.
18Segundo ANGÉLICO, João. Contabilidade pública. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 49, fazem parte do
Outra conclusão que pode ser extraída desse dispositivo é
com relação à existência de outros tipos de rendas ou receitas que não são
objeto de lançamento, porque não têm seu vencimento determinado em lei,
regulamento ou contrato, isto é, os agentes (emissores) designados por lei não
podem lançar nenhum crédito sem que os requisitos para tal estejam fixados
conforme lei, regulamento ou contrato. Do regulamento do Código de
Contabilidade da União (Decreto nº 15.783/22, artigos 81 e 82), vigente à
época, podemos extrair alguns exemplos desse tipo de receita: i) receita
extraordinária proveniente de rendas das indenizações de prejuízos causados
ou de quantias devidas à União; ii) receita extraordinária proveniente de
rendas dos remanescentes dos prêmios de loterias.
Conforme se vê, nem todas as receitas passam por todos os
estágios. Tal é o caso daquelas em que os elementos necessários podem ser
fixados por autoridade competente para dizer sobre a própria relação jurídica
do crédito fiscal; por exemplo, as provenientes de decisão judicial que fixam
indenização ou decisão administrativa que determina ao funcionário a
reposição de dinheiro ao erário, reconhecendo uma relação jurídica em que o
sujeito ativo está entre as pessoas mencionadas no art. 39 da Lei nº 4.320/64
ou nos arts. 1º e 2º da Lei nº 6.830/80. Nesses casos, a decisão judicial ou
administrativa é que dá o devido revestimento lingüístico ao crédito fiscal,
1.1.1.3 Lançamento da receita
Ao tratar do objeto do lançamento fiscal, o art. 52 da Lei nº
4.320/64 traz as expressões: “impostos diretos e quaisquer outras rendas”, ao
passo que o art. 53 fala em “lançamento da receita”, definindo esse
lançamento como instrumento jurídico (ato da repartição competente) que
verifica a procedência do crédito fiscal e a pessoa devedora (sujeito passivo).
Mas, ao determinar que o lançamento da receita compreende, além da
verificação mencionada, a inscrição do débito do devedor, refere-se também
ao lançamento contábil19.
Certos tipos de receitas são passíveis de lançamento
contábil no sistema de compensação da contabilidade do ente público20 à
conta respectiva, composta de subcontas com a especificação do devedor
(sujeito passivo) e do quantum debeatur, porque advêm de fatos permanentes,
periodicamente constatados21. A notificação ao sujeito passivo do lançamento
direto aperfeiçoa o reconhecimento lingüístico do crédito fiscal, pois é a
19Registro de um fato no plano de contas de uma entidade.
20Estágio prévio da fixação e do lançamento de uma receita (em oposição a receitas apenas previstas), que
deve ser registrado no sistema de compensação, o qual evidenciará o andamento da execução orçamentária. No caso, as receitas lançadas, que forem posteriormente recolhidas, passarão para o sistema financeiro; as não recolhidas, para sistema patrimonial como ativo permanente a crédito da conta denominada Dívida Ativa.
21Segundo DEODATO, Alberto. Manual de ciência das finanças. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 81, a
oportunidade dada para a aceitação ou recusa por parte do sujeito passivo, que
reconhecerá, ou não, o seu dever de entregar a prestação.
Assim, “lançamento da receita” é locução equivalente a
“lançamento fiscal”, gênero, no qual se inclui a espécie “lançamento direto”,
assim classificado pela doutrina em alusão aos impostos diretos22.
1.1.1.4 Lançamento do crédito tributário pela autoridade fiscal – ato administrativo de lançamento23
O CTN, Lei nº 5.172/66, posterior à Lei nº 4.320/64,
disciplina totalmente o lançamento fiscal relativamente aos tributos e às
relações jurídicas deles provenientes, nos arts. 142 a 150, fixando
procedimentos próprios ao reconhecimento lingüístico do crédito fiscal de
natureza jurídica tributária, e designa esses procedimentos como constituição
do crédito tributário. Estes têm o conteúdo direcionado a disciplinar o
lançamento tributário, fixando as suas modalidades.
Conclui-se, assim, que o lançamento tributário é uma
espécie do gênero lançamento fiscal24. Varia o modo como se dá esse tipo de
22DEODATO, Alberto. op. cit., p. 81.
23Na terminologia do Prof. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. São Paulo: Max
Limonad, 1996. p 160: ato posto por agente administrativo (ato-norma administrativo de lançamento tributário).
24Cabe observar que o critério utilizado para a classificação do lançamento tributário como espécie de
lançamento, por isso, ao disciplinar as suas modalidades, o CTN25 explicitou
as maneiras, os procedimentos, critérios para a sua conformação.
EURICO DE SANTI classifica os tipos de créditos
tributários de acordo com a maneira como ocorreu a formalização do crédito
tributário, utilizando-se do critério que leva em conta o sujeito agente do
reconhecimento lingüístico do crédito tributário. Para esse jurista, há dois
tipos de crédito tributário: i) crédito tributário lançado e ii) crédito tributário
instrumental26.
Segundo EURICO DE SANTI, o lançamento tributário foi
padronizado normativamente pelo art. 142 do CTN, que afirma ser este ato
privativo da autoridade administrativa27, única credenciada pelo sistema
jurídico para constituir (reconhecimento lingüístico a cargo do sujeito ativo) o
crédito tributário por meio do lançamento.
O termo “lançamento”, afirma o autor:
25Livro Segundo (Normas Gerais de Direito Tributário), Título III (Crédito Tributário), Capítulo II
(Constituição do Crédito Tributário), Seção II (Modalidades de Lançamento).
"...no sentido proposto pelo art. 142, dirige-se ao ato de aplicação jurídica consistente no conjunto de fatos jurídicos (atos-fato jurídicos e atos-norma administrativos) que, normativamente previstos para ocorrerem (ou não) em dada sucessão temporal, de forma vinculada, obrigam a autoridade competente a integrar com seu ato o suporte fáctico suficiente para entrada da norma individual e concreta do lançamento tributário no sistema do direito positivo".28
1.1.1.5 Lançamento do crédito tributário pelo contribuinte – ato instrumental de lançamento29
A formalização do crédito tributário pelo sujeito passivo,
na sistemática adotada pelo CTN, corresponde ao reconhecimento lingüístico
do crédito fiscal pelo sujeito passivo, o qual deverá apresentar a mesma
estrutura sintática do ato administrativo de lançamento, isto é, terá de
satisfazer as condições mínimas30 que o art. 142 do CTN prevê para o ato
editado pelo agente público. EURICO DE SANTI, com muita propriedade,
observa que:
28SANTI, Eurico Marcos Diniz de.Lançamento tributário... p. 130.
29Na terminologia do Professor SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário... p. 160: “ato criado
por ato-fato do particular (ato-norma de formalização instrumental)”.
30Verificação do fato gerador, determinação da matéria tributável, cálculo do valor devido e identificação do
"...o ato-norma de formalização produzido pelo sujeito passivo, que declara em linguagem normativa aquela relação jurídica tributária efectual, é posto em função de deveres instrumentais regulados pelas regras-matrizes dos deveres instrumentais, as quais prevêem o modo de produção desta norma individual e concreta"31.
Em outras palavras, a formalização do crédito tributário
pelo sujeito passivo32, como ato instrumental (produto), deve ter um conteúdo
mínimo fixado em lei - art. 142 do CTN, mas tem o seu procedimento
regulado pelo art. 150 do CTN e sua realização depende da incidência das
regras que configuram os deveres instrumentais.
Assim, o ato do sujeito passivo somente poderia ser
chamado de lançamento33 caso houvesse a homologação expressa do fisco,
pois ficaria atendido o requisito do agente público, o qual contribuiu com sua
manifestação para o aperfeiçoamento do crédito tributário.
Destarte, se não houver homologação expressa, o § 4º do
art. 150 do CTN dispõe que após o decurso do prazo de cinco anos, a contar
do fato gerador, “considera-se homologado o lançamento”, ou seja, a
homologação expressa ficará preclusa, e o tempo decorrido de cinco anos irá
desferir o mesmo efeito jurídico da homologação expressa (é como se tivesse
31SANTI, Eurico Marcos Diniz de.Lançamento tributário... p. 162. 32Art. 150 do CTN, lançamento por homologação.
33O art. 150 do CTN expressamente afirma que: “O lançamento por homologação (...) opera-se pelo ato em
havido a homologação expressa) ou, nas palavras do CTN, “considera-se
homologado o lançamento”. Nesse ponto, pode-se também chamar de
lançamento a formalização do crédito tributário pelo sujeito passivo sem
homologação expressa, porque o parágrafo 4º do art. 150 do CTN também
designa essa última situação como lançamento, in verbis: “considera-se
homologado o lançamento”.
Conclui-se, pois, que o lançamento tributário é espécie do
gênero lançamento fiscal e pode ser dividido em duas subespécies: i) ato
administrativo de lançamento (reconhecimento do crédito pelo sujeito ativo);
ii) ato instrumental de lançamento (reconhecimento do crédito pelo sujeito
passivo).
1.1.2 A inscrição do crédito ou da prestação?
Não há crédito sem prestação, ou prestação sem crédito.
Pode parecer contraditório perguntar qual dos dois é objeto do ato de
inscrever.
Em sentido jurídico, crédito é a parte ativa da relação
jurídica de cunho patrimonial (obrigação) ou direito de exigir, e não o seu
avaliação econômica. O objeto do ato de inscrever, na realidade, é o crédito
constituído, cujo conteúdo deve apresentar todos os elementos exigidos pela
lei que impõe o ato de inscrição como obrigatório, conforme já mencionado
anteriormente.
Dado que a prestação é objeto da relação jurídica do
crédito fiscal e que a omissão da conduta de entregar o objeto da prestação
deve ensejar o ato de inscrição, este se fará por imposição legal,
unilateralmente, pelo sujeito ativo da obrigação, o qual levará em conta o seu
direito de exigir a prestação, parte ativa da relação.
Pode-se dizer que o objeto da inscrição é o crédito fiscal,
centrado no direito de exigir, parte ativa da relação, e que, após o ato de
inscrição, será elevado a outro status jurídico, conforme veremos.
1.1.2.1 O significado do termo “inscrever” na Lei nº 4.320/64 e na Lei nº 6.830/80
Na linguagem comum34, inscrever, entre outros
significados, tem o sentido de anotar, assentar, lançar em registro, lista, rol.
34FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. rev. e
Segundo DE PLÁCIDO E SILVA35, o vocábulo “inscrição” deriva do latim
inscriptio (ação de escrever sobre), o que se escreve sobre certas coisas. Para
o Direito Romano, as inscrições eram fontes autênticas dos princípios que o
compuseram. Hodiernamente, segundo o autor, continua a ser o escrito que se
faz para a memória de alguma coisa, com função de registro, anotação.
Inscrição em dívida ativa, afirma CESARIO ALVIM36, é o
ato de registrar dívida fiscal37, que deve conter, no mínimo, os elementos
exigidos por lei. De acordo com o que foi exposto, afirma-se que o ato de
inscrever consubstancia-se na descrição de um objeto, no caso, o crédito
fiscal, vencido e não pago, esgotado o prazo para pagamento (ou crédito da
Fazenda Pública, conforme denominou a Lei nº 4.320/64). Essa descrição
deve obedecer a critérios legais, isto é, àqueles exigidos pela Lei nº 6.830/80
(§ 5º, art. 2º).
O crédito fiscal vencido, e não pago, após sua inscrição em
dívida ativa, passará a ser classificado na contabilidade como elemento
patrimonial do ativo permanente, na subconta dívida ativa. Juridicamente, o
ato de inscrição envolve o controle da legalidade, pois o critério para a
inscrição (ou descrição) é legal. O § 4º do art. 39 da Lei nº 4.320/64
expressamente fixou critérios ao dizer que a receita da dívida ativa abrange: i)
35SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 2, p. 479.
36ALVIM, Álvaro Cesário. Inscrição de dívida fiscal. In: SANTOS, J. M. de Carvalho; DIAS, José de Aguiar
(Coord.). Repertório enciclopédico de direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, [19--]. v. 27, p. 227-228.
atualização monetária, ii) multa de mora, iii) juros de mora, iv) o encargo do
Decreto-Lei nº 1.025/69, v) a liquidez e a certeza (estas últimas, por conta do
§ 1º do mencionado art. 39).
A falta de expressa menção legal não é óbice à utilização
de elementos descritivos intrínsecos a todo e qualquer crédito e de outros
indispensáveis à sua exigência, por exemplo: vi) o sujeito ativo, vii) o sujeito
passivo, viii) o domicílio do devedor, ix) a data de inscrição e x) a natureza da
dívida38.
LUCIA VALLE FIGUEIREDO39 afirma que “a inscrição
da dívida vai resultar do lançamento procedido, notificado ao contribuinte e
não efetuado o pagamento40 (...) ato de verdadeira homologação, portanto ato
de controle da legalidade”. E mais adiante, anunciando que acompanha
ALBERTO XAVIER e SANDULLI41, opina que “a inscrição da dívida ativa
é fase integrativa da eficácia do procedimento administrativo do lançamento”.
Neste trabalho, a inscrição em dívida ativa mostra ter como
efeito jurídico principal o de constituir um título executivo que possibilitará a
exigência do crédito fiscal por meio de instrumento legal especial, que é a
ação de execução fiscal, enquanto o efeito jurídico do ato de lançamento,
38A Lei nº 6.830/80 repetiu esses critérios, acrescentando outros também necessários, segundo o seu
julgamento.
39FIGUEIREDO, Lucia Valle. A inscrição da dívida como ato de controle de lançamento.Revista Dialética
de Direito Tributário, São Paulo, n. 36, p. 84-87, set. 1998.
40Pode ser acrescentado o fato temporal do vencimento do débito.
41Apud XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2.
tributário ou não-tributário, é o revestimento lingüístico da relação jurídica,
cujo objeto é a conduta de entregar dinheiro.
Por outro lado, a eficácia social do lançamento fiscal é a
realização da prestação, ou conduta de entregar dinheiro aos cofres públicos,
enquanto a eficácia social do ato de inscrição é a satisfação do crédito fiscal
pelo devedor, impelindo-o a honrar seu compromisso, não importa se pelo
pagamento ou pela expropriação de bens. A eficácia jurídica do lançamento é
a sua definitividade; a da inscrição é a prestação jurisdicional no sentido de
expropriação dos bens do devedor.
Os arts. 39, § 1º, e 53 da Lei nº 4.320/64 utilizam,
respectivamente, os termos “inscritos” e “inscreve” no sentido já explicitado;
os dois denotam o significado contábil de inscrever fatos, registrar fatos. A
inscrição a que se refere o art. 53 é um registro contábil do fato do
lançamento da receita, do valor monetário que o ato apurou em relação ao
crédito fiscal (direito de exigir) e do respectivo devedor (sujeito passivo).
Esse registro juridicamente significa um dos estágios da receita pública. Seu
conteúdo carrega uma determinada relação jurídica de cunho patrimonial,
reconhecida lingüisticamente por meio do revestimento lingüístico
De acordo com PAULO DE BARROS CARVALHO42,
pode-se afirmar que o efeito jurídico do ato de lançamento fiscal está no seu
conseqüente, isto é, colocar em termos intersubjetivos a relação jurídica que
autoriza o sujeito ativo (credor) a exigir do sujeito passivo (devedor) uma
prestação consistente em entregar aos cofres públicos dinheiro, ou algo que
possa ser expresso em moeda.
A inscrição mencionada no § 1º do art. 39 também é um
registro contábil que, à vista do vencimento do crédito fiscal, sem o devido
pagamento, deixará assentado na contabilidade do ente público o fato
mencionado no grupo de contas do ativo permanente, a débito da conta dívida
ativa, porque o que era uma receita a realizar passou a constituir um
patrimônio classificado como ativo permanente.
Juridicamente, a inscrição do crédito fiscal vencido e não
pago em dívida ativa significa que, dado que há lançamento fiscal constituinte
de crédito fiscal e que ocorreu o vencimento deste, bem como o transcurso do
prazo para pagamento com a omissão da conduta devida, deve ser feita a
42CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário... p. 386. As palavras do autor foram
inscrição do crédito em dívida ativa, nos moldes determinados pela lei
própria43.
Conclui-se que a inscrição do crédito fiscal em dívida ativa
não constitui fase integrativa da eficácia do procedimento administrativo do
lançamento, porque este, independentemente da inscrição do crédito fiscal,
está totalmente apto à produção de seus efeitos próprios44.
O tratamento dado pela Lei nº 6.830/80 para o ato de
inscrição em dívida ativa é exclusivamente jurídico. Não poderia ser
diferente, haja vista os objetivos da Lei Adjetiva, isto é, cobrança judicial da
dívida ativa da Fazenda Pública.
No entanto, além dos aspectos processuais, a LEF tratou de
certas questões materiais, as quais têm o escopo de viabilizar e agilizar a
cobrança executiva desses valores. Este não é o momento de pormenorizar o
assunto, nem de esgotá-lo. Deve-se reter, por enquanto, que a inscrição do
crédito fiscal em dívida ativa, pela ótica da Lei nº 6.830/80, interessa tendo
em vista a disciplina de seu conteúdo, porque, de acordo com o § 3º do art. 2º,
o ato de inscrição é um ato de controle da legalidade.
43Fundamentou-se o pensamento aqui expresso em SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário...
p. 164, in verbis: “O elo comum configura-se por se tratarem de fatos e atos correlacionados, ligados por vínculos de causalidade jurídica. Uns compondo os suportes fácticos para produção dos outros: o ato-norma de lançamento pressupõe o fato jurídico tributário e a correspectiva relação efectual, o qual por sua vez é suposto fáctico do ato-norma da inscrição da dívida ativa”.
44O conceito de eficácia jurídica segundo MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
Fica a pergunta: legalidade em relação a quê? A resposta
se delineará no decorrer do trabalho.
1.1.2.2 A inscrição do crédito fiscal e a apuração da liquidez e da certeza
Reza o § 1º do art. 39 da Lei nº 4.320/64 que a inscrição
dos créditos em dívida ativa será feita após apurada sua liquidez e sua certeza.
Portanto, a inscrição se faz em razão da liquidez e da certeza do crédito. Estas
não são efeito da inscrição, mas requisitos indispensáveis para que se proceda
à inscrição. O art. 3º da Lei nº 6.830/80 dispõe: “A Dívida Ativa regularmente
inscrita goza de presunção de certeza e liquidez”. O § 1º desse art. deixa
assentado que a liquidez e a certeza são relativas, isto é, são presunções iuris
tantum e podem ser ilididas “por prova inequívoca. a cargo do executado ou
de terceiro, a quem aproveite”.
A liquidez de um crédito diz respeito ao seu objeto
(prestação) sob o aspecto quantitativo, isto é, valor fixo e determinado, ou, no
mínimo, determinável. No caso do crédito fiscal, o aspecto quantitativo, valor,
é expresso em moeda ou coisa economicamente apreciável, ou seja, o critério
de valor é monetário. Desse modo, pode-se afirmar que a liquidez diz
Apurar a liquidez é verificar a existência dos elementos necessários ao cálculo
do montante a exigir e de seus pressupostos acessórios (juros, multas,
correção monetária, encargos), que fluem como conseqüência do vencimento
do prazo para pagamento com omissão da conduta devida. Normalmente,
esses elementos já constam do rol obrigatório descrito no § 5º do art. 2º da Lei
nº 6.830/80, o qual trata do Termo de Inscrição.
A liquidação do objeto da prestação, além de tornar
objetivo o valor total que será exigido, deve deixar transparecer os critérios e
a forma utilizada para o cálculo, de maneira que o sujeito passivo possa ver
possibilitada a ampla defesa e o contraditório, ou para que concorde com o
montante a ser entregue.
Certeza é aspecto qualitativo de todo e qualquer dos
elementos do crédito. Juridicamente diz respeito aos fundamentos da
pretensão, fáticos e legais ou contratuais.
O âmbito da certeza também se encontra principalmente,
mas não taxativamente, no rol do § 5º, do art. 2º da Lei nº 6.830/80, no que
guarda pertinência com a origem e a natureza do crédito, o nome e o
domicílio do sujeito passivo. A verificação da certeza evita o ajuizamento de
exemplo, a verificação de circunstância que tenha dado ensejo à suspensão da
exigibilidade da prestação45.
1.1.3 Dívida ativa tributária - revestimento lingüístico - constituição ou formalização do crédito e inscrição do crédito em dívida ativa
Por ora vamos reter as idéias que, basicamente, afirmam
que a inscrição do crédito fiscal em dívida ativa não constitui fase integrativa
da eficácia do procedimento administrativo do lançamento, porque este,
independentemente da inscrição do crédito, está totalmente apto à produção
de seus efeitos jurídicos próprios: a formalização do vínculo jurídico
obrigacional.
Em face da elevada importância do crédito tributário em
relação ao volume de recursos que representa para o Estado na consecução de
seus objetivos e, ao mesmo tempo, diante de seu caráter totalmente
compulsório em relação aos contribuintes desses valores, as fases pelas quais
perpassa essa espécie de receita pública são tratadas especialmente pelo
Direito Tributário, com o fim de disciplinar a sua obtenção pelo Estado e
propiciar aos cidadãos os meios necessários à defesa da legalidade da
exigência voltada contra si. O CTN, afora a CF/88, é a expressão maior do
Direito Tributário, pois regula em âmbito nacional o reconhecimento
lingüístico do crédito tributário, ao disciplinar as formas do revestimento
lingüístico consistente no lançamento tributário.
1.1.3.1 Reconhecimento pela autoridade administrativa
Em virtude das premissas deste trabalho, já se deixou
assentada a convicção quanto a não haver óbices à denominação
“lançamento” (dada pela lei) como atividade tanto do fisco quanto do
contribuinte, aos quais a lei atribui a competência e o dever de formalizar o
crédito tributário.
De acordo com o art. 142 do CTN, o lançamento é
atividade privativa da autoridade administrativa. Nesse ponto, calha mais uma
vez as observações de EURICO DE SANTI46 sobre a veiculação, pelo
enunciado descrito, de uma norma jurídica de estrutura que fixa competência
administrativa para edição do ato administrativo de lançamento47, o qual
reveste lingüisticamente o reconhecimento do crédito tributário.
46SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário... p. 131.
47Na terminologia do autor: ato-norma administrativo de lançamento tributário. inLançamento tributário... p.
Mais adiante, revela o mesmo artigo do CTN que o
lançamento como ato privativo de autoridade deve consistir em:
"... procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível".
Conforme se vê, eis o restante da norma de estrutura que
trata do procedimento de edição do ato administrativo de lançamento,
formalizador do vínculo obrigacional do crédito tributário. Note-se que o
lançamento como atividade administrativa não se restringe ao cálculo do
tributo e à identificação do sujeito passivo, vai bem além ao mencionar
aplicação de penalidades cabíveis. São as sanções aplicáveis em decorrência
de comportamentos que configuram infrações à legislação tributária.
Nesse terreno, e com vistas à classificação explanada por
PAULO DE BARROS CARVALHO48, cabe aqui uma observação sobre as
espécies de sanções que implicam entrega de dinheiro aos cofres públicos49:
48Em seu Curso de direito tributário... p. 514-517, o autor classifica as sanções em: i) penalidades
pecuniárias; ii) multas de mora; iii) apreensão de mercadorias, documentos e veículos transportadores; iv) pena de perdimento de mercadorias e veículos; v) sujeição a regime especial de controle; e vi) cassação de regimes especiais de pagamento de impostos.
49Interessarão apenas esses tipos de sanção, pois são as que dão ensejo às relações jurídicas obrigacionais de