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Rendas do petróleo: investigando seus impactos no comportamento de prefeitos e eleitores

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RENDAS DO PETRÓLEO: INVESTIGANDO SEUS IMPACTOS NO COMPORTAMENTO DE PREFEITOS E ELEITORES.

RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão crítica da literatura teórica e empírica existente sobre os efeitos da exploração de recursos naturais. Os postulados da principal teoria em voga sobre esse tema, maldição dos recursos naturais, eram até muito recentemente tidos como verdades quase incontestáveis, dos quais um conjunto de trabalhos empíricos e teóricos defendiam as proposições sobre os efeitos negativos da exploração de recursos naturais para os ambientes institucionais, econômicos e políticos de países produtores. No presente artigo, apresentamos as contradições dos trabalhos nessa área e mostramos a necessidade de pesquisas complementares a fim de testar velhas e novas hipóteses sobre esse conjunto de teorias. Assim, partimos de um novo conjunto de perguntas de pesquisas a serem respondidas a partir de metodologias ainda pouco ou não utilizadas nos trabalhos desenvolvidos no campo.

Palavras-chaves: maldição dos recursos naturais; petróleo e gás; comportamento de agentes políticos e informação.

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Rendas do petróleo: investigando seus impactos no comportamento de prefeitos e eleitores.

Esse trabalho faz parte de uma agenda de pesquisa que objetiva investigar os efeitos das rendas da cadeia produtiva de petróleo e gás1 sob o comportamento de eleitores e prefeitos. Especificamente, pretende investigar como os políticos reagem a disponibilização de informação sobre seu desempenho e como eleitores processam informações sobre o desempenho na utilização de rendas de petróleo e gás. Adicionalmente, pretende também identificar se choques de rendas do petróleo alteram o cálculo político de eleitores e prefeitos a respeito do tipo de políticas públicas que esperam receber/implementar, e o nível de conhecimento da população a respeito do recebimento dessas rendas pelo seu município.

Afinal, os eleitores são ignorantes a respeito do recebimento de rendas extraordinárias? E uma vez que saibam sobre a existência dessas receitas suas preferências em termos de utilização desses recursos e percepção da qualidade de políticas públicas são alteradas? Adicionalmente, como políticos reagem a disponibilização de informação sobre seu desempenho na gestão de rendas do petróleo?

Nesse primeiro momento, pretende-se analisar o arcabouço teórico que vai orientou a construção das perguntas de pesquisa, hipóteses e design metodológico. Adicionalmente, procurar-se-á responder essas perguntas a partir das discussões da literatura relacionada ao tema.

1 Nesse trabalho usaremos as palavras royalties e rendas do petróleo como sinônimo para

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Intuitivamente, pode-se pensar que o crescimento de receitas derivadas da exploração de recursos naturais seja um importante fator na promoção de desenvolvimento e tenha efeitos positivos sobre a democracia e inclusão. Entretanto, essas rendas são frequentemente associadas a resultados de governança duvidosos, os quais podem ir desde a persistência de regimes autocráticos, a presença de guerras civis, ou ainda a uma baixa accountability.

A disponibilidade de recursos naturais é também associada à exploração predatória, à implantação de regimes autocráticos, à devastação ambiental e ao subdesenvolvimento – teorias que ficaram conhecidas como maldição dos recursos naturais, referindo-se mesmo a uma “maldição” que os recursos naturais trariam para o ambiente institucional, econômico, político e social.

O petróleo e o gás natural, neste contexto, tenderiam fortemente a colaborar com a “maldição dos recursos naturais”, seja por envolverem atividades extrativas de grande impacto ambiental, ou seja, pela possibilidade – nunca completamente ignorável – de apropriação indevida, por agentes políticos, de riquezas geradas por esse setor produtivo (Van der Ploeg, 2011; Brollo, Nannicini, Perotti & Tabellini, 2010).

Os argumentos daqueles que são favoráveis a esta teoria repousam sobre o pressuposto de que receitas decorrentes da exploração de recursos naturais aliviam a fatia de impostos cobrados para financiar o governo, diminuindo a pressão social para uma maior responsabilização e controle sobre a utilização de tais rendas (Atkinson & Hamilton, 2003; Beblawi, 1987; Caselli, 2009; Cordy, 1984; Corden & Neary, 1982; Gylfason, 2001; Huntington, 1991; Luciani, 1987; Mahdavi, 1970; Mickelson, 1997; Ross, 2001; 2003; 2009; Sachs & Warner, 1995).

Ross (2012) argumenta os governos são afetados pelo tipo de receita que arrecadam na mesma medida que as pessoas são afetadas pelo seu tipo de alimentação. Adicionalmente, um conjunto de autores atribuem os efeitos negativos das rendas de petróleo ao comportamento dos gestores (Monteiro e Ferraz, 2012; (Caselli, 2006; Caselli & Cunningham, 2009; Robinson, Torvik & Verdier, 2006; Paler, 2011;2012; Ross, 1999). Segundo Luciani (1987, p. 87), "o fato é que não há nenhuma representação sem tributação e não existem exceções a esta da regra".

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Por outro lado, um grupo menor de pesquisadores encontraram resultados que contradizem a ideia da existência de uma maldição por trás da exploração de recursos naturais. Alguns autores identificaram, inclusive, um relacionamento positivo entre choques de recursos naturais e fortalecimento das instituições democráticas (Dunning, 2008; Haber & Menaldo, 2011; Herb, 2005), ou ainda, efeitos positivos do recebimento de rendas do petróleo e desenvolvimento econômico (Cavalcanti, Da Mata e Toscani, 2014) ou a simples presença de windfalls sem decorrentes efeitos deletérios das instituições políticas (Monteiro & Ferraz, 2012).

Paller (2011, 2012) sugere tratar como hipóteses as principais reinvindicações da literatura de maldição dos recursos naturais. Seja pelos resultados empíricos conflitantes, seja pelo apoio das conclusões em dados observacionais que enfrentam sérios obstáculos ao estabelecimento de relações de causalidade.

Existe, ainda, uma explicação alternativa de que windfalls não prejudiquem a vontade de ação do cidadão, mas sua capacidade de fazê-lo, dada a baixa disponibilidade de informação e a concentração de informações pelos governantes (Brollo et al, 2012; Paller, 2011; 2012; Ross, 2012;).

Esse argumento se alinha a uma série de resultados encontrados em pesquisas experimentais de que o comportamento do eleitor é maleável e a disponibilização de informação sobre o desempenho e processo políticos melhora a accountability eleitoral.

Outro resultado comum a essa literatura, evidencia que os eleitores possuem mecanismos bastante sofisticados para processar informação e punir seus representantes políticos (Barnejee, Kumar, Pande & Su, 2010; Chong, De La O, Karlan & Wanthekron, 2012; Pande, 2010), mesmo em contextos de baixo nível de escolaridade e renda (Chong et al, 2012).

Ferraz e Finan (2008) investigaram os efeitos da divulgação de informações sobre corrupção no apoio eleitoral. Os resultados encontrados por esses autores revelam que a disponibilização dessas informações teve um impacto significativo no desempenho eleitoral de incumbentes. E que esses efeitos são potencializados quando os resultados das auditorias são

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disponibilizados pela mídia local (rádios). Chong (et al 2010), em experimento realizado no México, encontraram um efeito positivo e significante da disponibilização de informações na taxa de comparecimento às urnas e no apoio ao partido do incumbente.

Também em pesquisa com design experimental, Paller (2011; 2012) não aceita a hipótese de que o mal-uso de recursos públicos provoca diferentes reações em termos de monitoramento e sanção políticas quando os cidadãos pagam impostos.

Assim, esse conjunto preliminar de estudos experimentais passam a questionar os principais corolários que até recentemente eram tidos quase como verdades absolutas. Portanto, lança oportunidades para novas agendas de pesquisas, quer sejam, no sentido de replicar experimentos sobre outros contextos ou investigar questões ainda não investigadas.

Outrossim, os estudos nessa área costumam ser cross-country e a partir de análise em painel, com inúmeras lacunas no que diz respeito a possibilidade do estabelecimento de relações causais, especialmente quando falamos de análises a nível individual.

A presente pesquisa objetiva contribuir justamente nessa lacuna de estudos com base experimental. A pesquisa empírica divide-se em duas etapas, quais sejam: entender como os eleitores estão informados a respeito da governança das rendas do petróleo (survey) e na sequência analisar como os eleitores processam as informações sobre o desempenho dos prefeitos e de que forma isso influência na accountability eleitoral (experimento). Sobre a perspectiva do comportamento dos prefeitos o objetivo é analisar como políticos reagem diante do aumento de informação sobre o desempenho da sua gestão (via experimento) e como choques de rendas do petróleo alteram comportamento na gestão. Nesse sentido as seguintes perguntas de pesquisa sintetizam esse conjunto de objetivos: Rendas de petróleo alteram o comportamento de eleitores e prefeitos? Eleitores bem informados podem melhorar a governança das rendas de recursos naturais?

Este trabalho está dividido, em duas partes além desta introdução. Na seção 2, discute-se as perguntas de pesquisa a luz da teoria existente, bem

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como as hipóteses construídas a partir da revisão da literatura. Na seção seguinte apresenta-se brevemente como as questões de pesquisa serão analisadas em termos metodológicos, e por fim, apresentamos as considerações finais.

2. Economia política da exploração de petróleo e gás: estabelecendo um quadro conceitual

Rendas de petróleo alteram o comportamento de eleitores e prefeitos? Eleitores bem informados podem melhorar a governança das rendas de recursos naturais? Respostas indiretas a essas perguntas surgem a partir de um amplo conjunto de teorias, as quais contemplam desde aspectos políticos, econômicos e institucionais, a explicações baseadas em estudos experimentais com foco no comportamento de eleitores e políticos.

Dentro dessa literatura, tem destaque a teoria relacionada à maldição dos recursos naturais, cujo principal pressuposto é o de que os recursos naturais tendem a gerar resultados de predação e instabilidade política, que podem se traduzir em políticos “irresponsabilizados”, declínio de outras atividades econômicas, perdas na governança de impostos, baixo crescimento econômico e até casos mais extremos de conduzir a guerras civis, e serem prejudiciais a democracia, ou mesmo impedirem transições democráticas Atkinson & Hamilton, 2003; Beblawi, 1987; Caselli, 2009; Cordy, 1984; Corden & Neary, 1982; Gylfason, 2001; Huntington, 1991; Luciani, 1987; Mahdavi, 1970; Mickelson, 1997; Ross, 2001; 2003; 2009; Sachs & Warner, 1995).

É possível distinguir três fases nessa teoria sobre os mecanismos causais capazes de explicar o surgimento da maldição dos recursos naturais. A primeira fase marcada pela teoria dos Estados Rentistas surge por volta dos anos 1970 em virtude do aumento da importância dos países árabes na produção de petróleo. Os mecanismos propostos por essa teoria dizem respeito ao relacionamento causal entre receitas da exploração de recursos naturais e regime político (Beblawi, 1987; Luciani, 1987; Mahdavi, 1970). A segunda fase ocorre durante os anos 1980 e 90, e é derivada de um conjunto de explicações econômicas, e o principal mecanismo analisado é geralmente chamado de

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“doença holandesa” (Cordy, 1984; Corden & Neary, 1982; Mickelson, 1997). A terceira fase dos estudos é observada por volta dos anos 2000, em que são aplicados vários modelos derivados da teoria dos Estados Rentistas e envolvem a análise de mecanismos mais específicos relacionados a economia política, incluindo a análise do impacto de rendas da exploração de recursos naturais ora em perspectiva macro, ora aplicadas no nível individual (Caselli & Cunningham, 2009).

A definição de Estados como rentistas depende da medida em que os recursos provenientes da exploração de um dado recurso mineral fornece a base fiscal para o seu financiamento (Herb, 2005). Mandavi (1970) define renterismo como uma economia que depende substancialmente de aluguéis externos pagos pela exploração de recursos naturais. Segundo esse autor, rendas externas quando substanciais podem sustentar a economia independentemente de quão forte seja o setor produtivo doméstico (Mandavi, 1970).

Em estados rentistas poucos se envolvem na produção direta das rendas provenientes da exploração dos recursos naturais, sendo a maior parte da população envolvida apenas na distribuição ou utilização dos “aluguéis” pagos pela exploração da atividade. Além disso, o governo é o principal beneficiário direto dessas rendas, e com o controle exercido por poucos fica mais fácil que essas receitas sejam apropriadas pelo próprio governo ou pela elite. Além disso, a falta de necessidade de tributar os cidadãos criaria um contrato social em que estes passam a demandar menos representação e responsabilização políticas (Beblawi, 1987; Mahdavi, 1970).

A principal reinvindicação teórica da teoria dos estados rentistas baseia-se no postulado que rendas provenientes da exploração de recursos naturais fornecem amplos incentivos para a perpetuação de regimes autoritários (Anderson, 1987; Beblawi, 1987; Huntington, 1991; Luciani, 1987; Mahdavi, 1970). As primeiras evidências empíricas para essa tese foram frutos de estudos de casos (Anderson, 1987; Luciani, 1987) e como bem destacam Haber e Menaldo (2011, p. 01) a ideia de uma relação de causalidade entre recursos naturais e autoritarismo sustenta uma ampla e influente literatura, que combina desde estudos de casos, documentos estratégicos produzidos por organizações

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de ajuda multilaterais, livros populares, a artigos em mídias de massa (como as revistas Foreign Policy e The Economist).

A teoria da “doença holandesa” refere-se ao processo de contração de setores transacionais de uma economia (industrial e agrícola, por exemplo) em decorrência de choques de rendas provenientes da exploração de recursos naturais (Cordy, 1984; Corden e Neary, 1982; Mickelson, 1997). O termo foi cunhado na Holanda na década de 1970 pela revista The Economist2, logo após

as descobertas de gás natural no campo de Groningen em 1959 (Friedman 2006). A atuação desse mecanismo causal se dá via sobrevalorização da moeda, graças ao súbito afluxo de recursos da exploração de recursos naturais. Esse aumento da moeda torna as exportações de produtos agrícolas e manufaturados não competitivas e sua importação muito barata (Corden & Neary, 1982). Esse cenário pode ainda, pelo menos parcialmente, barrar a medida em que o Estado se envolve em outras atividades de geração de receita que não sejam relacionados a exploração dos recursos naturais (Brollo et al, 2010; Corden & Neary, 1982). A longo prazo as consequências desse mecanismo causal se refletem na experimentação de estagnação econômica ou baixo crescimento.

2. 1 Recursos naturais impedem o crescimento econômico?

A existência de um negativo relacionamento entre riqueza em recursos naturais e crescimento econômico é reivindicada por um conjunto de investigações empíricas. Tais evidências surgiram inicialmente a partir de estudos de casos isolados (como por exemplo, Auty, 1993; 1994 e Gelb & Associates, 1988), e evoluem para análises que ampliam o escopo empírico a partir da comparação entre países (Atkinson & Hamilton, 2003; Gylfason, 2001; Sachs & Warner, 1995; Stijns, 2000). Esses estudos também indicam que os mecanismos que corroboram para esse efeito são os níveis de investimento e acumulação de riqueza desses países. Altos níveis de gastos do governo, especialmente as despesas com o funcionalismo público, também aparecem entre os mecanismos atuantes naquela relação (Atkinson & Hamilton, 2003; Caselli, 2009; Sachs & Warner, 1995). Gylfason (2001), por sua vez, identificou

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a redução de investimentos em educação e capital humano como outro mecanismo causal para o relacionamento negativo entre crescimento econômico e recursos naturais.

Sachs e Warner (1995) oferece o primeiro conjunto de evidência empírica para a teoria da doença holandesa. Esses autores conseguem identificar o papel desempenhando pela abertura da economia e investimento no setor industrial como importantes variáveis para explicar a associação negativa entre abundância entre recursos naturais e crescimento econômico. Sugerem que a orientação da política macroeconômica e eficiência da burocracia estão diretamente ou indiretamente relacionados aos efeitos deletérios da dependência em recursos naturais no crescimento econômico.

Gylfason (2001) argumenta que a relação negativa entre a abundância de recursos naturais e crescimento identificado em seu estudo tem magnitude comparável aos resultados encontrados em Sachs e Warner (1995), e não pode ser interpretada como trivial: Um aumento de 10% nas rendas da exploração de minerais e petróleo está associada a -0,5% na taxa de crescimento do PIB per capita. Os resultados desse autor, ainda, indicam que países ricos em recursos naturais apresentam menores taxas de poupança e experimentam maiores padrões de gasto público.

Utilizando dados de 91 países, no período de 1980 a 1995, Atkinson e Hamilton (2003) procurou testar a hipótese da existência de um relacionamento negativo entre dependência em recursos naturais e crescimento econômico. O mecanismo causal investigado por esse autor foi o padrão de gastos e investimentos feitos pelo governo. Os resultados encontrados sugerem fortemente que países ricos em recursos naturais experimentaram taxas negativas de poupança. Além disso, comparativamente, países com abundância em recursos naturais apresentaram taxas de crescimento econômico mais baixas que países pobres em recursos naturais.

Davis (1993) encontra resultados empíricos que contradizem, ou no mínimo torna questionável, as principais teses da teoria da maldição do recursos e doença holandesa. Em primeiro lugar, ao comparar o crescimento econômico em longo prazo de economias dependentes de recursos e economias não dependentes, ele conclui que os países com abundância em recursos naturais

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não apresentaram desempenho deficitário. O autor reivindica que a tese de uma maldição dos recursos naturais estaria mais para uma exceção que regra. Mehlum et al. (2002) também encontra evidências empíricas ambíguas sobre o relacionamento negativo entre dependência em recursos naturais e desenvolvimento.

Nessa mesma linha, Stijns (2000) ressalta que recursos naturais por eles mesmos não parecem ter influência significativa nas taxas de crescimento. Os resultados das suas análises empíricas sobre combustíveis e minerais mostram que a abundância de recursos naturais não foi um determinante estrutural significativo nas taxas de crescimento econômico entre 1970 e 1989. E destaca que petróleo, gás e minerais são associados a políticas econômicas mais orientadas para o mercado.

2. 2 Recursos naturais prejudicam a democracia?

Como destacamos acima o relacionamento negativo entre a exploração de recursos naturais e democracia é outra reinvindicação comum da literatura da maldição dos recursos e Estados rentistas.

Ross (2001) propõe três diferentes mecanismos causais para justificar o efeito “antidemocrático” do petróleo e gás e demais minerais. O primeiro deles, o efeito rentista, se caracteriza pelo afrouxamento da pressão social em virtude do financiamento do Estado via receitas dos recursos naturais. Um dos caminhos de manifestação desse primeiro mecanismo é o efeito da taxação, que ocorre quando as receitas pela exploração do petróleo ou minerais é suficiente para financiar as atividades estatais e o governo diminui a taxação dos cidadãos e estes passam a demandar menos accountability. Uma outra forma de manifestação do efeito rentista é o spending effect, que nada mais é que a utilização das rendas da exploração dos recursos naturais para patronagem e com o objetivo de reduzir a pressão por democratização. O terceiro componente é chamado por Ross (2001) de “group formation”. Que pode ser interpretado como a utilização das rendas da exploração do petróleo para impedir a formação de grupos ou movimentos sociais, independentes do Estado, engajados pelo reconhecimento de direitos políticos.

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Ross (2001) também fornece o primeiro conjunto de evidências empíricas, a partir da comparação entre países, para a existência de uma relação causal entre recursos naturais e autoritarismo. Analisando dados em painel para 113 países entre os anos de 1971-1997 conclui que rendas provenientes da exploração de petróleo e gás tem efeito negativo e estatisticamente significante sobre a propensão do país se democratizar. Resultados similares são encontrados em trabalhos realizados por Aslaksen (2010), Jensen e Wantchekon (2004), Tsui (2010) e Wantchekon (2003).

Wantchekon (2003), argumenta que a abundância em recursos naturais facilita a consolidação e o estabelecimento de regimes autoritários, podendo ainda, gerar rupturas em regimes democráticos devido a combinação entre vantagem de incumbência, instabilidade e repressão políticas. Analisando dados em painel para 232 países, no período de 1800 a 1998, os resultados desse autor sugerem que um determinante fundamental dos regimes políticos em países africanos e asiáticos é o seu nível de dependência em receitas de recursos naturais ou a natureza rentista da sua economia.

Jensen e Wantchekon (2004) fornecem evidência empírica que sugere que países africanos ricos em recursos naturais são associados a baixos níveis de democracia, apresentam maior propensão a ter altos níveis de gastos do governo, e geralmente exibem piores resultados de governança. Importa destacar que esses autores analisaram dados em painel, recorreram a análise dos resultados com efeitos fixos e que estes resultados são robustos na presença de importantes variáveis de controle (como número de golpes, crises de governo, manifestações, revoltas e greves).

Aslaksen (2010) emprega uma metodologia de análise mais sofisticada, com painel dinâmico e controlando pelos efeitos de tempo e variações entre países, e o relacionamento negativo entre petróleo e democracia observado é quantitativo e estatisticamente significante.

Similarmente, Tsui (2010) emprega uma abordagem alternativa em que avalia o impacto da variação no tempo e no tamanho das descobertas de petróleo sobre a democracia. Os resultados encontrados indicam que descobertas de grandes reservas de petróleo estão fortemente associadas a baixos índices de transições democráticas.

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Dunning (2008) realizou uma análise comparativa, com dados transversais de séries temporais para 154 países no período entre 1960 e 2001. Os resultados corroboraram o pressuposto do autor que o fluxo de receitas da exploração de recursos naturais para os cofres fiscais do Estado pode ter efeitos mistos sobre a propensão dos países serem democráticos ou autoritários. O mecanismo identificado por Dunnning (2008) foi a presença de alta desigualdade em setores transacionais da economia, em que a presença de windfalls tendem a contribuir muito mais para atenuar essas desigualdades e liberar a fatia paga pela elite em decorrência do processo de democratização. Esse cenário contribuiria para redução de incentivos das elites para encenar golpes sob as democracias ou para reprimir a mobilização popular.

De acordo com Herb (2005) a interpretação da teoria dos estados rentistas seria equivalente a dizer que na ausência de poços de petróleo sob o solo desses países eles tenderiam a ser mais democráticos. Para estabelecer essa relação seria, portanto, necessário simular um mundo contrafactual onde esses Estados não usufruíssem dessas rendas. Dessa forma, ele emprega uma análise comparativa entre países com similares características, diferindo apenas na dependência em petróleo, e adota para os estados rentistas valores de taxas de crescimento econômico (como o PIB) calculados a partir do cenário em que esses países não seriam dependentes das rendas do petróleo. Os resultados encontrados não fornecem apoio consistente com a teoria dos estados rentistas. Paralelamente, parecem indicar que variáveis como região, porcentagem de população islâmica e renda oferecem maior impacto sobre a propensão do país ser autoritário quando comparados com a dependência em petróleo.

Similarmente, os resultados encontrados por Haber e Menaldo (2011) desafiam a tese da existência de uma maldição por trás da abundância em recursos naturais. Os resultados encontrados por esses autores apontam para uma possível “benção” dos recursos naturais: aumentos nos níveis dessas rendas são associados a maiores níveis de democracia. Haber e Menaldo (2011) utilizaram dados em painel para 163 países, no período de 1800 a 2006, e lançaram mão da utilização de metodologia quase-experimental. Empregaram em sua análise o método da dupla diferença com efeitos fixos, utilizaram variáveis instrumentais para resolver possíveis problemas de causalidade

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reversa e ainda agruparam os países com características semelhantes em termos de renda, desigualdade e região. Nesse sentido, esse trabalho parece empregar a melhor solução até então utilizada para investigação empírica dos efeitos dos recursos naturais sobre a democracia.

2.3 A teoria da maldição dos recursos naturais “sobrevive” a análises empíricas com abordagens metodológicas alternativas?

Os resultados apresentados acima estão longe de representar um consenso entre os pesquisadores. Similar aos resultados empíricos dedicados a analisar a possível existência de mecanismos relacionados a doença holandesa, a análise empírica sobre os efeitos da abundância em recursos naturais sobre a democracia também se apresenta contraditória. Face a ambiguidade desses achados muito se tem argumentado sobre a fragilidade metodológica dos trabalhos que reivindicam as teses por trás da teoria da maldição dos recursos naturais. A utilização de dados observacionais para comparação entre países impõe severas limitações a esses estudos, seja pela impossibilidade de estabelecimento de um contrafactual válido, seja pela existência de relacionamentos de causalidade reversa, e consideráveis variáveis de confusão relacionada a cada país (Aslaksen, 2010; Herber & Menaldo, 2008; 2011; Sandbu, 2005; Tsui, 2010). Diferentes países são caracterizados por muitas diferenças institucionais e culturais, que se correlacionam com a abundância de recursos naturais e podem impactar de diferentes formas essa relação. A baixa disponibilidade de dados também é outra marca característica desse conjunto de trabalhos.

Além disso, as medidas utilizadas como proxy para dependência em recursos naturais e seus impactos sobre crescimento, tributação entre outros, podem ser questionadas em termos de endogeineidade. Tendo em vista essas deficiências metodológicas, um conjunto de trabalhos tem procurado testar as teses por trás da teoria da maldição dos recursos naturais por meio de comparações entre entidades subnacionais. Um dos contextos empíricos analisado nesses estudos tem sido o brasileiro.

Em relação às finanças públicas brasileiras, os estudos obtidos a partir da análise da aplicação dos recursos provenientes da exploração de petróleo e gás (royalties) não geram resultados consensuais. A depender do indicador

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escolhido, alguns autores ora trazem evidências sobre o mau uso dos royalties, tendo em vista que os municípios contemplados gastam a maior parte dos royalties em despesas correntes, em especial no pagamento de salários (Afonso & Gobetti, 2008; Bregman, 2007; Carnicelli & Postali, 2014; Caselli & Michaels, 2009; Reis, Santana & Moura, 2014), ora identificam efeitos positivos do ingresso dos royalties sobre os investimentos públicos (Caselli & Michaels, 2009; Reis & Santana, 2015). Quando se consideram os efeitos da aplicação dos royalties sobre indicadores sociais, os resultados obtidos também não apresentam consenso, exceto quando se consideram indicadores de educação.

Aquino (2004) trabalhou com uma amostra de 59 municípios fluminenses no período entre 1996 e 2001, buscando investigar se a elevação da arrecadação municipal de royalties teve efeitos positivos nos indicadores sociais de saúde e educação dos municípios que receberam royalties. Foram considerados indicadores a taxa de mortalidade e a taxa de reprovação na rede municipal. Os resultados mostram que, embora tenha havido aumento dos gastos per capita nas áreas de educação e saúde, não se deve concluir que há influência nos indicadores de qualidade dessas áreas. Nova (2005), ao avaliar alguns municípios baianos beneficiados por royalties petrolíferos, detectou que quando comparados à média dos investimentos realizados pelos demais municípios, os investimentos em educação, nas localidades beneficiadas por royalties, são menores em termos percentuais.

Givisiez e Oliveira (2008) avaliaram o impacto da educação nos municípios do norte do Rio de Janeiro. A metodologia aplicada envolveu o levantamento de séries históricas de indicadores de educação, com base nos Censos Escolares e Prova Brasil e aplicação de regressões logísticas. Os resultados da evolução dos indicadores deste grupo de municípios foram comparados com um grupo de municípios controle. As conclusões apresentadas pelos autores indicam que as vantagens orçamentárias desses municípios não têm se refletido em melhorias nos indicadores de educação.

Litschig (2008), em abordagem quase-experimental, por meio de regressão descontínua, avalia o impacto de choques de rendas inesperadas sobre educação em municípios brasileiros. Especificamente, analisa os efeitos de transferências federais sobre taxas de escolaridade e alfabetização. Os

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resultados indicam transferências exógenas para governos locais aumenta os gastos em educação e melhora taxas de alfabetização e escolaridade. Os resultados indicam, ainda, que os impactos de rendas inesperadas na educação são mais fortes em áreas rurais e menos desenvolvidas.

Postali (2009) procura investigar os efeitos do recebimento de royalties do petróleo no crescimento econômico de municípios brasileiros. Utiliza o método da dupla diferença e explora a alteração na política de distribuição dos royalties instituída pela Lei do Petróleo – nº 9478, de 6 de agosto de 1997 – como um evento exógeno. Os resultados encontrados por esse autor indicam que os municípios beneficiados pelas rendas do petróleo apresentaram menor crescimento econômico que municípios não beneficiados com tais receitas.

Caselli e Michaels (2009), tendo como contexto a distribuição de royalties no Brasil, tanto em virtude da exploração em terra como da exploração em mar, procuraram analisar os efeitos políticos e econômicos da presença de rendas inesperadas. Mais especificamente, esses autores analisaram se choques no recebimento de rendas da exploração de petróleo e gás tem efeitos na qualidade de padrão de vida da população. Além disso, buscaram analisar a presença das consequências preconizadas na teoria da doença holandesa, e impactos dessas rendas sobre o padrão de gastos municipais. Os resultados encontrados por esses autores não corroboram com a presença dos mecanismos reivindicados pela teoria da doença holandesa. Por outro lado, identificaram um aumento significativo nas receitas e padrões de consumo dos municípios. Esse aumento, entretanto, não foi convertido na experimentação de melhores padrões de vida pela população. Em que pese, tenham aumentados os investimentos em educação, saúde, habitação, transporte e transferência direta de renda, as variáveis de resultados não indicam aumento na eficiência do padrão de gastos pelos municípios, sugerindo que esses recursos podem ter sido desviados. Identificam, também, que não há redução na cobrança de impostos, nem nas demais transferências federais. “We also present some suggestive evidence that some of the “missing money” is accounted for by corruption” (Caselli & Michaels, 2009; p. 30)”.

Brollo et al (2010), desenvolveram uma pesquisa no Brasil onde procuraram investigar através de um estudo quase experimental, o impacto de

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rendas inesperadas no funcionamento das instituições políticas. Esses autores ampliam o entendimento de rendas inesperadas para além de receitas provenientes da exploração de recursos naturais e estendem as consequências da maldição dos recursos naturais para contextos onde existem transferências de recursos do nível federal a entidades subnacionais (citar outros autores que também fizeram isso). Especificamente, investigaram o impacto das transferências federais na corrupção e qualidade dos políticos na esfera municipal. Os resultados da pesquisa indicam que um aumento de 10% nas transferências federais reflete em aumentos nas taxas de corrupção que variam entre 17 e 24% a depender da classificação do seria corrupção; aumenta em 7% a chance de reeleição do prefeito e diminui em 7% a probabilidade dos seus concorrentes políticos terem diploma universitário.

Para Brollo et al (2010) uma maior disponibilidade de recursos somadas a um ambiente institucional fraco amplia as possibilidades dos governantes se apropriarem ou desviarem os recursos públicos sem, no entanto, correr o risco de perder apoio do eleitorado. Nesse contexto, a fragilidade do ambiente institucional tende a ampliar fortemente problemas de agência, e rendas inesperadas tendem a acentuar fragilidades institucionais preexistentes.

Monteiro e Ferraz (2012; 2013), analisaram o impacto dos royalties do petróleo sobre a política local, em especial sobre a competição política nas eleições municipais de 1996 e 2008 e a probabilidade de prefeitos se reelegerem. Este estudo tinha o objetivo de analisar se os recursos oriundos de petróleo e gás acarretariam em diminuição de controle dos políticos locais – que é um dos pressupostos assumidos pela literatura sobre maldição dos recursos. Estes pesquisadores também buscaram avaliar o impacto dos royalties de petróleo sobre a economia política dos municípios, no sentido de analisar como tais recursos foram aplicados pelos municípios produtores de petróleo e se os aumentos destas rendas se refletiram nos indicadores sociais (Monteiro & Ferraz, 2012).

Os dados obtidos por Monteiro e Ferraz (2012) indicam que as instituições políticas municipais não foram capazes de transformar a riqueza mineral em progresso social e econômico; por exemplo, as evidências apontam para o fato de os royalties não terem sido usados para aumentar a oferta de educação e

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saúde ou melhorar a infraestrutura familiar. O estudo revela que os municípios aumentaram os gastos em todas as áreas do governo, mas esses gastos não foram transformados em mais ou melhores serviços públicos. Tão somente, o aumento dos royalties é associado a uma hipertrofia do setor público municipal e do valor relativo da remuneração do funcionalismo público. Carnicelli e Postali (2014) corroboram essas conclusões ao identificarem que municípios beneficiados por royalties do projeto tiveram comparativamente maiores aumentos no gasto com salários no funcionalismo público municipal.

Monteiro e Ferraz (2012) concluem que as receitas dos royalties não implicaram na manutenção no poder de políticos que apresentaram baixo desempenho. Os dados obtidos apontam que as rendas de óleo e gás apenas se traduziram em reeleição dos prefeitos imediatamente após o choque destas receitas. Entretanto, conforme essas receitas não foram traduzidas em melhorias de condições de vida nos municípios beneficiados, os eleitores deixaram de reeleger os prefeitos.

Postali e Nishijima (2012) avaliaram o impacto do recebimento de royalties sobre indicadores sociais em municípios brasileiros, entre o período de 1991 a 2010. Os resultados indicam que essas rendas tiveram um impacto positivo e estatisticamente significante sobre o acesso das famílias a fiação elétrica, água encanada e coleta de resíduos, bem como na diminuição da taxa de analfabetismo.

Cavalcanti, Da Mata e Toscani (2014) estudaram o impacto da extração de petróleo sobre o desenvolvimento dos municípios brasileiros. O quase-experimento utilizado é baseado no fato de que descobertas de poços de petróleo e gás são exógenas do ponto de vista dos municípios. Municípios onde existiram perfurações e há evidências de petróleo e gás constituem o grupo elegível ao tratamento, enquanto que localidades com perfurações e sem hidrocarbonetos constituem o grupo de controle. O estudo foca no período entre 1940 e 2000. Em 1941, foi descoberto o primeiro poço comercialmente viável no município de Candeias no estado da Bahia. Dessa forma, o estudo conseguiu realizar uma análise pré-tratamento para o ano de 1940, isto é, conseguiu comparar os municípios tratados e do grupo de controle antes da primeira descoberta de petróleo. Participações governamentais só passaram a ser mais

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relevantes para o orçamento dos municípios após a lei federal 9.478 de 1997. Como o estudo visa averiguar o impacto do direto da extração de petróleo e gás (e não os efeitos indiretos via participações governamentais), o estudo mostra que os resultados são robustos quando o último ano de análise é 1996.

Cavalcanti et al (2014) mostram que os municípios com descobertas de petróleo e gás possuem um Produto Interno Bruto (PIB) per capita superior ao grupo de controle. Como a indústria de petróleo e gás é uma atividade de elevado valor agregado, esperava-se um maior crescimento do PIB do grupo de tratamento. No entanto, esses atores mostram evidências de que há um “spillover” positivo das descobertas de petróleo e gás, uma vez que municípios com descobertas são mais urbanizados e possuem um maior PIB de serviços per capita. Os resultados são mais fortes para localidades onde existiram descobertas em terra (onshore) vis-à-vis municípios com descobertas na plataforma continental (offshore). Em suma, o estudo mostra evidências que o impacto direto das descobertas do petróleo não são necessariamente uma maldição. A forma a qual os municípios utilizam as participações governamentais é uma pergunta complementar a tal estudo. Adicionalmente, os dados utilizados nas análises nada nos dizem sobre o impacto dos royalties no desenvolvimento. Postali (2015) analisa o relacionamento entre receitas da exploração de petróleo e gás e esforço tributário de municípios brasileiros. Os resultados parecem indicar pela existência de uma relação negativa e estatisticamente significante entre a proporção de receitas de royalties e capacidade fiscal (ou esforço tributário).

O relacionamento entre receitas de recursos naturais e tributação é outro mecanismo causal identificado dentro da teoria da maldição dos recursos naturais. Alguns resultados empíricos indicam que a abundância de recursos naturais tende a conduzir ao declínio na tributação e uma dizimação dos esforços extrativistas por parte do Estado (Chaudhry, 1997; Soifer, 2006). Essa evidência é corroborada, ainda, por um padrão de comportamento em análise comparativa internacional: países ricos em recursos naturais tendem a apresentar uma baixa carga tributária (Dunning, 2008).

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2.4 Efeitos da exploração de petróleo e gás no comportamento de prefeitos e eleitores

Ross (2012) argumenta os governos são afetados pelo tipo de receita que arrecadam na mesma medida que as pessoas são afetadas pelo seu tipo de alimentação. Adicionalmente, um conjunto de autores atribuem os efeitos negativos das rendas de petróleo ao comportamento daqueles que controlam o Estado (Caselli, 2006; Caselli & Cunningham, 2009; Monteiro & Ferraz, 2012; Paler, 2012; Robinson et al. 2006; Ross, 1999;). Nesse sentido, governantes que podem contar com rendas da exploração de recursos naturais podem ter menos incentivos para compartilhar o poder político em troca de apoio eleitoral ou receitas de tributos.

Acredita-se, ainda, que a forma como o Estado é financiado também afeta o comportamento dos eleitores. Luciani destaca que (1987, p. 87), "o fato é que não há nenhuma representação sem tributação”. E surgem um conjunto de explicações a nível de indivíduo para explicar e testar os efeitos causais do recebimento de rendas de recursos naturais.

Sandlu (2005) discute as causas para os possíveis efeitos deletérios dos recursos naturais em termos de impacto no crescimento econômico e instituições políticas. Para ele as razões que justificam os efeitos discutidos pela teoria da maldição dos recursos dizem respeito a aspectos ligados a psicologia econômica, mais precisamente, o processo de decisão individual e sugere uma intervenção em países ricos em recursos naturais. Essa intervenção consiste em distribuir as rendas provenientes da exploração de combustíveis e minerais entre a população e reverter essa “dotação” para o governo em forma de taxa. Essa medida geraria um sentimento de apropriação dessas rendas por parte da população.

A proposta de Sandbu (2005) se baseia na teoria da prospecção (prospect

theory) formulada por Kahneman e Tversky (1979). Essa teoria foi desenvolvida

como resposta ao postulado da teoria da utilidade esperada, a qual assume que pessoas são motivadas primordialmente por incentivos materiais e fazem decisões de modo racional (Bernoulli, 1954; Friedman & Savage, 1948; Von Neuman & Frechet, 1953). Entre os pressupostos da teoria da prospecção postula-se que indivíduos são muito mais sensíveis à maneira como um

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resultado se desvia de um nível de referência do que ao resultado absoluto. Quando confrontados com uma sequência de decisões sob risco, indivíduos parecem basear cada decisão em seus ganhos e perdas isoladamente, em detrimento da consideração das consequências da decisão para suas riquezas como um todo. Além disso, os indivíduos tendem a ser mais avessos a uma perda de um determinado tamanho do que favoráveis a um ganho de mesma magnitude (Kahneman & Tversky, 1979).

Mais além, pesquisa sobre um mecanismo chamado efeito de dotação (endowment effect) evidenciou que pessoas são mais avessas a perder dinheiro do próprio bolso a renunciar ganhos futuros em valor equivalente (Kahneman, Knetsch & Thaler, 1991). Sandbu propõe que esses resultados sejam interpretados a luz de uma analogia entre impostos e rendas da exploração de recursos naturais, para esse autor “the psychology of human decision-making

provides a micro-mechanism for the different effects of taxes and rents. Human beings are prone to care much more strongly about money that has passed through their hands (such as income taxes) than money that they simply never see (such as wasted or diverted natural resource rents) (Sandbu, 2005, p. 3). E

explica que pagamentos de impostos diretos são geralmente percebidos como um custo que as pessoas devem pagar do seu salário, e assim as pessoas possuem um incentivo para responsabilizar e acompanhar como o governo gasta seu dinheiro. Riqueza de recursos naturais que é desperdiçado ou roubado, em contraste, é mais provável ser percebida como um ganho antecipado, uma vez que nunca passou pelas mãos da população e, portanto, nunca foi de fato propriedade da população. O efeito de dotação implica que a motivação para responsabilizar o governo é menos forte no caso das receitas dos recursos naturais do que no caso dos impostos (Sandbu, 2005).

Como vimos, as explicações políticas em torno da existência de uma maldição dos recursos naturais repousam especialmente na teoria dos estados rentistas. Mais especificamente sobre o efeito rentista proposto por Ross (2001). Esse suposto efeito está relacionado a nível individual e tem impacto tanto no comportamento de políticos, como de eleitores. Entretanto, investigações no nível micro envolvem a utilização de metodologias experimentais ou de análise de percepção.

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Paler (2012), ressalta que a maior parte dos estudos preocupados em investigar a ocorrência e mecanismos da teoria da maldição dos recursos tem como base dados observacionais e apresentam sérias limitações na identificação de efeitos causais, e destaca a necessidade de investigar o fundamento por trás da teoria da maldição dos recursos a partir de uma abordagem que privilegie a análise a nível de indivíduo.

One way to adjudicate conflicting national and cross-national evidence is to turn to the micro-foundations for empirical support, but the impact of windfalls and taxes on individual psychology has not yet been demonstrated. Without such evidence, the fundamentally micro-level claim that taxation produces stronger incentives that windfalls to hold politicians accountable remains unsubstantiated (Paler, 2012, p.14).

Nesse sentido, a autora realiza um estudo experimental com objetivo de investigar a alegação microfundacional na literatura dos estados rentistas que

windfalls e impostos dão aos cidadãos diferentes incentivos para responsabilizar

os representantes políticos.

Paler (2012) realizou um experimento de campo com 1.863 eleitores no distrito de Blora na Indonésia. O experimento foi conduzido a partir de uma campanha de conscientização sobre o papel dos representantes eleitos e sobre orçamento distrital. As manipulações analisadas envolveram a disponibilização de informação e a simulação do efeito de dotação e pagamento de imposto. A campanha começou lembrando aos cidadãos que eles votam em seus representantes, que por sua vez tomam decisões sobre os serviços públicos e decisões políticas que interferem no futuro do distrito. Os participantes fizeram um exercício sobre orçamento doméstico e ganharam um prêmio pela participação na pesquisa. O prêmio pago pela participação na pesquisa sofreu variação entre os grupos de taxas e de rendas extraordinárias. Ao final, aos participantes do grupo de taxas fora solicitado o pagamento de impostos, cujo valor correspondia ao prêmio pago em excesso em comparação com o grupo de rendas extraordinárias. O intuito era simular o efeito de dotação e posterior

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cobrança de impostos, tal como acontece quando pagamos impostos diretos sobre a renda. Adicionalmente, a manipulação de informação envolveu a disponibilização de informação placebo para o grupo de controle, e informação sobre gastos com orçamento e desvios de recursos para o grupo de tratamento. Todos os participantes preencheram um postal sobre como gostariam que as receitas do distrito fossem aplicadas e responderam questões sobre apoio ao incumbente. Os participantes poderiam ou não enviar os postais para a equipe da pesquisa, incorrendo para tanto nos custos de leva-lo até o “correio”.

Os resultados mostram que os participantes do grupo de impostos foram mais dispostos a monitorar o governo e mais propensos a retirar apoio político. O experimento também mostrou que a disponibilização de informação causou um aumento substancial na percepção de piores desempenhos de governança.

Os resultados encontrados por Paler (2012) suportam a hipótese de que rendas inesperadas e impostos criam diferentes incentivos sobre a disposição dos eleitores se tornarem politicamente informados e retirarem o apoio ao incumbente. Assim, o pagamento de impostos aumentou a propensão dos eleitores a monitorar, participar e sancionar políticos. O contexto de alta informação no grupo de impostos também aumentou a percepção de desempenho político aquém do esperado pelos eleitores. Não há, porém, indicativos que impostos provocam maior sanção em casos de corrupção, ou que os eleitores se tornam mais permissivos a desempenhos ruins quando o governado é financiado por rendas inesperadas. Nesse sentido, tanto o grupo de taxas como o grupo de rendas inesperadas demonstraram um grau elevado de sofisticação na punição de desvios de recursos e intolerância a má desempenhos.

Ross (2003; 2012) também contesta a hipótese que cidadãos são indiferentes a forma como seus governos aplicam as receitas de petróleo. E argumenta que qualquer pessoa que tenha alguma familiaridade com a história de países ricos em petróleo sabe que os cidadãos são interessados em receber sua parcela dessas rendas. Cita ainda, o exemplo do forte apoio e envolvimento da população de países ricos em petróleo nos processos de nacionalização da exploração do petróleo e gás e mostra exemplos de participação da população de alguns países em conflitos armados motivados pelo interesse em

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participarem do rateio dessas rendas. Ross (2012) ressalta, então que cidadãos sabem da existência das rendas da exploração de petróleo e se importam com a forma como essas receitas são aplicadas. Entretanto, Ross (2012) destaca que como a maioria dos países ricos em petróleo mantém em sigilo as informações sobre quanto arrecada pela produção de petróleo os cidadãos acabam não tendo uma exata noção sobre a proporção gastos do governo em relação as receitas do petróleo, o que acaba por favorecer políticos corruptos e incompetentes. Esse autor, entretanto, não fornece nenhuma evidência empírica efetiva para seus argumentos. E tão pouco detalha sob quais aspectos os cidadãos seriam ou não conscientes da existência de rendas da exploração de recursos naturais.

Adicionalmente ao que defende Ross (2012) argumentamos que o nível

de conhecimento da população a respeito do beneficiamento com rendas de petróleo e gás é tanto mais determinado pelo volume de receitas que o país, estado ou município recebe (H1). Ou seja, a depender da proporção com que a

máquina pública é financiada por essas rendas os cidadãos são mais ou menos conscientes da sua existência. Assim, quanto maior a receita municipal decorrente da exploração de petróleo e gás, maior será a probabilidade que um número maior de cidadãos esteja informado sobre esse fato. E o nível de acurácia do conhecimento dos cidadãos sobre origem e volume dessas rendas também é proporcional a sua importância para o orçamento.

Os resultados encontrados por Paler (2012) enfatizam a importância do aumento da disponibilização de informação sobre o gasto público. E ressaltam que eleitores processam informações sobre desempenho político de maneira bastante sofisticada. Nesse sentido, a presente pesquisa se propõe a testar a hipótese (H2) de que o conhecimento por parte dos cidadãos da existência de

um grande volume de rendas da exploração de petróleo e gás altera as preferências dos eleitores tanto sobre o tipo de serviços que pretendem receber, como em relação avaliação que fazem do desempenho dos serviços prestados.

Eleitores percebem a relação de proporcionalidade entre os impostos que pagam e os benefícios que recebem do governo (Jones & Williams, 2008; Ross, 2004). Da mesma forma, acreditamos que quanto maior a proporção das rendas do petróleo representar para o município, maior será a sensação do eleitor a

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respeito da existência de uma desproporcionalidade entre essas receitas e a qualidade dos serviços prestados.

Igualmente, outros estudos têm destacado a importância da disponibilização de informação e a capacidade de processamento por parte do eleitorado. Pande (2011) destaca que um resultado comum a essa literatura é que a disponibilização de informação sobre processo e governança política, tais como a realização de campanhas de conscientização e auditorias, aumenta a

accountability eleitoral e reduz desvios políticos e corrupção (Banerjee et al,

2010; Chong et al, 2010; De La O, 2009; Djankov et al, 2010; Ferraz e Finan, 2008; Gerber e Green, 2000; Wantchekon, 2003; Wantchekon, 2009).

Banerjee et al (2010) analisaram como informações sobre desempenho e qualificações políticas afetam os resultados eleitorais. Mais especificamente, eles procuraram investigar como a informação afeta as inferências dos eleitores sobre a qualidade dos candidatos e sobre decisão de votar, bem como a escolha sobre quem votar. Realizaram um experimento de campo em 200 favelas de Delhi, na Índia, por meio da manipulação de informações sobre a qualificação dos legisladores (nível de escolaridade, renda, e ficha criminal) e desempenho parlamentar (emendas aprovadas; participação em sessões legislativas e sessões especiais; defesa dos interesses da comunidade nas sessões legislativas). Os resultados sugerem que os eleitores possuem significativa sofisticação no processamento de informações, sendo capazes de comparar o desempenho entre legisladores e tendem a premiar os que apresentam maior desempenho. A manipulação também aumentou em 3.6% a taxa de comparecimento as urnas.

Chong et al (2010) realizaram outro experimento de campo em doze municípios mexicanos nas eleições de 2009. O objetivo da intervenção foi analisar o impacto de campanhas eleitorais na participação nas eleições e na proporção de votos compartilhados pelo partido incumbente. A manipulação realizada por esses autores envolveu três diferentes intervenções, todos os grupos receberam informações a respeito das atribuições de prefeitos. Enquanto que um grupo recebeu adicionalmente informações sobre os gastos do governo na provisão de serviços públicos. Um outro grupo recebeu informações sobre investimentos em áreas pobres, e um terceiro conjunto de indivíduos teve

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conhecimento de envolvimentos dos prefeitos com irregularidades e corrupção. Os resultados indicam que quando expostos a casos de excessiva corrupção as taxas de comparecimento às urnas diminui (mais especificamente essa redução é de 11%) e consequentemente a proporção de votos compartilhados pelo partido incumbente. Informações sobre gastos públicos, por sua vez, tendem a apresentar efeitos opostos.

Ferraz e Finan (2008) investigaram os efeitos da disponibilização de informação sobre a corrupção e resultados eleitorais em municípios brasileiros. A pesquisa analisou comparativamente os resultados eleitorais de prefeitos cujas contas públicas haviam sido alvo de irregularidades antes e após o pleito eleitoral. Os resultados indicaram que eleitores bem informados tendem a punir políticos corruptos, principalmente em municípios com presença de veículos de mídia independentes. Por outro lado, a disponibilização de informação também parece influenciar o comportamento de gestores prevenindo o seu envolvimento com corrupção (Ferraz e Finan, 2008; Avis, Ferraz, Finan; 2016).

Reinikka e Svensson (2006) utilizaram uma abordagem quase-experimental para avaliar os efeitos de uma companha de disponibilização de informação entre a comunidade escolar e pais promovida pelo governo federal de Uganda. O objetivo da política era reduzir a corrupção na verba escolar. A política consistiu na organização de jornais contendo informações sobre os repasses federais para educação a nível local. Antes da intervenção as escolas recebiam em média apenas 20% dos recursos repassados pela esfera federal. Já em 2001, cerca de 10 após a intervenção política, as escolas passaram a receber em média 80% dos repasses federais. Esses resultados corroboram o pressuposto que a disponibilização de informação afeta o comportamento de políticos reduzindo a incidência de corrupção.

Entretanto, se por um lado, informação gera maior accountability eleitoral, os resultados apresentados por Brollo et al (2010), parecem indicar que a presença de rendas inesperadas, mesmo em contextos com fortes instituições de controle e mídias independentes, tende a anular os efeitos da disponibilização de informação, gerando fortes incentivos para políticos cometerem desvios, sem incorrer em maior sanção eleitoral. Os resultados dessa pesquisa mostram que transferências federais 10% maiores aumentam os casos graves de corrupção

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em 16% e as chances de reeleição dos prefeitos em 6%. Esse aparente impasse gera oportunidade para testar a hipótese sobre os efeitos da disponibilização de informação em ambientes com abundância de recursos naturais. Nesse sentido, nossa hipótese é que cidadãos informados sobre a existência das rendas de petróleo inibem comportamentos oportunistas dos políticos, e tendem, a melhorar a governança das rendas do petróleo (H3).

Aparentemente a existência de mecanismos de controle e de divulgação de informação não são completamente eficientes em conter desvios de conduta dos políticos em contextos com recebimento de grandes volumes de rendas externas. Em alguma medida a transparência parece conter o comportamento desviante de alguns políticos, entretanto, essa relação parece ser moderada pelo volume das rendas externas. Assim, se o efeito da existência da informação disponível sobre o político não está claro, o contexto de eleitores bem informados seria mais efetivo? A existência de eleitores bem-informados sobre a existências dessas transferências externas é crível para conter comportamento desviantes? Nesse sentido, apesar dos indicativos da íntima associação entre abundância em rendas do petróleo e corrupção argumentamos que ambientes onde há acesso a informação de qualidade a relação entre rendas do petróleo e corrupção tende a ser suavizada.

Paler (2012) destaca a necessidade de investigação adicional para identificar os efeitos causais de impostos e rendas inesperadas no comportamento dos políticos e na qualidade dos governos. Essa autora ressalta que apesar do seu trabalho mostrar que a tributação dá aos cidadãos incentivos mais fortes para conter o governo, provas de que da mesma forma fornece aos políticos incentivos para tornar o governo mais eficiente, transparente, e ágil ainda é necessária. Adicionalmente, Pande (2011) também salienta a necessidade de estudos com abordagem experimental sobre o impacto da disponibilização de informação sobre o desempenho de políticos.

Assim, duas agendas de pesquisa permanecem relativamente inexploradas, quais sejam, a análise do impacto de intervenções com disponibilização de informação sobre o desempenho de políticos e como diferentes fontes de receitas impactam na forma e na qualidade de informações disponíveis.

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As teorias e pesquisas aqui analisadas parecem indicar que a disponibilização de informação tende a promover melhorias na prestação de serviços públicos e a aumentar a accountability eleitoral. Por outro lado, indicam que a presença de rendas inesperadas tende a diminuir os efeitos da ampliação do acesso a informação.

Apresentamos abaixo uma síntese das hipóteses a serem testadas nesse estudo:

H1. Quando o nível de rendas da exploração de petróleo é expressivo para o orçamento municipal os eleitores são conscientes sobre a existência dessa fonte de financiamento;

H2. O conhecimento a respeito do recebimento de rendas extraordinárias pelo município altera as preferências dos eleitores sobre quantidade, qualidade e tipo de políticas públicas que esperam receber;

H3. Cidadãos bem informados sobre a existência de rendas da exploração de petróleo e gás afetam o comportamento de políticos na gestão de rendas provenientes da exploração de petróleo;

3. Metodologia

Essas hipóteses serão testadas via realização de pesquisa de campo. A ser realizada em duas etapas. A primeira delas compreende a aplicação de questionários em municípios produtores e não produtores de petróleo, com questões que incluam a avaliação das políticas públicas municipais, o nível de conhecimento dos respondentes a respeito do recebimento das rendas de petróleo pelo município e suas preferências sobre a aplicação desses recursos. A segunda corresponde a realização de dois experimentos, nos quais serão testadas manipulações referentes a relação entre impostos – rendas de petróleo – informação. Os experimentos serão aplicados em dois grupos de indivíduos: prefeitos e eleitores. E além da aplicação da manipulação espera-se aplicar o experimento entre indivíduos moradores de municípios ricos e pobres em petróleo.

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4. Considerações finais

O objetivo desse trabalho foi apresentar um diálogo entre a teoria e as perguntas que deram origem a essa agenda de pesquisa, as quais relacionam-se a análirelacionam-se comparativa dos efeitos da informação sobre o comportamento de eleitores e prefeitos em contextos de rendas extraordinárias.

Para tanto discutimos as principais teorias e trabalhos empíricos relacionados aos efeitos da exploração de recursos naturais, além de apresentarmos a literatura sobre o comportamento econômico, e os efeitos da informação sobre a responsabilização eleitoral.

Desde Tocqueville (1835) o crescimento econômico tem sido associado ao surgimento e persistência de instituições democráticas. Para Ross (2001) o aumento de receitas está associado a ampliação das instituições democráticas. Entretanto, um crescente corpo de estudos parece apresentar uma exceção a essa “regra”: se o aumento da renda for atribuído a exploração de recursos naturais, eles sugerem, que este efeito democratizante vai encolher ou desaparecer (Ross, 2001).

A teoria da maldição dos recursos advoga pela existência de um relacionamento negativo entre crescimento econômico e abundância em recursos naturais. Nesse sentido, um conjunto de autores apresentam evidências empíricas que países ricos em recursos naturais tendem a crescer menos e mais devagar e são mais propensos a presença de guerras civis (Brollo et al., 2010; Jensen & Wantchekon 2004; Ross 2001; Van Der Ploeg, 2011; Wantchekon, 2004). Entre as consequências políticas, ainda, é possível destacar a prevalência de corrupção, a persistência de regimes autocráticos, e indução a desgoverno (Barro, 1999; Jensen & Wantchekon, 2004; Ross, 2001; Tsui, 2011).

Um conjunto de trabalhos mais recentes, especialmente aqueles fruto da utilização de abordagens metodológicas experimentais ou quase-experimentais (Acemoglu et al, 2008; Dunning, 2008; Haber, 2004; Monteiro & Ferraz, 2012; Paler, 2012) tem questionado as principais hipóteses defendidas por essa

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literatura que tanto tem associado crescimento econômico a estabilidade democrática (Acemoglu et al, 2008), quanto ao relacionamento negativo entre recursos naturais, crescimento econômico e democracia. Os estudos realizados por esses autores observam a preocupação com a existência de relações de causalidade reversa e com a definição de contracfactuais.

Alguns dos principais mecanismos causais responsáveis pelos efeitos deletérios de rendas extraordinárias relacionam-se a nível comportamental. Especialmente, quando se discute a teoria do renteirismo. Segundo a qual rendas provenientes da exploração de recursos naturais alivia a sociedade do pagamento de impostos para financiar o funcionamento do Estado, o que seria responsável por criar um contrato social de quietude política, em que eleitores livres do pagamento de impostos deixam de cobrar representação política e de responsabilizar seus governantes. Disso decorre a tese de que impostos e rendas extraordinárias ofereceriam diferentes incentivos para os eleitores em termos de responsabilizar o governo, exigir representação e monitorar o uso dos recursos responsáveis pelo financiamento do Estado. Paler (2012) realizou um primeiro teste empírico a partir de experimento de campo para essa tese. E um conjunto crescente de estudos de campo tem endereçado atenção a análise do comportamento de eleitores sob diferentes contextos.

Permanece inexplorado, entretanto, a análise dos impactos de rendas extraordinárias e disponibilização de informação sobre a perspectiva dos governantes. Assim como também, a investigação a respeito das preferências dos eleitores com relação aos serviços públicos em contextos de exploração de recursos naturais. Nesse sentido, o presente trabalho lança novas questões de pesquisa a serem analisadas a partir de análises a nível individual e esperamos contribuir com a sistematização do conhecimento nessa área e adicionalmente fornecer novos suportes empíricos para o teste das hipóteses construídas a partir do levantamento da literatura.

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4. Referências

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Referências

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