M I T I F I C A Ç Ã O Е D E S M I T I F I C A Ç A O DO H E R Õ I NO T E A T R O D E A I M Ê C É S A I R E
Поило Lala TH0B1AS*
A temática d a descolonização е a d a n e g r i t u de são características básicas d a produção l i t e rãria de Aimê Césaire. Q u e r s e j a n a p o e s i a , q u e r s e j a n a d r a m a t u r g i a , n o t a - s e a preocupação do p o e t a em p r e p a r a r o s c a m i n h o s p a r a a c o n s c i e n t i
zação d o s n o v o s p o v o s c o l o n i z a d o s , com o i n t u i , t o de adaptá-los ãs r e g r a s q u e comandam o mundo m o d e r n o , sem j a m a i s p e r d e r a essência de s u a c u l t u r a .
D e n t r o d e s s a d r a m a t u r g i a pedagógica, Aimê Césaire lança mão de f a t o s е p e r s o n a g e n s veríd.i c o s , q u e a g i t a m е povoam o s e u u n i v e r s o c r i a t i v o , d o s q u a i s serão r e f u t a d o s o s maus e x e m p l o s е r e t i r a d o s o s e n s i n a m e n t o s q u e servirão p a r a a construção d e s s a s nações e m e r g e n t e s . Sendo a s s i m , b u s c a r e m o s n a s u a t r i l o g i a d a d e s c o l o n i z a ção d o i s heróis q u e n o s serão úteis n a t e n t a t i v a de i l u s t r a r a problemática d a mitificação е a d a desmitificação n a s u a produção dramática. De um
l a d o , está P a t r i c e Lumumba, herói de Une ScÚAon aa Congo ( 1 ) , peça c o n c e b i d a em 1 9 6 7 , e q u e e x põe a s f e r i d a s a b e r t a s p e l o s b e l g a s , d u r a n t e s u a permanência no país-símbolo d a A f r i c a : O Congo. De o u t r o l a d o , H e n r i C h r i s t o p h e , o lendário r e i h a i t i a n o , um d o s a r t i c u l a d o r e s d a independência d o H a i t i , herói de La Tfiagé.&L<i da RoÁ CkhÁAto\A<L
( 2 ) , peça de 1 9 6 3 .
H i s t o r i c a m e n t e , ambos se a s s e m e l h a m em r a zão de s u a proveniência p o p u l a r e d a ascensão ã posição de d e s t a q u e d e n t r o d a política de c a d a país. No início de c a d a o b r a , têm-se a s f i g u r a s de Lumumba e C h r i s t o p h e como l i n h a m e s t r a a g u i a r o d e s t i n o d e t o d o s ; são e l e s responsáveis p o r a b r i r a s t r i l h a s rumo ã l i b e r d a d e . C o l o c a d a s no e p i c e n t r o d a situação c o n f l i t u a l , as p e r s o n a g e n s têm ciência d a importância de s u a p e r f o r mance d e n t r o d e s s e u n i v e r s o de cobiça e de a n t a g o n i s m o e é, através de s u a s p a l a v r a s , q u e s e n t i mos a ascendência de c a d a um s o b r e a q u e l e s q u e os seguem. N e s t e e x e m p l o , t e m o s a s p a l a v r a s de C h r i s t o p h e c o n v o c a n d o o s homens p a r a a r e v a l o r i zação do p a s s a d o e a t o m a d a do f u t u r o . Em t o m a n i m a d o começa a d i z e r :
" P o i s bem, com g a r r a s ou sem g a r r a s , t u d o está a q u i ! E u r e s p o n d o 'com g a r r a s ' . Nós devemos t e r g a r r a s . Não s o mente o s ' d i l a c e r a d o s ' , mas também o s 'dilaceradores'. N ó s , n o s s o s nomes, já que não podemos retirá-los do p a s s a d o , que s e j a m do f u t u r o . " ( 2 )
P r o s s e g u e a i n d a , a g o r a com t o m m a i s t e r n o :
"Vamos, de nomes de glória e u q u e r o c o b r i r s e u s no mes de e s c r a v o s , de nomes de o r g u l h o , n o s s o s nomes de infã m i a , de nomes de r e s g a t e n o s s o s nomes de órfão! É de um no vo n a s c i m e n t o , s e n h o r e s , que s e t r a t a . " ( 2 , A t o I , c e n a 3)
O comando à l u t a também é v i s t o n a s p a l a v r a s de Lumumba ã população. D i v e r s i f i c a - s e a s_i tuação, porém o s u b s t r a t o p e r m a n e c e o mesmo:
" S e n h o r , t o d o s o f r i m e n t o que s e p o d i a s o f r e r , nós o s o f r e m o s . Toda humilhação que s e p o d i a b e b e r , nós a bebe mos. Mas, c a m a r a d a s , o g o s t o de v i v e r , e l e s não puderam t i
rá-lo de n o s s a s b o c a s . (...) C a m a r a d a s , t u d o está p o r f a z e r , ou t u d o está p o r r e f a z e r , mas nós o f a r e m o s , nós o r e f a r e m o s . P o r Kongo! Nós r e t o m a r e m o s t o d a s a s l e i s uma após a o u t r a , t o d a s a s l e i s , p o r Kongo! Nós r e v e r e m o s um após o o u t r o , t o d o s o s c o s t u m e s , p o r Kongo! (...) Tudo o que e s t i v e r c u r v a d o será e n d i r e i t a d o , tudo o que e s t i v e r endi. r e i t a d o será realçado." ( 1 , A t o I , c e n a 6 )
N o t a - s e , então, q u e a missão d o herói c e s a i r i a n o é a de s e r o e l e m e n t o - e l o e n t r e a a n t i g a i d e n t i d a d e , q u e , e m b o r a pertença ao p a s s a d o , man tém s e u s r e f l e x o s na v i d a p r e s e n t e e a n o v a i d e n t i d a d e q u e s u r g e , à m e d i d a em q u e o c o r r e a a n u l a ção d a p r i m e i r a . P a r a t a n t o é necessário q u e h a j a o e n t r o s a m e n t o do herói com s u a g e n t e , p o r q u e é d e s s a relação q u e virá ã l u z o m o d e l o a s e r amado e s e g u i d o . No e x e m p l o q u e se s e g u e , n o t a mos a dimensão do c o m p r o m i s s o de amor e c o n f i a n
ça mútua e s t a b e l e c i d o e n t r e Lumumba e o s c o n g o l e s e s . D i z uma d a s p e r s o n a g e n s , Mamma M a k o s i , ao s e r i n t e r p e l a d a p o r um o p o n e n t e .
"Oh! Você s a b e , P a t r i c e será sempre P a t r i c e p a r a nós. P a r a onde e l e f o r , nós i r e m o s . E e s t o u c e r t a de que onde e s t i v e r m o s , e l e v i r á . E i s a q u i um que nao tem v e r g o nha de s e u s a m i g o s . " ( 1 , A t o I I , c e n a 1)
0 mesmo o c o r r e em La Tfiagz&Le., q u a n d o a p o pulação se s e n t e ameaçada p e l a presença de um n o v o c o l o n i z a d o r q u e r o n d a a v i d a h a i t i a n a . N e s s a c e n a , d i a n t e do m a r , e n t r e m u i t o s acessórios p e r t e n c e n t e s ao espaço cênico, t e m o s um b a r c o c o l o c a d o n a l i n h a d o h o r i z o n t e e q u e p a s s a a s e r o símbolo d e s s a ameaça. São a s p a l a v r a s d a p e r s o n a
gem V a s t e y q u e realçam a f i g u r a d e C h r i s t o p h e e f a z e m com q u e o p o v o r e t o m e a confiança q u e s e e s v a i : "Vamos cidadãos! V o l t e m p a r a s u a s c a s a s ! E s s e b a r co nao é de n o s s a c o n t a . É de C h r i s t o p h e . A c a d a um a s u a ocupação. A vocês o t r a b a l h o , o t r a b a l h o l i v r e , p o i s v o cês são homens l i v r e s , o t r a b a l h o p e l a nação um p e r i g o . A C h r i s t o p h e , o de n o s p r o t e g e r , n ó s , n o s s o s b e n s , n o s s a l i b e r d a d e . " ( 2 , A t o I , c e n a 2 )
e, em r e s p o s t a a e s s a s p a l a v r a s , um s e g u n d o c i _ dadão f a z exaltação a o r e i , c o m p a r a n d o - o a s e u o p o n e n t e :
"Bem f a l a d o ! Um homem, i s s o s i m , e quem o tem, C h r i s t o p h e . Não e s s a ' b o l a m u r c h a ' do Pétion. P a r e c e que p a r a s e f a z e r r e c o n h e c e r p e l o r e i d a França, e l e o f e r e c e uma indenização a o s a n t i g o s c o l o n o s . Um n e g r o o f e r e c e n d o uma indenização àqueles que o s n e g r o s i m p r u d e t e m e n t e f r u s t r a r a m do privilégio de p o s s u i r n e g r o s . " ( 2 , A t o I , c e n a 2)
E s s a s manifestações são v a l o r i z a d a s não só p e l a p a l a v r a , mas também p e l o s espaços o n d e o c o r rem n o p r i m e i r o e x e m p l o . Como e n u n c i a o p a r a t e x t o , e s t a m o s num b a r c u j a a t m o s f e r a é t o d a a f r _ i
c a n a , e n e l a Lumumba se e n q u a d r a p e r f e i t a m e n t e . (O desequilíbrio, a q u i , f i c a p o r c o n t a de M o k u t u , o p o n e n t e de Lumumba, e s o b r e quem o a u t o r chama a atenção p o r c a u s a de s e u t r a j e q u e d e s t o a d o s d e m a i s ) . E no s e g u n d o e x e m p l o , é uma praça pública q u e s e r v e como espaço p a r a e s s e r e c o n h e c i m e n t o p o p u l a r . P i c t o r i c a m e n t e , - estão a l i d i s p o s t o s o u t r o s e l e m e n t o s cênicos q u e r e p r e s e n t a m a v i d a ( G r u p o s de cidadãos, f o l h a s de b a n a n e i r a , a v e s , açúcar, s a l . . . ) . P r i m e i r a m e n t e , a presença de C h r i s t o p h e é e v o c a d a p e l a p a l a v r a dos a t o r e s em c e n a ; a s e g u i r , já p r e s e n t e f i s j L c a m e n t e , é p a r t e i n t e g r a n t e d a imagem p r o p o s t a no p a r a t e x t o . A l i r e c e b e a aclamação do p o v o c o mo s e n d o o g r a n d e d e f e n s o r d o s i n t e r e s s e s d o país.
Donos de t a l dimensão s o c i a l , a s ações p o r e l e s d e s e n v o l v i d a s serão g o l p e s c e r t e i r o s q u e atingirão a t o d o s - i n d i s t i n t a m e n t e - já q u e C h r i s t o p h e e Lumumba se f a z e m r e p r e s e n t a n t e s de t o d a a c o l e t i v i d a d e . G e o r g e s N g a l , em s e u a r t i go Aimê. CêòcuAe, uma dA.amatuA.gia da descoloniza
ção, d i z q u e " p o r e l e s se r e p r e s e n t a o d e s t i n o
c o l e t i v o de uma h u m a n i d a d e . Os s e n t i m e n t o s e o s c o n f l i t o s i n d i v i d u a i s não têm a mesma importân c i a q u e t i n h a m no t e a t r o clássico. 0 indivíduo
C h r i s t o p h e , o indivíduo Lumumba, p o u c o i m p o r t a m ; e l e s são símbolos do d e s t i n o c o l e t i v o de s e u p o v o " ( 3 , p . 6 1 4 ) . C o n c o r d a m o s em p a r t e com o p e n s a m e n t o do crítico, porém d e l e d i v e r g i m o s q u a n d o f a z alusão ã s u b j e t i v i d a d e d o s h e r ó i s , p o i s pode mos v e r q u e o f r a c a s s o ao q u a l estarão s u b m e t i d o s - um m a i s , o o u t r o menos - é conseqüente ao momento em q u e o c o r r e o a f l o r a m e n t o do indiví_ d u o . Nos momentos de l u t a , em q u e o m i t o v a i se f o r t a l e c e n d o , t e m o s uma f o r t e semelhança e n t r e C h r i s t o p h e e Lumumba; mas - em c o n t r a p a r t i d a a dissemelhança e n t r e um e o u t r o se dá q u a n d o i n c i d e m s o b r e c a d a um o r a d i c a l i s m o e a paixão, que são f r u t o s d o t r a b a l h o ao q u a l se e n t r e g a m , como também são p r o d u t o de um c e r t o a r r e b a t a m e n t o d a p e r s o n a l i d a d e de c a d a um d e l e s . N e s s e exem p i o , t e m o s uma p e r s o n a g e m - Hammarskjôld -, o se cretário g e r a l d a O.N.U., a d m o e s t a n d o Lumumba a q u e p r e s t a s s e atenção a e s s e f a t o . D i z e l e :
" S e n h o r Lumumba, há uma c o i s a que e u a p r e n d i m u i t o c e d o : é d i z e r s i m ao d e s t i n o , q u a l q u e r que s e j a . Mas já que nós e s t a m o s t r o c a n d o v o t o s , e u d e s e j o , aconteça o que a c o n t e c e r , que o s e n h o r não t e n h a d e , um d i a , p a g a r mui t o c a r o o preço de s u a importância e a s u a i m p u l s i v i d a de ... A d e u s . " ( 1 , A t o I I , c e n a 3 )
É a d o s a g e m em m a i o r o u m e n o r g r a u d e s s e s f a t o r e s i n d i v i d u a i s q u e estabelecerá o q u a n t o se é m a i s o u menos homem, m a i s o u menos m i t o .
A promoção mítica do herói c e s a i r i a n o t e m como p o n t o de p a r t i d a o caráter visionário q u e ambos p o s s u e m . E l e s têm a c a p a c i d a d e e a s e n s i b i l i d a d e p a r a v e r a v e r d a d e q u e se e s c o n d e d e b a i . x o d a r e a l i d a d e q u e l h e s é a p r e s e n t a d a : Lumumba " E s s e complõ b e l g a , o complõ b e l g a , eu o v e j o u r d i do d e s d e o p r i m e i r o d i a de n o s s a independência, u r d i d o p o r homens a t o r m e n t a d o s p e l o p e s a r e m a r c a d o s p e l o ódio. Eu o v e j o s o b o s traços do g e n e r a l M a s s e n s l e v a n t a n d o c o n trâ o g o v e r n o a força pública p a r a quem nós éramos d e s i g n a d o s , t o d o s , como um amontoado de políticos e a p r o v e i t a d o r e s sem escrúpulos! (...) 0- complÕ b e l g a ? E u o v e j o n a p e s s o a do e m b a i x a d o r d a Bélgica em L é o , o s e n h o r Van d e n P u t t , s a b o t a n d o , d e s e q u i l i b r a n d o , p a r a m e l h o r d e s o r g a n i z a r n o s s a República. (...) 0 complõ b e l g a ? É K a b o l o , Boma, M a t a d i . M a t a d i e s e u monte de cadáveres." ( 1 , A t o 1, c e n a 11)
e em La Tfiaazdid da Roí. Cktuutophz, o r e i vê q u e a r e s p o n s a b i l i d a d e de t o d o m a l p e l o q u a l p a s s a o H a i t i é t o d a e l a d e v i d a ã p o s t u r a q u e o s h a i t i a n o s mantêm d i a n t e de s e u s próprios p r o b l e m a s .
São e s s a s s u a s p a l a v r a s :
" B a s t a ! Que povo é e s s e que, p o r consciência n a c i o n a l , tem a p e n a s um a g l o m e r a d o de " r a g o t s " ( J a v a l i s , p o r c o s s e l v a g e n s : r e f e r e n c i a ã m e n t a l i d a d e c u r t a do p o v o ) . Povo h a i t i a n o , o H a i t i tem menos a l a m e n t a r d o s f r a n c e s e s que de s i mesmo. 0 i m i g o d e s s e povo é s u a indolência, s u a importância, s e u ódio p e l a i n d i s c i p l i n a , o s e u gozo e s e u t o r p o r . " ( 2 , A t o I , c e n a 3 )
É e s s a l u c i d e z q u e o s c o l o c a em uma p o s i ção avançada em relação a o s d e m a i s homens, e q u e os i m p e l e a q u e r e r a mudança r a d i c a l de t o d a a situação q u e l h e s é a p r e s e n t a d a , e q u e o s l e v a a q u e r e r a concretização d o g r a n d e s o n h o , q u e é a formação de um n o v o país l i v r e d e t o d o s o s ma l e s . P a l a v r a s de C h r i s t o p h e : " P r e c i s a m e n t e , e s s e povo d e v e p r o p o r c i o n a r - s e , que r e r , c o n s e g u i r a l g u m a c o i s a de impossível! C o n t r a o d e s t i no, c o n t r a a história, c o n t r a a n a t u r e z a , a h ! 0 insólito a t e n t a d o de n o s s a s maos n u a s . L e v a d o p o r n o s s a s mãos f e r i d a s , o d e s a f i o é i n s e n s a t o . " ( 2 , a t o 1, c e n a 7)
E s s e modo de v e r e d e s e n t i r a r e a l i d a d e que o c e r c a dará ao herói c e s a i r i a n o caracterís t i c a s revolucionárias. Com i s s o , será inevitá
v e l o c o n f r o n t o d i r e t o com a q u e l e s q u e l h e f a z e m f r e n t e ; t e m - s e então o s u r g i m e n t o de m u i t o s o p o n e n t e s de d e n t r o e de f o r a d o p a í s , já q u e s u a s ações são contrárias a o s i n t e r e s s e s e s t r a n g e i r o s e s e u modo de a g i r não c o i n c i d e com a c o m o d i d a d e à q u a l o p o v o está s u b m e t i d o . 0 herói t o r n a - s e indesejável p e l o s r e p r e s e n t a n t e s d a s forças es_ t r a n g e i r a s , e, s o b r e t u d o , t o r n a - s e um i n c o m p r e e n d i d o a o s o l h o s de s e u p o v o . Ã m e d i d a em q u e o d r a m a v a i e v o l u i n d o , v a i se a c e n t u a n d o o a n t a g o n i s m o e n t r e e l e e o s o u t r o s , a s s i m como, v a i d i l a t a n d o a i n d a m a i s a s u a solidão. E s s a advém d o g i g a n t i s m o do o b j e t o de s u a apetição, do a b s o l u t i s m o p o r e l e p e r s e g u i d o , e s u a ação d e t e r m i n a d a a p a r t i r d a imensidão d e s s e s o n h o . P o u c o s são, porém, a q u e l e s q u e c o n s e g u e m acompanhá-lo n e s s a e m p r e i t a d a e s u b m e t e r - s e às exigências f e i t a s p o r e l e s . C h r i s t o p h e d e c l a r a :
"Eu peço m u i t o pouco a o s homens! Mas nao o b a s t a n t e a o s n e g r o s , S e n h o r a ! (...) Todos o s homens têm o s mesmos d i r e i t o s . Eu c o n c o r d o com i s s o . Mas (...) há o s que tem m a i s d e v e r e s que o s o u t r o s . A q u i está a d e s i g u a l d a d e . Uma d e s i g u a l d a d e de somatização, c o m p r e e n d e ? A quem f a r e m o s a c r e d i t a r que t o d o s o s homens, eu d i g o , sem privilégio, sem p a r t i c u l a r exclusão, c o n h e c e r a m a deportação, o trá
f i c o , a escravidão, ( . . . ) , o u l t r a j e t o t a l , o i m e n s o i n s u l t o (...) E e i s p o r q u e é necessário p e d i r a o s n e g r o s m a i s que a o s o u t r o s : m a i s t r a b a l h o , m a i s fé, m a i s e n t u s i a s m o ( . . . ) . É de uma e s c a l a d a n u n c a v i s t a que eu f a l o s e n h o r e s , e i n f e l i z d a q u e l e c u j o pé l h e f a l t a r ! " ( 2 , A t o I , c e n a 7 )
Em Une ScúAon au Congo, t e m o s a s p a l a v r a s de Lumumba:
'Forçados! E u um forçado, um forçado voluntário. Vo cês são, vocês devem s e r forçados, i s t o é, homens conde n a d o s ao t r a b a l h o sem f i m , vocês estão ã disposição do Congo, v i n t e q u a t r o h o r a s p o r d i a ! V i d a p a r t i c u l a r , z e r o ! Nada de v i d a p a r t i c u l a r . Em t r o c a vocês terão nenhuma preocupação m a t e r i a l . (...) P o i s bem!, bando de m o l u s c o s , s i m , é p r e c i s o a n d a r rápido, é p r e c i s o a n d a r bem rápido." ( 1 , A t o I , c e n a 8 )
T a l v e z e s s a s últimas p a l a v r a s de Lumumba: "é p r e c i s o a n d a r bem rápido" n o s s i r v a m de i l u s ^ tração p a r a c o m p r e e n d e r o começo d o f r a c a s s o d o herói q u e , d e n t r o de s u a solidão, s u b e s t i m a o f a t o r t e m p o , e s q u e c e n d o - s e de que "a criação de uma nação é um p r o c e s s o l e n t o , um a m a d u r e c i m e n t o " , o n d e têm d e s e r l e v a d a s em c o n t a a v o n t a d e e a força d a q u e l e s q u e com e l e d i v i d e m o s e u unjL
v e r s o . Vemos então q u e há n o herói c e s a i r i a n o uma exaltação de s u a e p i c i d a d e em b u s c a d a l i b e r d a d e e , p o r o u t r o l a d o , há uma depreciação, m o t i ^ v a d a p e l o s m e i o s a o s q u a i s r e c o r r e p a r a a t i n g i r t a l m e t a . C h r i s t o p h e , m u i t o m a i s d o q u e Lumumba, é a t a c a d o p e l o desequilíbrio e n t r e a força r e v o lucionária d o herói e o ímpeto d o homem. C h r i s t o p h e , a o c h e g a r a o t o p o d o p o d e r , v a i a o s p o u c o s a s s u m i n d o a i d e n t i d a d e d o c o l o n i z a d o r . A p r i m e i r a a t i t u d e t o m a d a p e r e l e é f a z e r - s e r e i . Começa então a d e r r o c a d a d o m i t o . M u i t o cínica m e n t e , uma p e r s o n a g e m c o m e n t a a criação da n o v a c o r t e q u e s e g u e o s m o d e l o s e u r o p e u s : " E s t e - r e i n e g r o , um c o n t o a z u l , não é? E s t e r e i n o n e g r o , e s t a c o r t e , p e r f e i t a réplica n e g r a do que a v e l h a E u r o p a f e z de m e l h o r em matéria de c o r t e . " ( 2 , A t o I , c e n a 3 ) Do a l t o d e s e u p o d e r , s e m p r e t e n d o em v i s t a a l i b e r d a d e d a nação, C h r i s t o p h e começa a s u f o c a r a v o n t a d e e o d i r e i t o d e t o d o s , e a s s i m v a i se t o r n a n d o c o l o n i z a d o r d e s e u p o v o . Madame C h r i s t o p h e q u e s t i o n a a s i e a e l e , q u a n d o e l a d i z :
"Ãs v e z e s e u me p e r g u n t o s e você não ê a n t e s , p o r força de t u d o e m p r e e n d e r , a t u d o d a r a r e g r a , a g r a n d e f i g u e i r a que p r e n d e t o d a a vegetação ao r e d o r e a a b a f a . " ( 2 , A t o I I , c e n a 7) D e n t r o d e s s a dinâmica, C h r i s t o p h e u s a de t o d o s o s artifícios p a r a i n f u n d i r na m e n t e de t o d o s a s d u r a s lições q u e t e m p a r a e n s i n a r . As pa l a v r a s de um camponês bem p o d e r i a m s e r p r o f e r i d a s p e l o r e i , na t e n t a t i v a de se e x p l i c a r : "Mas p a i é p a i , e o que e l e f a z de d u r o , é p a r a o bem do f i l h o , e p o r q u e e l e tem o r g u l h o de s e u f i l h o . " ( 2 , Ato I I , c e n a 1)
É uma cortesã, porém, q u e a p o n t a , em C h r i s t o p h e , a incongruência, após o u v i r o r e l a t o d a m o r t e de um homem p e l o s g u a r d a s q u e e s t a vam s o b o comando do r e i : "Que p a r a d o x o e n c a n t a d o r ! Em suma, o r e i C h r i s t o p h e s e r v i r i a ã l i b e r d a d e p e l o s m e i o s da servidão." ( 2 , A t o I I , c e n a 2 )
Com Lumumba, porém, não se s e n t e uma q u e d a tão a c e n t u a d a p e l o f a t o de s e r vítima de c i r c u n s tâncias e x t e r i o r e s a e l e . P e r c e b e - n e n e l e uma
noção m a i o r de s o c i e d a d e e , mesmo s e n d o traído, a t a c a d o o u d e s f e r i n d o g o l p e s , e l e não p e r d e de v i s t a e s s a idéia: "Eu t e n h o p o r arma a p e n a s a m i n h a p a l a v r a , eu f a l o (...) e u não s o u um c a v a l e i r o a n d a n t e , nem um m i l a g r e i r o , eu s o u um d e f e n s o r d a v i d a , eu f a l o , e e u devol_ vo a A f r i c a a s i mesma! E u f a l o , e e u c o l o c o a A f r i c a no meio do mundo! E u f a l o , e , a t a c a n d o em s u a b a s e de o p r e s são e a servidão, eu t o r n o possível, p e l a p r i m e i r a v e z , a f r a t e r n i d a d e . " ( 1 ) Seu f r a c a s s o se l i g a ã porção p u e r i l q u e t r a z c o n s i g o e q u e o l e v a a c o n f i a r d e m a s i a d a m e n t e em s i e n a q u e l e s q u e o r o d e i a m ; e q u e também o l e v a a s u b e s t i m a r a força d e s e u s o p o n e n t e s . D e s s e modo, e l e não c o n s e g u e p e r c e b e r o s p e r i g o s a o s q u a i s está e x p o s t o . Há n e s s e p o n t o o u t r a s e melhança com C h r i s t o p h e , porém, em Lumumba, e l a é uma característica bem m a i s m a r c a n t e . P a u l i n e Lumumba a d e i x a t r a n s p a r e c e r através d e s u a s p a l a v r a s :
" P a t r i c e , e u t e n h o medo ... Meu d e u s ! Meu D e u s ! eu s i n t o n a sombra e s s e s empurrões do ódio, e e u v e j o em t o d o s o s l u g a r e s térmitas, s a p o s , a r a n h a s , t o d a s e s s a s b e s t a s vilãs a o serviço da i n v e j a . Eu a c r e d i t o v e r s e
a p e r t a r e m em t o r n o de s i t o d a s a s t r a m a s e s e u s s u j o s com plõs, P a t r i c e ! ..." ( 1 , A t o I I , c e n a 8 ) É e l a quem o a l e r t a c o n t r a a v i v a c i d a d e d o s i n i . m i g o s e c o n t r a um possível cansaço p o p u l a r : "0 p o v o , s i m ! Mas e l e é f r a c o , o povo d e s a r m a d o , o p o v o , crédulo! E t e u s i n i m i g o s são p o d e r o s o s ! P e r s e v e r a n t e s , a s t u t o s , s u s t e n t a d o s p e l o mundo i n t e i r o ! " ( 1 , A t o I I , c e n a 8 ) Em r e s p o s t a a e s s a s p a l a v r a s , a inocência se a c e n t u a : "Não é p r e c i s o e x a g e r a r ... E u t e n h o a m i g o s ! Amigos fiéis. Nós somos uma e q u i p e ... Como d i z o provérbio popu l a r : 'Nós somos como o s p e l o s do cão, t o d o s d e i t a d o s na cama!'" ( 1 , A t o I I , c e n a 8 )
E s s a inocência crônica, e mesmo a l u t a q u e t r a v a d i r e t a m e n t e com s e u s c o l e g a s , não d e i x a t r a n s p a r e c e r com t a n t a evidência a l g u n s d e s l i z e s de Lumumba, como, p o r e x e m p l o , a a t i t u d e abus_i v a ao c o m e m o r a r a vitória s o b r e o p o v o L u l u a s -e l -e ag-e como t o d o s o s c o n q u i s t a d o r -e s .
"Eu conheço uma l i n d a moça l u l u a ! A m a i s b e l a ! E l a s e chama Hélène B i j o u ! É n a v e r d a d e uma jóia de m u l h e r ! P r e p a r e m - n a . E s t a n o i t e , dançarei com e l a ... com uma mo ça l u l u a ! D i a n t e de todo mundo.! ( 1 )
Comparando o s d o i s h e r ó i s , vê-se q u e a h u manização em um é m a i o r q u e n o o u t r o , e , c o n s e q t i e n t e m e n t e , o f r a c a s s o , o u a desmitificação é p r o p o r c i o n a l a o g r a u de i n d i v i d u a l i d a d e q u e e l e s d e i x a m t r a n s p a r e c e r . Até mesmo a m o r t e d e c a d a um é r e v e l a d o r a d e s s a r e a l i d a d e , p o i s , e n q u a n t o C h r i s t o p h e s e f a z vítima d e s u a própria ação, Lumumba é a r r e b a t a d o d a v i d a p e l a força de s e u s o p o n e n t e s , q u e o f u l m i n a m a i n d a em p l e n o v ô o . E l e s e a p r o x i m a e x e m p l a r m e n t e d e C r i s t o , n o q u e c o n c e r n e ao r e s u l t a d o o b t i d o com a s u a m o r t e . Ê com o s e u s a n g u e q u e e l e a t i n g e a transcendên c i a , d e i x a n d o uma g r a n d e l u t a como herança. Pode mos v e r e s s a v e r d a d e em s u a s p a l a v r a s d i r i g i d a s a Madame C h r i s t o p h e :
"Se eu d e s a p a r e c e r , d e i x o uma l u t a como herança a o s meus f i l h o s , você o s ajudará, o s guiará, o s armará. Mas, não! E u a c o n t i n u a r e i a i n d a , a l u t a ! " ( 2 , A t o I I I , c e n a 2 )
Toda a grandeza de Lumumba r e p o u s a no f a t o d e l e d a r ã nação um e s p e l h o . A m o r t e é s e u pró p r i o m e m o r i a l , e l a o c o n g e l a como herói mítico p a r a o s c o n g o l e s e s , e n q u a n t o q u e p a r a o s b e l g a s , e l e d e i x a de r e p r e s e n t a r um p e r i g o a o s s e u s i n t e r e s s e s .
R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S
1 . CESAIRE, A. Une òalòon aa Congo. P a r i s : S e u i l , 1 9 7 3 .
2. CESAIRE, A. La Viagídio. da noi ChAÂAtophn . P a r i s : Présence A f r i c a i n e , 1 9 7 0 .
3. NGAL, G. Aimê C e s a i r e : u n e d r a m a t u r g i e de l a décolonisation. Rei/ue de* Sctenceò HumaineA,
v . 3 5 , n . 1 4 0 , oct./déc. 1 9 7 0 .
B I B L I O G R A F I A C O N S U L T A D A
ALMEIDA, L.P. d e . O pássaro e a árvore. I n : 0
TEATRO de A-tmé CéôíUAe. R i o de J a n e i r o : U n i v e r s o ^ d a d e F e d e r a l F l u m i n e n s e , CEUFF, 1 9 7 8 .
ARISTÓTELES. La poítique.. P a r i s : L e s B e l l e s L e t t r e s , 1 9 3 2 .
BERND, Z. 0 qtxe. 1 mgnÃXude.. São P a u l o : B r a s i l i e n
s e , 1 9 8 8 .
FERKISS, V.C. Ã^fLÍca-. um c o n t i n e n t e ã p r o c u r a d e s e u d e s t i n o . R i o d e J a n e i r o : E d . G.R.D., 1 9 6 7 . KOTHE, F. 0 WíXol. São P a u l o : Ãtica, 1 9 8 5 .
MERRIAM, A. 0 Congo. R i o d e J a n e i r o : E d . L e t r a s e A r t e s , 1 9 6 3 .
P A L L O T T I N I , R. Vh.amatvJigÀ.<x: construção d o p e r s o n a gem. São P a u l o : Ãtica, 1 9 8 8 .