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O herói como representação da resistência ao sistema

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Academic year: 2020

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O H E R Ó I C O M O R E P R E S E N T A Ç Ã O D A R E S I S T Ê N C I A A O S I S T E M A

Rosângela Sanches da SILVEIRA*

A fada que tinha idéias de Fernanda Lopes de A l m e i d a , um conto de

fadas moderno que critica o "status quo", a ordem estabelecida, a e s t a g n a ç ã o . E uma obra que leva o leitor a refletir e questionar sobre o mundo em que vive e a q u e s t i o n á - l o , despertando-o para uma tomada de p o s i ç ã o , n ã o s ó diante do texto, mas diante da p r ó p r i a realidade. Contudo, o l i v r o n ã o afasta o leitor do â m b i t o maravilhoso. O u seja, o mundo que nos é apresentado é o mundo maravilhoso dos contos de fadas e o elemento m á g i c o , nessa obra, acaba por constituir-se em um elemento de i n t e r p r e t a ç ã o do real.

Essa passagem entre o real e o maravilhoso em A fada que tinha idéias é c o n s t r u í d a de maneira sutil e dissimulada, pois a obra , antes de tudo p o é t i c a , isto é, trata-se dum texto em que predomina o literário e n ã o apenas a c o n t e s t a ç ã o , a resistência. Certamente, por isso mesmo, consegue ser uma e x p r e s s ã o da resistência.

A h i s t ó r i a se passa na v i a láctea e tem como herói uma fada de apenas 10 anos de idade: Clara L u z . U m nome bastante sugestivo para uma personagem t ã o cheia de idéias e que consegue enxergar o seu mundo de uma maneira m u i t o especial.

Clara L u z , uma c r i a n ç a essencialmente crítica. Ela contesta toda a sociedade em que vive, resistindo firmemente a aceitar tudo que lhe é imposto. A sociedade em q u e s t ã o é o reino das fadas. U m a sociedade feminina na qual os p a p é i s da mulher como "fada", m ã e , professora e líder p o l í t i c o que antes

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estavam bem definidos, passam a ser questionados por Clara Luz. Ela resiste à a c e i t a ç ã o do sistema vigente, questionando a família, a política e a e d u c a ç ã o dentro da sociedade.

Clara L u z é impulsionada por um forte desejo de criar, ela quer originalidade, por isso n ã o aceita "receitas prontas" e nem f ó r m u l a s m á g i c a s p r é - e s t a b e l e c i d a s , como aquelas contidas no L i v r o das Fadas. Ela resiste a aprender as m á g i c a s do L i v r o , uma vez que sempre s ã o as mesmas: fabricar tapetes e desencantar princesas, impedindo a c r i a ç ã o de novas m á g i c a s e levando à e s t a g n a ç ã o e ao conformismo diante das regras. O L i v r o das Fadas é o primeiro ato de r e s i s t ê n c i a de Clara L u z em favor da liberdade de c r i a ç ã o , como forma de melhorar o mundo. Colorindo a chuva, organizando um b a l é no c é u , transformando as nuvens em animais de brincadeira, Clara L u z tenta melhorar o ambiente em que vive, embelezando-o ou tornando-o mais alegre e interessante.

Criando suas p r ó p r i a s m á g i c a s , e por vontade p r ó p r i a , Clara L u z consegue garantir autonomia para lidar com os poderes m á g i c o s que as fadas tradicionais n ã o p o s s u í a m , pois estavam sempre atendendo os pedidos de outrem - lembre-se que o papel da fada tradicional, na maioria das vezes, é reverter feitiços ou doar objetos m á g i c o s para a s o l u ç ã o do conflito, é o auxiliar m á g i c o .

As m á g i c a s de Clara Luz, p o r é m , nem sempre d ã o certo. Ela errou na receita dos bolinhos, quando colocou r e l â m p a g o demais, errou t a m b é m ao colocar t r ê s asas no bule para que ele virasse p á s s a r o . Mas Clara L u z sempre p ô d e contar c o m a ajuda da F a d a - M ã e . Sua m ã e , apesar de morrer de medo da Rainha e de desobedecer ao L i v r o das Fadas, é forçada a transgredir as ordens do L i v r o , criando novas m á g i c a s para salvar sua filha. Inovando, Clara L u z leva sua m ã e a inovar t a m b é m . Para resolver um problema de originalidade s ó se pode usar originalidade. A F a d a - M ã e quer inovar, mas tem medo do novo, por isso ela sempre usa a desculpa de falta de ar. A m ã e de Clara L u z sente falta de ar em s i t u a ç õ e s - l i m i t e s , quando é n e c e s s á r i a uma atitude. Quando isso acontece Clara L u z pede à m ã e que olhe a sua volta para ver como tem ar sobrando e sua m ã e melhora. Se a m ã e n ã o tem c o n s c i ê n c i a do ar a sua volta, c o m o pode ter c o n s c i ê n c i a do que e s t á acontecendo ao seu redor?

A F a d a - M ã e e as outras fadas t ê m medo de inovar, pois s ã o reprimidas pelo L i v r o e pela tirania da Rainha. Clara L u z , ao c o n t r á r i o , n ã o tem medo de

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nada, pois tem idéias. Pensando, criando, ela sempre consegue reverter s i t u a ç õ e s de perigo em s i t u a ç õ e s f a v o r á v e i s . E sua grande arma n ã o é a m á g i c a , mas seu bom senso, sua inteligência, os argumentos que utiliza que acabam sempre convencendo.

N a sua primeira aula de Horizontologia, Clara L u z e x p õ e à professora r e c é m - f o r m a d a uma s é r i e de o p i n i õ e s sobre os horizontes. Em p r i m e i r o lugar, Clara L u z acredita que n ã o existe apenas um horizonte, como todos dizem, mas sim muitos. Ela d i z a t é que vai escrever um l i v r o sobre o assunto. A l é m disso, p r o p õ e um novo procedimento d i d á t i c o , sugerindo uma aula "vivenciada": uma aula sobre horizonte no p r ó p r i o horizonte. Clara L u z acredita na c o n s t r u ç ã o do saber e n ã o em algo pronto que deva ser " e n g o l i d o " sem d i s c u s s õ e s . A l é m do mais, quer aprender brincando, "vivenciando" e x p e r i ê n c i a s .

A professora a p r i n c í p i o resiste a aceitar essa aula-brincadeira, dizendo que n ã o f o i assim que ela aprendeu Horizontologia no c o l é g i o . Clara Luz, para c o n v e n c ê - l a , utiliza o seguinte argumento:

- Por isso é que a senhora é tão magrinha. - Hein?

- Coitada, levou anos aprendendo horizontologia sentada! (Almeida, 1985)

A professora acabou cedendo e f o i para o horizonte com Clara Luz. A fadinha conseguiu despertar na professora o seu lado l ú d i c o , fazendo com que ela voltasse a ser c r i a n ç a :

A professora foi a primeira a pular sobre o horizonte.

Estava tão alegre que se esqueceu de que era professora e saiu aos pulos, com os cabelos voando (Almeida, 1985).

Elas acabaram aprendendo e se divertindo ao mesmo tempo e sem contar que se tornaram amigas.

N a ú l t i m a parte da história, Clara L u z tem sua tarefa mais difícil: convencer a Rainha a mudar sua forma de governar.

A o p i n i ã o de Clara L u z é que a Rainha deveria abrir os horizontes. Para c o n v e n c ê - l a disso, utiliza dois argumentos m u i t o fortes:

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O primeiro é este:

- Minha opinião é essa: se D. João V I , que não era fada, pôde abrir os portos, porque Vossa Majestade não pode abrir os horizontes? (Almeida, 1985).

Clara L u z desafia a Rainha a mostrar seu poder, sua autoridade. C o m o ela pode ficar a t r á s de D . J o ã o V I ?

O outro argumento utilizado é que as fadas n ã o podem seguir as regras de um l i v r o embolorado. O L i v r o M á g i c o das Fadas estava embolorado. Diante desses argumentos, a Rainha n ã o p ô d e mais resistir à p r e s s ã o e autorizou a abertura dos horizontes, j á que n ã o se pode ter idéias com os horizontes fechados. O L i v r o das Fadas f o i extinto, permitindo a liberdade de pensamento e de c r i a ç ã o das fadas.

Clara L u z , com sua a s t ú c i a e inteligência desafia o adulto, mas reconhece o papel e a i m p o r t â n c i a de cada u m : da m ã e , da professora, da rainha. Em nenhum momento quer assumir seus p a p é i s . Ela quer ajudar, participar, dar suas o p i n i õ e s e idéias, pois acredita que tudo é da conta de todos. N ã o é pelo fato de ser c r i a n ç a que suas o p i n i õ e s n ã o devem ser levadas em conta. Com idéias inovadoras, Clara Luz leva as outras fadas (como a F a d a - M ã e e a professora) a se questionarem, a quererem mudar e, o que é mais importante: elas perdem o medo e passam a defender as m u d a n ç a s ao lado de Clara L u z . E o adulto evoluindo, crescendo, superando suas dificuldades e fazendo com que seu mundo evolua.

Clara L u z representa o herói que consegue n ã o somente resistir ao sistema vigente, mas t a m b é m transformar toda a sociedade em que vive. Segundo Clara Luz:

Quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda. Quando ninguém inventa nada, o mundo fica parado (Almeida, 1985).

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R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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