EPiDEMIOLOGIA DA DOENÇA DE CHAGAS NO CEARA
XIII - PERSISTÊNCIA DA TRANSMISSÃO EM AR EA DESINSETIZADA*
J.E . Alencar**, O .F. Bezerra**', A .R . Santo****e E.G. Oliveira * '
F oi estudado o M u n icíp io de M orada Nova, desinsetizado de 1972 a 1974, verificando-se a í os seguintes fenômenos: manutenção do ciclo de transmissão em ecótopos artificiais domésticos e peridom ésticos e estudados ecótopos naturais onde se desenvolve uma intensa transmissão de T . cruzi. Nesses ecótopos foram capturados triatomíneos que sugaram hom em , cão e gato, m ostrando a relação que pode existir entre ele e o ciclo doméstico. Os triatom íneos da região são no entanto pouco antropófUos, justificando assim a baixa densidade da endemia chagásica (2,4% ).
IN T R O D U Ç Ã O
0 desenvolvimento econômico do Estado tem levado os órgãos responsáveis por ele a preocupar-se quanto aos aspectos de saúde. O DNOCS, responsável por projetos de desenvolvi mento em áreas de irrigação, preocupa-se por saber da existência e da prevalência de algumas doenças que possam afetar as populações das áreas em que os projetos se desenvolvem, dentre elas a Doença de Chagas.
Doença de Chagas nas áreas irrigadas —
Durante os anos de 1 9 7 0 a 19 74 foram realiza das, no Laboratório de Im u n o lo g ia d o Departa mento de Patologia e M edicina Legai do Centro
de Ciências da Saúde, por solicitação do
DNOCS, 4 .5 2 4 reações de fixação de comple mento para o diagnóstico da Doença de Chagas (Reação de G uerreiro Machado), em amostras de sangue provenientes do M u nicíp io de M ora da Nova, do Estado do Ceará, das quais 2,4% foram positivas.
Verifica-se pela análise dos resultados o b ti dos que alguns M unicípios das áreas de onde provêm os candidatos a irrigantes para os diversos projetos de irrigação do DN O C S apre
sentam taxas de infecção que nos levam k
preocupação de investigação do processo de transmissão da doença. Os Municípios que maiores taxas apresentaram foram Tabuleiro do Norte, Russas, Quixeré, Lim oeiro do Norte, Tauá e Palhano.
Doença de Chagas em M orada Nova — Sede
de um Projeto de Irrigação, a amostra de exames a í colhidos foi m aior e teve, portanto, um maior número de resultados positivos. Este fato justifica porque esse M u nicíp io foi escolhi do para ser trabalhado em prim eiro lugar.
As localizações das pessoas com RFC positi va estão assinaladas nos Mapas 1 a 6. Verifica-se por a í uma concentração ds casos em alb in a s localidades, tais como Tsiha, Lagoa do Felipe, Paquivira e Santa Cruz, rev«t-ando o fato e caráter focal da doença, como veremos no desenvolver da crítica aos resultados «Io traba lho realizado. Em relação è cidade de Morada Nova, o grande núm ero de pessoas com retwfte' do positivo deve-se ao fato de que esses pessoas residem na cidade mas vivem ume parte das sues vidas em fazendas au &íti*s onde certamente encontram o ra o m aH o adequado à infecção pelo T. cruzi.
' Traba ih o re alizado em progra m a do C o n vê n io S U C A M /U F C e c o m recursos fite Ccwavômo PGE 0 8 /7 4 A pre senta do ao X I I Congresso B ra s ile iro de M e d ic in a T ro p ic a l, B elém , fe v e re iro 4 e 19.76.
* * Docentes d o D e p a rta m e n to de P a to lo g ia e M e d icin a Lagal d o C e n tro de Ctôftcias da Saácte U f C * * * Técnicos da S U C A M . M in is té rio da Saúde.
Março-Abril, 1977
Rev. Soc. Bras. Med. Tiop.
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TR A B A LH O S R E A L IZ A D O S EM 19 74 P E LOC O N V Ê N IO P G E - 0 8 /7 4 - D N O C S —U N IV E R SIDADE
Objetivos do p ro je to :
a) Estudo da Doença humana, tendo como material os resultados das reações de fixação do complemento realizadas na área do M u n icíp io de Morada N o va1.
b) Estudo da infecção de animais dom ésti cos e silvestres na mesma época2 ■3,A.
c) Estudo da distribuição, prevalência e in fecção de triatom íneos na área de estudo5 .
Trabalhos realizados
Foram cadastradas 4 0 0 casas em 6 5 localida des e visitadas mais 4 9 localidades para ativida des que visaram com plem entar as informações buscadas.
Foram pesquisados triatom íneos em todas elas, sendo 4 3 localidades encontradas com triatomíneos, das quais 2 2 com triatom íneos infectados.
Foram examinados animais domésticos e silvestres na m aioria das localidades e casas.
Foram realizadas borrifações com B H C em 106 das casas visitadas.
R E S U LT A D O S O B T ID O S
As tabelas 1 e 2 revelam, por seus dados, que em 4 3 das localidades estudadas (37,7% ) é possível encontrar triatom íneos, sendo que 51% deles se apresentaram infectados. A maioriadesses triatomíneos foi capturada em ecótopos a rtifi ciais peridomésticos, locais esses perm anente mente visitados por animais domésticos2 .
As habitações da área estudada abrigam animais que, em taxas consideradas baixas, estão infectados pelo T. cruzi.
Durante o ano da pesquisa foi observado um caso agudo, A .M .S .N ., de 4 (quatro) anos de idade e residente na área da pesquisa1.
Os hábitos alimentares dos triatom íneos da região revelam uma baixa an tro p ofilia, porém a existência da infecção em triatom íneos que hajam sugado hom em demonstra a possibilidade de transmissão do T. cruzi. 6
C O NC LU SÕ ES
A transmissão silvestre do T. cruzi continua. Esse ciclo se m antém em locas de pedra onde habitam animais reconhecidamente reservató rios de T. cru zi e onde são capturados tria to m í
neos que examinados por provas de precipitina dão resultados positivos para sangue de homem, cão e gato; estes resultados são obtidos em áreas em que se encontram pessoas e animais domés ticos infectados.
M anutenção do ciclo de transmissão em ecótopos artificiais peridomésticos — Essa trans
missão se faz em to rn o das habitações humanas às custas de roedores, marsupiais e, provavel mente morcegos; a í são encontrados tria to m í neos com sangue de hom em , cão, gato e roedor.
M anutenção do ciclo de transmissão domés tica — Os triatom íneos capturados dentro da
casa (30% ) contém sangue de hom em , de cão, de gato e de roedor6 os quais apresentaram taxas baixas de infecção pelo T. cruzi porém suficientes para manter a transmissão.
O triato m ín eo vetor — T. brasiliensis — Esta
espécie é pouco doméstica e pouco antropófila; daí justifica-se ser baixa a transmissão humana nos territórios em que ele é a espécie dom inan te.
Casos agudos — Persiste a transmissão huma
na na região estudada, pois há a presença de caso agudo e 2,9% da infecção humana está no grupo etário de 0 — 4 anos1.
O triato m ín eo vetor persiste infectado den
tro das habitações — Esta inform ação mostra
que é permanente a possibilidade de trans missão.
Reformulação da p o lític a de p ro filaxia — A
profilaxia hoje cinge-se exclusivamente às borri fações com BHC nas casas onde a captura revelou a existência de triatom íneos; este dado por si só é insuficiente para comprovar a inexistência de triatom íneos nas casas em que a captura não os revelou, pois as fontes de infestação fora das casas são de qualquer modo suficientes e próximas, de m odo a estabelecer-se uma permanente interrelação.
Sabendo-se que o M u nicíp io de Morada Nova possuí 10.055 casas e que em 4 0 0 casas pesquisadas (4%) foram capturados 1.290 tria tomíneos, podemos calcular que na área do m unicípio seriam capturados 3 2 .4 2 7 . A taxa de infecção global observada na área estudada foi de 20,3% , a qual nos levaria ao número de 6 .5 8 3 fontes de infecção.
Sabemos que existem no M u nicípio 8 .7 3 0 vertebrados infectados4 , número mais que sufi ciente para manter estes triatom íneos infecta dos, ou seja, um animal infectado para cada 7 habitantes.
Considerando-se que as ninfas são em maior número que os adultos e por isto perm anecem em seus ecótopose considerando que surgem
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Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
Vol. XI - N? 2
T A B E L A 1Estudos Sobre a Epidem iologia da Doença de ChagBS Morada Nova — Estado do Ceará
Localidades Borrifadas Onde Persistem Triatom íneos, Triato m íneos Infectados e Animais Infectados
N 9 de Casas
T riato m íneos Animais
Borrificadas Infectados
Zona Localidade
19 2 9 39 Captu Infec Domés-
Silves-Ciclo Ciclo Ciclo rados tados ticos tres
Água Fria 24 2 4 1
+
+ +-1
Lagoa Funda 16 16 2 + Lajedo 47
3 + Aroeira 25 28_
+ II Boa Vista 12 15 2 + Mutam ba 12 12 2 + Q uixelê 21 23 - + Açude Novo 2 2_
+ + Açude Velho 3 3 — + + Casas Novas 15 64 8 + IV Conceição 23 22 + + Cumbe 74 70 10 + + Juazeiro de Baixo 119 98 1 + + Patos 14 23 — + + + Paulicéia 3 2 — + + Santo A n tô nio 3 7 - + Serrote Verde 5 5—
+ Baixa 5 5 + Castelo 29 22 — + Córrego Corcunda 8 8 -V Felipa de Baixo 25 27 + + + Felipa de Cima 18 20 2 +Frei Rem ígio 5 5 +
Lagoa Grande 13 7 1 + + Lagoa Nova 6 8 - + Tapera 16 16 2 + V I Caraúbas 3 4
_
+ + Saco Grande 26 22 5 + Extrem a Baixo 1 1-
+ + Flor de Liz 31 28 1 + + + V II Mota 16 16 - + Pedra Grande 9 9 — + + Tabuleirinho 24 27 — + + Tabuleiro Grande 10 11 1 + + Carcará 8 8 8 + + + Várzea Redonda 2 5 27 7 +Março-Abril, 1977
Continuação T A B E L A 1
Rev^Soc. Bnt. Med. Trop.
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Zona Localidade
N 9 de Casas
Borrificadas T riatom íneos
Animais Infectados 19 Ciclo 29 Ciclo 3 9 Ciclo Captu rados Infec tados Domés- Silves- ticos tres
Barro Verm elho 4 6
_
Cajazeiras 24 11 7 + Carcodé 27 25 1 + Exú 65 37 39 + + + + Frade 54 34 10 + + IX Forquilha 22 9 2 Guaraciaba 1 , 1 — +
Lagoa das Pedras 2 2 +
Morada Nova 186 115 119 , + Telha 44 31 25 + Vazante 45 56 20 + + Veneza 7 5 5 + Campo Alegre _ — + Folveiro 13 13 — + +
x
Patinhos 15 2 0 1 + + + Purgoleite 4 4 - + St9 A n t? das Lajes 11 11 6 + Tigre 8 9 2 T A B E L A 2Estudos Sobre a Epidem iologia da Doença de Chagas Estado do Ceará — M u nicíp io de M orada Nova
1975 L o c a lid a d e s T ra b a lh a d a s Zona N 9 Borrifadas Com B.H.C.
Com Triatom íneos Com Animais Infectados
Existentes Infectados Domésticos Silvestres
I 10 10 3 1 1
_
II 17 17 2 — 2_
III 8 5 — — — IV 19 17 8 7 3 V 11 11 8 2 1 2 V I 6 6 2 1 — V II 8 8 5 4 2 — V III 6 6 1 1 1 — IX 22 21 8 4 2 5 X 6 5 5 2 1 -10 114 106 4 3 22 13 762
Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
Vol. XI - N? 2
durante a vida pelo menos 3 0 vezes e que emapenas uma vez infecte um vertebrado, a infecção poderá ser m antida no am biente nas proporções atuais.
A possibilidade de sugar o hom em é m antida em termos elevados em vista da densidade habitacional: 6 ,1 6 pessoas e 2 ,1 7 animais, mas o observado é a m aior oportunidade de sugar aves, cães e gatos que o hom em , o que levaria à hipótese de um papel p ro teto r desses animais em relação ao homem.
Pode ser posta tam bém a hipótese de trans
missão extrado m iciliar para o hom em , visto que no estudo dos hábitos alimentares dos tria to m í neos foram encontrados triatom íneos em locas de pedra e que haviam sugado hom èm . Este fato revela a facilidade de mudança de ecótopos por parte do tria to m ín e o ou então a possibilida de do homem ser sugado quando em contato com ecótopos naturais. A mesma hipótese aplica-se ao gato, pois triatom íneos de locas de pedra são encontrados com antígeno hemático de gato. Essas locas são habitadas por roedores e é fa to conhecido na região que os cães e gatos buscam alim ento fo ra de casa.
S U M M A R Y
The co u nty o f M orada Nova (State o f Ceará, Brasil) wassprayed w ith B H C fro m 1972 to 1974, b u t during 1975, in the same zones, we have observed th at the transmission o f T. cruzi has con tin u ed in natu ral an d a rtific ia l fo ci (domestic an d peridom estic). In these ecctopes were captured triatom ines th a t have sucked m an, dog an d chicken, showing ur th a t there is a relation between the cycles. B u t we have observed th a t the bugs o f the region are less anthropophilic, so leading to sm all rates o f infection (2,4% ).
R E F E R Ê N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S
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4. A L E N C A R , J.E. & F R E IT A S , L .M . - Epide miologia da Doença de Chagas no Ceará. V I I I — Estudo da infecção de animais por
T. cru zi no m u n icíp io de Morada Nova. X II
Congresso da Sociedade Brasileira de Medi cina Tropical - Belém - 19 76 - Em publicação.
5. A L E N C A R , J.E. & B E Z E R R A , O .F . - Epidem iologia da Doença de Chagas no Ceará — IX . Estudo de vetores numa área endêmica de Doença de Chagas (M orada Nova). X II Congr. Bras. Med. T ro p ., Belém, 19 76 — Em publicação.
6. A L E N C A R , J.E ., C U N H A , R .V ., A R A Ú JO, A.'G.S.C. & S O B R E IR A , R .T.P. - Epidemiologia da Doença de Chagas no Ceará — X . Hábitos alimentares dos vetores — X I I Congresso Soc. Bras. Med. T ro p., Belém, 1 9 7 6 — Em publicação.