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A Constituição como Lei Fundamental de um Estado é composta por um corpo normativo, o preceituado, o qual é precedido por um preâmbulo.

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1 Nota: estes apontamentos não dispensam a consulta dos manuais indicados pela Regência, nomeadamente:

• MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomos I-VII, Coimbra Editora • MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional, Tomo I, Coimbra

Editora, 2012

• MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional, Tomo II, Almedina, 2018

1. A Constituição como um complexo estruturado de disposições preambulares, princípios e regras

A Constituição como Lei Fundamental de um Estado é composta por um corpo normativo, o preceituado, o qual é precedido por um preâmbulo.

O Preâmbulo:

Trata-se de uma alusão ao circunstancialismo histórico, político e jurídico que rodeou a aprovação do texto constitucional. É um texto proclamatório, solene, que normalmente antecede os preceitos normativos da constituição, e que enuncia valores e princípios que presidiram à feitura da constituição.

Alguns preâmbulos estão fortemente interiorizados na própria identidade nacional, como acontece nos EUA – têm um caráter politicamente “sacro”. Já outros assumem um expressivo detalhe prescritivo, revestindo uma força jurídica equivalente às normas constitucionais – caso da constituição francesa de 1958, que efetua uma receção do preâmbulo da constituição de 1946.

O preâmbulo da Constituição portuguesa é poético e ideológico, proferindo um modelo doutrinário de sociedade e Estado, que se justifica pelo circunstancialismo histórico com que se abriu a Assembleia Constituinte de 1975-1976, num ambiente carregado de tensões ideológicas. O preâmbulo português divide-se em 3 partes: a primeira versa sobre a origem da Constituição, a segunda sobre o projeto político, a ideia de Direito e aos princípios que materializa; a terceira foca-se na aprovação pela Assembleia Constituinte.

Já outros textos constitucionais prescindem de preâmbulo, como o da Áustria, Bélgica ou Dinamarca – o preâmbulo não é componente necessário de uma Constituição; é sim um elemento natural de constituições feitas em momentos de rutura histórica ou de grande transformação político-social.

O preâmbulo faz parte da Constituição e só pode ser alterado ou suprimido no respeito pelos mesmos limites de revisão para as restantes normas, através dessa mesma via.

Considera-se que o preâmbulo, salvo raras exceções (como o caso francês, em que o mesmo protege os direitos, liberdades e garantias), não possui força normativa, e como tal, não vincula como parâmetro constitucional.

Caso os princípios postulados no preâmbulo e os princípios plasmados na normação constitucional entrem em colisão, valerão, no plano jurídico, os últimos.

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2 Terá o preâmbulo da constituição de 1976 relevância jurídica?

O alcance político e literário do preâmbulo é evidente, pois reflete a opinião pública num determinado cenário histórico: menos palpável é o sentido jurídico. Dizer que é no preâmbulo que se descobre o sentido

A doutrina diverge quanto a este ponto:

• Irrelevância jurídica: defendida pela regência. O preâmbulo é um mero texto proclamatório. É um texto declaratório e semipoético (não está redigido normativamente), tem uma carga utópica e não normativa. Havendo princípios no preâmbulo, não são relevantes. Os princípios do preâmbulo não têm autonomia em face dos consagrados no preceituado constitucional. Ou deixam de ter correspondência e caducam, ou são reproduzidos nas normas constitucionais. Deste modo, alguns foram suprimidos, como a ideia de que Portugal estava no caminho para o socialismo. Outros princípios, como o democrático, estão desenvolvidos no próprio texto constitucional e normas.

• Relevância jurídica plena: defendida por Gomes Canotilho. O Preâmbulo vincula automaticamente o direito constitucional.

• Relevância jurídica indireta: defendida por Jorge Miranda. O Preâmbulo não tem natureza cogente mas os seus princípios auxiliam a interpretação do texto constitucional.

A desadequação entre a carga ideológica preambular e as sucessivas revisões do preceituado da Constituição, são um fator de contradição, se o preâmbulo tivesse, efetivamente, relevância indireta. Conferir algum relevo jurídico-interpretativo ao preâmbulo significaria uma colisão entre a matriz socialista do mesmo e a atual via democrática e pluralista

Preceito e norma constitucional

A Constituição é composta por normas jurídicas, que são critérios de decisão, vinculativas para os poderes públicos e certas relações jurídicas privadas, e que estão aptas a produzir efeitos jurídicos, garantidos no plano jurisdicional e político.

Preceitos são enunciados textuais estruturados em orações, dos quais defluem um ou vários comandos jurídicos gerais.

Normas e preceitos não têm uma existência independente, pois não existe norma de direito positivo sem preceito, e não se pode reconhecer verdadeira eficácia a um preceito sem conteúdo normativo. Sendo realidades independentes, guardam alguma autonomia.

Um preceito pode conter uma pluralidade de normas cumuladas; pode conter sentidos diferentes e, nesses casos, cabe ao Tribunal Constitucional interpretar neste ou naquele sentido; pode ser conjugado com outros preceitos, de forma a que se extraia dessa conjugação uma norma ou critério jurídico de decisão.

Tipologia das normas constitucionais: Quanto à sua função estruturante:

• Secundárias: organizam o poder político ou dispõe comandos sobre como as outras normas se ordenam.

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3 • Primárias: determinam condutas, nomeadamente as que se referem aos direitos,

liberdades e garantias – aplicam-se diretamente às relações institucionais. Quanto às funções que desempenham em razão das matérias que disciplinam:

• Substanciais: ditam os critérios que regem a identidade material do Estado, definem o regime político e os direitos fundamentais.

• Organizativas: regulam os estatutos do poder político. Existem quatro subespécies destas:

I. Normas de competência: estabelecem os poderes dos órgãos, e limitam as mesmas.

II. Normas estatuárias dos titulares de órgãos: definem regras sobre os exercícios de certos cargos, tal como direitos, deveres, regalias e imunidades. III. Normas de forma ou de processo: gizam a tramitação do itinerário relativo

à designação dos titulares do poder político, bem como o processo de tomada de decisões e o modo de relevação dos atos jurídicos.

IV. Normas de qualificação: determinam as formas e os atributos jurídicos de certos atos jurídico-públicos ditados pelos órgãos constitucionais, e o respetivo regime.

Regras e princípios

As normas desdobram-se em princípios e regras constitucionais. O Artigo 277º/1º reconhece os princípios, ao culminar com inconstitucionalidade as normas que contrariem as disposições constitucionais e os princípios consignados na Constituição.

São vários os atos julgados inválidos por ofensa a princípios constitucionais.

Princípios: enunciados jurídicos de valores de ordem jurídica ou moral, dotados de um elevado grau de indeterminação, dirigidos à prossecução de um fim e concebidos como mandatos de otimização, porque ordenam algo que deve ser realizado na medida das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Regras: mandatos de definição, uma vez que têm elevado grau de determinabilidade no seu comando, descrevendo a título imediato as condutas a serem adotadas na prossecução dos fins.

Enquanto as regras podem resumir-se a normas de conteúdo funcional, os princípios são enunciados de bens jurídicos.

Sem ignorar a importância do 288º e de outros artigos (12º, 13º, 18º, etc), deve frisar-se que estes não esgotam os princípios constitucionais, porque outros princípios podem ser implícitos ao texto. A justiça constitucional tem vindo a afirmar princípios não explicitados no texto, como o da proteção da confiança, o da precisão e determinabilidade da lei, e o da congruência. Os princípios não dispõem de hierarquia ou de prevalência sobre regras.

No entanto, existem correntes de direito como o jusnaturalismo e neoconstitucionalismo, que entendem que os princípios primam sobre as regras, por constituírem valores, os quais as normas devem respeitar. Uma norma contrária a um princípio não é válida, porque é arbitrária.

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4 Porém, os valores são de natureza abstrata e de conteúdo mutável, e podem ter interpretações diversas. Por si próprios não possuem conteúdo jurídico, nem obrigam coativamente os poderes públicos. Os valores penetram no direito através de princípios jurídicos.

Por outro lado, o grau de indeterminação dos princípios varia: alguns envolvem enunciados mas precisos, ao ponto de se assemelharem a verdadeiras regras (sub-princípios); outros fazem-se até acompanhar por verdadeiras regras; outros ainda, fundam-se em razão de uma doutrina e de uma jurisprudência consolidadas, as quais fornecem métodos e paradigmas de aplicação do referido princípio aos casos concretos (ex: princípio da proporcionalidade). Quanto mais vago for o princípio e menos específico o fim que visa prosseguir, menos controlável será a sua realização, e maior será a discricionariedade dada aos tribunais para o concretizar, maior o nível de subjetividade da sua interpretação.

É verdade que uma boa parte das regras se podem reconduzir a princípios, mas o princípio não precede as regras, podendo, quanto muito, elucidar o seu significado. Tal como os valores, os princípios encerram um elevado grau de indeterminação, que podem levar a interpretações até contrárias: no princípio da dignidade da pessoa humana podemos encontrar a justificação para a proibição e a admissão do aborto.

As Constituições podem conter regras que derrogam expressamente princípios centrais previstos no mesmo texto constitucional.

Uma regra prevalece sobre um princípio porque, como critério de decisão de conteúdo mais definido, mais extenso, e específico; é “lex specialis”, prevalecendo a norma especial sobre a norma de caráter mais geral.

O legislador pode atender à especificidade de um determinado caso, através da lei especial. Não há derrogação da lei geral, mas há uma limitação do espaço de regulação.

Já no que toca à colisão entre princípios, a resposta encontra-se na ponderação dos mesmos, atendendo ao caso concreto.

Abertura das normas constitucionais

As normas constitucionais têm maior abertura do que as demais leis. A Constituição é o estatuto do político e a sua interpretação não é exequível sem atendermos às circunstâncias da sua génese.

Não obstante o facto de existirem regras muito definidas, outras, por seu lado, ligam-se a conceitos jurídicos indeterminados, que o tempo e a prática têm clarificado (ex: regular funcionamento das instituições democráticas – artº 195º, nº2), ou, ainda noutros casos, que são condicionadas por práticas ou costumes políticos (como o poder de dissolução parlamentar, presente no artigo 133º, o qual a Constituição estabeleceu como faculdade livre, mas que a prática converteu em instituto de solução de crise).

Existe uma margem de discricionariedade na interpretação das normas constitucionais que aumenta proporcionalmente à sua generalidade e indeterminação, realidade que permite à Constituição durar no tempo e ajustar-se a situações específicas não exatamente previstas no texto.

A abertura das constituições modernas manifesta-se em três dimensões básicas: • Abertura axiológica

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5 O poder constituinte é soberano e não se deixa condicionar por padrões éticos e morais. Pode ignorar os mesmos, pode atualizá-los ou contrariá-los, ou incorporá-los nas suas normas. Direito e Moral aparecem neste plano como realidades distintas.

A regência concorda com a linha de raciocínio de Hart: as normas que não incorporam valores morais são analisadas de forma positivista-jurídica. As que absorvem valores morais devem ser tidas em conta à luz da ordem moral. Esta última hipótese envolve um domínio de incerteza. Quando o artigo 1º da CRP apela ao princípio da dignidade da pessoa humana, convoca valores filosóficos da ordem moral, política, cultural e religiosa. O mesmo se passa no restante domínio dos direitos fundamentais.

No entanto, uma Constituição excessivamente aberta a valores oriundos de sistemas não jurídicos converte-se num estatuto mais incerto, porque mais depende das pré-compreensões dos intérpretes. Uma Constituição principiológica deixa de ser decisão para se transformar num campo de disputa filosófica e ideológica, onde tudo pode, potencialmente, ser tido como inconstitucional.

Posto isto, sendo incontornável a constitucionalização de valores das ordens política e moral, o texto constitucional ganhará se estes casos forem reduzidos a um número mínimo e essencial.

• Abertura externa

Prende-se com o impacto do Direito Internacional e a jurisprudência dos tribunais constitucionais de outros estados, bem como de tribunais internacionais.

Para começar, cláusulas de receção constitucional em matérias de direitos fundamentais constituem vias de comunicação e de “fusão” com sistemas externos.

As próprias constituições criam por vezes formas de abertura a outras fontes, como o nº1 do artigo 16º d CRP, que admite direitos fundamentais extravagantes, materialmente constitucionais, mas formalmente exteriores à lei.

Para além disto, os Estados integrantes da União Europeia, a par da influência clara do TJU, existem Constituições que admitem a prevalência de normas institucionais sobre a própria Lei Fundamental (caso da Holanda).

A soberania constitucional deixou de ser uma realidade hermética admitindo a existência de pontes entre a constituição e o direito supranacional.

• Abertura morfológica

Muitas normas constitucionais estão elaboradas com enunciados polissémicos, com conceitos indeterminados e suscetíveis de diversas interpretações.

O exemplo dado pelo Professor Blanco de Morais no Curso de Direito Constitucional é precisamente o conceito de “justa causa” no despedimento, presente no artigo 53º. Nestes casos, o texto constitucional confere como que uma delegação implícita à Justiça Constitucional para concretizar normativamente o conceito.

Denote-se que a interpretação consolidada pela Justiça Constitucional, a partir de normas de textura aberta, também faz parte da Constituição, constituindo uma camada normativa externa, de expressão variável, e sujeita a revisão constitucional.

É a abertura morfológica que permite, pela via hermenêutica (interpretação) e pela prática política, uma integração da diversidade pluralista e da evolução política no texto constitucional, atualizando-o sem recorrer à revisão.

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6 Princípios normativos fundamentais da Constituição portuguesa de 1976

Os princípios fundamentais são aqueles que condensam os pilares identitários da ordem constitucional, definindo a natureza do Estado, da Constituição, do Regime e do sistema de direitos fundamentais. Estes princípios estão protegidos pela cláusula dos limites materiais, do artigo 288º, pelo que a sua supressão ou restrição, mesmo após um processo de revisão constitucional, constituiria uma fraude à mesma Constituição ou, em último caso, uma transição constitucional.

Estes princípios do Estado de direito democrático primam sobre qualquer norma jurídica de natureza externa.

Princípios reitores do Estado de Direito: • Independência nacional

Norma de maior relevância política da Constituição, uma vez que constitui o fundamento dos restantes princípios. As características do nosso Estado, patentes no artigo 2º (democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo, garantia dos direitos e liberdades, separação de poderes), são uma consequência do próprio Estado soberano, enunciado no artigo 1º da CRP.

A garantia da soberania portuguesa é dos principais fins do Estado Português e constitui um limite material à revisão (artigo 288º).

A soberania é a qualidade identitária do poder político de um Estado independente e envolve uma dimensão interna (faculdade de os poderes do Estado imporem as suas decisões, por via coerciva, a todos os governados) e externa (aptidão dos órgãos de poder estadual de poderem assumir a representação do mesmo Estado no plano internacional). A soberania é una e indivisível (artº3/nº1) – não pode ser composta por centros ou transferida para um Estado estrangeiro.

No entanto, denote-se que a independência de um Estado não é uma realidade estática. Acompanhando a tendência para a criação de estruturas supranacionais de integração política, económica e financeira, Portugal pertence a organizações supranacionais, sendo a mais importante delas a União Europeia. Todos os estados que pertencem à EU têm soberania limitada, pois delegam nos órgãos da EU competências. A EU pode legislar de forma a vincular Portugal imediatamente, e sobrepor-se à lei ordinária.

O artigo 7º/nº6 prevê a delegação, em condições de reciprocidade, de poderes soberanos na União Europeia. Por outro lado, esta delegação não pode ser total, pois colocaria em causa a independência nacional (nomeadamente um exército comum ou a federalização da diplomacia dos estados).

Paralelamente, os números 3 e 4 do artigo 8º da CRP permitem que as normas do direito europeu se apliquem diretamente na ordem interna, prevalecendo assim sobre o direito ordinário português. Contudo, os tratados europeus não preveem a superioridade desse direito sobre as constituições dos estados, e, mesmo que o fizessem, não poderiam abater os princípios estruturantes.

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7 O artigo 1º da CRP coloca o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos ou bases da República Soberana, a par da “vontade popular” e do objetivo da construção de uma sociedade “livre, justa e solidária”.

Este princípio, com uma natureza particularmente geral e abstrata, é vulnerável a uma perigosa banalização, que lhe retira peso. A noção de dignidade da pessoa humana é oriunda de uma conceção filosófica com claras originais na doutrinal social da igreja e no jusnaturalismo, tendo sido posteriormente secularizada pelo positivismo, entre outras doutrinas.

Inicialmente um valor da ordem moral, a dignidade humana foi estendida a um patamar normativo, tornando-se objeto de convocação pela Justiça Constitucional, tendo sido constitucionalizada.

O princípio da dignidade da pessoa humana define-se como o enunciado jurídico de um valor antropológico, espiritual e universal, representado na exigência de respeito pela condição de ser humano e que opera como pressuposto existencial e fim do Estado de direito (O Estado serve as pessoas) para além de operar como justificação axiológica do sistema de direitos fundamentais (é o cerne destes direitos).

Por ser tão abstrato, acaba muitas vezes por ser a base da justificação de invocação de outros direitos

A pessoa humana como valor

A constituição portuguesa de 1976 prevê a noção de pessoa humana como valor: - antropológico, pois tem como objeto o homem, como ser biológico;

-espiritual, porque o homem possui um atributo fundamental que é a perfeita consciência de si próprio e a faculdade superior de discernimento, que lhe permite compreender o mundo que o rodeia e autodeterminar-se livremente;

- universal, porque tendo a sua fonte na civilização judaico-cristã, tem percorrido um caminho de aceitação por parte de outras civilizações, culminando na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Conceito de dignidade:

Exigência geral de respeito e de proteção, relativamente a algo que é importante. Este princípio tem uma dimensão de liberdade (valorização da autodeterminação individual do homem, que passa a ser sujeito e não objeto das relações jurídicas) e uma outra dimensão, de proibição de condutas que levem a situações degradantes para a pessoa humana.

Dignidade da pessoa humana como pressuposto e fim do Estado de Direito

O valor da dignidade humana é um pressuposto existencial do Estado de Direito, uma vez que o povo é a sua fonte de soberania, e porque o Estado é servido por um poder político vinculado a respeitar os direitos fundamentais das pessoas.

Ao mesmo tempo, a dignidade é um fim do Estado, que não existe senão para servir o seu elemento humano.

Para a constituição portuguesa, antes da organização do poder político está o homem, logo a dignidade da pessoa humana conforma um importante limite ao poder,

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8 vedando a adoção de políticas que favoreçam uma “cultura de morte”, secundarizem o ser humano ou prejudiquem a sua vontade ou integridade.

Por todos estes motivos, o Estado assume uma dimensão social de promoção do bem-estar e de qualidade de vida do povo.

Dignidade da pessoa e o sistema de direitos fundamentais

Raramente o princípio da dignidade humana é invocado como parâmetro direto de decisões de inconstitucionalidade, embora abunde como critério interpretativo, já que se projeta nos restantes direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana acaba por ser a justificação, o fim e o limite dos direitos fundamentais. Os direitos de personalidade, acima de tudo, requerem uma especial proteção, já que sem eles não existe Estado de direito democrático.

Rendimento social de inserção – o Tribunal Constitucional faz uma interpretação positiva do texto constitucional: o Estado é obrigado a assegurar meios existenciais de sobrevivência e assistente a pessoas com dificuldades económicas, que não consigam, por si próprias, subsistir. O RSI é um exemplo de um direito social cuja natureza remete para os direitos, liberdades e garantias (artigo 17º da CRP), pois influencia diretamente o direito à vida e a integridade física e moral da pessoa humana.

Por este motivo o T.C chegou a declarar inconstitucional a norma que permitia a privação do rendimento mínimo garantido.

• Princípio da proteção constitucional reforçada dos direitos, liberdades e garantias

Direitos, liberdades e garantias definem-se como posições jurídicas ativas das pessoas, que protegem as suas esferas jurídicas contra condutas do poder político ou terceiros que as possam prejudicar.

Esta categoria de direitos insere-se nos direitos civis (onde emergem alguns direitos de personalidade) e políticos (nos quais se destaca a capacidade eleitoral), que se encontram enunciados no Título I da Parte I da Constituição.

Os direitos, liberdades e garantias têm uma posição jurídica mais “forte”, uma vez que é mais protegida, do que os direitos sociais. Esta situação justifica-se porque são indispensáveis para a existência de um verdadeiro Estado de Direito, e porque a sua verificação resulta mais de uma ação jurídica do que administrativa, financeira ou material. O professor Reis Novais acredita numa paridade entre estes tipos de direitos, no entanto, denote-se que há estados sem estes últimos direitos consagrados (nomeadamente os EUA ao nível da saúde).

Só a lei ordinária pode restringir direitos, liberdades e garantias- estes não podem ser restringidos primariamente. Por este motivo, o TC tem declarado inconstitucionais, por exemplo, os regulamentos dos municípios que visam restringir alguns destes direitos (ex: regulamento que proíbe a afixação de cartazes), uma vez que apenas a lei ordinária o pode fazer. E mesmo a lei que restringe um direito, tem necessariamente de visar proteger outro de maior peso.

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9 O artigo 18º destaca-se como epicentro desta proteção reforçada. Deste artigo extrai-se que:

- nº1: os direitos liberdades e garantias têm aplicação direta, e que vinculam entidades públicas e privadas; Verifica-se a vertente negativa do direito (direta e imediata): os direitos são defendidos negativamente, a partir da proibição de uma conduta que os viola.

- nº2 e nº3: os mesmos só podem ser restringidos por lei, nos casos previstos na Constituição, e devem observar o princípio da proporcionalidade, serem gerais e abstratas, não produzindo eficácia retroativa, e não diminuindo o alcance do conteúdo essencial do direito. Só ocorrem quando há colisão entre direitos.

Outros artigos que protegem este tipo de direitos são: artº 165, nº1, alínea b); artº 19º; nº4 do artº 20º; artº 22º; alínea d) do 288º. Deste último retira-se que o núcleo dos direitos, liberdades e garantias não pode ser suprimido por revisão constitucional.

• Princípio da proporcionalidade:

Nascido no universo do Direito administrativo, decorre do princípio do Estado de direito, como forma de proibir as decisões do poder político que sejam arbitrárias ou excessivas, e que constituam desvantagens ou sacrifícios desnecessários e injustificados para os respetivos destinatários.

Este princípio encontra-se previsto em numerosas disposições constitucionais, como no nº2 do artº 18º, nos 3, 4 e 8 do nº19, entre outras.

O princípio da proporcionalidade decompõe-se em três critérios instrumentais (subprincípios). Uma lei que restrinja um princípio, para ser aprovada, tem de impreterivelmente preencher todos os critérios:

- Adequação: as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias, devem ser aptas a atingir o fim que se pretende (exemplo dado, da fluência obrigatória de médicos portugueses em inglês: a fluência não é sinal de competência médica).

- Necessidade: havendo que restringir um direito, deve-se utilizar o meio menos oneroso para atingir o fim em causa (exemplo dado: inconstitucionalidade da norma que alargava o período experimental dos trabalhadores por tempo indeterminado. Tal provocaria uma insegurança extrema para os trabalhadores, desadequada e demasiado onerosa).

- Proporcionalidade em sentido estrito: as leis restritivas e os fins prosseguidos devem situar-se numa justa medida. Trata-se de um exercício de ponderação –a justificação da restrição só pode passar pela defesa de outro direito ou interesse público, porque os bens que se acautelam com a restrição de um direito têm maior “peso” do que o sacrifício imposto – há que verificar se este direito é mais valioso do que o direito sacrificado. Esta linha de pensamento é a chamada Fórmula de Peso, que surgiu na doutrina alemã, por Alexi.

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10 Basta que a norma colida com um destes princípios para ser considerada inconstitucional. Estes testes fundamentam uma expressiva parte das decisões do Tribunal Constitucional português. Muitas das regras, apesar de passarem pelos dois primeiros, não são aprovadas por barrarem no terceiro critério, que é o mais subjetivo.

O princípio da proporcionalidade combina-se com outros princípios: o princípio da proteção da confiança integra a proporcionalidade, como um quarto critério a verificar.

• Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança

A segurança jurídica é um dos principais valores do Constitucionalismo liberal, e constitui um dos pilares do Estado de direito. A segurança traduz-se na certeza da ordem jurídica, na sua estabilidade e no respeito pela igualdade, que permitem aos cidadãos saber com o que podem contar, e organizar a sua vida e ações em conformidade com a mesma. A segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos de poder, de forma a que os efeitos surtidos correspondam às normas que os regulam.

Não é concebível um Estado de Direito cujo poder não se submeta às leis e cujas leis não sejam publicitadas. A segurança é uma condição da realização de Justiça.

Este princípio está presente na proibição da eliminação retroativa dos efeitos produzidos por uma determinada norma, mais tarde considerada inconstitucional (282º, nº4).

O princípio da segurança é deduzido do artigo 2º da CRP e reconhecido como critério geral que vale para todos os domínios de atuação dos poderes políticos.

O princípio da proteção da confiança, por sua vez, consiste numa dimensão subjetiva e defensiva do princípio de segurança jurídica, aplicada no universo das restrições a direitos fundamentais por atos legislativos. Tem por finalidade a proteção das expectativas legítimas das pessoas na estabilidade dos regimes jurídicos, nos quais confiaram planos de vida. Este conceito direciona-se para a proibição de situações em que uma lei regula e comprime retroativamente direitos que já tinham sido exercidos e que produziram efeitos, ao abrigo da lei antiga (retroatividade plena).

Um exemplo ilustrativo desta situação seria a privação da cidadania portuguesa, provocada por uma repentina alteração à lei da nacionalidade, a pessoas que já usufruem da cidadania há anos.

Por outro lado, existem situações em que a retroatividade assume um caráter impróprio: os casos de retrospetividade. Nestes casos, a lei restritiva vale para o futuro mas afeta desfavoravelmente e imprevisivelmente, situações existentes cujos pressupostos se constituíram no passado e perduraram para a atualidade.

Um caso famoso é o de Fernando Gomes. Uma lei passou a tornar incompatíveis os mandatos de deputado do Parlamento Europeu e de presidente ou vereador das câmaras municipais, sem salvaguardar as situações já existentes.

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11 Vigorando para o futuro, esta lei também se aplicava a quem se encontrava a meio dos mandatos, o que obrigaria a uma escolha. O Tribunal Constitucional entendeu que essa retrospetividade violaria o princípio da proteção da confiança, por frustrar as legítimas expectativas dos eleitores.

O acórdão deste caso específico, o 188/2009, submeteu a lei restritiva a 4 critérios:

- o estado gerou um comportamento que criou expectativas;

- essas expectativas são legítimas e justificadas em boas razões (para fins e interesses legítimos e honestos);

- os cidadãos devem ter condicionado as suas vidas tendo em conta essa expectativa;

- a medida é justificada à luz do critério da proporcionalidade: se postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada as exigências de confiança; não colide com interesses públicos que, em sede de ponderação, se sobreponham à salvaguarda das situações existentes.

• Princípio da Igualdade

É o principal eixo estruturante do sistema de direitos fundamentais, porque se encontra presente no conteúdo dos demais direitos de liberdade e direitos sociais. O princípio da igualdade impõe aos poderes políticos um tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei, e uma proibição de discriminações materialmente infundadas, sem prejuízo de obrigar a diferenciações entre pessoas, sempre que existam especificidades atendíveis e carentes de tutela ou proteção.

O princípio postula uma vertente negativa, uma vertente positiva, uma vertente subjetiva e uma vertente objetiva.

Na sua vertente negativa, o princípio da igualdade concentra-se no artº13/1, que faz a ligação com o princípio da dignidade humana. A igualdade negativa proíbe aos poderes públicos discriminações arbitrárias, quer relativamente à conceção de privilégios apenas para uns, como para o tratamento desfavorável de outros. No nº2 do mesmo artigo é estabelecida uma lista categorias suspeitas. Não quer dizer que a discriminação feita nestes casos não seja justificada, mas o legislador tem um ónus mais pesado, de provar a sua justificação. Por outro lado, o artigo 13º, apesar de catalogar formas de discriminação, não esgota a possibilidade de um ato ser considerado inconstitucional por ser discriminatório, por uma outra razão. O nº2 não é taxativo.

Na sua vertente positiva obriga a tratar por igual aquilo que é igual, e aquilo que é diferente como diferente. O princípio admite situações de tratamento desigual, desde que fundamentadas: se radicarem em critérios de justiça, prosseguirem objetivos legítimos, e cumpram o princípio da proporcionalidade. O legislador entende que há uma discriminação e cria através do processo normativo uma nova discriminação para reequilibrar a anterior. exemplo: criação de quotas de género para

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12 o exercício de cargos (ações afirmativas), ou a conceção de benefícios para pessoas que se encontram em situações mais desfavoráveis (tratam-se de compensações que atenuam desigualdades de partida). Estas discriminações positivas também têm de ser justificadas. Se a discriminação for desproporcional, é inconstitucional. A dimensão de desigualdade no tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva.

A própria Constituição, no artigo 9º, incumbe o Estado de promover a “igualdade real” entre os cidadãos, e uma forma de o conseguir é através da discriminação positiva.

Um direito fundamental tem sempre uma vertente positiva e negativa. Quando falamos da vertente positiva, o cidadão não quer apenas o zelo desse direito por parte do Estado, mas sim a sua ação interventiva. Quando falamos da vertente negativa, referimo-nos aos princípios que o Estado deve apenas passivamente consentir e respeitar, porque cabe ao cidadão exercê-lo, nomeadamente o direito à honra.

A sua dimensão subjetiva prende-se com o facto do princípio da igualdade constituir um direito subjetivo, que é passível de ser invocado junto do Tribunal Constitucional, de forma direta e imediata, a partir da Constituição.

Há casos em que a Constituição autoriza limites ao critério da igualdade e remete para a lei a sua concretização, como acontece no nº2 do artigo 15º.

Por fim, a dimensão objetiva do princípio da igualdade tem que ver com o dever do Estado em garantir a igualdade nas suas decisões

• Princípio de acesso aos tribunais

O acesso aos tribunais é um direito sobre direitos, uma vez que garante o cumprimento dos demais direitos fundamentais. É através do acesso aos tribunais que os cidadãos garantem a tutela dos seus direitos. Auxilia a realização de Justiça, que por sua vez é um dos fins do Estado de direito.

O princípio desdobra-se em 7 subprincípios, dos quais emergem uma pluralidade de direitos, liberdades e garantias.

1. Direito de acesso aos tribunais (artº20/1) – todo o cidadão tem direito de exigir que os seus litígios sejam dirimidos por órgãos independentes e imparciais que exerçam a função jurisdicional. Este direito aplica-se também aos tribunais arbitrais. Embora seja incontornável de que quem dispõe de maiores recursos financeiros é melhor servido pelo sistema de justiça, o facto é que a carência de meios económicos nunca pode ser obstáculo ao acesso à justiça.

2. Direito ao patrocínio judiciário – artº 20/2 – apoio financeiro no acesso à justiça para os cidadãos ou estrangeiros residentes carenciados, que atestem a sua condição. (ex: nomeação de patrono ou de defensor oficioso).

3. Direito ao advogado – artº20/2 – não é obrigatório, exceto em casos de matéria penal, mas os cidadãos podem sempre fazer-se acompanhar por advogado.

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13 5. Direito à decisão em prazo razoável – artº20/4 – uma justiça tardia significa denegação da justiça. Portugal é condenado sistematicamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação deste princípio.

6. Direito a um processo equitativo – artº20/4 – direito a saber qual é a fundamentação que me é aplicada, caso queira recorrer da decisão.

7. Direito a procedimentos judiciais céleres e prioritários – artº20/5 • Princípio da constitucionalidade e da legalidade

O princípio da constitucionalidade encontra-se preservado no artigo 3º da CRP e envolve duas dimensões:

- subordinação do Estado à Constituição (nº2)

- subordinação dos atos jurídico-políticos à Constituição (nº3)

Se uma lei violar a constituição é inválida – o poder político tem de ser limitado, num Estado de Direito. A fiscalização da constitucionalidade é um limite material à revisão constitucional: não pode ser alterada, sob pena de transição constitucional.

Este princípio enuncia a supremacia da Lei Constitucional sobre os demais atos normativos.

O nº2 do artigo 3º refere que o Estado se funda na legalidade democrática: os órgãos do poder político estão sujeitos à lei. A função administrativa e jurisdicional também está subjugada às leis (artigo 266º/2).

Princípios da Ordem Política

• Princípio da separação com interdependência de poderes

Artigo 111º da CRP e garantido na alínea j) do 288º. Cada órgão soberano deve conter nos limites das competências que lhe são atribuídas, de modo a observar uma repartição que respeite o núcleo das funções: não pode haver usurpação de poderes entre órgãos, isto é, um órgão não pode puxar para si o núcleo de funções que competia a outro. Há que se verificar um respeito mútuo no exercício de competências.

A cada órgão deve corresponder um núcleo (função legislativa – Assembleia; função administrativa – Governo; função jurisdicional – tribunais).

Por outro lado, a interdependência exige uma exigência de colaboração e controlo entre os órgãos de soberania no exercício de competências, e a consequente responsabilização dos mesmos.

• Princípio democrático

A designação dos governantes deriva do consentimento expresso pela vontade dos governados, através das eleições livres, democráticas e pluralistas – artigo 2º da CRP e 10º. O artigo 10º exprime os conceitos de democracia representativa (o povo decide quem são os seis decisores no futuro), e de democracia referendária, que é de natureza semi-direta, pois necessita da convocação por parte dos órgãos representativos.

A oligopolização partidária no exercício da atividade política visa a garantia da disciplina parlamentar e a consequente governabilidade.

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14 • Princípio do Estado Unitário: remissão

6º - Unidade do poder constituinte; existência de uma só CRP, o que não impede a descentralização político-administrativa. O estado unitário é um limite à revisão constitucional.

• Princípio do Estado Social

Retirado do artigo 2º da CRP: O Estado visa a realização da democracia económica, social e cultura. É também consagrado como um dos fins da República, no artigo 9º, alínea d). o Estado, para além de tutelar os direitos de liberdade e a soberania nacional, deve promover a igualdade material, assistir aos mais desfavorecidos, e criar sistemas de prestações sociais e culturais.

Direito à habitação, saúde, proteção de estratos carenciados. Para além da tutela dos direitos, liberdades e garantias, tem de haver um investimento do Estado na promoção da igualdade entre os cidadãos, que compensam as situações em que os cidadãos não conseguem garantir a sua própria sustentabilidade.

Note-se que este princípio não é necessariamente exigível por um estado de direito, mas sim um complemento, o que justifica o porquê de não ser protegido explicitamente pelo artigo 288º. No entanto, deve-se considerar que a existência de direitos sociais é um limite implícito no artigo 288º, uma vez que, se a nossa constituição perdesse estes direitos, perderia ao mesmo tempo um dos seus elementos característicos fundamentais.

Natureza e operatividade: Das regras

Uma larga maioria das regras da Lei Fundamental pode reconduzir-se aos princípios. Independentemente do seu maior ou menor grau de generalidade ou abstração, as regras em sentido estrito são suficientemente determinadas para delas se poder extrair uma solução de decisão. Sem estes critérios de decisão não existira segurança jurídica: uma constituição puramente principiológica revelar-se-ia insuficiente. As regras eliminam um possível quadro de arbitrariedade e visam a previsibilidade jurídica.

Colisão entre regras:

• As mais recentes violam as mais antigas, a não ser que revoguem princípios – princípio da cronologia

• À luz do princípio da especialidade, que consta no artigo 7º do CC, as regras especiais prevalecem sobre as de caráter mais geral, e o mesmo sucede com as regras excecionais em face das que assumirem uma maior generalidade.

As regras constitucionais dispõem de eficácia direta, a não ser que remetam para a emissão de direito infraconstitucional para se tornarem exequíveis.

Dos princípios:

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15 I. Função identitária – os princípios auxiliam a identificar a matriz do regime político, o sistema de governo, o modelo económico, a ideia de sociedade, e o sistema de direitos fundamentais. Alguns deles assumem mesmo uma natureza estruturante, como é o caso do princípio de Estado de Direito Democrático na nossa constituição. II. Função “nomogenética” – ao enunciarem valores e interesses públicos, regem a

produção das regras, justificam-nas e fundamentam-nas.

III. Função integradora: a abertura das normas de princípios permite ajustar o direito ordinário à realidade circunstancial, estabelecendo critérios de solução para problemas não previstos.

IV. Função interpretativa: os princípios ajudam a interpretação outras normas, garantem a prevalência de direitos de maior peso; a sua abertura permite uma interpretação evolutiva e atualista, que os ajusta à constante evolução da sociedade. Diversamente do que afirmam Dworkin e Alexy, nem sempre as regras são aplicadas quando se verifique, no plano dos factos, a hipótese nelas prevista. Há regras aplicadas por via analógica, em que as condições factuais da sua aplicação não se verificam, mas que são aplicáveis porque os casos por elas regulados têm uma identidade de razão em relação às situações previstas na hipótese normativa que predica a sua convocação.

Regime de aplicabilidade normativa

As normas não se aplicam todas da mesma forma: algumas têm aplicação imediata, outras carecem de mediação legal, e outras dependem do sentido retirado a conceitos indeterminados que transportam. Nesse sentido, existem várias classificações das normas constitucionais, consoante a sua aplicabilidade. O professor Blanco de Morais cruza a proposta classificativa de Jorge Miranda com as de Gonçalves Ferreira Filho e João Afonso da Silva.

Existem 3 tipos de normas:

• Normas percetivas exequíveis por si próprias – regras e princípios que se podem aplicar plena, direta e imediatamente, nas suas dimensões positiva e negativa. Dentro das normas exequíveis por si próprias existem duas categoriais teóricas: de eficácia plena e de eficácia contida.

• Normas percetivas não exequíveis por si próprias – regras e princípios da Constituição diretamente aplicáveis, mas cuja exequibilidade na sua dimensão positiva se encontra condicionada à existência de requisitos jurídicos, expressos em leis ordinárias, que as complementam. Como as normas percetíveis exequíveis por si próprias, têm eficácia direta; como as programáticas, têm aplicação limitada por condicionantes externos.

• Normas programáticas – normas que apontam no plano positivo para fins transformadores de ordem económica e social. Prescrevem obrigações de resultados, não obrigações de meios. Mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores. Não são aplicáveis diretamente, porque a sua aplicação fica dependente da existência de condições não apenas jurídicas, mas também financeiras e materiais. O seu poder vinculante é diminuído, emergindo no contexto do controlo de inconstitucionalidade por omissão. Carecem em absoluto de

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16 legislação ordinária que defina o seu conteúdo positivo, que em geral está espelhado em princípios.

As programáticas simples fixam fins sem estabelecer meios para os alcançar, enquanto que as qualificadas mencionam medidas.

Normas de eficácia plena:

Vertem diretamente sobre a integralidade das matérias. Para além de dispensarem o direito ordinário, podem predicar a sua inconstitucionalidade, se esse direito não se limitar a reproduzi-las e a concretizá-las no plano da mera execução, e, pelo contrário, as tentar restringir. É o que acontece com as normas atributivas de competências dos órgãos de soberania.

Estas normas não vedam necessariamente a existência válida de atos legislativos e normas administrativas de medição: significa só que a sua aplicação não fica dependente da existência desses atos, que os pode dispensar e, em caso de colisão ou desarmonia, o órgão jurisdicional pode aplicar a norma da Lei Fundamental e desaplicar a lei ordinária.

No domínio dos direitos, liberdades e garantias, abundam normas legais ordinária entrepostas entre a constituição e casos concretos da vida, mesmo quando os preceitos não remetem para a lei comum. Esta interposição surge sempre que as normas na Constituição não permitem soluções definidas para casos atípicos e há que legislar, de modo a que a aplicação direta da norma não seja problemática.

Normas de eficácia contida:

Normas que, encontrando-se aptas a produzir direta e imediatamente efeitos, preveem expressamente a emissão de legislação suscetível de restringir, condicionar, suster ou modelar esses efeitos, através do apelo a uma lei futura, não como requisito da sua efetividade, mas da possível contenção da sua eficácia. Se não for emitida legislação, os efeitos são plenos e imediatos, passíveis de serem invocados pelo juiz.

Tomo I – Funções do Estado e o Poder Legislativo no Ordenamento Português

Capítulo I. Funções do Estado Ordenamento Elementos do Estado:

Povo, território, poder político soberano e ordenamento jurídico.

O elemento do ordenamento deve ser adicionado uma vez que um Estado (coletividade territorial) sem ordenamento pressupõe a existência de poderes fácticos que agem arbitrariamente – o que é incompatível com um Estado de Direito.

A associação entre Estado e ordenamento foi apreciada por Kelsen, que concebeu o Estado como um “sistema de normas”, que exprimiria a unidade de uma ordem jurídica. No entanto, não devemos reduzir a noção de Estado à de sistema normativo. O Estado é um

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17 complexo de autoridades políticas, administrativas e jurisdicionais, que vai para além das normas jurídicas que o regem (órgãos, titulares, funções, serviços, prestações).

Mas a ideia de Estado, como coletividade organizada pelo direito, com um ordenamento próprio, constitui meramente uma noção positiva do conceito: não se trata de uma conceção axiológica, como a que defende parte da doutrina. Este setor da doutrina tem uma visão de Estado Constitucional que é sinónimo de Estado de Direito democrático. Gomes Canotilho afirma “o Estado Constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de Direito (…) ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como ordem de domínio legitimada pelo povo”. Segundo o autor, a soberania popular está no cerne da legitimação do exercício do poder político.

Por outro lado, existem Estados, até membros de organizações internacionais como a ONU, que não reúnem os pressupostos típicos de Estado de direito democrático, ou porque não possuem constituição escrita, ou porque não cumprem o princípio de separação de poderes, ou essa legitimidade não é democrática, etc. ainda assim, são estados regidos por um ordenamento jurídico. O estudo de Direito Constitucional II foca-se, no entanto, no estado de direito democrático, do qual faz parte a República Portuguesa.

Estado-Ordenamento e Estado-Pessoa

O Estado Ordenamento integra diversas pessoas jurídicas de caráter público: o Estado enquanto pessoa coletiva, a par de outras entidades secundárias, dotadas de diferentes graus de autonomia em relação ao Estado-pessoa: outras pessoas coletivas territoriais, como os Estados federados, regiões autónomas, e autarquias locais; pessoas coletivas públicas não territoriais (entre as quais os institutos públicos ou universidades).

2. As funções do Estado como Atividades Jurídico-Públicas

Os interesses gerais prosseguidos pelo Estado-Ordenamento consistem nos seus fins. Estes, por sua vez, assentam nos princípios de justiça, segurança e bem-estar. Estes fins encontram o seu cerne no artigo 9º da CRP. A prossecução dos fins do Estado realiza-se através de atividades públicas, que são consideradas jurídicas ou não jurídicas, conforme pressuponham ou não a prática de atos jurídicos.

O caráter de uma atividade deve ser medido pela natureza jurídica dominante dos atos ao seu abrigo, uma vez que uma atividade pode produzir no seu âmbito atos jurídicos ou não jurídicos. A função política em sentido estrito é, por exemplo, uma atividade jurídica, apesar de produzir quer atos jurídicos (veto presidencial moção de censura), quer não jurídicos (mensagens avulsas do PR, acordos políticos interconstitucionais).

Atividade estadual define-se como um conjunto de atos produzidos permanentemente, por decisão de autoridades públicas, e que se agrupam numa relação de semelhança.

Conceito de função: o professor Blanco de Morais define como funções estaduais todas as atividades jurídico-públicas desenvolvidas pelas autoridades do Estado-Ordenamento, tendo em vista a realização dos seus fins. Jorge Miranda desenvolve dois sentidos possíveis para o conceito de função: fim/tarefa, que satisfaça necessidades coletivas, ou atividade com características próprias. A primeira definição traduz a tentativa de legitimação do

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18 exercício do poder político, ao associar sociedade e Estado. Na segunda, a função compreende os atos que o Estado constantemente vai desenvolvendo, de harmonia com as regras que o condicionam, como manifestação do poder político.

Jorge Miranda caracteriza a função como: diferenciada, quer materialmente (pelos resultados que produz), quer formalmente (trâmites que exige), quer a nível orgânico (órgãos de onde provém); duradoura (exercício constante); globalizada (é considerada pelo conjunto, e não pelos atos individualizados).

A doutrina tem debatido quanto à natureza das funções do Estado.

Marcello Caetano faz uma distinção entre funções jurídicas e não jurídicas: dentro das não jurídicas, arrumou as atividades política e técnica. Nas jurídicas, posicionou a atividade legislativa e a executiva.

Já Gomes Canotilho e Marcelo Rebelo de Sousa defendem uma quadripartição das funções: política, jurisdicional, administrativa e legislativa, partindo das referências feitas na própria CRP.

Jorge Miranda esboça uma tripartição, fazendo distinção entre a função política (que se desdobra na legislativa e na política em sentido estrito), função administrativa, e função jurisdicional. A função política desdobra-se consoante se traduza em atos normativos e em atos de conteúdo não normativo (os da política stricto sensu).

O professor Blanco de Morais vai ao encontro desta classificação, uma vez que esta se concentra nas funções do Estado que pressupõe a prática de atos jurídicos, e porque a lei não deve estar apartada da essência da atividade política, quando a própria constitui a manifestação juridicamente mais relevante dessa atividade. No Estado Social de Direito, a lei deixa de ser simples regra jurídica para passar a ser concebida como um instrumento político.

Por outro lado, esta tripartição reduz a atividade legislativa, que é a mais importante de todas as funções do Estado, a uma subfunção; as responsabilidades públicas no domínio da política externa não foram autonomizadas, sendo reconduzidas à atividade política stricto-sensu.

Carré de Malberg constrói a ideia de supremacia da lei sobre os atos da Administração e os atos jurisdicionais, ou seja, a função politica constitui uma atividade primária ou dominante, que apenas está vinculada à Constituição ou a outros atos oriundos dessa mesma função política, enquanto que a função administrativa e jurisdicional são secundárias ou subordinadas, que têm de respeitar a atividade legislativa.

Este conceito tem, no entanto, nuances que não podem passar despercebidas. A verdade é que a função jurisdicional tem uma dimensão autónoma de controlo de constitucionalidade. Essa atividade sobrepõe-se à própria lei, e, consequentemente, à atividade legislativa. Assim, os tribunais, nos termos do artigo 205/1 subordinam-se à lei, mas podem e devem, de acordo com o 204º, desaplicar uma lei se esta violar a Constituição, tendo em conta o caso concreto (isto é, se a aplicação dessa lei ordinária ao caso violar uma lei de hierarquia superior).

Parte da doutrina defende que pode estar em causa uma nova função do Estado, relativamente a esta especificidade da função jurisdicional, já que os membros do T.C são eleitos por órgãos políticos, e dirimem conflitos políticos com expressão normativa. No entanto, a imparcialidade na aplicação do direito a conflitos e a independência que se

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19 esperam da Justiça Constitucional são suficientes para afastar esta ideia. A politização da atividade jurisdicional atenta contra os princípios de freios e contrapesos, e da independência de quem exerce o direito.

A função política em sentido amplo:

A política enquanto função consiste numa atividade de ordenação da vida coletiva assente em valores, ideologias, e programas e exercida em benefício da mesma coletividade. A CRP refere-se a elas quando reporta ao exercício de funções políticas do Governo – artº 197/1, ou quando dispõe sobre as competências da Assembleia, no artigo 161º.

Apesar da constituição fazer uma separação entre atividade legislativa e política, é comum no plano doutrinário olhar para a função legislativa como a mais importante atividade política dos poderes constituídos, já que a lei se define como um típico critério de decisão.

O conceito amplo de política abrange por isso o exercício de responsabilidades normativas, com a produção de critérios inovatórios de decisão que se traduzem em lei e de governação

A atividade legislativa:

Define-se na base de critérios materiais, formais e orgânicos:

• Critérios materiais: poder de criação e modificação da ordem jurídica através da aprovação de normas que cumpram o princípio da constitucionalidade, e que irão regular a vida coletiva, mediante um programa intencional de valores e interesses. • Critério formal: diz respeito à forma que o ato legislativo pode assumir: decreto-lei,

lei, ou decreto legislativo-regional.

• Critério orgânico: a atividade legislativa é da competência exclusiva da Assembleia Legislativa, do Governo, e das assembleias legislativas das regiões autónomas. Posto isto: atividade político-normativa que se traduz no poder de criação e modificação da ordem jurídica, por órgãos competentes, que emanam atos sob a forma de lei e que vinculam o exercício das demais funções estaduais.

A atividade política em sentido estrito

Também se define com base em critérios:

• Critério substancial: a função política stricto sensu é mais livre do que a atividade legislativa. Assenta na produção de atos e exteriorização de condutas que corporizam predominantemente o sistema de freios e contrapesos, da política externa, do uso de poderes excecionais da defesa da República, e ainda formas de exercício de democracia direta ou semi direta, como o referendo.

Têm maior liberdade porque, embora ambas as atividades estejam sujeitas ao primado da Constituição, o controlo da constitucionalidade abarca as leis, mas não os atos políticos.

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20 Estes, salvo raras exceções em que a Lei fundamental prevê a sua inexistência, não são sujeitos a fiscalização da sua validade, e produzem efeitos jurídicos imperativos, mesmo que inconstitucionais.

• Critérios orgânico-formais: enquanto a função legislativa se traduz na emissão de normas jurídicas, a atividade política stricto sensu envolve tanto a emissão de atos singulares como de atos normativos.

Os primeiros assumem necessariamente a forma de lei; os atos normativos, formas muito variadas, de caráter não legislativo: decretos do PR, moções e resoluções da Assembleia, resoluções do Conselho de Ministros – todos têm conteúdo político. Ao Direito Constitucional interessam os atos que produzem efeitos jurídicos.

Temos então a noção de atividade política em sentido estrito: emissão, com expressivo grau de liberdade, de atos e normas de conteúdo político desprovidos da forma de lei.

Os atos políticos portadores de eficácia jurídica podem ser produzidos ao abrigo de poderes de direção e de controlo inter-orgânico.

Podem ser imputados aos órgãos do Estado ou aos órgãos das regiões com autonomia político-administrativa.

Os atos políticos fluem das relações de interdependência de poderes, que envolve a observância de limites, controlos recíprocos, e o exercício de competências partilhadas, ou seja, envolvem realidades diferentes.

Os atos de direção política consistem em decisões que envolvem uma escolha potencialmente livre de opções primárias relativas ao funcionamento das instituições do Estado, e determinam objetivos de ação política, fixando, se for caso disso, meios ou vias para a sua prossecução.

É importante não confundir os atos de direção política com a função de direção no exercício da atividade administrativa. Esta função não implica a superioridade ou a soberania de um órgão perante outro.

O Presidente da República é, por excelência, o órgão que dispõe de uma maior panóplia de atos desta natureza. Os que envolvem nomeações de titulares podem ser formalmente independentes (nomeação do 1º Ministro) ou envolver uma competência partilhada com o Governo (nomeação dos restantes membros do governo, sob proposta do 1º Ministro).

Existem atos de direção presidencial que se projetam na própria subsistência de órgãos de soberania em funções: caso da renúncia da aceitação de demissão do Primeiro-Ministro. Outros atos, implicam o exercício de poderes diretivos sobre o funcionamento dos órgãos colegiais, como é o caso da convocação extraordinária da Assembleia da República. Por último, outras decisões implicam atos de projeção institucional relevante para a proteção da República e da vontade popular, no âmbito de competências partilhadas (ex: declaração de estado de sítio).

Também a Assembleia da República exerce importantes poderes de direção que se projetam sobre outros órgãos, nomeadamente o Executivo, quando há votações de moções de censura ou confiança.

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21 Os atos de controlo implicam um poder de escrutínio e vigilância por parte de determinados centros de poder sobre outros órgãos: responsabilização política e jurídica, apreciação do mérito de atos de outros órgãos (ex: veto e promulgação presidencial de atos legislativos); atos de fiscalização da constitucionalidade.

A eficácia jurídica dos atos políticos projeta-se primariamente no circuito interno do poder político, sem prejuízo de poderem mais tarde condicionar os atos normativos, como acontece com o veto político.

Função Administrativa:

Atividade traduzida na concretização e execução das leis, e na satisfação de necessidades coletivas legalmente definidas.

• Critério material: natureza dependente ou secundária da função; objetivos prosseguidos; princípios típicos que presidem à atuação dos órgãos.

A administração é uma atividade subordinada porque não só se vincula à Constituição, como à lei (nº2 do artigo 266º). Os objetivos prendem-se com a prossecução dos interesses públicos. Finalmente, os centros de decisão administrativa devem exibir iniciativa e parcialidade, na prossecução desses mesmos interesses, uma vez que a administração deve atuar como parte interessada na realização das referidas necessidades.

Esta parcialidade não prejudica a imparcialidade que deve ser observada no tratamento dos particulares, não favorecendo ou prejudicando os interesses de uns em relação aos outros.

Constitucionalidade, legalidade, igualdade e imparcialidade, proporcionalidade, justiça, e boa-fé, são alguns dos princípios – nº2 do artº 266º. Se não forem cumpridos podem gerar atos inválidos.

• Critérios orgânicos: órgãos e agentes que desenvolvem a atividade administrativa, nos termos do nº2 do artigo 266º. Enquanto órgãos, exercem funções públicas em nome de uma pessoa coletiva. Enquanto agentes, colaboram com os órgãos, numa posição subordinada a estes. Ambos podem praticar atos com efeitos externos em nome da pessoa coletiva.

O Governo é o órgão superior da função administrativa (182º), exercendo poderes de orientação sobre a administração indireta, e poderes de tutela sobre a administração autónoma – artº 199, alínea d).

A Constituição prevê ainda a existência de entidades administrativas independentes. • Critérios formais: manifestações externas do exercício da atividade (as que

produzem efeitos jurídicos, ou seja, os atos e contratos).

Quanto aos atos da Administração, podem ser normativos (regulamentos – normas jurídicas gerais e abstratas) ou administrativos (decisões que no exercício da função produzem soluções individuais e concretas, e que não têm caráter normativo).

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22 Por sua vez os contratos administrativos caracterizam-se como acordos plurilaterais de vontade celebrados entre entidades públicas, ou entre estas e particulares, e que se destinam à constituição modificação ou extinção de relações jurídicas administrativas. Função jurisdicional

Define-se como uma atividade que resolve questões de direito emergentes de interesses conflituantes, através da aplicação da Constituição, das leis e de outras normas, mediante decisões que normalmente têm caráter individual e concreto, e que são tomadas por tribunais independentes, imparciais e passivos.

• Critérios materiais: objeto (resolução de questões concretas), fim (garantir a justiça material e a paz jurídica), natureza subordinada (como atividade jurídico-pública, dá primazia à Constituição e à lei, normas relativamente às quais os decisores se encontram submetidos – artsº 203º e 204º).

É importante referir que a subordinação dos tribunais à lei não impede, nem deve impedir, os mesmos de a interpretarem a integrarem. O disposto do artº 112/5 apenas impede operações jurisdicionais que sejam dotadas de eficácia externa (que vinculem sujeitos situados fora do processo em julgamento).

Daí a declaração de inconstitucionalidade do instituto dos assentos.

Esta subordinação também não impede nem deve impedir os tribunais comuns (artigo 204º) e do Tribunal Constitucional (artº 221 e 277º e sgs) em julgarem a invalidade de leis contrárias à Constituição.

Critério orgânico

O elemento orgânico reporta-se aos tribunais como centros institucionais formados por juízes, dotados de independência e irresponsabilidade. A Constituição define as diversas classes de tribunais no artigo 209º.

Critério formal

O elemento formal reconduz-se às decisões jurisdicionais, as “sentenças”, que corporizam o resultado da função jurisdicional. Num plano misto, simultaneamente material e formal, as sentenças são de cariz individual e concreto (exceto as declarações de inconstitucionalidade pelo TC que têm força obrigatória geral).

As funções do Estado e o Princípio da Separação de Poderes • Separação de poderes

A separação de poderes prevista na nossa CRP não se identifica com o princípio dos séculos XVIII, o qual implicava que a cada órgão de soberania fosse atribuída uma função do Estado, de forma a evitar excessos. Este principio partiu de Locke, no quadro de monarquia mista, procurando garantir os valores primordiais de segurança, propriedade e liberdade individual. Montesquieu foi o seu grande estudioso, tornando este princípio num axioma do

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23 Estado de direito democrático. Este princípio esteve bastante presente na Constituição Americana de 1878.

Quatro razões afastam na atualidade, a teoria da separação de poderes oitocentistas, em relação ao paradigma do Estado do tempo presente.

I. Transformações das funções e dos próprios fins do Estado – a mais relevante destas sendo a atribuição ao Governo, tecnicamente um centro de poder Executivo, de funções legislativas.

II. Liberdade conformadora do constituinte para configurar diversas modalidades ou formas de expressão da separação de poderes – as funções do Estado são condicionadas pela arquitetura de cada Constituição em concreto, e não por um arquétipo teorético fixo. Um exemplo disto é a diferença palpável entre os diferentes regimes semipresidencialistas.

III. Os limites políticos e jurídicos fixados pela teoria do núcleo essencial ao poder constituinte a aos poderes constituídos – a flexibilidade da incidência do princípio no âmbito de cada Constituição tem os seus limites.

O princípio da separação de poderes a partir das competências constitucionalmente configuradas não pode ser irrelevante. Existem sempre parâmetros teleológicos que, caso sejam ultrapassados, impedem que se possa invocar o respeito pelo princípio da separação de poderes.

É vedada aos órgãos a possibilidade de se intrometerem no âmago de competências alheias e de exercer funções que não lhe competem, mediante a Lei Fundamental. Não seria admissível que um órgão que exercesse primado de uma função, o viesse a perder em favor de outro órgão.

Não só este conteúdo de centralidade de cada poder constitui um limite ao poder de revisão constitucional, como também se impõe como um limite ao poder constituinte de um Estado democrático, por constituir um dos seus pilares.

Teoria do núcleo essencial: a nenhum órgão soberano podem ser cometidas funções de que resulte quer o esvaziamento das funções materiais atribuídas a outro órgão quer a intromissão no circulo indisponível das funções que devem pertencer a outro órgão, por razões de essencialidade material.

O núcleo tem uma dimensão material que se impõe ao próprio poder constituinte, relacionado com as características prototípicas dos órgãos: os Parlamentos são os titulares da função legislativa que incida sobre as matérias mais relevantes; os Executivos (Governo e Presidente) são os órgãos superiores da Administração Pública; os tribunais desempenham a exclusividade da função jurisdicional.

Uma realidade diferente pressuporia um Estado que não de direito, ou até constitucional, uma vez que o texto constitucional seria concebido para acomodar e legitimar formalmente poderes fáticos, e não para limitar materialmente o poder político.

IV. Complementaridade incindível entre separação e interdependência de poderes. O princípio de interdependência de poderes ou, como o Tribunal Constitucional lhe chamou, dimensão negativa da separação de poderes.

Não basta que sejam repartidas as competências entre órgãos soberanos: uma autoridade pode abusar do poder que lhe foi constitucionalmente conferido. Partindo da ideia de Montesquieu de que “só o poder limita o poder”, a limitação da autoridade ocorre necessariamente por força de controlos interorgânicos. Atos políticos que constituem

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24 poderes de impedimento (vetos, poderes de direção com componente sancionatória), ou faculdades de autorização e confirmação, ilustram o princípio da interdependência.

Como colorários do princípio de separação de poderes, na esfera dos órgãos de soberania, temos:

• A repartição da atividade política stricto sensu entre o Presidente, a Assembleia e o Governo;

• A repartição da atividade legislativa entre a Assembleia e o Governo (com o primado da Assembleia e a centralidade do Governo)

• Exclusão da atribuição da atividade administrativa à Assembleia; • Reserva da jurisdição aos tribunais.

Capítulo II. Os Atos Jurídico-Públicos

Conceito: decisão imputada aos órgãos de uma entidade coletiva que se mostra apta à produção de consequências jurídicas na prossecução dos fins públicos a que o mesmo se encontra adstrito.

É um produto da exteriorização da vontade imputável a um ente público, cujo grau de vinculação pode ser maior ou menor, consoante a natureza da função:

• É maior numa função dominante como a função política. A atividade legislativa é a que permite a existência de uma liberdade conformadora do conteúdo dessa vontade, que apesar de tudo pode ser limitada pela Constituição (ex: normal não exequíveis por si próprias tem uma menor liberdade de concretização legislativa). • É menor em funções subordinadas à legalidade, como a atividade administrativa e

jurisdicional.

Normalmente os atos jurídico-públicos são imputados aos órgãos públicos: são atos do Estado no exercício de um poder público, sujeito a normas de Direito público. A eles se contrapõem os atos de gestão privada e os atos dos particulares, inclusive os que são praticados no âmbito de direitos políticos.

Existem, contudo, situações em que o ato é praticado por um ente de natureza jurídica privada, que desempenha funções públicas ao abrigo de um poder público de autoridade que lhe foi concedido por uma pessoa coletiva pública (ex: conceção de serviço público).

É a função publica que permite conferir ao ato produzido a natureza jurídico-pública. Os efeitos jurídicos destes atos traduzem-se na manifestação unilateral de um poder de império sobre os seus destinatários, assegurado pela coercibilidade que assiste ao direito e, como já vimos, está na posse do Estado.

A Constituição da República contém uma previsão específica do princípio da constitucionalidade, dirigida aos atos jurídico-públicos – nº3 “quaisquer entidades públicas”.

Pressupostos e elementos do ato jurídico-público: • Órgão, vontade psicológica, competência

Referências

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