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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS. Módulo 1

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Academic year: 2021

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM

DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Módulo 1

Disciplina: Responsabilidade Penal Ambiental

Prof. Eládio Lesey – Especialista, Desembargador

aposentado/RS e Membro Fundador do Instituto "O Direito por

um Planeta Verde"

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Prezado(a) cursista.

Você está recebendo o conteúdo didático da disciplina “Responsabilidade Civil e Administrativa Ambiental”, cujo objetivo geral é identificar, caracterizar e analisar os fundamentos e elementos essenciais da responsabilidade penal por risco ou dano ambiental.

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Sumário

UNIDADE 1: TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE. FUNDAMENTOS E TIPOLOGIA

1.1 ‘NOVOS’ DIREITOS

1.1.1 O meio ambiente como “novo” direito

1.2 NECESSIDADE DA TUTELA PENAL AO MEIO AMBIENTE

1.3 DIREITO AMBIENTAL PENAL. BEM JURÍDICO TUTELADO: CARACTERÍSTICAS

1.3.1. Autonomia

1.3.2 Supraindividualidade 1.3.3 Âmbito macrossocial

1.4 DIREITO AMBIENTAL PENAL – Princípios norteadores; reflexos na tipologia da Lei nº 9605/98

1.4.1 Prevenção geral

1.4.1.1 Comparativo entre o crime poluição da Lei 9605/98 e o do revogado artigo 15 da Lei 6938/81

1.4.2 Caráter educativo 1.4.3 Prevenção especial

UNIDADE 2: TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE. INSTRUMENTOS 2.1 PRINCIPAIS IMPACTOS DA LEI Nº 9605/98

2.2 VALORIZAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS

2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES. BUSCA DE COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS

2.4 REFLEXOS NA AUTORIA SINGULAR E COLETIVA. NOVOS PARADIGMAS 2.5 PREOCUPAÇÃO COM A REPARAÇÃO DO DANO AO AMBIENTE

2.6 COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO. TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO DO PROCESSO. INTRUMENTOS PENAIS DE EFETIVA TUTELA 2.6.1 Efetividade do Direito Ambiental. Juizados Especiais Criminais e proteção penal do ambiente

2.6.1.1 Princípios norteadores da Lei dos Juizados Especiais Criminais 2.6.1.2 Novo papel dos operadores do Direito

2.6.1.3 Princípios norteadores do Direito Ambiental – Juizados Especiais Criminais, instrumentos de tutela. Correlação entre as Leis nºs. 9605/98 e 9099/95.

2.6.2 Transação na Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente

2.6.2.1 Condição à proposta de transação – prévia composição do dano 2.6.2.2 Medidas a serem aplicadas na transação penal

2.6.3.2 Reparação do dano – condição à extinção da punibilidade 2.6.3.3 Condições da suspensão do processo

2.7 COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO AO AMBIENTE: REFLEXOS NO JUÍZO CRIMINAL E A JURISPRUDÊNCIA

2.7.1 Direito Penal Reparador

2.7.2 Composição do dano ao meio ambiente. Reflexos no juízo criminal.

2.7.2.1 Composição do dano ao ambiente. Reflexos no juízo criminal. Precedentes jurisprudenciais

2.7.2.2 Condição à proposta de transação – prévia composição do dano. Precedentes jurisprudenciais

2.7.3 Reparação do dano – condição à declaração da extinção da punibilidade na suspensão do processo

2.7.3.1 Recuperação natural da área degradada. Desnecessária a condição da reparação do dano na suspensão do processo? Crítica a uma manifestação jurisprudencial.

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2.7.3.2 Ausência de reparação do dano: revogação da suspensão do processo. Precedentes jurisprudenciais.

2.7.3.3 Ausência de completa reparação do dano: prorrogação do prazo da suspensão do processo. Jurisprudência.

2.7.3.4 Decurso do prazo da suspensão, sem comprovação, por laudo da reparação do dano ao ambiente: impossibilidade da declaração da extinção da punibilidade. Precedentes jurisprudenciais.

ATIVIDADE PROPOSTA LEITURA COMPLEMENTAR

3. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA FÍSICA E DA PESSOA JURÍDICA3.1 DIREITO AMBIENTAL PENAL: UM NOVO PARADIGMA?

3.1.1 A Criminalidade através da pessoa jurídica: dificuldade na implementação da tutela penal ao ambiente.

3.2 SOLUÇÕES À CRIMINALIDADE ATRAVÉS DA PESSOA JURÍDICA E A REALIDADE BRASILEIRA

3.2.1 Responsabilidade penal da pessoa física

3.2.2.1 Responsabilização do dirigente. Concorrência de qualquer forma: autoria, co-autoria ou participação. A realidade brasileira

3.2.1.2 A realidade brasileira: co-responsabilização do dirigente por omissão no crime de outrem.

3.2.2 Responsabilidade criminal da pessoa jurídica.

3.2.2.1 Possibilidade de sanções criminais à pessoa jurídica. A realidade

3.2.2.2 O Princípio da Pessoalidade no Direito Penal. Conciliação com a Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica

3.2.2.3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica, o conceito do fato punível e a redefinição da culpabilidade

3.2.2.4 Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Breve referência ao Direito Comparado. Realidade no Direito Brasileiro

3.2.2.5 A realidade brasileira: A nova Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente

3.3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA: EFETIVIDADE, QUESTÕES PROCESSUAIS E A JURISPRUDÊNCIA

3.3.1 Efetividade da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito Brasileiro 3.3.2 Dificuldades jurídico-operacionais. Algumas questões processuais

3.3.2.1 Denúncia. Concurso necessário de agentes?

3.3.2.2 Denúncia. Interesse ou benefício da pessoa jurídica 3.3.2.3 Processo

3.3.2.3.1 Procedimento aplicável 3.3.2.3.2 Representação em juízo

3.3.2.3.3 Citação e intimação da pessoa jurídica

3.3.2.3.4 Representação na composição do dano, na transação penal e na suspensão do processo

3.3.2.3.5 Interrogatório da pessoa jurídica. Indicação de preposto?

3.3.2.4 Sentença. Aplicação da pena: dosimetria. Princípio “nulla poena sine lege” e da individualização da pena

3.3.2.5 Execução das penas não cumpridas voluntariamente pela pessoa jurídica. Multa. Restritivas de direitos. Prestação de serviços à comunidade.

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UNIDADE 1

TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE. FUNDAMENTOS E TIPOLOGIA1

Resumo introdutório:

Neste capítulo serão analisados os fundamentos da responsabilidade penal em matéria ambiental. O meio ambiente como bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental Penal, com as características da autonomia, supraindividualidade e âmbito macrossocial. Direito difuso por excelência a trazer novos paradigmas também para o Direito Penal. Serão examinados os princípios que norteiam o Direito Ambiental Penal, prevenção geral, caráter educativo e prevenção especial, bem como seus reflexos na tipologia, com elementos normativos do tipo, normas penais em branco, tipos culposos, omissivos e até omissivos culposos.

1.1 ‘NOVOS’ DIREITOS

Atualmente, é comum o qualificativo “novos” para adjetivar direitos e interesses sobre cuja existência passou-se a ter consciência, em especial no mundo jurídico, com o advento da Revolução Industrial e o surgimento da chamada “sociedade de massa”. Como bem aponta Mancuso, “nessa sociedade de ‘massa’, não há lugar para o homem enquanto indivíduo isolado; ele é tragado pela roda-viva dos grandes grupos de que se compõe a sociedade: não há mais preocupação com as situações jurídicas individuais, o respeito ao indivíduo enquanto tal, mas, ao contrário, indivíduos são agrupados em grandes classes ou categorias, e como tais, normatizados.” 2

Dita “massificação” das relações teve como decorrência uma alteração do plano individual, e até mesmo do coletivo em sentido restrito já aflorado com os chamados direitos sociais, para o plano dos direitos e interesses difusos. Ditos direitos e interesses, que não tem titulares precisos e determinados, mas que reflexos trazem sobre o bem-estar, por vezes a sobrevivência até, dos indivíduos pertencentes aos mais variados segmentos sociais. Por exemplo, o interesse na manutenção da qualidade do meio ambiente, relativamente aos habitantes de determinada região, ou da qualidade dos produtos e serviços, quanto aos consumidores.

Como bem destaca Antonio Benjamin, “ao contrário do que sucede com certas categorias tradicionais de interesses e direitos, como os decorrentes de relações creditícias em geral, o meio ambiente e o consumo, aquele mais que este, dão origem, costumeiramente, ao lado de conflitos individuais, a litígios exclusiva ou preponderantemente supraindividuais” 3.

1 Texto extraído de parte da seguinte obra do mesmo professor conteudista: Lecey, Eladio. Novos

Direitos e os Juizados Especiais – a proteção do meio ambiente e os Juizados Especiais Criminais,

Revista de Direito Ambiental n◦ 15, RT e Revista da AJURIS n◦ 77.

2 Mancuso, Rodolfo de Camargo, Interesses Difusos,

3 Benjamin, Antonio Herman, A Insurreição da Aldeia Global contra o processo civil clássico.

Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor, em “Ação

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São direitos e interesses que ora recaem sobre uns, ora, sobre outros agrupamentos, dizendo com todo um agrupamento e também com cada um dos indivíduos seus integrantes. Incidem, assim, difusamente. Daí, o qualificativo difusos. Como direitos e interesses novos.

1.1.1 O meio ambiente como “novo” direito

O direito ao meio ambiente tem sido elencado dentre os novos direitos, como salienta Norberto Bobbio4:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.

O meio ambiente é um bem acentuadamente difuso. Uma ofensa ao ambiente, embora reflexamente e por vezes de maneira imediata possa atentar contra direitos individuais, como a vida e a saúde das pessoas, atenta contra a coletividade e incide difusamente, dizendo não somente com as gerações presentes, mas com as futuras gerações, consoante muito bem aponta a nossa Constituição Federal que, em seu artigo 225, determina que

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O ambiente em si mesmo se apresenta como um direito a ser preservado. É de se indagar, no entanto, a razão do rótulo “novo direito”: afinal não era, outrora, o ambiente um direito, já que, obviamente, sempre – e anteriormente de forma mais estreita – o homem viveu na natureza, inserido no meio ambiente?

Mais uma vez cumpre citar Norberto Bobbio, lembrando que os direitos não surgem todos de uma vez: “Nascem quando devem ou podem nascer”, sendo direitos históricos, surgindo de “lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes” 5.

A consciência de um direito surge da necessidade de sua proteção e tal necessidade se apresenta quando existe ofensa ou ameaça de lesão. O homem sempre viveu em contato com a natureza e, na satisfação de necessidades, usando elementos da natureza. Todavia, o fazia de forma equilibrada, de modo que o ambiente era preservado. Com a vida moderna, o desenvolvimento das relações econômicas, as pessoas (naturais e jurídicas em especial), deixaram de preservar a natureza, passando a usá-la abusivamente, atentando contra o meio ambiente, trazendo desequilíbrio.

4 Bobbio, Norberto, A Era dos Direitos, Ed.Campus, 1992, pp.5 e 6. 5 Obra citada, p.6.

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1.2 NECESSIDADE DA TUTELA PENAL AO MEIO AMBIENTE

A tutela do ambiente tem sido objeto de preocupação de todos, já que podemos afirmar, sem exagero, que a sobrevivência da espécie humana e sua digna qualidade de vida dependem da sustentação de um meio ambiente equilibrado ecologicamente. Indiscutível a importância da sua preservação, decorrendo da consciência da necessidade de proteção já destacada, que cada vez mais vem se acentuando, de modo a refletir no Direito que tem demonstrado interesse pelo meio ambiente, a ponto de merecer tutela constitucional em muitos países. O Brasil, sabidamente, trouxe das mais avançadas regras na busca de preservação desse “novo direito”.

Indispensável dita proteção do Direito se mostra, no entanto, a ponto de merecer a intervenção do Direito Penal? Não seria suficiente o uso doutras regras, como as cíveis e administrativas?

O Direito Penal, pela característica de suas sanções, tendo em seu elenco a mais grave delas, atingindo a liberdade da pessoa, pela conseqüência estigmatizante de uma condenação criminal, repercutindo na dignidade da pessoa, deve ser usado minimamente, por óbvio. Por suas repercussões em tais direitos fundamentais explicitamente garantidos pela Constituição, de forma implícita temos como princípio penal o da mínima intervenção do Direito Penal. Assim, somente haverá reserva legal, somente sofrerá incidência de norma incriminadora, a conduta que apresentar lesividade, de conformidade com outro princípio penal básico.

Ou seja, apenas a conduta que ofender ou colocar em perigo de ofensa um bem jurídico merecerá a mínima intervenção do direito criminal. E não é qualquer bem que terá a tutela do direito penal. Tão somente aqueles com extrema relevância social, a ponto de merecerem a mais severa sanção, como é a criminal. Tudo na linha do conhecido Direito Penal Mínimo, ou do Direito Penal Necessário.

Muitas vezes, no entanto, as normas gerais, não penais, se mostram insuficientes à proteção de interesses sociais, impondo-se o socorro do direito penal à efetivação da tutela.

Como interesse juridicamente tutelado, consoante acentua a norma constitucional brasileira (artigo 225), o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à qualidade de vida a ponto de impor-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo às presentes e futuras gerações. A preservação da espécie, como já foi acentuado, depende da sustentação ambiental. Bem de tal extrema importância, não pode ficar alheio ao Direito Penal, cujas regras devem estender-lhe proteção.

As infrações contra o ambiente são infrações de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais como a saúde e a vida das pessoas.

O Direito Ambiental Penal incrimina não apenas o colocar em risco a vida, a saúde dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana, mas o atentar contra a própria natureza, bem que, por si mesmo, deve ser preservado e objeto de tutela, pelo que representa às gerações presentes e futuras, como já destacado.

No tocante ao bem-interesse protegido, o Direito Ambiental Penal difere sensivelmente da dogmática tradicional. Como acentua Juan Bustos Ramirez, os bens próprios ao direito penal tradicional eram de fácil determinação, porque surgiam ligados diretamente à pessoa e sua ofensa se mostrava particularizada e precisa (dano à saúde, à vida, ao patrimônio do indivíduo). Tinham um caráter microssocial, referindo-se a relações de pessoa(s) a pessoa(s), sendo de fácil delimitação.

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Com a vida moderna e seu dinamismo, em especial no âmbito econômico, se chegou à configuração de bens jurídicos que não estão ligados diretamente à pessoa, dizendo mais com o funcionamento do sistema. É o caso de bens como a qualidade do consumo e do meio ambiente, dentre outros, bens jurídicos de determinação mais difícil, pelo que denominados de bens difusos.

Ditos bens têm relação com “todas e cada uma das pessoas do sistema social”. A ofensa ao meio ambiente não diz com uma pessoa, mas com a coletividade, incidindo difusamente. Há uma acentuada danosidade social. Move-se, na lição do citado Professor Ramirez, no âmbito macrossocial.6 Em razão da acentuada danosidade social é que se mostra indispensável, como “ultima ratio”, a tutela penal do ambiente.

Estabelecido o mérito à tutela penal, pela relevância do bem-interesse na escala de valores sociais, necessária se mostra dita proteção ao meio ambiente:

a) como resposta social, tendo em vista, justamente a natureza do bem tutelado, que traspassa o indivíduo, atingindo a coletividade, bem supraindividual, dizendo não só com a saúde e a vida das pessoas, mas com a perpetuação da espécie humana (vejam-se os efeitos radiativos de poluição ambiental de que podem decorrer danos genéticos com propagação e generalização a ameaçar as condições de procriação);

b) como instrumento de pressão à solução do conflito já se mostra útil o Direito Penal, reservado, obviamente, às mais graves violações, como é a agressão ao meio ambiente. O impacto da criminalização ambiental é expressivo, tendo-se em vista a peculiaridade do delinqüente ambiental que, mais que o delinqüente comum, é sensível às conseqüências da sanção penal, tendo em vista o gravame à imagem e conforto pessoais 7. c) como instrumento de efetividade das normas gerais, útil se mostra o

Direito Penal, como resposta social e instrumento de pressão, à efetividade das normas não penais, de modo que sua implantação, por vezes, face às mais sérias agressões (de dano ou de perigo ao ambiente), somente se concretizará com a instrumentalização da norma penal incriminadora.

d) como instrumento de prevenção: o mais expressivo papel do Direito Penal é, justamente, o de prevenir a ocorrência dos delitos, das ofensas (seja pela causação de dano, seja de perigo) aos bens e interesses juridicamente tutelados. Embora mais destacado por seu caráter repressivo, o direito denominado “punitivo”, é preventivo. Dito caráter mais é de se acentuar no Direito Ambiental Penal. Mais importante do que punir é prevenir danos ao meio ambiente. Pela expressividade do dano coletivo em matéria ambiental, impõe-se reprimir para que não ocorra dano. Esta a função primordial: prevenir, porque, por vezes, de nada adiantaria punir quando danosidade coletiva irreversível já ocorreu.

6Ramirez, Juan Bustos, Perspectivas Atuais do Direito Penal Econômico, em Fascículos de Ciências

Penais, 4/3.

7 Benjamin, Antonio Herman, O Direito Penal do Consumidor: Capítulo do Direito Penal Econômico,

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Dita necessidade de intervenção penal em matéria de proteção do meio ambiente é tão acentuada a ponto de a norma infraconstitucional, através da Lei da Natureza (Lei 9605/98) ter recepcionado a norma constitucional (artigo 225, § 3º) e consagrado a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, tendo em vista que as mais expressivas ofensas ao meio ambiente promanam da pessoa coletiva.

A proteção do Direito Penal ao meio ambiente mais expressivamente na atualidade se encontra na Lei nº 9605/98, conhecida como a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente e que trouxe importantes impactos como a responsabilização criminal da pessoa jurídica e a relevância da omissão do dirigente a constituir concorrência na conduta criminosa de outrem.

Reflete dita lei os princípios a orientarem o Direito Ambiental Penal, influenciando na tipificação das condutas incriminadas. Ainda, dentre suas conseqüências na proteção do ambiente destacam-se a transação e a suspensão do processo que, com as alterações trazidas pela Lei nº 9605/98, se mostram instrumentos que poderão ser usados pelos operadores do Direito como eficazes meios de efetividade da tutela do meio ambiente.

1.3 DIREITO AMBIENTAL PENAL. BEM JURÍDICO TUTELADO: CARACTERÍSTICAS

Como já destacado o meio ambiente, em si, é um direito e, assim, o bem juridicamente tutelado pelo Direito Ambiental Penal. Um direito, como também foi observado, difuso por excelência.

Na verdade, o meio ambiente é mais do que um direito, um autêntico interesse. Como observa Mancuso, um direito esgota sua função a partir do momento em que outorga uma prerrogativa a seu titular, enquanto o interesse tende a repetir-se e a transformar-se indefinidamente8.

O meio ambiente é um bem, um autêntico valor, ou melhor, uma riqueza, em si, gerando interesses às pessoas individual e coletivamente consideradas.

De tal peculiaridade, emergem suas características como um bem e interesse autônomo, supraindividual e com âmbito macrossocial.

1.3.1. Autonomia

Anteriormente ao reconhecimento dos ditos “novos” direitos, como são os que dizem com o ambiente e as relações de consumo, os bens tutelados pelo Direito Penal eram, acentuadamente, de caráter individual, como a vida, a integridade física, o patrimônio e a honra.

Com a Revolução Industrial e a sociedade de massa, surgiram “novas formas de dano social… que exigem novas figuras delitivas a fim de proteger bens jurídicos também novos” 9. Dentre eles, os contra as relações de consumo e o meio ambiente. Embora de uma ofensa ao ambiente (assim como às relações de consumo) possam decorrer danos à pessoa, no sentido de poder agredir sua saúde, integridade física ou a própria vida, no Direito Ambiental Penal, o bem protegido diretamente

8 obra citada, p. 97

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pelas normas incriminadoras, é o meio ambiente em si mesmo considerado, como um valor e interesse a incidir difusamente. Podemos afirmar que a proteção não se dá à pessoa individualmente considerada, mas à “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis”, como refere Benjamin, citando o CDC10, ao analisar o bem tutelado pelo Direito Penal do Consumidor, que protege bem igualmente difuso como é a relação de consumo. Ou mais ainda, no Direito Ambiental Penal a tutela se direciona ao valor ambiente mesmo, que é o interesse difuso por excelência.

Assim, o meio ambiente é um bem autonomamente tutelado, com relação aos bens individuais, como a vida e a saúde das pessoas que poderão, por óbvio, também serem atingidos por eventuais condutas que atentem contra o ambiente. Tanto que, por vezes, as conseqüências às pessoas, como lesão corporal grave ou morte, constituem causas de aumento das penas cominadas aos crimes contra o meio ambiente, (exemplificativamente, o crime de poluição do artigo 54 da Lei 9605/98, de pena majorada nas hipóteses do artigo 58, incisos II e III) geralmente quando culposas ditas conseqüências, ou haverá até concurso de crimes quando se tratar de dolo na lesão ou morte.

1.3.2 Supraindividualidade

A autonomia do ambiente como bem protegido penalmente decorre, essencialmente de sua supraindividualidade. Conforme Mancuso, os interesses difusos tem a característica da indeterminação dos sujeitos porque são referíveis a um conjunto indeterminado ou dificilmente determinável de sujeitos, contrapondo-se ao esquema tradicional, de modo que a tutela não mais pode ter por base a titularidade, mas a relevância social, em si, do interesse.

Ainda, refere o citado doutrinador, no caso dos interesses difusos, a relação é

super ou metaindividual, estabelecendo-se entre a coletividade e um dado bem da

vida difuso11.

O ambiente, como bem e interesse protegido penalmente, destaca-se da tutela da pessoa individualmente, ou até coletivamente considerada. Traspassando o individual, sua proteção se dá à sociedade, no plano coletivo. Vai além, como acentua a Constituição Federal (artigo 225), dirigindo-se não apenas às presentes, mas às futuras gerações.

1.3.3 Âmbito macrossocial

As infrações contra o ambiente são infrações de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais como a saúde e a vida das pessoas.

O Direito Ambiental Penal incrimina não apenas o colocar em risco a vida, a saúde dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana, mas o atentar contra a própria natureza, bem que, por si mesmo, deve ser preservado e objeto de tutela, pelo que representa às gerações presentes e futuras, como já destacado.

10 Antonio Herman Benjamin, O Direito Penal do Consumidor: Capítulo do Direito Penal Econômico,

em Revista de Direito do Consumidor, RT, vol.1, p.121.

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No tocante ao bem ou interesse protegido, o Direito Ambiental Penal difere sensivelmente da dogmática tradicional. Como acentua Juan Bustos Ramirez, os bens próprios ao direito penal tradicional eram de fácil determinação, porque surgiam ligados diretamente à pessoa e sua ofensa se mostrava particularizada e precisa (dano à saúde, à vida, ao patrimônio do indivíduo). Tinham um caráter microssocial, referindo-se a relações de pessoa(s) a pessoa(s), sendo de fácil delimitação.

Com a vida moderna e seu dinamismo, em especial no âmbito econômico, se chegou à configuração de bens jurídicos que não estão ligados diretamente à pessoa, dizendo mais com o funcionamento do sistema. É o caso de bens como a qualidade do consumo e do meio ambiente, dentre outros, bens jurídicos de determinação mais difícil, pelo que denominados de bens difusos.

Ditos bens têm relação com “todas e cada uma das pessoas do sistema social”. A ofensa ao meio ambiente não diz com uma pessoa, mas com a coletividade, incidindo difusamente. Há uma acentuada danosidade social. Movem-se, referidos bens e interesses, na lição do citado Professor Ramirez, no âmbito macrossocial.12.

1.5 DIREITO AMBIENTAL PENAL – Princípios norteadores; reflexos na tipologia da Lei nº 9605/98

Podemos destacar os seguintes princípios a orientarem o Direito Ambiental Penal e que se mostram acatados pela nova Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente: 1.4.1 Prevenção geral

É o Direito Ambiental, como já salientado, precípuamente preventivo. De nada adianta punir se danosidade coletiva e macrossocial já aconteceu. Os danos ao ambiente podem ser irreversíveis e com seriíssimas conseqüências. A norma ambiental penal, comparada com a civil, como afirma Benjamin, “está numa melhor posição para enfrentar os riscos ambientais, atuando na fase do perigo, antes que a degradação ocorra” 13.

A norma incriminadora sanciona para que não ocorra dano. Dito caráter preventivo vem explicitado na legislação ambiental-penal pela tipificação de delitos não somente de dano como de perigo. Há que se atingir os riscos. Exemplo de tipificação do perigo encontramos no artigo 56 da Lei 9605/98 que criminaliza “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos” e que no seu parágrafo 1º tipifica também o abandono de tais produtos ou substâncias, de que nós brasileiros temos triste lembrança (“caso césio” em Goiânia). Outro exemplo vem a ser o artigo 55 da mesma lei que criminaliza a pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais

12 Perspectivas Atuais do Direito Penal Econômico, em Fascículos de Ciências Penais, 4/3

13 Benjamin, Antonio Herman, Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral, em Ministério

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sem autorização ou em desacordo com a obtida, independentemente de causar dano ao ambiente.

A propósito do princípio da prevenção geral, crítica merece a Lei 9605/98 na tipificação do crime de poluição previsto no artigo 54. No tocante ao meio ambiente como bem/interesse tutelado, no “caput” e nos parágrafos primeiro e segundo, somente criminaliza a poluição se decorrer dano significativo à flora ou à fauna. O parágrafo terceiro do mesmo artigo pune o perigo, ao prever que incide nas mesmas penas do crime de poluição penal qualificada (reclusão de um a cinco anos) “quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível”. Neste aspecto, não é crime de dano, portanto, bastando o risco. Sequer precisa ocorrer degradação, mesmo que em pequena escala. Assim, não se apresenta integrante do tipo o resultado poluição. Suficiente à caracterização do delito o risco de dano ambiental, grave ou irreversível, desde que decorrente de ato capaz de poluir, já que se trata de crime previsto em parágrafo do artigo 54 que versa sobre a poluição penal.

Criminalizado, pois, o risco, o perigo que há de ser, no entanto, grave e irreversível. Consagrado em matéria criminal, assim, o princípio da prevenção, não há dúvida. Embora utilizando a expressão “precaução” o texto legal, na verdade, está se referindo à prevenção já que expressamente prevê sua aplicação para situação de risco (e grave risco na realidade). Todavia, em hipótese bastante restrita. Indispensável a omissão de medidas de precaução quando exigidas pela autoridade competente. Neste aspecto, trata-se de norma penal em branco, já que será complementada a norma penal incriminadora por norma a ser emanada da autoridade. Exigência que pode se dar de duas formas, segundo Vladimir e Gilberto Passos de Freitas: específica, diante do caso concreto, ou de ordem genérica para determinadas situações-tipo14. Ditas medidas poderão ser, como aponta Leme Machado, a suspensão momentânea de atividades de uma fábrica, a mudança de itinerário na circulação de veículos a motores, ou a restrição a essa circulação15.

Nesse caso, ao tipificar a ausência de precaução e o perigo ao meio ambiente, mais protetora se apresenta a norma da nova lei se comparada com o crime de poluição penal previsto no artigo 15 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. No entanto, restrita a criminalização à conduta omissiva (de precaução) e condicionada à exigência da autoridade. Noutros aspectos se nos afigurava mais protetiva ao ambiente a antiga lei penal.

1.4.1.1 Comparativo entre o crime poluição da Lei 9605/98 e o do revogado artigo 15 da Lei 6938/81

O artigo 15 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente foi revogado pelo artigo 54 da Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente que deu nova definição ao crime de poluição penal. Na antiga descrição legal constituía crime de poluição a conduta do “poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou estiver tornando mais grave situação de perigo existente”.

Num aspecto era mais expressiva a proteção penal ao meio ambiente do que na atual definição legal. Hoje, como já foi analisado, para se caracterizar o crime,

14 obra citada, p.183

15 Da Poluição e de outros crimes ambientais na Lei 9605/98, em Revista Direito Ambiental, Ed.

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quanto ao bem tutelado meio ambiente, há de haver dano significativo à flora ou à fauna. É, portanto crime de dano quanto ao ambiente. Na antiga lei bastava perigo à fauna ou flora. Se acaso ocorresse dano aos elementos fauna ou flora, desde que irreversível, havia aumento de pena até o dobro.

No tocante às penas cominadas, a lei antiga previa para o tipo básico (com perigo ao ambiente apenas) as sanções de um a três anos de reclusão, mas com aumento até o dobro (dois a seis anos) se decorresse dano irreversível à fauna, à flora e ao ambiente. Mais ampla também era a proteção neste aspecto, eis que dano (irreversível) ao ambiente em geral já era criminalizado, enquanto na nova lei restrito à flora e fauna.

A nova lei penaliza com um a quatro anos de reclusão (o máximo cominado é maior), mas restrito à ocorrência de dano significativo à flora e fauna, quando lá bastava o perigo, com duplicação das sanções acaso dano irreversível decorresse. Também nesse aspecto mais favorável era a lei antiga.

De positivo há que se apontar a explicitação de que a poluição pode ser de qualquer natureza, ou seja, de qualquer elemento do ambiente (o que, penso, poderia ser admitido em interpretação relativamente à redação antiga), bem como a tipificação da ausência de precaução no parágrafo terceiro.

Penso, no entanto, que, embora avanços tivessem ocorrido, recuo também houve ao deixar de ser tipificado o perigo ao ambiente, salvo na restrita hipótese já examinada do parágrafo terceiro. Assim, necessária se faz examinar sugestão de alteração legislativa a incluir no “caput” do artigo 54 da Lei 9605/98 o resultado perigo (que haverá de ser concreto) de grave dano ao meio ambiente em decorrência de poluição de qualquer natureza.

1.4.2 Caráter educativo

O Direito Ambiental Penal deve ser educativo, impondo-se maior conotação pedagógica do que no Direito Penal tradicional. Deve adotar medidas que tenham efeito educativo-ambiental. Suas normas devem apresentar especificidade, socorrendo-se muitas vezes de regras doutros ramos do direito e das ciências, havendo acentuada interdisciplinaridade (não é possível se colocar numa norma penal todos os termos técnicos e científicos, informados por outros ramos). Daí, necessários elementos normativos do tipo e até normas penais em branco, nem sempre recomendáveis noutros ramos do direito criminal, em decorrência do princípio da determinação legal (princípio da lei certa). Exemplo encontramos no artigo 38 da Lei 9605/98 que tipifica a conduta de “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente. O conceito de floresta de preservação permanente promana dos artigos 2º e 3º do Código Florestal (Lei 4771/65).

Outro exemplo, o artigo 29 da Lei dos Crimes contra o meio ambiente que, no seu parágrafo 4º, I, pune mais severamente o delito contra fauna silvestre quando atingida espécie considerada ameaçada de extinção, norma penal que vem complementada por normas do IBAMA ao listar ditas espécies.

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1.4.3 Prevenção especial

A prevenção também deve ser, sabidamente, especial, dirigindo-se às condutas realizadas e atentatórias ao bem-interesse tutelado.Em acentuado número as agressões ao ambiente são culposas. Até porque inconcebível que alguém tenha dolo, tenha intenção, em lesar o meio ambiente de que ele próprio necessita. Seria autolesão, suicídio a longo, médio ou curto prazo. Somente um insano atentaria deliberadamente contra o seu próprio meio. Daí, a necessidade de tipos culposos adotados pela Lei 9605/98(exemplo, o artigo 41, parágrafo único, incêndio culposo) bem como de tipos omissivos, já que muitas das ofensas são causadas em desrespeito ao dever de agir para evitar dano ou perigo ao meio ambiente (exemplo, artigo 68, deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, desatendendo dever legal ou contratual). Até omissivo culposo que não existe no Código Penal do Brasil (artigo 68, parágrafo único).

Bibliografia básica:

COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e, Bello Filho, Ney de Barros e Castro e Costa, Flávio Dino – Crimes e infrações administrativas ambientais – Comentários à

Lei n.º 9605/98, Editora Brasília Jurídica.

FREITAS, Vladimir Passos e Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza – Ed. Revista dos Tribunais.

LECEY, ELADIO. Novos Direitos e os Juizados Especiais – a proteção do meio

ambiente e os Juizados Especiais Criminais, Revista de Direito Ambiental n◦ 15, RT

e Revista da AJURIS n◦ 77. Bibliografia complementar:

COSTA JR., Paulo José. Direito Penal Ecológico – Forense Universitária.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Alguns aspectos sobre a Lei dos Crimes

Ambientais – Revista de Direito Ambiental 19.

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UNIDADE 2

TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE. INSTRUMENTOS 16

Resumo introdutório:

No segundo capítulo serão estudados os instrumentos destinados à proteção penal do meio ambiente. A Lei 9605/98, conhecida como a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, além dos reflexos na tipologia já examinados no primeiro capítulo, trouxe outros importantes impactos que serão destacados. São eles: valorização das alternativas à pena privativa de liberdade, acentuada preocupação com a reparação do dano ao ambiente, além de visar maximizar a proteção do bem jurídico meio ambiente. E o fez através da otimização dos instrumentos trazidos pelas Leis dos Juizados Especiais Criminais, como a composição do dano, a transação penal e a suspensão do processo. Na busca de uma mais efetiva tutela penal ao ambiente, trouxe, inclusive, algumas peculiaridades a se aplicarem aos mencionados instrumentos, diferentemente do que ocorre com relação às demais infrações que tutelam outros bens e interesses. Suas normas podem ser vistas como regras de um Direito Penal não apenas preventivo e punitivo, mas também e destacadamente, reparador.

2.3 PRINCIPAIS IMPACTOS DA LEI Nº 9605/98

Além de refletir os princípios do Direito Ambiental Penal com reflexos na tipologia dos crimes contra o meio ambiente, inclusive com tipificação mais adequada às infrações penais, transformando em crimes a maioria das condutas até então previstas como meras contravenções contra a flora, a Lei nº 9605/98 trouxe importantes impactos na teoria geral do delito, com significativos efeitos na proteção do meio ambiente.

Cinco outros reflexos merecem destaque. São eles: valorização das alternativas à pena de prisão, preocupação com a reparação do dano ao ambiente, transformação da transação penal e da suspensão do processo em autênticos instrumentos de efetividade da proteção penal do meio ambiente, responsabilização criminal da pessoa jurídica e a concorrência por omissão do dirigente da pessoa coletiva. Os três primeiros serão examinados neste Capítulo 2 do Guia Didático. As responsabilidades penais da pessoa jurídica e do seu dirigente serão objeto de análise nos demais capítulos.

16 Texto extraído dos seguintes artigos do mesmo professor conteudista: Lecey, Eladio. Novos Direitos

e os Juizados Especiais – a proteção do meio ambiente e os Juizados Especiais Criminais, Revista de

Direito Ambiental n◦ 15, RT e Revista da AJURIS n◦ 77 (parte) e Direito Ambiental Penal Reparador.

Composição e reparação do dano ao ambiente: reflexos no juízo criminal e a jurisprudência, em

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2.4 VALORIZAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS

A nova Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente valorizou as penas alternativas, prevendo, para a pessoa natural, restritivas de direitos autônomas e substitutivas, ampliando possibilidade de substituição para delitos dolosos com penas privativas de liberdade aplicadas inferiores a quatro anos (artigo 7º), quando, na sistemática do Código Penal até então, limitada estava a substituição para sanções aplicadas inferiores a um ano. Posteriormente, tendo em vista alteração do Código Penal pela Lei nº 9714 de 25 de novembro 1998, ampliado o limite para até quatro anos, sendo de se aplicar também aos crimes contra o meio ambiente, visto tratar-se de lei nova mais benigna e pelo princípio da subsidiariedade das regras do Código Penal aos delitos tipificados em leis especiais.

Vários delitos tipificados pela Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente tem cominadas penas privativas de liberdade até um ano, sendo infrações de menor potencial ofensivo, consoante artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais, permitindo transação penal, conforme artigo 76 da mesma Lei nº 9099/95. São eles os artigos 29, 31, 32, 41, parágrafo único, 44, 46, 48, 49, 50, 51, 52, 54, parágrafo 1º, 55, 56, parágrafo 3º, 60, 62, parágrafo único, 64, 65, 67, parágrafo único da Lei nº 9605/98. Dezenove delitos. Agora, por força Lei nº 10259/01, que instituiu os Juizados Especiais na Justiça Federal, como prevê o artigo 2º, ampliado o rol de tais infrações aos crimes a que cominada pena máxima não superior a dois anos. Assim, incluído o delito tipificado pelo artigo 45 da Lei nº 9605/98. A caracterização deverá se estender à Justiça Comum, em interpretação pela aplicação do princípio da isonomia, se não para efeito de procedimento, ao menos para efeito da aplicação da transação, instituto penal que é, constituindo direito do autor do fato, desde que, obviamente, presentes os requisitos de ordem subjetiva a indicarem a suficiência da medida alternativa ao juízo de condenação e à imposição de pena criminal (artigo 76, § 2º, inciso III, da Lei nº 9099/95).

Outros tantos (exatamente dezenove crimes, ou dezoito pela interpretação extensiva no sentido da isonomia) são punidos com penas mínimas não superiores a um ano ( Lei nº 9605/98, artigos 30, 33, 34, 35, 38, 39, 40, 42, 54 “caput”, 54, parágrafo 2º, 56, 61, 62, 63, 66, 67 68 e 69), sendo infrações de “médio potencial ofensivo”, admitindo suspensão do processo, conforme artigo 89 da Lei nº 9099/95. Assim, tendo em vista as penas cominadas aos delitos contra o meio ambiente tipificados pela Lei nº 9605/98, aplicáveis à quase totalidade dos crimes a transação e/ou a suspensão do processo previstas na Lei nº 9099/95. Consideradas as penas mínima e máxima cominadas aos crimes, desprezando-se as causas especiais de aumento (majorantes), que na verdade não configuram tipos derivados, somente o delito descrito no artigo 41, “caput”, incêndio doloso em mata ou floresta, tem pena mínima cominada superior a um ano. E, sabidamente, a transação e a suspensão do processo tem como conseqüência a aplicação de alternativa à prisão, o que permite concluir que, efetivamente, a Lei 9605/98 valorizou as ditas medidas alternativas. É de se destacar, outrossim, que o próprio crime do artigo 41 poderá ter a pena privativa de liberdade substituída, já que a máxima cominada é de quatro anos – o que revela também valorização das penas alternativas e que dificilmente restarão aplicadas em concreto privativas de liberdade.

Como será destacado adiante, a aplicação do procedimento previsto na Lei dos Juizados Especiais, para as infrações de menor potencial ofensivo, em razão das penas cominadas às infrações e da suspensão do processo, prevista na mesma lei, a

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par de proporcionar pronta solução aos conflitos, com aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, tem especial relevo à reparação do dano ambiental.

Ademais, com a responsabilização penal da pessoa jurídica, ao estabelecer as sanções a ela aplicáveis, trouxe a nova lei ambiental efetivo destaque às penas restritivas de direitos, elencadas no artigo 22 e, o que se mostra de maior relevo e de grande valia na reinserção social, prevendo no artigo 23 penas de prestação de serviços à comunidade com efetivo reflexo na proteção do meio ambiente, como são o custeio de programas e de projetos ambientais, a execução de obras de recuperação de áreas degradadas, a manutenção de espaços públicos e as contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES. BUSCA DE COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS

Considerando a peculiaridade do bem tutelado pela norma penal incriminadora (o meio ambiente, direito difuso por excelência), a danosidade macrossocial acaso ocorrendo lesão, impõe-se a busca de uma célere e pronta reparação do dano, o que, principalmente em matéria de direito ambiental penal assume magnitude, levando-se em conta as sérias e extremamente graves, por vezes até irreversíveis, conseqüências.

Daí, como veremos adiante, a composição do dano, a transação penal e a suspensão do processo, instrumentos trazidos pela Lei dos Juizados Especiais e que são aplicáveis, principalmente, à quase totalidade dos crimes contra o ambiente. Ditos instrumentos, se bem aplicados, podem constituir eficazes meios e formas de reparação e proteção efetiva ao bem e interesse tutelado.

2.6 REFLEXOS NA AUTORIA SINGULAR E COLETIVA. NOVOS PARADIGMAS

Tendo em vista que as mais expressivas degradações ambientais são cometidas no interesse e benefício das pessoas jurídicas, a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, a Lei 9605/98, trouxe mais uma das restritas hipóteses de concurso de agentes por omissão – no caso a concorrência por omissão do dirigente da pessoa coletiva. Ainda, um autêntico novo paradigma no direito criminal brasileiro foi trazido pela mesma lei, qual seja a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ditas formas de concorrência no delito poderão suprir lacuna e servir de eficaz proteção ao ambiente.

A seguir, no presente capítulo, vamos analisar as novas formas de busca de composição e reparação do dano, seus instrumentos, bem como nos seguintes capítulos, veremos as novas modalidades de concurso de agentes no direito penal brasileiro.

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2.7 PREOCUPAÇÃO COM A REPARAÇÃO DO DANO AO AMBIENTE Apresenta o Direito Ambiental Penal preocupação com a reparação do dano ao ambiente. Dita preocupação se mostra explicitada na Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente em seus artigos 17 (onde exigida a verificação da reparação do dano ambiental por laudo como condição ao sursis especial), 19 (a perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o montante do prejuízo causado) e 20 (a sentença fixará o valor mínimo para reparação dos danos sofridos pelo ofendido e pelo meio ambiente).

A preocupação com a reparação do dano ao meio ambiente vem expressada ainda e principalmente pelos artigos 27 e 28 da Lei nº 9605/98, a saber:

ƒ Artigo 27 – condiciona a transação penal (aplicação imediata de multa ou restritiva de direito) à prévia composição do dano.

ƒ Artigo 28 – condiciona a declaração da extinção da punibilidade na transação processual (suspensão do processo) à comprovação da reparação do dano, através de laudo de constatação de reparação do dano ambiental.

Assim e como destacaremos, a transação e a suspensão do processo, na sistemática da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, são valiosos mecanismos à concretização da reparação do dano e de tutela efetiva ao meio ambiente.

2.6 COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO. TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO DO PROCESSO. INTRUMENTOS PENAIS DE EFETIVA TUTELA

2.6.1 Efetividade do Direito Ambiental. Juizados Especiais Criminais e proteção penal do ambiente

Conforme já salientado, grande parte das infrações contra o ambiente, em razão das penas cominadas, está abrangida pela Lei nº 9099/99, seja pela aplicabilidade do procedimento especial, da transação ou da suspensão do processo trazidas pela referida lei.

Em se tratando de Juizados Especiais, sabidamente, a proteção ao meio ambiente se realiza na área criminal, única via capaz de ser instrumentalizada. Como veremos, estreitamente ligadas, por seus princípios e finalidades, a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9099/95) e a Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente (Lei nº 9605/98).

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2.6.1.1 Princípios norteadores da Lei dos Juizados Especiais Criminais Cabe lembrar, pois, os princípios que orientam os Juizados17:

a) a busca de um “processo de resultados”: para assegurar a utilidade,

praticamente, das decisões, a efetividade do processo (instrumento do direito material e dos valores sociais e políticos da nação);

b) admissibilidade de uma certa dose de disponibilidade da ação penal pública;

c) preocupação com o bem jurídico tutelado: destacada com a composição;

d) falência da pena de prisão: reservá-la às mais graves infrações, de conformidade com o Direito Penal Mínimo. Daí, valorizar as alternativas à pena de prisão (multa e restritivas de direito).

Na busca de resultados os encontrou num novo modelo de justiça consensual. E o fez através da composição, da aplicação imediata de pena não privativa de liberdade (transação penal do artigo 76). Também através da suspensão do processo (artigo 89), bem como da exigência de representação nas lesões leves ou culposas. Todas com reflexo na extinção da punibilidade, sabidamente. São, portanto, medidas despenalizadoras. Mas também de solução pronta dos conflitos. Medidas de autêntica efetividade e celeridade na solução dos conflitos.

2.6.1.2 Novo papel dos operadores do Direito

Como conseqüência desse novo modelo de justiça consensual, os operadores do Direito, Advogados, Juízes e Membros do Ministério Público, necessitam se adequar a esta nova dogmática na busca de solução de conflitos pela via consensual e na aplicação imediata e preferencial de sanções não privativas de liberdade.

Há que se repensar a função do Juiz – verdadeiro mediador de conflitos e não mero solucionador de controvérsias, mas tampouco mero homologador de acordos que lhe cheguem já prontos e sacramentados.

Bem como repensar a função do Promotor de Justiça em razão da mitigação da indisponibilidade da ação penal pública, ao que deve estar atento, bem como ao seu papel de impulsionador da solução consensual e da pronta resolução dos conflitos, o que mais se acentua na busca de reparação do dano ao meio ambiente como se destacará adiante.

Ainda, repensar o papel do defensor, autêntico impulsionador e garantidor de justiça consensual.

17 Grinover, Ada Pellegrini, Gomes Filho, Antonio Magalhães, Fernandes, Antonio Scarance e Gomes,

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2.6.1.3 Princípios norteadores do Direito Ambiental – Juizados Especiais Criminais, instrumentos de tutela. Correlação entre as Leis nºs. 9605/98 e 9099/95.

Lembrando, mais uma vez, os fins buscados pelo Direito Ambiental Penal, prevenção geral, prevenção especial e reparação de eventuais danos ao ambiente, é de se destacar que os Juizados Especiais Criminais podem ser instrumentalizados na proteção do meio ambiente.

A Lei dos Juizados Especiais busca, como visto, a pronta solução do conflito e de consenso, com a composição do dano, aplicação preferencial e imediata de penas alternativas, bem como a suspensão do processo, sob condições, dentre as quais a reparação do dano se destaca.

Em matéria ambiental, se agiganta a necessidade de pronta e efetiva tutela ao meio ambiente, sendo a reparação do dano imperiosa. De conseqüência, os Juizados Especiais Criminais se mostram úteis à pronta tutela do ambiente, pela instrumentalização seja da composição, seja da transação penal (que, pela Lei nº 9605/98, artigo 27, tem a prévia composição do dano ambiental como condição). Ainda, a Lei dos Juizados Especiais trouxe a suspensão do processo que, tendo como condição a reparação do dano, se mostra instrumento útil à proteção do meio ambiente. Evidenciada, pois, a relação entre as duas leis especiais.

2.6.2 Transação na Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente

2.6.2.1 Condição à proposta de transação – prévia composição do dano

Na Lei dos Juizados Especiais a composição do dano não é condição para a transação. Na Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente, o é. Há quem aponte “perversidade” em tal exigência de reparação do dano, independentemente de culpa do autor do fato.

Todavia, como destaca o parágrafo 1º do artigo 14 da Lei nº 6938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) prevista a responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente.

Dita responsabilidade independe de culpa, sendo irrelevantes o licenciamento da atividade, o cumprimento de padrões e até a ocorrência de fortuito. Ou seja, basta a conduta e o nexo causal com o dano ao meio ambiente para haver responsabilidade pela reparação. Daí, não perversa a exigência de prévia composição do dano à transação penal, já que responsável objetivamente é o autor do fato, no âmbito cível. Conseqüentemente, não equivale ao reconhecimento de culpa criminal. 2.6.2.2 Medidas a serem aplicadas na transação penal

Por meio das medidas a serem aplicadas na transação penal poderá sua implementação pelos operadores do Direito constituir autêntico instrumento de

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proteção efetiva do ambiente. Deverão os aplicadores do Direito Ambiental Penal usar medidas alternativas de valia e utilidade efetiva ao meio ambiente.

Assim, a aplicação de restritiva, em princípio, deve ser preferível à multa. Não deve, no entanto, constituir “alto negócio” ao autor do fato. Por exemplo: degradou determinada área (mangue), mesmo quando não possível a recuperação da área (o que deve ser buscado ao máximo empenho) não há como se trocar degradação por outros bens que não de interesse ao meio ambiente, como doação de computadores ou veículos e ajustamento com o autor do fato no sentido de poder utilizar a área degradada, construindo, exemplificativamente, um galpão. Nem a doação de cestas básicas se afigura a medida indicada.

A medida alternativa a ser aplicada deverá constituir prestação de interesse ao meio ambiente. Deverá ter relação com bem de valia ao ambiente. As medidas previstas no artigo 23 da Lei nº 9605/98 à pessoa jurídica, como o custeio de programas ambientais (inciso I), a manutenção de espaços públicos (inciso III) e as contribuições a entidades ambientais públicas (inciso IV) devem ser as alternativas buscadas na transação penal, tanto à pessoa jurídica, quanto à pessoa natural. A recuperação de obras degradadas (inciso II) também poderá ser, mas não a da área degradada pelo autor do fato no caso concreto, porque esta já terá sido objeto da composição, da reparação do dano.

Formalmente pode-se entender existente óbice a tais alternativas: a Lei nº 9099/95, bem como a nº 9605/98, prevêm aplicação imediata de restritiva de direitos. Para a pessoa natural poder-se-á aplicar a restritiva do artigo 9 prevista para a pessoa física (tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação). No entanto, de maior valia se afiguram as do artigo 23 da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, previstas para a pessoa jurídica, sanções que, todavia, para a pessoa natural não estão elencadas, tais medidas, como penas restritivas de direitos. De se observar que a restauração da coisa danificada também elencada no citado artigo 9, não será pena ou medida de ordem penal, já que é composição do dano e, pois, na sistemática da lei de proteção ao meio ambiente, condição da aplicação da alternativa e decorrência da responsabilidade civil que é objetiva.

Com a solução aqui preconizada, segundo alguns estar-se-ia aplicando medidas não previstas legalmente para a pessoa natural, o que feriria o princípio da legalidade. A solução será aplicá-las como prestação social alternativa, prevista na Constituição Federal, artigo 5º, inciso. XLVI, alínea “d”. Dita norma constitucional não foi ainda recepcionada por lei penal de modo que se poderia entender por ferido o princípio da legalidade. Todavia, como orientam Ada Grinover e co-autores, através da interpretação extensiva, já que o objetivo é a aplicação de pena não privativa de liberdade, perfeitamente possível aplicarem-se de logo tais sanções18.

2.6.3.2 Reparação do dano – condição à extinção da punibilidade

A reparação já era condição à extinção da punibilidade na Lei dos Juizados Especiais. Agora é exigível laudo de constatação da reparação do dano à declaração da extinção (vejam-se incisos do artigo 28 da Lei dos Crimes Contra o Meio

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Ambiente). Mais efetiva, pois, a tutela do ambiente, na busca de verificação da reparação.

A lei ambiental excepciona, ressalvando a comprovada impossibilidade de reparação do dano. Ou seja, é exigível à declaração da extinção da punibilidade, na suspensão do processo, laudo constatando a efetiva reparação do dano, salvo quando impossível a reparação. Dita impossibilidade há de ser entendida não como a irreversibilidade do dano, já que sempre será possível reparação, nem que seja pela indenização do dano produzido. Dever-se-á entender a exceção como a impossibilidade de o autor do fato ter condições econômicas de fazer a reparação.

2.6.3.3 Condições da suspensão do processo

Forte na finalidade precípua de tutela do ambiente recomenda-se incluir no rol das condições da suspensão do processo medidas de valia ao meio ambiente como são as elencadas na lei ambiental como prestação de serviços à comunidade e já destacas quando da abordagem da transação. Poderia parecer não ser possível a imposição de tais medidas alternativas porque o artigo 89, parágrafo 1°, da Lei 9099/95 não inclui ditas medidas no rol das condições. Todavia, o parágrafo 2° do mesmo dispositivo legal prevê expressamente que o juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação do acusado.

Observa-se que na suspensão do processo não é admissível crítica que vem sendo feita de no sursis se incluir uma pena substitutiva, como a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana. Isso porque o não cumprimento da condição leva à revogação do sursis e à execução da pena privativa de liberdade. Todavia, tal não se passaria na suspensão do processo, como destacam Ada Grinover e co-autores19. Ou seja, acaso não cumprida a condição na suspensão do processo, não haveria execução da pena, sendo que somente prosseguiria o processo até então suspenso. Ademais, se é possível a aplicação de tais medidas na transação penal, com mais razão poderá ser aplicada na suspensão do processo, benefício menos expressivo e aplicável em tese a infrações com maior potencial ofensivo.

Recomenda-se, como destacado, incluir dentre as condições da suspensão do processo medidas que reflitam valores ao ambiente, tais como as sugeridas para a transação penal, com real interesse ao meio ambiente.

Ideal seria a lei que, por atender ao princípio da lesividade e aos anseios sociais, não precisasse da instrumentalização do Judiciário para se tornar efetiva, porque a ela se adequariam as condutas, concretizando a principal função do tipo e da norma penal, qual seja, a prevenção geral de ofensas à bem de extrema relevância social, como é o meio ambiente.

Todavia, em se fazendo necessário o socorro ao Judiciário, na busca de prevenção especial e na tutela do valor ambiente, se mostra como instrumento de efetivação desta proteção a via da Justiça Criminal com a implementação da transação e da suspensão do processo. Isso em razão da conseqüente efetivação da reparação do dano como condição tanto da transação quanto da declaração da extinção da punibilidade na suspensão do processo e da aplicação (na transação ou como condição na suspensão) de medidas de real valia ao meio ambiente de que tanto

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necessitamos não apenas nós, mas as futuras gerações como bem aponta nossa Constituição.

2.8 COMPOSIÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO AO AMBIENTE: REFLEXOS NO JUÍZO CRIMINAL E A JURISPRUDÊNCIA

2.7.1 Direito Penal Reparador

No tocante à preocupação com a efetiva reparação do dano ao meio ambiente, há quem critique a Lei 9605/98, sustentando que o Direito Penal não deve se ocupar da reparação, devendo ser apenas preventivo e punitivo.

Deve o Direito Penal ser também reparador, tarefa tradicionalmente destinada ao Direito Civil?

Penso que sim, pois, esta é a tendência do Direito Penal da atualidade, que veio, mais acentuadamente, ao ordenamento jurídico brasileiro com a Lei dos Juizados Especiais Criminais, surgida, como já destacado neste capítulo, em razão da falência da pena de prisão, que não vem cumprindo com seu papel de ressocializar o delinqüente. Também na busca de imprimir um processo de resultados, visando célere solução aos conflitos. Daí, ter sido introduzida a composição do dano, resolvendo de logo as ofensas aos bens juridicamente tutelados, sem necessidade de se aguardar a instauração de ação penal, instrução, sentença e a execução no juízo civil. Também introduzida a reparação do dano como condição da suspensão do processo pelo artigo 89 da mesma lei especial. De se observar ainda que o próprio Código Penal, desde 1° de abril de 1996, trouxe a reparação do dano como condição do sursis especial (artigo 78, parágrafo 2 °) e que a reparação do dano há muito constitui atenuante tendo sido transformada em causa de diminuição da pena nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa desde a reforma de 1984, o denominado arrependimento posterior previsto no artigo 16.

Em matéria de meio ambiente, considerando-se a danosidade coletiva e macrossocial das condutas que atentam contra dito bem, difuso por excelência, ainda mais necessária se revela a busca de reparação do dano. E o Direito Penal, como instrumento de pressão, em razão de sua coercibilidade garantida pelas sanções criminais, mais severas do que as cíveis, e como meio de solução mais pronta aos conflitos, se apresenta útil à efetivação da reparação. Assim, deve o Direito Ambiental Penal, embora precípuamente preventivo e punitivo, ser também reparador, possibilitando pronta garantia ao bem jurídico tutelado por suas normas.

2.7.2 Composição do dano ao meio ambiente. Reflexos no juízo criminal.

A composição do dano ao meio ambiente, autêntica transação que tem por finalidade a reparação do dano, trata-se, por óbvio, de um acordo com o causador da ofensa. Na área civil é cabível em qualquer situação de dano. Poderá ser acordada, e na grande maioria dos casos assim ocorre, perante o Ministério Público, titular que é

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da ação civil pública que visa a tutela do meio ambiente. Através de termo de ajustamento de conduta previsto no artigo 5°, parágrafo 6°, da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85) poderá ser acordada a composição do dano como ajuste da conduta às exigências legais.

No juízo criminal, no entanto, a composição do dano somente poderá ser instrumentalizada no procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais, conforme artigo 72 da Lei 9099/95 e artigo 1° da Lei 10259/01 e sua execução compulsória, acaso necessária, no juízo civil, conforme artigo 74 daquela lei. Assim, somente possível a composição do dano, no juízo criminal, em caso de infração de menor potencial.

Nada impede, todavia, que, em caso de infração penal que não de menor potencial ofensivo, seja efetuada na esfera civil transação visando a reparação do dano, que nada mais é do que a composição do dano. Basta que em termo de ajuste de conduta seja acordada dita composição, o que, em verdade, é bastante ocorrente na prática. Assim, reitere-se, possível composição do dano em caso de qualquer infração criminal contra o meio ambiente. Suas conseqüências no juízo criminal serão examinadas adiante.

2.7.2.1 Composição do dano ao ambiente. Reflexos no juízo criminal. Precedentes jurisprudenciais.

Acaso efetuado termo de ajustamento de conduta e ali acordada a composição do dano ao meio ambiente onde, então, fique ajustada a reparação do dano, será possível a intervenção no juízo criminal? Ou seja, poderá ser, em caso de infração de menor potencial ofensivo, levado o caso ao Juizado Especial Criminal, com lavratura de termo circunstanciado, proposta de transação e a instauração do procedimento sumaríssimo? Ou, em caso de infração de médio potencial ofensivo, poderá ser ofertada no juízo comum denúncia e eventual proposta de suspensão do processo, ou, em caso de não presentes requisitos subjetivos, instrução do processo criminal? Ou ainda, não se tratando de infração de menor nem de médio potencial ofensivo, possível ser instaurado e dada instrução ao processo criminal?

Na jurisprudência, interessante analisar pronunciamento da 3a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, no julgamento do habeas corpus n° 1.0000.04.410063-4/000(1), manifestou-se no sentido de que o ajustamento de conduta perante o Ministério Público, visando regularizar a situação, configura ausência de justa causa à ação penal. Fundamenta o acórdão que, nos termos do artigo 79-A da Lei 9605/98, o mencionado “termo de acordo” extingue a punibilidade do agente e impede a propositura da ação criminal.

O referido artigo 79-A não se aplica, no entanto, `as infrações penais e tão somente `as infrações administrativas, como está expressamente regulado no seu parágrafo 3°. Ainda, e justamente porque o dispositivo se refere tão somente às infrações administrativas, os legitimados para lavrar este termo de compromisso não são os agentes do Ministério Público e, sim, os órgãos integrantes do SISNAMA, como consta do “caput” do mesmo artigo 79-A. Deste modo, no caso julgado, não se trata sequer de situação do artigo 79-A.

Acaso se tratasse de tal hipótese, reitere-se, a esfera penal não seria atingida por vedação constitucional. Dito artigo 79-A foi introduzido na Lei 9605/98 pela

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Medida Provisória n° 2.163-41, de 23.8.01. E,como dispõe o artigo 62, parágrafo 1°, “b” da Constituição Federal, “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal”. O dispositivo legal em questão, destaque-se, não atinge infrações penais e tão somente as administrativas, como está, reitere-se, expressamente consignado no texto do mencionado artigo 79-A.

Sabidamente, a esfera civil, a administrativa e a penal são distintas, sendo o ilícito penal sobreposto às ilicitudes extrapenais. Nem todo o ilícito civil é penal, mas todo o ilícito penal é também ilícito no campo extrapenal. Mesmo ocorrendo ajustamento na esfera civil e até com reparação do dano, remanescerá a necessidade de intervenção no juízo criminal. Logicamente, tendo ocorrido termo de ajustamento de conduta com composição do dano e sendo a infração e menor potencial ofensivo, cabível, de regra, a transação penal. Em caso de infração de médio potencial ofensivo, constatada, posteriormente, a efetiva reparação do dano por laudo, preenchida estará condição da suspensão do processo porventura aplicada. Finalmente, a reparação do dano poderá influenciar, em caso de sentença condenatória, na aplicação da pena. Não terá, no entanto, o condão de afastar a ação penal.

A propósito, vem se manifestando a jurisprudência, no sentido de que, não obstante termo de ajustamento de conduta, persistirá justa causa à ação penal. Destaque-se o habeas corpus 423.283.3/6-00, da 4a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde consignado que

os fatos tem existência jurídico-penal própria, independente de suas repercussões cíveis, onde as medidas legais de retificação ou recuperação das características ambientais da área afetada tem fundamentos próprios e independentes das conseqüências de ordem penal aplicáveis.

No mesmo sentido, decisão da 2a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no inquérito 99.021.393-5, em feito de sua competência originária em razão de prerrogativa de função, que assim decidiu, recebendo denúncia contra prefeito municipal:

o fato de o indiciado ter firmado compromisso com o Ministério Público e a FATMA para a regularização do loteamento às normas ambientais, evidentemente realizado na esfera administrativa, apesar de relevante, não justifica o trancamento da ação penal. Outros elementos dos autos podem autorizar a acusação e, como se sabe, em decorrência da separação dos Poderes, as jurisdições administrativa e criminal são autônomas e distintas.

O termo de ajustamento de conduta poderá proporcionar a reparação do dano e de seus reflexos cíveis, mas, evidentemente, não torna a conduta atípica penalmente. A tipicidade ocorre no passado, sendo julgada no futuro.

Finalmente, cumpre observar que o Direito Penal não é apenas reparador e sim, precípuamente, preventivo (como já vimos, através da tipificação de condutas perigosas e danosas) e punitivo (com o que estará fazendo a prevenção especial das condutas praticadas, julgadas e condenadas criminalmente). Assim, não obstante o ajustamento da conduta e a eventual ocorrência de composição do dano, remanescerá

Referências

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