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Candomblé Agora é Angola

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Academic year: 2021

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(1)IVETE MIRANDA PREVITALLI. CANDOMBLÉ: Agora é Angola. 1. Foto: Syntia Alves – Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda. Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob orientação da Profa. Teresinha Bernardo.. POTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2006 1. Nos candomblé de nação angola, há um toque de atabaque que se chama muzenza e a coreografia que os filhos de santo desenvolvem ao som deste ritmo é muito peculiar. Os braços formando um ângulo de 90 graus se agitam fazendo subir e descer os cotovelos, enquanto os pés, um de cada vez, sem se levantarem do chão se arrastam em movimentos rápidos e repetitivos para os lados. Essa dança sugere uma galinha de angola ciscando no chão ao mesmo tempo em que abre e fecha suas asas, reproduzindo um gracioso balé..

(2) Banca Examinadora. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------.

(3) Este trabalho teve apoio financeiro de CNPq.

(4) Para Heitor Barbosa Previtalli..

(5) Agradecimentos. Agradeço a Professora Dra. Teresinha Bernardo, orientadora e amiga que com paciência e dedicação, ensinou-me a pesquisar nestes anos que estivemos juntas desde minha iniciação científica até o mestrado. Aos professores Eliane Hojaij Gouveia e Acácio Sidinei A. Santos que compuseram a mesa de qualificação e que competentemente contribuíram de maneira positiva para o aperfeiçoamento deste trabalho. À minha filha Luciana que esteve sempre presente me estimulando e acreditando no meu trabalho, além de dar consultoria nos escritos em língua inglesa. Ao meu filho Amílcar pela colaboração com as questões das leis em tempo de escravidão. Ao meu filho Daniel pelo suporte em informática que em muitas horas fez-me perder a razão. Ao Walter pela paciente leitura preliminar, pelos achados nas bibliotecas e por suas opiniões precisas. À filha-de-santo, amiga e colega de academia Syntia Alves, que nunca me deixou esquecer prazos, e esteve presente em todos os momentos, sempre estimulando e oferecendo todos os seus préstimos. À Lajara Correa amiga que sempre solícita acudiu-me com as mais diversas informações sobre a comunidade do candomblé e a comunidade negra de Campinas. À Letícia Reis Vidor, doutora, antropóloga, filha de santo e amiga, que nos intervalos dos ritos me auxiliou a pensar e organizar o trabalho. À Maria José Sanches makota de minha casa de candomblé que ajudou-me com os textos em francês..

(6) À Melissa Barreti que muitas vezes acolheu-me em sua casa. Aos meus filhos-de-santo que tiveram paciência com a diminuição da minha disponibilidade como sacerdotisa e que continuaram assumindo as atividades relativas aos inquices e às entidades espirituais, além da administração da casa. Aos meus pais em especial à minha mãe que nunca deixou de me estimular mostrando o caminho que eu já havia percorrido. Ao tateto dia inquice Ubiacylê, à maeto dia inquice Corajacy, ao tateto dia inquice Gitalanguange, à mameto dia inquice Dangoroméia, ao tata Tawá, ao baba Tologi, e a todo povo do santo que em entrevistas ou conversas informais ofereceram dados preciosos para a realização deste trabalho. Aos meus professores na graduação e na pós das Ciências Sociais da PUCsp, que sempre me incentivaram a ir em frente na carreira acadêmica elogiando e lapidando meus trabalhos. Ao CNPq órgão que financiou este trabalho durante dois anos. Em especial agradeço a Inkossi o grande guerreiro que me ensina a vencer as lutas da vida e o carinho de pai Congo que nunca deixou de me acolher. A todos aqueles que comigo tem caminhado e que de alguma forma ajudaramme a escrever este trabalho, meus sinceros agradecimentos. ..

(7) Resumo. Esta pesquisa trata dos candomblés de nação angola de Campinas, e analisa-os sob a perspectiva do sincretismo religioso e do ideal de pureza. Entre os aspectos analisados encontram-se: a observação do espaço que revela a passagem da umbanda para o candomblé além da acomodação de novos ritos que foram absorvidos por um dos terreiros pesquisados; a formação do parentesco que se estrutura conforme a proibição do incesto e também como as características da família moderna são encontradas atualmente na família de santo inclusive o transito de seu filhos; a Lavagem do adro da Catedral Metropolitana de Campinas que se constitui em uma festa de rua, apesar de se revelar como uma manifestação de uma linhagem, não deixa de proporcionar visibilidade para o candomblé campineiro independente da nação a que pertence. Além disso, torna o negro visível numa sociedade racista, pois atrai para a praça ativistas e as mais diversas manifestações culturais afro-brasileiras.. Abstract. This research is about candomblés of the Angola Nation from Campinas, and analyze them under the perspective of religious syncretism and the ideal of purity. Among the analyzed aspects are: the observation of space that reveals the transition from umbanda to candomblé besides the accommodation of new rites that were absorbed by one of the studied terreiros; the constitution of relashionships that are structured according to the forbiddance of incest and also how the characteristics of the modern family are currently found in the família de santo including the transit of its followers; the Lavagem of Campinas Metropolitan Cathedral´s steps, which is a street festivity and even though it reveals itself as a lineage´s manisfestation, it still provides visibility for the candomblé of Campinas independent of the nation to which it belongs. Besides, it makes the black people stand out in a racist society, because it atracts to the public eye activists and the most diverse afro-brazilian cultural manifestations..

(8) Sumário. INTRODUÇÃO. 1. CAPÍTULO I: Nascimento e estabelecimento dos terreiros Campinas. 20 21. CAPÍTULO II: Da umbanda para o candomblé: o espaço conta a história. 34. As casas de angola. 41. Três Oguns: uma só terra. 42. Outros usos do espaço. 64. As Casas de Santo e a Casa de Egungum.. 66. O Recanto da Umbanda.. 73. O Arranjo Entre As Diversas Nações.. 75. CAPÍTULO III: Elaboração do Parentesco – Formação e Organização das Famílias-de-santo A aliança. 81 105. CAPÍTULO IV: A Festa. 112 Vencendo A Intolerância: Murmúrio de uma festa afro-brasileira. 118. Lavagem: festa na praça - Uma etnografia. 123.

(9) A Lavagem e o Ideal de pureza. 129. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 135. ÍNDICE E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES. 145. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 148.

(10) INTRODUÇÃO. Esta dissertação trata do candomblé angola circunscrito na cidade de Campinas. Neste trabalho, proponho analisar alguns aspectos do candomblé angola de Campinas, mostrando a sua formação, a elaboração do espaço, a constituição das principais famílias de santo, o trânsito de filhos de santo, as rivalidades e alianças e a lavagem do adro da Catedral Metropolitana, sob a perspectiva do sincretismo religioso e do ideal de pureza. Embora não existam dados quantitativos a respeito de quantos terreiros de candomblé há na região de Campinas nem a que nações pertencem, pude perceber que são os terreiros de nação angola os que têm mais visibilidade, os que são mais numerosos e os mais influentes nessa cidade. O candomblé de nação angola é valorizado em Campinas por seus adeptos, não só por pessoas anônimas, mas também por ativistas do movimento negro e por políticos que participam dos congressos sobre religiões de matrizes africanas1, dos encontros de valorização da cultura banta e de atos públicos, como o que ocorre nos sábados de aleluia, desde 1985, isto é, a lavagem das escadarias da igreja Nossa Senhora da Conceição, catedral Metropolitana de Campinas. Nota-se, assim, que este tipo de candomblé goza de prestígio na cidade.. 1. Entre as religiões de matrizes africanas encontram-se as diversas nações de candomblé, os batuques, os tambores de mina, os xangôs, a umbanda, o candomblé de caboclo, e todas as manifestações religiosas que têm em sua composição teológica elementos advindos de religiões que os diversos grupos africanos trouxeram para o Brasil.. 1.

(11) O meu interesse por essa expressão religiosa data de algum tempo, mais precisamente, sobrevém do meu envolvimento com o candomblé angola e também do meu estudo sobre as religiões afro-brasileiras. Ao pesquisar sobre o candomblé, observei que a maior parte da literatura se referia, diretamente, ao candomblé queto, enquanto quase não havia informações sobre o “angola”. O candomblé se organizou em torno de “nações” que se originaram principalmente dos grupos de negros bantos e dos sudaneses que chegaram ao Brasil, através da diáspora africana. Edson Carneiro escreve que os escravos que vieram para o Brasil provinham de muitas tribos e que cada uma delas tinha sua religião em particular. A diversidade era tanta que, segundo Carneiro, “O conde dos Arcos achava prudente manter as diferenças tribais entre os negros, permitindo os seus batuques, porque “proibir o único ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o governo, indiretamente, a união entre eles””. (1991, p.16,17) Porém, parece que o Conde se equivocou, uma vez que da união de todas essas religiões surgiram diversas expressões religiosas afro-brasileiras de norte a sul do Brasil, que se assemelham “ao menos pelas suas características essenciais.” (Carneiro; 1991) O Tráfico trouxe escravos de Guiné, Angola e da Costa da Mina e o denominador comum nesse tipo de escravidão foi a preocupação em “anular as peculiaridades nacionais das tribos africanas.” Assim, um número considerável de culturas africanas foram trazidas para o Brasil e ressignificadas. Além disso, vale lembrar o tráfico interno, após 1850, que trouxe escravos de todas as regiões do país que, por sua vez, pertenciam às várias etnias.2. 2. Edson Carneiro escreveu que “a mineração absorveu, indistintamente, todo braço escravo ocioso nas antigas plantações de açúcar do litoral; muitos negros da Costa da Mina, quando a corrida do ouro arrefeceu, ficaram na Bahia, outros foram vendidos para Pernambuco e para o Maranhão; a maioria dos. 2.

(12) Do intercâmbio cultural dos escravos e ex-escravos surgiram as diversas modalidades de religiões afro-brasileiras, dentre elas, o candomblé, o batuque, o tambor de mina, o xangô, entre outras. As nações de candomblé surgiram dos antigos terreiros baianos, fundados por sacerdotes africanos – angolas, congos, jejes, nagôs, - iniciados em suas religiões tradicionais, que ensinaram a norma dos ritos e o corpo doutrinário para as comunidades que se formavam em torno da religiosidade que conservava “certos traços da cultura, particularidades de dança, música, de canto, de organização de festas, que os identificavam com a região de origem) .” (Carneiro, Antologia do Negro Brasileiro; p. 263). Conforme Vivaldo da Costa Lima, as nações foram “aos poucos perdendo sua conotação política para se transformar num conceito quase exclusivamente teológico. Nação passou a ser, desse modo, o padrão ideológico e ritual...” ( 2003; p. 29) dos antigos terreiros de candomblé da Bahia fundados por africanos. As primeiras obras referentes a um estudo mais criterioso sobre a cultura dos africanos no Brasil surgem na primeira metade do século XX. Em 1906, Nina Rodrigues escreveu “Os Africanos no Brasil”, publicado em 1933. Mais tarde, Artur Ramos e Edson Carneiro também se voltaram para os estudos das manifestações culturais afrobrasileiras, dentre elas as diversas nações de candomblé, gerando obras que até hoje são indicadas para quem se interessa pelo tema. Nota-se, porém, que, quando havia alguma referência sobre o angola, era sempre alguma observação pejorativa e, ainda hoje, essa expressão religiosa, quando comparada ao queto, se situa em uma categoria inferior.. escravos antes empregados na minas serviu às culturas de café e do algodão ou aos novos empreendimentos pecuários do Sul; as cidades reuniram elementos de todas as tribos, quer agregados à camuflagem do senhor, quer alugados a particulares, quer trabalhando por conta própria, quer engajados em explorações de tipo industrial.” (1991, p.18). 3.

(13) Tais estudos posicionavam as manifestações religiosas oriundas dos bantos como as mais pobres de todas as nações de candomblé. Concebiam-se os negros de angola como ignorantes adoradores de lascas de pedra, imitadores da estrutura religiosa nagô, além de serem sincréticos, pois misturavam às suas crenças qualquer elemento religioso que conhecessem. 3 Posteriormente, Roger Bastide, nos anos 50, escreveu sobre o candomblé, contudo, sem dar maior atenção ao de origem banta, prestigiando mais os candomblés queto. Desta forma, os autores pioneiros que se ocuparam dos estudos sobre o candomblé, fizeram apenas algumas observações sobre os de nação banta e, por causa. 3. Falando sobre os cambindas, Luciano Gallet escreve que: “considerados pelos outros, inferiores, imitadores e ignorantes. Desconhecem até o próprio idioma, complicado e difícil, e o misturam com termos portugueses. Adoram as pedras, os paralelepípedos e as lascas de pedra.” (Gallet, Luciano. Estudos de Folclore. Edt. Carlos Wehrs & Ltda. Rio de Janeiro, R.J. 1934. p.58). Ainda sobre os negros bantos, Nina Rodrigues afirma que: “decorrido meio século após a total extinção do tráfico, o fetichismo africano constituído em culto apenas se reduz ao da mitologia jeje-iorubana. Angolas, guruncis, minas, haussás, etc., que conservam suas divindades africanas, da mesma sorte que os negros crioulos, mulatos e caboclos fetichistas, possuem todos, à moda dos nagôs, terreiros e candomblés em que as suas divindades ou fetiches particulares recebem, ao lado dos orixás iorubanos e dos santos católicos, um culto externo mais ou menos copiado das práticas nagôs.”( Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil. Edita. UnB ,Brasília, D.F. 7a edição, 1988, p. 216). Por outro lado, Arthur Ramos embora considerasse também que as “sobrevivências religiosas e mágicas de origens bantu existiam deturpadas e transformadas” (1961: p. 361), escreveu um capítulo intitulado:“sobre as culturas bantu”, no 1o volume da coleção de sua obra chamada “Introdução à antropologia brasileira”. Nesse capítulo faz uma ressalva à afirmação de Nina Rodrigues quanto à quantidade de negros bantos existentes na Bahia, que para Nina não passavam de “uns três Congos e alguns angolas”. Já para Ramos os bantos eram encontrados em grande número, mesmo na Bahia (1961: p. 357). Outro autor, Edson Carneiro, refere-se aos candomblés angola e congo tanto no livro Candomblés da Bahia, quanto no Religiões Negras. Carneiro escreveu que: “Pode-se dizer que, na Bahia, os negros bantos esqueceram os seus próprios orixás.” (1991, p,134). E quando escreve sobre a formação dos candomblés de caboclo, diz que : “foi a mítica pobríssima dos negros bantos que, fusionando-se com a mítica igualmente pobre do selvagem ameríndio, produziu os chamados candomblés de caboclo na Bahia.” ( 1991, p. 62). Carneiro, Edson. Religiões Negras. Negros Bantos. Edita . Civilização Brasileira , 3a edição. Rio de Janeiro, R.J. 1991. Candomblés da Bahia. Edita. Civilização Brasileira, 8a edição. Rio de Janeiro, R.J. 1991. Ver ainda: Carneiro Édison. Cartas de Édson Carneiro a Artur Ramos. Edita . Corrupio, São Paulo. S.P. 1987. Querino, Manoel. Costumes Africanos no Brasil.Edita Massangana, 2a edição. Recife. Pernambuco. 1988.. 4.

(14) da baixa qualificação dada a esta cultura, os trabalhos posteriores trataram dos candomblés queto, deixando de lado os de nação angola. Prandi, em 1992, escreveu que “o candomblé nagô4 pode contar, além do prestígio, com muitas fontes escritas brasileiras, além de uma etnografia produzida sobre o culto dos orixás da Nigéria e do Benin. Nada semelhante existe para o candomblé angola, a não ser o ensino do quicongo oferecido pela Universidade Federal da Bahia”. (Prandi, 1991; p. 20). O mesmo autor comenta o discurso feito por Esmeraldo Emérito de Santana, representante da nação angola no Encontro de Nações de Candomblé, promovido em Salvador pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Federal da Bahia em 1981...: “Aqui faço um apelo, já que existe um centro de estudos, para que pesquisem o angola. Não há livros sobre o angola. E tem mais terreiros de angola na Bahia do que de queto, de jeje, de qualquer nação” (Lima et al., 1984:41, In Prandi, 1991; p.20). Portanto, o principal argumento que pode justificar esta dissertação é a falta de pesquisa sistemática sobre o candomblé angola. É importante ressaltar, ainda, que, mesmo havendo preconceito sobre o candomblé de origem banta, o candomblé angola de Campinas é majoritário e vem se fortificando perante seus adeptos, o movimento negro e outras instituições. A produção etnográfica sobre o candomblé elegeu para seus estudos antigas casas de candomblé queto da Bahia, que foram preferidas por preencherem os critérios necessários de pureza que as tornavam melhores que as outras ditas mais miscigenadas e, portanto, impuras. Segundo Beatriz Góis Dantas “a ideologia da pureza pressupõe a existência de um estado original, uma espécie de reduto cultural preservado das influências perturbadoras de elementos estranhos”... (Dantas, 1988; p. 145) 4. Prandi quando fala de candomblé nagô se refere à nação queto.. 5.

(15) A pureza, nesse sentido, presume que haja um estoque original de bens simbólicos, uma continuidade da tradição e fidelidade à África, requisitos para a “marca dos puros”. É lógico que as origens existem, porém numa África distante no tempo e, portanto mítica. O candomblé foi composto por diversos povos, por isso, não tem uma origem única, embora preserve mais traços de uma ou outra cultura originária. Desta forma, mesmo que esses terreiros baianos tenham nascido de mães africanas ou de seus descendentes, não foi somente este fator que os caracterizou como os mais puros e que os colocou em evidência. Embora a pureza fosse uma categoria nativa utilizada para expressar as rivalidades entre as diversas nações, na disputa pelo mercado de bens simbólicos, a influência nos meios religiosos afro-brasileiros dos antropólogos apegados aos africanismos, segundo Dantas, “transformou esta categoria nativa em categoria analítica, prática” que cristalizou traços culturais que passaram a ser representações da “expressão máxima da africanidade” (Dantas, 1998; p.148) Prandi, estudando os candomblés de São Paulo, entende que: “A produção etnográfica sobre estes candomblés prestigiados por sua publicidade passou também, em anos recentes, a oferecer modelos legitimamente puros da religião dos orixás para aquelas casas de criação mais recente, ou de origem de memória perdida”. (Prandi, 1991,17) O candomblé de São Paulo somente se torna expressivo a partir dos anos 60 (Prandi; 1991. Wagner; 1995) e, por isso, muitas casas se servem dos modelos baianos para se espelharem. Ao participar do projeto “Religião da diáspora negra: Continuidades e rupturas” de autoria da Dra Teresinha Bernardo, para o qual realizei a coleta de histórias de vida. 6.

(16) das mães-de-santo mais velhas de São Paulo, percebi, ainda em uma observação preliminar, que o candomblé paulista procura uma legitimidade que vai ser encontrada por meio da descendência a uma destas casas antigas de queto ou pela proximidade com a África, obtida através da viagem à Nigéria. Por outro lado, em Campinas, os terreiros angolas são fortes representantes das religiões afro-brasileiras, mesmo conhecendo a existência de um preconceito banto, que ainda hoje tem muito peso entre os adeptos do candomblé; ao contrário do que se poderia esperar ao observar o candomblé paulistano, o candomblé campineiro de nação angola elaborou uma reação à soberania nagô, que começou com a delimitação das fronteiras da nação angola. 5 À primeira instância, o que parece é que a mesma categoria analítica utilizada para definir a pureza nagô, definida por Beatriz Góis Dantas, é a que o candomblé angola de Campinas está utilizando, a fim de marcar suas diferenças e de firmar sua identidade. No entanto, com um olhar mais cauteloso, percebi que, num primeiro movimento, as casas paulistas procuravam uma tendência homogeneizante em direção à nação queto, em decorrência do ideal de pureza que se lhe atribuía. Atualmente em Campinas, e numa observação preliminar, pude averiguar que, também em São Paulo,. 5. Isso pode ser percebido em algumas casas de candomblé angola de Campinas pela preocupação em,. por exemplo, repercutir os atabaques apenas em toques que são reconhecidos da nação angola, em somente cantar nas festas em alguma língua banta, em separar os inquices (divindades bantas) dos orixás (divindades queto)., mediante também dos vocabulários em banto colados nos murais dos terreiros e que servem para o aprendizado dos filhos-de-santo, os nomes das casas que foram transformados de nomes em língua ioruba para nomes bantos, entre outras evidências que têm o sentido de delimitar as fronteiras e o fortalecimento da identidade.. 7.

(17) surge um segundo movimento que se caracteriza, utilizando as palavras de Hall, como uma” proliferação subalterna da diferença”. (Hall; 2003) O candomblé paulista, tanto em Prandi quanto na pesquisa que realizei para o trabalho de Bernardo com as mães-de-santo mais antigas de São Paulo, parecia “quetetizar-se”, porém, paradoxalmente, notei, por intermédio da presença em congressos de cultura banta e reuniões com a comunidade de candomblé campineira, que a nação angola está interessada em firmar as diferenças. Porém não se trata de uma diferença binária em que existe o absolutamente eu e o absolutamente outro, seria conforme o pensamento de Hall “uma ‘onda’ de similaridades e diferenças, que recusa a divisão em oposições binárias fixas.” (2003; p. 60) Neste caso, o candomblé de nação angola procura retornar ao particular, ao específico, que o torna diferente, mas não pode deixar intactas as formas antigas tradicionais. Então, ao mesmo tempo em que se torna um sítio de resistência também traduz e se ressignifica, tornando evidente que a tradição não precisa necessariamente ser algo fixo, mas que busca um diálogo com o passado e a comunidade e este diálogo conduz à afirmação da identidade. Contudo, isto não se dará sem conflitos e acordos, sem disputas e consensos. Para designar este tipo de diferença, Hall utiliza o termo Derrida “ différance que tanto pode ser “marcar diferença” [to differ], quanto “diferir” [ to defer]. O conceito se funda em estratégias de protelação, suspensão, referência, elisão, desvio, adiamento e reserva.” ( 2003; p.92) Conforme observei, há nos quatro terreiros que fizeram parte de minha pesquisa uma preocupação em valorizar a nação angola para si e perante a sociedade religiosa afro-brasileira. Para que isso ocorra, os pais e mães-de-santo têm se empenhado em. 8.

(18) recuperar as marcas autênticas do angola e, em alguns casos, retirar elementos estranhos à nação. Para que seja possível a "recuperação" do angola, acreditam os adeptos que existe um estoque original de bens simbólicos, que hoje está numa África mítica, uma vez que a diáspora transformou os elementos africanos constitutivos desta nação. Desta forma, dicionários de língua banta são muito comuns a estas comunidades, sugerindo conforme as palavras de Hall, “que a cultura não é apenas uma viagem de redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma ‘arqueologia’. A cultura é uma produção.” (2003; p.44). Neste contexto, a procura da valorização da cultura banta surge como instrumento que mobiliza e justifica a nação angola, podendo ainda agregar, no sentido da afirmação identitária da população afro-descendente campineira, outros movimentos culturais e políticos afro-brasileiros. Neste caso estão inseridos os grupos de capoeira, de jongo, de tambor de crioula, que acompanham, no sábado de aleluia, a lavagem das escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, realizada pelo candomblé angola. Para a realização da pesquisa, acho relevante expor as dificuldades e facilidades que minha condição de iniciada gerou para a de pesquisadora. Ao mesmo tempo em que a minha posição de adepta possibilitou ao trabalho uma perspectiva interna do candomblé, causou-me algumas dificuldades, quando tive que olhar de fora para essa expressão religiosa da qual faço parte. A questão foi tornar estranho aquilo que já há muito tempo me era familiar. Vagner Gonçalves, no livro “O antropólogo e sua magia”, diz que: “Para alguns antropólogos que têm experiências de aproximação e familiaridade com as religiões afro-brasileiras. 9.

(19) (como simpatizantes, freqüentadores ocasionais ou adeptos) em períodos anteriores à realização da pesquisa etnográfica, a observação participante pode assumir outros significados, pois para eles, a imersão no campo não tem a função, propriamente, de proporcionar a familiaridade com o universo dos seus observados, mas tornar aquilo que aparentemente lhes é “familiar” em “estranho”. Se por um lado o antropólogo pode contar com maior segurança em estabelecer contato e conviver no ambiente da pesquisa, pois parte do código de comportamento do grupo ele conhece, por outro, seu esforço será redobrado para não restringir a pesquisa a relações e posições mais contingenciais à sua própria experiência de vida na religião". (2000; p. 69)6 Desta forma, o fato de eu ser iniciada, por um lado, facilitou a realização da observação etnográfica, posto que eu conheço a expressão religiosa e, por conseguinte suas regras, por outro lado, dificultou a observação mais atenta de detalhes que pudessem ser importantes para uma descrição minuciosa e interpretativa. Além disso, tive que tomar cuidado com o “jeito de olhar”, já que o olhar curioso de observador etnográfico poderia ser tomado por bisbilhotice a fim de conhecer os “segredos da casa”. Destarte, procurei voltar diversas vezes em cada casa, para que pudesse observar com os olhos da curiosidade de pesquisadora aquilo que me era familiar, ao mesmo tempo em que o ato de repisar me permitia olhar sem ser inconveniente. Na verdade, eu estava ali desempenhando outro papel, ou seja, eu era a aprendiz de antropóloga e procurava mostrar isso indo às visitas com roupas ocidentais e sem 6. Silva, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia. Edusp, São Paulo, SP. 2000,. 10.

(20) utilizar símbolos que pudessem me associar ao candomblé. Deixei claro para os pais e mães-de-santo que, no momento das entrevistas, eu estava realizando uma pesquisa sobre o candomblé de Campinas, proposta aceita por todos. Apesar disso, jamais deixaram de me tratar como uma “de dentro”, ora chamando-me pela “dijina" 7, ora expondo-me segredos, pedindo sigilo, dizendo que confiavam em mim, em virtude de minha posição religiosa. O distanciamento entre a adepta e a pesquisadora que, nas entrevistas, se deu tão-somente pelo abandono dos símbolos religiosos afro-brasileiros, não foi assim tão simples, quando das idas às festas. Em tais ocasiões, não foi possível participar sem a vestimenta típica de baiana, o que me causou alguns constrangimentos para tirar fotos, porque eu era vista ali, antes de tudo, como sacerdotisa vestida com roupas incômodas que tolhiam meus movimentos; ao mesmo tempo, era estranho estar paramentada com a máquina fotográfica à mão. Para a realização do trabalho de campo, programei uma observação sistemática, durante um ano, que começou no sábado de aleluia de 2004 com a “lavagem” da Catedral e terminou com o mesmo evento, em 2005. Durante esse período, fui às principais festas, saídas de muzenza8, de makotas9, de tatas10, festa de caboclo, confirmação de kota11, kudiá mutue12 e, como já disse, à lavagem da Catedral. Além disso, participei de encontros com a comunidade de candomblé de Campinas que promoveu discussões sobre legalização e visualização dos terreiros, sobre os problemas com a polícia e com outras religiões, principalmente, com as neopentecostais.. 7. Nome religioso recebido por aquele que é iniciado no candomblé angola No candomblé de rito angola-congo, filha-de-santo. 9 Cargo feminino correspondente ao cargo de equeji no candomblé queto. Acolita dos orixás, quando descem nas filhas-de-santo. 10 Cargo masculino no candomblé de rito angola correspondente ao ogã no candomblé queto. 11 Irmã mais velha, com mais de sete anos de feita. 12 Cerimônia de dar de comer à cabeça. 8. 11.

(21) A minha pesquisa se concentrou em quatro terreiros que foram selecionados, levando-se em conta os seguintes critérios: pertencer à nação angola, antiguidade, ter expressividade para o povo de santo e ter reconhecimento na cidade. Terreiro 1 Nome do terreiro: Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda Data de fundação: dezembro de 1981 Pai-de-santo: Antonio Carlos Rodrigues da Silva Dijina: Tateto dia Nkisi Ubiacyle Data da iniciação: ano - 1971. Terreiro 2 Nome do terreiro: Inzo Musambo dia Hongolo Data de fundação: abril de 1974 Mãe-de-santo: Eunice de Souza Dijina: Mameto dya Nkisi Edangoroméia Data de iniciação: 18 de janeiro 1984. Terreiro 3 Nome do terreiro: Inzo dia Musambu Kaiango n’boti Ofulá Data de fundação: 20 de Janeiro de 1983 Mãe-de-santo: Antônia Lima Duarte Dijina: Mameto dya Nkisi Corajacy Data da iniciação: 15 de fevereiro de 1981. 12.

(22) Terreiro 4 Nome do terreiro: Ile Axé Arolê Data de fundação: 8 de dezembro de1986 Pai-de-santo: José Estrivo Dijina: Tateto dya Nkisi Odé Gitalanguangi Data de iniciação: 13 de maio de 1980. A teoria escolhida para interpretar os dados selecionados das histórias de vida dos pais e mães-de-santo foi a da memória. De acordo com Pierre Nora, diferentemente da história que é uma representação do passado, “a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente... Porque é afetiva e mágica...” (Nora, 1993, p. 9) Para a memória é fundamental o envolvimento com o grupo afetivo, pois segundo Halbwachs: “Outros homens tiveram essas lembranças comigo. Muito mais, eles me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, eu me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos quais permaneço em contato com eles.” (1990, p.27) Seguramente, ao trabalhar com a memória, se tem a lembrança que é, ainda segundo Halbwachs, “em larga medida uma reconstrução do passado com ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por. 13.

(23) outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada. Certamente, que se através da memória éramos colocados em contato diretamente com algumas de nossas antigas impressões, a lembrança se distinguiria, por definição, dessas idéias mais ou menos precisas que nossa reflexão, ajudada pelos relatos, os depoimentos e as confidências dos outros, permite-nos fazer uma idéia do que foi nosso passado.” (Halbwachs.1990; p.71) Neste sentido, a memória é viva, uma vez que o ato de lembrar dispõe de um movimento que sai do presente, vai para o passado, retornando novamente para o presente. Deste modo, trabalhar com a memória é trabalhar com reconstrução que se efetiva mediante este movimento de ir e vir tal qual uma lançadeira, isto é, tem-se elementos do presente incorporados aos do passado. Embora lembrar seja o ato mais importante no estudo da memória, quando lidamos com grupos discriminados, como é o caso do candomblé, o esquecimento também tem que ser considerado, visto que por meio dele podemos identificar a presença de conflitos. Tais conflitos são muitas vezes revelados por intermédio de lacunas nas histórias de vida que surgem como esquecimentos de algumas situações ou de épocas da vida. A memória das minorias tem tanto continuidades quanto rupturas. A estas últimas, Pollak vai chamá-las de memórias subterrâneas, porque é uma memória que não pode ser revelada, por causa do preconceito e das perseguições; fica, pois, restrita à comunidade afetiva.. 14.

(24) Uma característica da memória subterrânea é que ela somente vem à tona quando surge uma brecha nas relações sociais, especialmente as políticas, e por ela ser assim, podemos outorgar-lhe um caráter de resistência. Segundo Pollak, “o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas.” (Pollak,1989, p.5). No caso do candomblé, é muito comum a presença deste tipo de memória, já que a origem dessa manifestação religiosa está vinculada à população afro-descendente, e o racismo que se impinge contra esta população também se estende aos elementos de sua cultura. Uma das formas de localizar a memória subterrânea é por meio da história oral. Michael Pollak, ao se ocupar da memória de grupos “segregados, excluídos e minorias” diz que “para poder relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de mais nada encontrar uma escuta.” (Pollak, 1989; p. 6). Desta forma, a história oral revela-se uma importante técnica de pesquisa com minorias sociais. Na história de vida há um núcleo forte que vai dar consistência ao discurso e ao qual o sujeito vai sempre retornar. Nas de longa duração, conforme Pollak: “a despeito de variações importantes, encontra-se um núcleo resistente, um fio condutor, uma espécie de leitmotiv em cada. 15.

(25) história de vida. Essas características de todas as histórias de vida sugerem que estas últimas devem ser consideradas como instrumentos de reconstruções da identidade, e não apenas como relatos factuais.” (Pollak, 1989; p. 12). Esta reconstrução da identidade do grupo é um ponto bastante importante para o candomblé angola campineiro que hoje luta contra o preconceito que o próprio povo do santo, aliado a alguns intelectuais, possui em relação a este tipo de expressão religiosa. Neste sentido, a história de vida transforma-se numa técnica excelente para realização deste trabalho. O critério assumido para determinar quantas histórias de vida deveriam ser coletadas foi aquele conhecido como “bola de neve”, isto é, foram os entrevistados do primeiro grupo que indicaram os outros que os sucederam até que se repetiram as indicações, terminando assim as entrevistas. Além disso, muitos dados foram frutos da convivência com os sacerdotes, por causa de minha condição de iniciada do candomblé. Coletei histórias de vida das quatro mães e pais-de-santo escolhidos e de outros pais-de-santo, inclusive de outras nações, que se revelaram essenciais na formação do candomblé campineiro, por intermédio da citação de seus nomes nas histórias orais já ouvidas. Também fizeram parte da pesquisa filhos-de-santo das diversas casas. Para registrar as histórias de vida, optei pelo uso do gravador que foi bem aceito por uns e considerado constrangedor para outros.. Muitas vezes, as revelações. interessantes aconteciam depois que eu desligava o aparelho. Foram gravadas 40 horas de entrevistas, mas muitas revelações importantes foram obtidas em conversas informais, nos fins das festas, nos dias de sacrifícios, nas reuniões políticas da comunidade religiosa afro-brasileira de Campinas, em que o. 16.

(26) gravador não estava presente. Estas revelações feitas pelos pais, mães-de-santo e filhosde-santo eram anotadas discretamente em cadernetas ou escritas assim que fosse possível, porém em momento e local adequados. É importante mencionar uma outra questão relevante para quem pesquisa esta expressão religiosa: aquela relacionada aos conflitos e rivalidades. Como nem sempre fosse possível ficar neutra, no momento da pesquisa, era importante saber a que distância eu deveria me manter para não me envolver na “indaka de mavula" 13 e poder realizar o meu trabalho. Quando comuniquei aos pais e mães-de-santo selecionados para este meu estudo que estaria nos próximos anos fazendo uma pesquisa e escrevendo sobre o candomblé de Campinas, a notícia se espalhou como rastro de pólvora. Numa reunião com aquela comunidade, na qual se discutiam as diversas dificuldades que os terreiros encontravam na legalização da construção de suas casas, percebi uma conversa paralela, que não era comigo, mas que se fazia bem ao meu lado para que eu pudesse ouvi-la. O assunto desta conversa era: Qual era a casa mais antiga de candomblé de Campinas? Havia diversos nomes de pais e mães-de-santo envolvidos na questão, e eu não havia percebido o quanto era importante para a comunidade ser notada, isto é, ser tomada como objeto de um trabalho acadêmico. Certamente, na perspectiva do candomblé de Campinas, ser objeto de estudo lhe dava maior importância. Na realidade, para esta expressão religiosa, seja queto, seja angola, ser o primeiro significa ter prestígio, pois quer dizer que, no mínimo, os que vêm depois descendem dele. Daí a relevância da questão da casa mais antiga, do primeiro candomblé, do primeiro pai-de-santo.. 13. Discussão, litígio. Confusão, barulho, tumulto. Fofoca.. 17.

(27) Ouvi estas conversas paralelas sem me intrometer durante vários encontros, até que um dia, a discussão entre alguns dos envolvidos veio à tona. Embora o recado fosse para mim, a conversa se passou como se eu não estivesse ali. Por fim, depois de alguns acertos, ficou resolvido, com muita habilidade, que a casa de candomblé mais antiga, “registrada” era a de pai Toloji; a primeira mãe-de-santo com casa aberta de candomblé angola em Campinas, porém sem registro, fora mãe Nanjerecy; o barracão mais antigo, isto é, o primeiro que tinha sido construído, era o que pertence hoje ao pai Ubiacyle, considerado como o pai-de-santo mais velho. Assim, a comunidade resolveu seus problemas muito diplomaticamente, sem deixar ninguém de fora, ao mesmo tempo em que me “passava o recado”. Portanto, ficou evidente para mim que o que eu fosse escrever deveria estar de acordo com o que a liderança desta expressão religiosa havia determinado. O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, farei uma contextualização da cidade de Campinas, relacionada ao tipo de escravidão que foi instituído na região, que deve ser levado em conta para se entenderem as características do candomblé angola hoje estabelecido na cidade. O segundo capítulo trata da etnografia do espaço mais antigo, além de mostrar como uma das casas de candomblé pesquisada se diferencia das demais, na ocupação e distribuição do espaço com a introdução de novos ritos. O terceiro capítulo destina-se a mapear as famílias de santo e mostrar como se formam os parentescos e o que resulta do trânsito de filhos-de-santo entre as famílias, levando-se em conta as alianças e os conflitos. Os nomes dos componentes das famílias de santo que participaram deste trabalho foram obtidos através dos depoimentos dos entrevistados.. 18.

(28) No quarto capítulo, será analisada a lavagem das escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, atentando para a ausência do deslocamento de filhos entre duas importantes casas de angola, que possivelmente tenham nessa prerrogativa a possibilidade de realizarem juntas a única festa pública do candomblé campineiro e que hoje está inscrita no calendário oficial deste Município e no calendário turístico e cultural do Estado de São Paulo.. 19.

(29) CAPÍTULO I Nascimento e estabelecimento dos terreiros.. 1. 20.

(30) Campinas. Por volta de 1767, em decorrência do caminho de Goiases, formou-se no oeste do Estado de São Paulo o bairro de "Campinas do Mato Grosso de Jundiaí". Um pequeno comércio se desenvolveu naquele local para suprir as necessidades das tropas que transitavam entre Santos, Minas Gerais, Goiás e Cuiabá e atendiam à economia mineira. (Baeninger, 1992) Em 1774, o bairro tornou-se "Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí"14, e, em 1797, de Freguesia passou para a categoria de vila, "Vila de São Carlos". A cultura de cana de açúcar fora introduzida na região e, entre 1790 e 1795, a indústria açucareira fundou a prosperidade econômica e populacional da região. 15 O ciclo do açúcar arregimentou significativa quantidade de mão-de-obra escrava cuja maioria era formada de negros provenientes do grupo lingüístico banto, filhos das diversas etnias que o compõem. Conforme Slenes, “vários grupos de bakongo, mbundu e ovimbundo (localizados respectivamente no baixo rio Zaire, no interior de Luanda, e no hinterland de Benguela), forneceram grandes contingentes de cativos. 14. No dia 14 de julho de 1774, em uma capela de sapê e paus roliços, foi celebrada a primeira missa por Frei Antônio de Pádua, primeiro vigário da paróquia. Essa ficou sendo a data oficial da fundação da cidade, na época Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí. Nessa fase, o Governador da Capitania cumpria expressas ordens do Rei de Portugal para povoar e implantar agricultura sólida no território paulista, pois a mineração estava em queda e os preços do açúcar anunciavam alta. 15. . Em 1797, a freguesia foi elevada à condição de vila, mantendo até 1842 o nome de Vila São Carlos. O período do açúcar marcou a fase de construção da cidade, havendo ainda ruas com pouquíssimas casas. Site www.campinas.sp.gov.br. 21.

(31) para o sudeste e (estou convencido) boa parte da matriz cultural da senzala”. (Slenes, 1999; p.50). Com a sangrenta revolução de Saint Dominique em 179116, que dizimou a colônia francesa, a exportação de açúcar para o mercado europeu ficou bastante prejudicada. O preço do produto subiu vertiginosamente e deu um impulso às "plantation" da região de Campinas, onde a escravidão passou a caminhar junto com o açúcar. A expansão da cultura da cana gerou uma expansão econômica que, por sua vez, estimulou, também, o crescimento da população cativa. Conforme Baeninger, "o ciclo do açúcar marcou a fase de construção da cidade. A dinâmica expressa por esse ciclo econômico contribuiu para o surgimento de pequenos núcleos urbanos ligados ao setor agrícola e à comercialização de escravos, introduzindo a diversificação, embora incipiente e apontando para o surgimento de uma importante rede urbana no Estado”.(1992; p. 23) Com a queda do preço do açúcar no mercado internacional, a cultura da cana entrou em decadência. Porém, o ciclo econômico do açúcar gerou capital suficiente para a introdução da cultura cafeeira que veio como alternativa econômica para a queda do mercado açucareiro. Embora a cultura do café tivesse surgido concomitantemente à. 16. O domínio colonial (no Haiti) foi seriamente abalado pelos acontecimentos que culminaram com a Revolução Francesa. Os antigos escravos da ilha rebelaram-se contra o jugo francês em 1791 e o grande líder abolicionista Pierre-Dominique Toussaint L'Ouverture tomou o poder. Em 1794, Napoleão Bonaparte enviou uma expedição para combater os rebeldes. Após meses de resistência, Toussaint aceitou os termos de paz e foi enviado para a França onde, contra os termos da paz negociada, morreu na prisão em 1803. www.ufrs.br/cdron.. 22.

(32) prosperidade da cultura açucareira, foi somente em 1835 que houve a substituição de uma cultura pela outra. (Beaninger, 1992). 17 Prometendo consideráveis ganhos para os fazendeiros, a cultura do café se estendeu por toda a região, o que aumentou a necessidade de mais trabalhadores, arregimentando, desta forma, grande quantidade de mão-de-obra escrava, que com a proibição do tráfico negreiro em 1850, foi suprida através do tráfico inter-regional.18 Os escravos do Norte e Nordeste deixaram as regiões que manifestavam decadência econômica e se dirigiam para as regiões que apresentavam maior desenvolvimento, como o Sudeste.19 O primeiro registro nacional de escravos, datado de 1872, segundo Slenes, mostrou que “Campinas tinha 14.000 cativos, ou a maior população escrava de todos os municípios paulistas". (Slenes, 1999; p. 71). Em virtude da proibição do tráfico externo20 a mão-de-obra escrava foi suprida pelo tráfico inter-regional. Embora a mãode-obra escrava, naquela ocasião, fosse proveniente principalmente do Nordeste. 17. Em 1867, com capital derivado essencialmente de cafeicultores, fundou-se a Ferrovia Paulista que entra em operação em 1872. www.campinas.sp.gov.br. 18. Período e economia fortemente escravagistas, entre 1854 e 1886, a população cativa estava em 50%. www.campinas.sp.gov.br 19. Conforme Baeninger: A migração de escravos provenientes de regiões onde as lavouras canavieiras entravam em decadência, como as do Nordeste, contribuiu para o crescimento populacional das províncias do Sul (Prado, 1983). De fato, nos jornais da época, encontravam-se anúncios como este: "vende-se(sic) 12 bonitos escravos de 12 a 20 anos, todos do Ceará" ( gazeta de Campinas, 22-6-1878; apud Lapa, 1991) - (Baeninger. 1992; p. 21) 20 Leis Abolicionistas : * 1815 - Tratado anglo-português, na qual Portugal concorda em restringir o tráfico ao sul do Equador; * 1826 - Brasil compromete em acabar com o tráfico dentro de 3 anos * 1831 - Tentativa de proibição do tráfico no Brasil, sob pressão da Inglaterra. * 1838 - Abolição da escravidão nas colônias inglesas * 1843 - Os ingleses são proibidos de comprar e vender escravos em qualquer parte do mundo * 1845 - A Inglaterra aprova o Bill Abeerden, que dá à Inglaterra o poder de apreender os navios negreiros com destino ao Brasil. * 1850 - É aprovada sob pressão inglesa a lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico negreiro no Brasil. * 1865 - A escravidão é abolida nos Estados Unidos (13a. Emenda Constitucional) 1869 - Manifesto Liberal propõe a emancipação gradual dos escravos no Brasil. * 1871 - Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco 1885 - Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe * 1888 - Lei Áurea.. 23.

(33) brasileiro, esses escravos poderiam não ser mais africanos, mas já terem nascido em terras brasileiras, contudo observa-se que "a população cativa de Campinas na primeira metade do século XIX era predominantemente africana.” (Slenes, 1999; p. 72). Cabe notar que a proibição do tráfico negreiro limitava a aquisição de mão-deobra escrava, numa época em que o complexo cafeeiro se estruturava, se consolidava e isso demandava uma grande quantidade de mão-de-obra.21 Ademais, a partir da metade do século XIX, o Movimento abolicionista tomou força e incitava levantes e fugas de escravos que desorganizavam a produção nas fazendas. Nesta mesma época, idéias racistas importadas da Europa formavam opiniões entre alguns intelectuais que, baseados nestas fontes, se preocupavam com um Brasil que se formava moreno e miscigenado. A solução encontrada nesse caso, tanto para o déficit de mão-de-obra, quanto para o branqueamento da população, foi uma política de imigração européia. Desta forma, acreditavam, estaria “salvo” o Brasil não só economicamente, mas também na constituição da sua identidade nacional, uma vez que com o branqueamento poderia se configurar uma nação aos moldes europeus. A lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de Maio de 1888, além de ter libertado um décimo da população negra da época no Brasil, significou, principalmente, a retirada de um entrave para o trabalho assalariado no país, visto que muitos dos setores da economia já não mais utilizavam a mão-de-obra escrava. Porém o que deveria terminar com um programa de ajustamento social gradativo, tornou-se um desajustamento estrutural, porquanto os negros foram fadados ao desemprego e à marginalidade. Esse contexto somente agravou o preconceito racial 21. A hipótese de que a proibição do tráfico negreiro gerara um déficit de mão-de-obra disponível para trabalhar na agricultura do café, é refutada no livro de Petrônio Domingues, Uma História Não Contada – negro racismo e branqueamento em São Paulo na pós-abolição (Editora Senac, SP) que foi resultado da dissertação de mestrado desenvolvida pelo autor na USP. Segundo Petrônio, não havia falta de mão-deobra em São Paulo, mas uma concreta intenção da elite, do governo e dos intelectuais paulistas em branquear a cidade.. 24.

(34) que justificava a degradação do liberto na nova realidade social pela superioridade do branco sobre o negro. Além disso, os libertos tiveram que disputar no mercado de trabalho com os imigrantes brancos europeus, mais bem aceitos. Reafirmando essa questão, Bernardo chama a atenção para a concorrência no mercado de trabalhadores livres, entre os ex-escravos e o imigrante europeu, afirmando que este último era o preferido. Com isso, o ex-escravo alforriado ou aquele que mais tarde obteria a liberdade, eram colocados inteiramente à margem da nova ordem social, que se instaurou com o mercado de trabalho livre. (Bernardo, 1998; p. 24). A primeira experiência com mão-de-obra formada por imigrantes europeus no Estado de São Paulo data de 1847 e foi realizada na fazenda Ibicaba, na região de Campinas, e atual município de Limeira (Beaninger). Esse foi um empreendimento importante, por empregar, simultaneamente, mão-de-obra livre e escrava. No entanto, essa primeira tentativa de imigração européia não foi bem sucedida. Os imigrantes que chegaram ao sudeste vinham para trabalhar como meeiros, parceria que não deu certo, por um lado, porque as condições de trabalho eram péssimas e nesse sistema os imigrantes eram obrigados a pagar para o fazendeiro as despesas realizadas com a imigração, ficando vinculados a ele até saudarem a dívida. Por outro lado, o regime escravista ainda vigente também se tornou um entrave para a imigração, uma vez que esse sistema não era bem aceito pelos governos europeus da época. Em 1886, uma nova experiência imigratória se iniciou, mas, desta vez, com outro sistema de trabalho que não era mais o de "parceria" como fora nas décadas. 25.

(35) anteriores, mas o de "colonato". Inaugurou-se, então, o sistema de trabalho livre, em contrapartida com a escravatura. 22 O desenvolvimento da cultura do café no sudeste do Brasil trouxe consigo o desenvolvimento dos meios de transportes, da construção civil e uma industrialização rude, que geraram um processo de urbanização. A região se modificou, as cidades cresceram, as indústrias precisaram de mão-de-obra, e o comércio, de consumidores. Conforme Baeninger, "Com a implantação da cultura do café, que passou a ser o principal produto cultivado, Campinas acentuou seu dinamismo com um intenso desenvolvimento urbano e rural. O efeito urbanizador já se fazia sentir através da expansão das vias de comunicação para o transporte do café, como as Estradas de Ferro Mogiana e Companhia Paulista (1872), originando núcleos urbanos e ampliando as atividades ligadas a esse setor". (1992; p. 29) Em 1889, uma epidemia de febre amarela causou muitas mortes em Campinas e provocou intensa fuga de moradores para outros municípios, além de diminuir a imigração européia para a região. 23 Em São Paulo, a febre amarela adentrou por Santos, que era a porta de entrada dos imigrantes que vinham trabalhar nas lavouras de café. A doença alastrou-se 22. Segundo os registros da hospedaria dos imigrantes do Estado de São Paulo, " foram enviados para as lavouras de café do Município, de 1882 a 1900, 140631 imigrantes estrangeiros, dos quais 75% eram italianos; 11,3% portugueses; 7,9% espanhóis; 3,9% alemães e 1,8% de outras nacionalidades." (Baeninger. 1992: 31, 32) 23 Segundo Baeninger,: Os historiadores locais afirmam que durante a epidemia quase 75% da população emigrou do Município (Brito, 1969; Pupo, 1969). "A cidade é abandonada; a população reduziu-se de 20 mil para 5 mil moradores; a morte rondava a cidade." (Figueira de Mello, 1991:23). Estabelecimentos comerciais, escritórios de indústrias e até algumas indústrias transferiram-se para São Paulo e Jundiaí. (Semeghini, 1988). (1992: 35). 26.

(36) primeiramente pela região portuária e, como não havia casos no interior paulista, a medicina acreditava que era uma doença típica das regiões litorâneas. Porém, em 1889, houve uma forte epidemia em Santos que subiu a serra através da ferrovia e chegou a Campinas. Foram vários surtos que assolaram a região nos anos de 1889, 1890, 1892, 1896 e 1897, dizimando grande parte da população. 24 Como era desconhecido o meio de propagação da enfermidade, acreditava-se que a febre amarela era contagiosa e, num consenso geral, originária de eflúvios miasmáticos ou emanações pútridas. Sendo assim, os médicos higienistas, pensando na erradicação da enfermidade, voltaram-se para os aspectos urbanísticos, já que associavam a doença ao ar confinado, portanto a habitações coletivas, a ruas estreitas, matadouros, cemitérios, valas, águas de fontes duvidosas e à falta de esgotos. Desta forma, o combate da doença ficou centrado na reorganização urbana e na normatização da vida cotidiana. Nesse sentido, foi a população mais pobre, constituída de imigrantes e negros libertos, que arcou com a responsabilidade da disseminação da enfermidade, acentuando desta forma o preconceito contra aqueles que se amontoavam em cortiços na cidade. Segundo Figueira Mello “libertos e imigrantes em 1888 e1889, afluíram para a cidade. Entupiram os cortiços” (1991; p. 23)25 Nessa perspectiva, o preconceito racial contra o negro se intensificou e gerou fortes demandas contra suas manifestações religiosas, pois do mesmo modo que a raça negra foi considerada inferior, sua religiosidade também foi encarada como mais primitiva e, ao mesmo tempo, associada a bruxaria e malefícios. Embora Slenes afirme que "a maioria dos escravos de Campinas, mesmo em 1888, estava próxima no tempo às fontes africanas de sua cultura" (Slenes, 1999; p. 24. Dados obtidos na Biblioteca Virtual Adolph Lutz. http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/home.html 25 FIGUEIRA MELLO, F. Formação histórica de Campinas: Breve Panaroma. Subsídios para a Discussão do Plano Diretor. Prefeitura Municipal de Campinas, 1991.. 27.

(37) 72), seus cultos foram escondidos, parecendo desta forma não terem se estruturado ou mesmo desaparecido, mas, pode ser que tenham se tornado subterrâneos por causa das perseguições sofridas, segundo a concepção de Pollak. (Pollak, 1989). 26 Apesar de Campinas ter passado por muitos surtos de febre amarela, a cidade aos poucos foi se recuperando e, em 1891, deu-se continuidade ao processo imigratório, com o registro do maior "volume anual de imigrantes com destino a Campinas". (Baeninger, 1992). Na virada do século, tanto São Paulo quanto os principais municípios do interior apresentaram dinamismo econômico e populacional. No entanto, com a queda do preço do café e a conseqüente crise neste setor, a imigração subsidiada para São Paulo e a economia cafeicultora encerraram-se, respectivamente em 1927 e 1930. Contudo, na região houve também a vinda de imigrantes norte-americanos que introduziram o cultivo do algodão, que trouxe consigo novas técnicas de plantio, além de um novo pólo industrial. Conforme Baeninger: "O. movimento. migratório. internacional. desempenhou. urbanização, alternando em muitos casos, o comportamento 26. Um estudo realizado por Rita Amaral sobre a coleção etnográfica de cultura religiosa afro-brasileira do MAE , curiosamente revela a Coleção Registro Sertanejo que apresenta um candomblé banto datado do começo do século XX. De acordo com o artigo, Rita divulga que: “Foram encontradas 187 das 252 peças listadas, datadas do princípio do século, de cultos afro-brasileiros sediados principalmente no interior de São Paulo. Segundo informações contidas nesta listagem, algumas peças foram levadas ao Museu Paulista, em 1914. Outras, em 1938 e outras ainda, em 1943. São originárias de cultos do interior de São Paulo (Tietê, Pirapora, Araraquara, Jundiaí) e foram doadas ao Museu Paulista pela Secretaria de Segurança Pública, o que indica que devam ter sido apreendidas durante o período de repressão policial ao culto. Essa coleção é extremamente valiosa, não apenas por representar aspectos múltiplos do culto, como por seu caráter artesanal, constituindo peças únicas.”, 26 Amaral, Rita. A coleção etnográfica de cultura religiosa afrobrasileira do museu de arqueologia e etnologia da universidade de São Paulo, In Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, no. 10, 2000, p266. Isso significa que houve um candomblé anterior a este que hoje existe em Campinas e que, possivelmente, desapareceu em virtude da perseguição policial.. 28.

(38) demográfico, o perfil populacional econômico e as formas de inserção dos municípios na divisão social do trabalho no Estado". (1992; p.48) Campinas, no ciclo do açúcar, fora denominada a Capital da escravatura, no período cafeeiro, recebera a alcunha de "Princesa do oeste" e, com o avanço da industrialização, tornara-se uma "Cidade Modelo". Na primeira metade do século XX o processo de urbanização e industrialização, conforme Baeninger, "representou a formação de uma nova ordem social permeando todas as instâncias da sociedade. A mistura de raças, nacionalidades, culturas e ideologias, dispersas no espaço urbano, começou a caracterizar certos grupos sociais. A constituição da classe operária, formada primeiramente pelos trabalhadores estrangeiros foi expressão desse processo". (1992; p.50) Com o crescimento do número de indústrias aumentava também a migração originária não só de outros Estados, como também do êxodo rural. (Baeninger, 1992) Campinas era uma cidade que reforçava o papel da migração, uma vez que isto era sinônimo de dinamismo econômico e prosperidade. A partir dos anos 60, o fluxo migratório para a região de Campinas aumentou consideravelmente e continuou na década de 70, ocasião em a cidade recebeu "um total de 230.464 migrantes, dos quais, aproximadamente, 20% apresentavam como local de última residência o Estado do Paraná, 15% vinham da região Metropolitana de São Paulo, 10%. 29.

(39) do Estado de Minas Gerais e 5% da própria região de governo da Campinas". 27 (Baeninger. 1992; p. 76) Em Campinas, é o Estado do Paraná que nesta época aparece como a principal área de procedência dos migrantes, porém de uma maneira geral é de Minas Gerais que tradicionalmente vem a maioria. Ademais, se para São Paulo a migração de nordestinos foi intensa, em Campinas ficou em torno de 12,5%, ocupando a quarta posição em relação a outras regiões do Brasil. (Baeninger, 1992) Além dos fluxos migratórios interestaduais, também foi significativo o movimento migratório proveniente do oeste paulista que se direcionou para Campinas. Na década de 70, coincidindo com o processo de urbanização, com a afluência de indústrias que formaram o maior parque industrial regional e com a expansão rodoviária, fatos que estimularam a vinda de um número significativo de migrantes, é que se deu a chegada dos pais e mães-de-santo que fazem parte desta pesquisa e, por meio deles, o surgimento dos primeiros terreiros de Umbanda em Campinas. Por sua vez, o candomblé que já havia se estabilizado em São Paulo nos anos 60, chega a Campinas na década de 80, confirmando o que nos afirma Boaventura de Souza Santos ( 1996), a saber, que só permanecem ou florescem elementos da cultura que possuem raiz. Por isso, me ative à explicação de como chegaram os escravos em Campinas, na verdade, a raiz das expressões religiosas afro-brasileiras. . Fundamentando-nos em Bernardo (1986) e Prandi (1991) que explicam que a Umbanda abriu caminho para o candomblé em São Paulo, podemos assegurar que o mesmo processo ocorreu em Campinas. Mais reintegrada à sociedade a umbanda, como expõe Ortiz,. 27. Beaninger considera como migrante o indivíduo residente há menos de dez anos no município de residência atual.. 30.

(40) ”aparece, pois como um solução original; ela vem tecer um liame de continuidade entre as práticas mágicas populares à dominância negra e à ideologia espírita. Sua originalidade consiste em reinterpretar os. valores. tradicionais,. segundo. o. novo. código. fornecido pela sociedade urbana e industrial”.(1999; p.48) 28. Sem a necessidade de processos iniciáticos mais drásticos, tais como são exigidos pelo candomblé, na umbanda que há a manifestação do. é por meio do transe. caboclo, do preto-velho, que são espíritos. ancestrais, que vão direcionar o inicio do caminho religioso a esses sacerdotes pesquisados. Todos os entrevistados vieram de famílias de religiões cristãs, sejam católicas ou neopentecostais, e para se chegar ao universo mágico do candomblé, no qual os ritos de passagem e purificação são realizados mediante o sacrifício de animais, rito que foi e. ainda. é. amplamente. questionado. e. combatido. pelas. diversas. modalidades de religiões cristãs no Brasil e pela sociedade mais abrangente, a umbanda surge, então, como uma interessante solução para a entrada ao universo afro-brasileiro. Por um lado, citando Ortiz,. “O problema das despesas encontra, pois, na religião umbandista. uma. solução. original;. um. primeiro. 28. Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora Brasiliense, São Paulo. 1a reimpressão, 1999.. 31.

(41) resultado é a ausência de gastos no sacrifício de animal, uma vez que estes tendem a ser abolidos.” (1999; p.154).. Por outro lado, ainda referindo-se à obra de Ortiz, “o problema longe. de. ser. uma. equação. funcional,. parece-nos. ser. de. cunho. ideológico. Por detrás do jogo de funcionalidades se esconde um conflito muito mais amplo que se trava contra os valores da sociedade global”. 29 (1999; p.155) Este conflito já se mostrava desde o início da caminhada desses sacerdotes, quando iam à procura das benzedeiras e revelavam a má impressão deixada pelos objetos religiosos afro-brasileiros, expostos nos altares. Neste caso, o elemento básico determinante da ação dramática é a oposição entre os valores da população branca, cristã e de classe média e os padrões afro-brasileiros expressos na estatuária e, muitas vezes, na incorporação dos espíritos de pretos-velhos e caboclos. A entrada do candomblé em São Paulo se dá, segundo Prandi: "... por diferentes maneiras: através de pais-de-santo que vêm do Rio e da Bahia para iniciarem filhos aqui; quando umbandistas vão ao Rio e à Bahia para lá se iniciarem no candomblé; nos casos em que um pai ou mãe-de-santo migra para São Paulo já iniciado em seu Estado de origem e abre aqui terreiros de candomblé; na situação em que o migrante já vem “feito” no. 29. Ortiz, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda e sociedade brasileira. Editora brasiliense, São Paulo.1a reimpressão, 1999.. 32.

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