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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

RESTRIÇÃO DO BALANÇO DE PAGAMENTOS AO CRESCIMENTO: Um modelo multissetorial aberto

ANA CRISTINA REIF DE PAULA matrícula n° 101602571

ORIENTADOR: Prof. Dr. Mario Luiz Possas RIO DE JANEIRO

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ANA CRISTINA REIF DE PAULA

RESTRIÇÃO DO BALANÇO DE PAGAMENTOS AO CRESCIMENTO: Um modelo multissetorial aberto

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Economia.

Orientador:

Prof. Dr. Mario Luiz Possas

Rio de Janeiro 2006

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ANA CRISTINA REIF DE PAULA

RESTRIÇÃO DO BALANÇO DE PAGAMENTOS AO CRESCIMENTO: Um modelo multissetorial aberto

Rio de Janeiro, de de .

_______________________________________ Presidente, Prof. Dr. Mario Luiz Possas (IE/UFRJ)

_______________________________________ Prof. Dr. Antonio Luis Licha (IE/UFRJ)

_______________________________________ Prof. Dr. Franklin Serrano (IE/UFRJ)

_______________________________________

Prof. Dr. Antonio Carlos Macedo e Silva (IE/UNICAMP)

_______________________________________ Prof. Dr. Gilberto Tadeu Lima (FEA/USP)

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AGRADECIMENTOS

À minha família: meu pai, minha mãe, minha avó e meus irmãos, agradeço o enorme apoio que me foi dado ao longo de todos esses anos de estudo, o carinho de sempre e a atenção especial nos momentos mais difíceis, a força para eu continuar buscando aquilo que para mim era tão importante e a compreensão por minha ausência nos momentos de maior dedicação à tese.

Ao longo deste caminho, três professores em especial marcaram minha formação. Franklin Serrano, meu professor desde os primeiros períodos da faculdade, foi quem me apresentou às questões da economia que são até hoje meu objeto de interesse, incentivou meu envolvimento com a pesquisa e com a visão crítica da heterodoxia. Agradeço-o por toda a sua enorme colaboração neste meu percurso.

Sobre desenvolvimento e economia da América Latina, tive a oportunidade de aprender muito com o professor Carlos Medeiros. Sou grata por todas as tardes agradabilíssimas que passamos conversando em meio a trabalho, estudo ou simples discussões com as quais ganhei tanto conhecimento, principalmente através da exposição de suas análises e de seu ponto de vista sobre teorias e fatos históricos e presentes.

Agradeço, em especial, ao meu orientador, Mario Luiz Possas, que vem me acompanhando desde o início do doutorado. Sua aula de Macroeconomia na graduação, que é até hoje pilar fundamental do ensino da economia heterodoxa, propiciou-me o contato com as idéias daqueles autores que vieram a ser minhas referências teóricas. Assistindo suas aulas no mestrado e doutorado tive a chance de aprofundar meu conhecimento e definir a linha de pesquisa para o desenvolvimento de minha tese. Expresso minha gratidão por tudo que pude aprender com meu orientador, por sua disposição para discutir todas as questões que se mostraram necessárias, por sua prontidão em analisar e rapidamente apresentar uma resposta sobre cada etapa concluída do trabalho e por me ajudar a acreditar que eu seria capaz de alcançar o meu objetivo.

Agradeço a todos os funcionários do Instituto de Economia da UFRJ que viabilizaram meus anos de estudo de graduação, mestrado e doutorado nesta faculdade. Agradeço à Anna Elizabeth, em particular, por sua atenção nas épocas de matrícula, por sua paciência com as repetidas perguntas sobre as notas e os prazos, além de estar sempre disposta a ajudar em outros problemas que porventura aparecessem. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento

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de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro prestado, que viabilizou anos de dedicação exclusiva ao estudo, extremamente importantes para a realização deste trabalho.

Agradeço aos queridos amigos de “pizzada”: Maria Malta, Rodrigo Pedrosa, Pedro Maranhão, Pati Moura, Maurício Metri, Esther e Clarice, por nossos divertidos, polêmicos, alegres e construtivos encontros. Agradeço à Esther, com quem tive a oportunidade de trabalhar meses a fio no aprimoramento do nosso instrumental, e ao Arthur, companheiros do Grupo de Pesquisa sobre Dinâmica Econômica Evolucionária, cujas contribuições foram o ponto de partida para este trabalho. Agradeço à Clarice, amiga com quem pude partilhar todos os sentimentos de alegria, tristeza, conquista, frustração, luta, cansaço e recompensa envolvidos neste árduo trajeto que seguimos com grande cumplicidade. Agradeço, finalmente, às minhas amigas da graduação e à querida amiga de infância Lucille, que sempre estiveram ao meu lado, acreditando e torcendo pelo meu sucesso.

Este é um caminho que concluo com muita alegria e com a certeza de que é apenas o início de outra fase, na qual espero poder estar contribuindo academicamente com todos aqueles que tanto me ajudaram e ensinaram, e retribuindo e cultivando o carinho de todos os amigos.

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“Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, governaram minha vida: o desejo imenso de amor, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos, levaram-me de um lado para outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando à beira do verdadeiro desespero.

Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Procurei-o, também, porque abranda a solidão – aquela terrível solidão em que uma consciência horrorizada observa, da margem do mundo, o insondável e frio abismo sem vida. Procurei-o, finalmente, porque na união do amor vi, em mística miniatura, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer bom demais para a vida humana, foi o que encontrei.

Com igual paixão busquei o conhecimento. Desejei compreender os corações dos homens. Desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender a força pitagórica pela qual o número se mantém acima do fluxo. Um pouco disso, não muito, encontrei.

Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desprotegidos – odiosa carga para seus filhos – e o mundo inteiro de solidão, pobreza e dor transformam em arremedo o que a vida humana poderia ser. Anseio ardente de aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.

Isso foi minha vida. Achei-a digna de ser vivida e vivê-la-ia de novo com a maior alegria se oportunidade me fosse oferecida.”

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Resumo

Este trabalho estuda a questão da restrição estrutural do balanço de pagamentos ao crescimento continuado dos países em desenvolvimento. Apoiado nos autores Keynes, Kalecki, Schumpeter e em seus seguidores, são apresentados os fundamentos teóricos que permitem explicar a dinâmica de crescimento e desenvolvimento a partir do princípio da demanda efetiva e das mudanças na estrutura produtiva geradas pelo processo de concorrência. São analisadas certas condições específicas dos países em desenvolvimento, que, por características estruturais, tendem a produzir desequilíbrios na balança comercial, compensado pela conta de capitais; e como estes resultados influenciam sua dinâmica. O objetivo desta tese, partindo do modelo multissetorial apresentado no artigo Possas, Dweck e Reif (2004), é detalhar os blocos do setor externo, do setor financeiro e de políticas econômicas de forma a construir um instrumental que possa ser utilizado no estudo das trajetórias de uma economia aberta.

Abstract

This thesis studies the structural constraint of the balance of payments to the continued growth of developing countries. Based on Keynes, Kalecki, Schumpeter and their followers, herein are presented theoretical foundations that allows one to explain the dynamics of growth and development supported by the principle of effective demand and the changes in the productive structure generated by the competition process. Some specific conditions of developing countries are analyzed which, due to structural characteristics, tend to lead to a balance of trade deficits, compensated by capital account inflows; and how these results influence their dynamics. The purpose of this thesis, starting from the multisectoral model presented in Possas, Dweck and Reif (2004), is to detail the blocks concerning the external sector, the financial sector and economic policies in order to develop an analytical tool that can be used in the study of the trajectories of an open economy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...9

1. Fundamentos Teóricos para Análise do Crescimento e do Desenvolvimento...17

1.1 Pressupostos ...17

1.2 Keynes e Kalecki: Demanda Efetiva, Ciclo e Tendência ...18

1.2.1 Teoria da produção e o princípio da demanda efetiva...19

1.2.1.1 Expectativas de curto prazo...21

1.2.2 Componentes da demanda agregada ...22

1.2.2.1 Investimento - Teoria da aplicação de capital de Keynes ...22

1.2.2.2 Consumo e o Multiplicador do Investimento ...28

1.2.3 Análise de algumas variáveis relevantes e controversas ...30

1.2.3.1 Preço e distribuição de renda...30

1.2.3.2 Poupança...32

1.2.3.3 Nível de emprego ...35

1.2.4 Acelerador - Ciclo e tendência ...37

1.2.4.1 A função investimento de Kalecki ...37

1.2.4.2 Ciclo e Tendência ...40

1.3 Tendência, desenvolvimento e inovação ...42

1.3.1 Schumpeter – concorrência e inovação ...43

1.3.2 Neo-Schumpeterianos – enfoque evolucionário...45

1.3.2.1 Estratégia competitiva sob concorrência ...46

1.3.2.2 Seleção no mercado ...50

1.3.2.3 Trajetória da indústria – interação estrutura e estratégia...52

1.3.2.4 Trajetória tecnológica – demand-pull vs technology-push...53

1.3.3 Concorrência e Competitividade ...55

2. Restrição de Balanço de Pagamentos e Crescimento Limitado ...56

2.1 Balanço de pagamentos e Restrição Externa ...57

2.1.1 Déficit na Balança Comercial e as condições estruturais ...57

2.1.1.1 Necessidade de Industrialização...58

2.1.1.2 Necessidade de Modernização ...62

2.1.2 Compensação pela conta de capitais ...67

2.1.2.1 Nota sobre o Investimento Direto Estrangeiro ...69

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2.2 Trajetória stop-and-go ...73

2.2.1 Os países em desenvolvimento e a globalização ...74

2.2.2 Transmissão dos desequilíbrios externos ao crescimento ...77

2.2.3 Perda de autonomia sobre a política econômica...80

2.3 Restrição estrutural de balanço de pagamentos e o círculo vicioso...81

2.3.1 A restrição externa inserida em um círculo vicioso ...81

2.3.2 Políticas de estímulo e ameaça ...84

3. Um Modelo Multissetorial Aberto ...88

3.1 O modelo original e as alterações propostas...88

3.2 O modelo ...93

3.2.1 Produção programada ...93

3.2.2 Demanda por bens intermediários ...94

3.2.3 Demanda por bens de consumo ...97

3.2.4 Investimento ...99

3.2.5 Produção efetiva, vendas observadas e demanda atendida...102

3.2.6 Preço e Renda ...105

3.2.6.1 Restrição financeira dos setores ...107

3.2.6.2 Renda das classes ...112

3.2.7 Setor Público ...115

3.2.8 Setor Externo ...117

3.3. Simulações ...126

3.3.1 Simulação com Crescimento ...128

3.3.2 Simulação com Recessão ...133

CONCLUSÃO...139

REFERÊNCIAS ...143

APÊNDICE ...153

Crescimento ...153

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INTRODUÇÃO

O tema a ser tratado nesta tese é a questão da restrição de balanço de pagamentos ao crescimento continuado. Este é um tema que vem ganhando progressiva importância no atual quadro de globalização produtiva e financeira. Fluxos comerciais e financeiros internacionais sempre estiveram presentes, porém a diferença nos dias de hoje é sua intensidade, que tem afetado a dinâmica econômica dos países, inseridos em um conjunto crescentemente integrado.

Raúl Prebisch, economista responsável por conduzir, no final da década de 1940, os estudos realizados pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) sobre os problemas do desenvolvimento latino-americano e propor possíveis soluções, foi um dos primeiros a chamar atenção para o fato de que o comércio poderia não ser favorável a todas as partes envolvidas1. Sua argumentação contrapunha-se à teoria tradicional do comércio internacional que, baseada no princípio das vantagens comparativas, sustentava a divisão internacional do trabalho como sendo a forma de se alcançar o maior incremento de renda possível com distribuição igualitária. De acordo com esta teoria, os frutos do progresso repartir-se-iam entre os países via baixa de preços ou pela alta equivalente das remunerações, supondo preços flexíveis e perfeita mobilidade dos fatores. Prebisch mostrou, no entanto, que, ao contrário do que se pregava, a renda dos países primário-exportadores, denominados “países periféricos”, tendia progressivamente a divergir da renda dos países industrializados.

O motivo para esta divergência seria primordialmente estrutural. Os países periféricos, com estrutura produtiva heterogênea e especializada, tinham elevado coeficiente e elevada elasticidade-renda de importação de bens industrializados. Já os países centrais, em função de suas estruturas produtivas mais homogêneas e diversificadas e da contínua tendência à redução na demanda por bens primários, devido ao progresso técnico e à elevação da renda, impunham baixo coeficiente e baixa elasticidade-renda às exportações da periferia. Seriam estas disparidades que gerariam graves limitações aos países periféricos. A diferença entre os coeficientes tornava imperativo que suas rendas fossem menores que as rendas dos países industrializados para não incorrerem em déficit na balança comercial. E a diferença entre as elasticidades obrigava-os a crescer a um ritmo mais lento para não terem seu déficit continuamente acentuado. Assim, de acordo com esta argumentação, as assimetrias entre as

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estruturas produtivas tornavam inevitável uma trajetória divergente da renda entre os países periféricos e centrais. Na visão de Prebisch, estes problemas ainda eram agravados pela tendência à deterioração dos termos de troca ao longo dos ciclos econômicos, em função do elevado nível de desemprego na periferia e dos fortes sindicatos dos centros que forçavam a acomodação da queda nos preços via queda nos salários dos países periféricos.

A solução, segundo Prebisch, seria a industrialização por substituição de importações, para impulsionar a diversificação e homogeneização da estrutura produtiva na periferia. A industrialização elevaria a produtividade da agricultura e das indústrias atrasadas, absorvendo a mão-de-obra dispensada e promovendo aumento da produtividade geral e da renda nesses países, além de elevar as exportações, tornando-as mais compatíveis com as importações. Cabe observar que Prebisch já tratava da necessidade do capital estrangeiro para ajudar no processo de industrialização, fazendo, no entanto, a ressalva sobre a importância de este ser utilizado em atividades voltadas para elevar a produtividade e as exportações, e de ser captado através de organismos públicos internacionais a custo baixo e prazo longo, para não comprometer o próprio processo com os serviços da dívida.

A referência a Prebisch é feita por sua relevância para o tema, mas também porque o cerne de suas preocupações continua válido, recolocadas, entretanto, em um novo contexto. Prebisch via o problema da relação entre países primário-exportadores e países industrializados apontando para a necessidade de industrialização. No presente, a questão da restrição ao crescimento imposta por disparidades entre coeficientes e elasticidades-renda de importação se recoloca, mas na relação entre países industrializados atrasados e países industrializados desenvolvidos, mostrando-se necessário um processo de modernização dos primeiros. A questão dos intensos fluxos de capitais, não presentes à sua época, muda os meandros do problema, mas não a sua origem essencial ou conseqüência.

A visão atual do mainstream econômico explica a diferença nas taxas de crescimento entre os países com base no lado da oferta, usando uma função de produção especificada de forma que o crescimento do produto seja determinado pelo crescimento do capital, do trabalho e da produtividade total dos fatores. As propostas de política que seguem desta corrente são de austeridade fiscal e monetária e de abertura comercial e financeira. A austeridade seria importante para conferir estabilidade à economia. Uma economia estável e aberta atrairia o capital estrangeiro e ampliaria as margens para o comércio exterior, aumentando a disponibilidade de capital, a pressão competitiva e o acesso a novas

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tecnologias, logo, impulsionando o crescimento.

O momento econômico contemporâneo reflete em grande parte as proposições da doutrina ortodoxa com o fenômeno da globalização. Porém, em muitos casos, os resultados não se conformam aos esperados e a divergência entre o nível e as taxas de crescimento das rendas dos países é progressiva. Dentro deste quadro, justifica-se a importância do estudo do desenvolvimento e das restrições impostas pelo desequilíbrio do balanço de pagamentos com base em fundamentos teóricos adequados, que permitam uma melhor compreensão da dinâmica corrente. Neste sentido, seguindo a linha sugerida por Possas em seu artigo “Antecedentes e perspectivas teóricas da economia do desenvolvimento numa abordagem evolucionária” de 1999, as bases teóricas desta tese estarão pautadas centralmente nos economistas Keynes, Kalecki e Schumpeter.

A partir desses autores é possível alcançar os determinantes da dinâmica envolvida nos processos de crescimento e desenvolvimento. A diferença entre esses dois processos está no fato de o primeiro ser um fenômeno caracteristicamente de curto prazo e vinculado a variações na renda com estruturas dadas. As teorias de Keynes e Kalecki fornecem, justamente, fundamentos para análise da trajetória de crescimento com estrutura estável a partir do princípio da demanda efetiva. O segundo é um fenômeno de mais longo prazo, associado a variações na renda (e não apenas nesta) respaldadas em alterações estruturais. É a teoria de Schumpeter que fornece as bases para explicação das mudanças estruturais.

De acordo com este arcabouço teórico, como é a demanda que determina o nível de renda e impulsiona o crescimento, então, supondo países operando abaixo da plena utilização de sua capacidade produtiva, a questão da divergência nas taxas de crescimento está relacionada à divergência no ritmo de elevação da demanda. O problema do desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos é inserido neste contexto como sendo um fator crucial que gera restrição sobre a demanda nos países atrasados. O vínculo com a questão do desenvolvimento será feito apontando para o fato, observado por Thirlwall2, de os coeficientes e as elasticidades de importação e exportação, cujas disparidades são uma causa primeira do desequilíbrio externo, refletirem fundamentalmente características de oferta, em função da estrutura produtiva existente.

O objetivo desta tese é construir um modelo macroeconômico multissetorial de

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simulação que sirva como instrumento para analisar a dinâmica de uma economia aberta. O ponto de partida é o modelo apresentado no artigo “Um modelo macrodinâmico multissetorial” de 2004, desenvolvido por Possas, Dweck e Reif com base na versão original elaborada por Possas em sua tese de doutorado (1983) e descrito de forma simplificada em artigo de 1984. Serão incorporadas de forma mais detalhada as variáveis relativas ao setor externo, ao setor financeiro e ao governo, com o intuito de retratar o funcionamento de uma economia com características estruturais de um país em desenvolvimento e hipóteses específicas de política econômica. Os fundamentos teóricos que suportam a determinação das equações expressas no modelo e a dinâmica resultante serão apresentados nos dois primeiros capítulos e, no terceiro, será feita a descrição do modelo e de algumas simulações.

No primeiro capítulo serão apresentadas as bases teóricas para o estudo do crescimento e do desenvolvimento, pautadas em Keynes, Kalecki e Schumpeter, e nas contribuições pós-keynesianas e neo-schumpeterianas, seguindo a linha proposta por Possas (1999b).

A primeira parte do capítulo trata dos pressupostos empregados, buscando: i) mostrar o conceito de racionalidade limitada (ou processual), proposto por Simon3, segundo o qual a estratégia de comportamento dos agentes, coerente com um mundo de alta complexidade e incerteza, é a adoção de rotinas; e ii) apresentar a noção de trajetória4 – conceito temporal e dinâmico, que pode ou não englobar pontos de equilíbrio.

Na segunda parte deste capítulo, serão expostos os fundamentos teóricos do enfoque adotado na tese, apoiados em Keynes5 e Kalecki6. Inicialmente apresenta-se a teoria da produção de Keynes, segundo a qual o empresário busca realizar o retorno esperado de seus ativos de capital por meio da atividade produtiva, subordinada às condições da demanda. Mostra-se, também, a influência da demanda sobre as expectativas de curto prazo dos empresários e a conseqüente determinação do nível de produção e emprego da economia. Kalecki foi introduzido, neste ponto, enfatizando o princípio da demanda efetiva. Os principais componentes da demanda explicados são o consumo e o investimento. A análise do investimento centra-se na teoria de aplicação de capital de Keynes e na formação das expectativas de longo prazo. No caso do consumo, os aspectos tratados foram seus

3 Simon (1979, 1987). 4

Nelson e Winter (1982, cap.1).

5

Keynes (1988)[1936].

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determinantes, a diferenciação entre o trabalhador e o capitalista (Kalecki) e o multiplicador do investimento. Em seguida é reservado um espaço para discussão de algumas variáveis controversas (distribuição de renda, poupança e nível de emprego), mas importantes no contexto da discussão sobre crescimento e desenvolvimento.

Por último é feita uma descrição do “acelerador” de Kalecki, estruturado em sua função investimento com defasagens, e de suas conclusões sobre os movimentos de ciclo e tendência da dinâmica capitalista. Apesar de o próprio Kalecki não ter explorado suficientemente a questão da tendência gerada pelos componentes autônomos da demanda, ele fornece elementos para que seja explicada economicamente. A tendência estaria relacionada com fatores de desenvolvimento, em especial com o investimento em inovação. Esta colocação permite que seja feita a ponte para a teoria de Schumpeter em sua versão final7 e de seus seguidores, segundo os quais a dinâmica no capitalismo é estabelecida pela concorrência, que impulsiona um processo contínuo de geração e difusão de inovações – principal instrumento de competição.

Esta parte tem início com uma exposição das idéias originais de Schumpeter sobre a questão da concorrência e a importância das inovações na busca pelo lucro extraordinário e por poder de mercado. Posteriormente, é apresentado o enfoque evolucionário desenvolvido pelos neo-schumpeterianos. Em primeiro lugar, analisa-se a formulação das estratégias inovativas das empresas e a interação entre estas estratégias e as políticas de preços. Em segundo lugar, é descrito o processo de seleção tanto das empresas8, que se reflete em seu market-share e lucro, como das inovações, que irão se difundir dentro da própria firma e entre as firmas. Em terceiro lugar, é feita uma breve digressão sobre a relação entre as estratégias das empresas e a estrutura de mercado9. Por último, trata-se da evolução das tecnologias, que se desenrolam dentro de um paradigma tecnológico através de inovações incrementais10, influenciadas pelas possibilidades tecnológicas presentes e por aspectos de demanda.

Este primeiro capítulo fornece base para considerações sobre o crescimento, induzido pela demanda efetiva, a partir dos fundamentos keynesianos e kaleckianos, e sobre o desenvolvimento, impulsionado pelas mudanças estruturais promovidas pelas inovações, a partir dos fundamentos schumpeterianos, bem como sobre a interação destes dois processos,

7 Schumpeter (1943). 8

Nelson e Winter (1982, cap.1).

9

Dosi (1984, cap. 3.1 e 3.2).

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podendo caracterizar um círculo virtuoso.

O segundo capítulo procura mostrar como a restrição de balanço de pagamentos pode levar ao constrangimento da demanda e, portanto, do crescimento de uma economia em desenvolvimento, antes da plena utilização de sua capacidade produtiva. A análise será realizada utilizando-se a contribuição de autores de referência como o próprio Kalecki, além de Prebisch, Harrod, Domar, Hirschman, Kregel e Thirlwall, entre outros.

Será discutido, inicialmente, o caráter estrutural da restrição de balanço de pagamentos, conseqüência de disparidades entre os coeficientes e as elasticidades-renda de importação e exportação dos países envolvidos nas transações, que, por sua vez, são determinadas em função da estrutura produtiva existente. Neste contexto, é abordada a proposição de Prebisch em defesa da industrialização voltada para substituição de importações nos países periféricos com base em sua análise sobre a situação da América Latina em meados do século XX. Em seguida, usando como referência McCombie e Thirlwall, é apresentada a defesa da necessidade de modernização, nos tempos atuais, das economias em desenvolvimento que contam com uma estrutura produtiva atrasada, como forma de superar a tendência ao desequilíbrio do setor externo.

Ainda na primeira parte deste capítulo, será mostrado como uma situação de déficit em transações correntes leva à necessidade de entrada de capitais para equilibrar o balanço de pagamentos, o que acaba gerando uma posição de crescente vulnerabilidade externa. Neste ponto, são destacadas algumas questões específicas, vantagens e desvantagens, do investimento direto estrangeiro (IDE), que, em geral, é visto como importante instrumento de dinâmica e modernização para os países estruturalmente atrasados. A vulnerabilidade externa é tratada através da análise do comportamento dos passivos externos dos países com restrição de balanço de pagamentos, sua influência sobre os riscos de insolvência e iliquidez e as conseqüências em termos dos custos de captação no mercado financeiro internacional e da ameaça de crise cambial.

Na segunda parte do capítulo, após uma avaliação das implicações da globalização produtiva e financeira para os países em desenvolvimento, é apresentada a dinâmica de evolução stop-and-go de um país com restrição estrutural de balanço de pagamentos e que opera com regras de política econômica específicas. Ao longo desta dinâmica, são ativados mecanismos de transmissão, via juros e câmbio, que acabam forçando a contração da taxa de

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crescimento, além de gerar perda de autonomia da política econômica. Será argumentado que esta trajetória está inserida em uma dinâmica mais abrangente, caracterizada por um círculo vicioso, típico dos países subdesenvolvidos e coerente com o cenário de divergência entre as economias mundiais. Por último, são apresentadas algumas alternativas de políticas necessárias para poder romper o círculo vicioso.

No terceiro capítulo, então, é feita a descrição do modelo multissetorial, que representa de maneira formal a discussão teórica apresentada nos dois primeiros capítulos. Seguindo o princípio da demanda efetiva, a produção é definida com base nas vendas previstas, em função do crescimento recente ou de encomendas, podendo ou não haver erro de expectativa. A demanda por bens de consumo é determinada em função da renda das classes e de suas propensões marginais a consumir, além de ser considerado um componente autônomo de consumo. Quanto ao investimento, apesar de envolver expectativas de prazo mais longo e maior incerteza, seguindo a linha de Keynes, este não está inserido, neste modelo, dentro de uma teoria geral da aplicação de capital. O tratamento é mais próximo ao dispensado por Kalecki, que define o investimento em capacidade produtiva como função da demanda esperada, considerando a capacidade existente, o nível de utilização atual e uma restrição financeira. O investimento autônomo é introduzido de maneira muito simplificada, como investimento em modernização. Não inclui a lógica de geração endógena de inovação através da análise da concorrência, uma vez que o nível mais desagregado do modelo são os setores e não as firmas. A falta de competitividade e a estrutura produtiva atrasada estão refletidos nas condições iniciais, em termos dos coeficientes de importação e exportação, que são afetados pelos investimentos em modernização. Considera-se que a maioria dos setores atua em mercados fix price, com preços formados por mark-up sobre custo direto unitário. A renda é calculada pela soma dos lucros e salários.

Como contribuições específicas deste trabalho, são incluídas com maior detalhe subconjuntos do modelo referentes ao setor externo, ao setor financeiro e às políticas econômicas do governo, necessários para analisar a dinâmica de uma economia aberta, com foco em um país em desenvolvimento com restrições estruturais. Neste sentido, os determinantes da balança comercial recebem um tratamento mais pormenorizado; é incluída a parte da conta de capitais, considerando-se a entrada de investimento direto estrangeiro, capital de curto prazo e financiamento externo; conseqüentemente, também é incorporada a conta de serviço de fatores. A parte do setor financeiro é introduzida ainda de maneira incipiente, viabilizando apenas o gerenciamento das dívidas e aplicações financeiras dos

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setores, das classes e do governo, o pagamento de juros sobre a dívida e o recebimento do retorno sobre as aplicações. A interação com o setor financeiro internacional permite que os setores e o governo captem recursos no exterior e que o capital estrangeiro possa ser aplicado no sistema financeiro nacional. A disponibilidade de recursos e o grau de endividamento geram conseqüências sobre as decisões de gastos de todos os agentes da economia. Com estes aprimoramentos, é possível estudar o comportamento dinâmico da vulnerabilidade externa da economia A partir da consideração das regras de política econômica – política monetária (metas de inflação), fiscal (metas de superávit primário), cambial (flutuação suja), comercial (livre comércio) e financeira (livre fluxo de capitais) –, são explicitadas uma série de interações fundamentais condicionantes da dinâmica desta economia estilizada no modelo.

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1. Fundamentos Teóricos para Análise do Crescimento e do Desenvolvimento

Este trabalho segue a linha teórica de três autores clássicos: Keynes, Kalecki, Schumpeter e de alguns de seus seguidores, que buscam compreender as leis de movimento da economia capitalista – intrinsecamente dinâmica. A apresentação de suas teorias apóia-se, fundamentalmente, na interpretação proposta por Possas11.

Este capítulo terá início com uma breve apresentação dos pressupostos metodológicos empregados; a segunda parte discorrerá sobre os fundamentos teóricos de Keynes e Kalecki; e a última parte tratará da teoria de Schumpeter e dos neo-schumpeterianos.

1.1 Pressupostos

De acordo com os dois primeiros autores de referência, o sistema econômico capitalista movimenta-se puxado pela demanda dos agentes, e em particular pelo investimento produtivo, que busca a valorização da riqueza através da obtenção de lucro. Seu principal instrumento, de acordo com o último autor, em contexto de concorrência, é a geração permanente de inovações. Em tal ambiente econômico, há a presença de elevada complexidade e incerteza – conceitos inter-relacionados e vinculados às questões da instabilidade estrutural e da imprevisibilidade, produzidas pela própria dinâmica.

Em um mundo complexo e incerto, os agentes não conseguem apreender e processar todas as informações disponíveis. Esta restrição está relacionada a sua capacidade computacional para transformar informação em conhecimento que será usado para interpretar a realidade. Como sugere Simon, os agentes têm racionalidade limitada: “The term ‘bounded rationality’ is used to designate rational choice that takes in account the cognitive limitations of the decision-maker – limitations of both knowledge and computational capacity”12.

O pressuposto de racionalidade limitada implica que os agentes adotam rotinas, regras práticas de decisão, para definir seus procedimentos, uma vez que não se pode obter objetivamente um conjunto de probabilidades para os eventos. Estas rotinas são pautadas em conjecturas, expectativas elaboradas com base na experiência passada, e definem margens para os resultados dentro das quais estes são considerados satisfatórios e, portanto, as rotinas

11 Ver Possas, M. (1987,1999b). 12

Simon (1987, p.15). Dosi e Egidi trataram de forma similar a questão das estratégias e decisões sob incerteza forte, diferenciando a falta de informação da falta de conhecimento e apontando, desta forma, para o cerne da questão cognitiva, que não se resolve com o simples passar do tempo. Ver Dosi e Egidi (1991).

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são mantidas inalteradas. Fora destas margens, as rotinas serão revistas, isto é, existem regras de saída. Faz parte da rotina dos agentes, neste ambiente, a busca por situações flexíveis de forma a permitir a reversão com custo mínimo de uma posição comprometida, o que se reflete, por exemplo, na preferência pela posse de ativos mais líquidos e pela diversificação.

A diversidade dos agentes quanto à experiência passada, percepção e avaliação gera uma multiplicidade de estratégias. A trajetória resultante nos diversos âmbitos (agente, firma, mercado e economia) é conseqüência direta da complexa interação entre suas decisões, o que torna o sistema potencialmente instável. A adoção de rotinas, embora produza uma dinâmica aparentemente estável, não torna a trajetória futura conhecida ou pré-determinada.

Este arcabouço teórico busca explicar o capitalismo a partir de sua dinâmica, e o recorte de seu objeto, portanto, passa a ser feito de forma a descrever sua trajetória ao longo do tempo e não seu estado “representativo”. A noção de equilíbrio – conceito atemporal e estático, que caracteriza situação na qual não existe movimento endógeno no sistema – é tida como dispensável para se estabelecer as relações de causalidade essenciais13. Se, eventualmente, a trajetória passar por um ponto de equilíbrio, este será considerado apenas como um dos pontos possíveis, casual, mas não, em princípio, como uma tendência. Segundo a visão de concorrência schumpeteriana, o capitalismo é caracteristicamente dinâmico, auto-transformador e se encontra em constante desenvolvimento, impulsionado pela concorrência, que, através da inovação, “altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente.”14

1.2 Keynes e Kalecki: Demanda Efetiva, Ciclo e Tendência

Nesta seção, serão apresentados, a partir das teorias de Keynes e Kalecki, o princípio da demanda efetiva, os principais componentes da demanda agregada, consumo e investimento, e a dinâmica de ciclo e tendência gerada com base no mecanismo multiplicador-acelerador. Vale reiterar que a apresentação destas teorias está baseada não só nas obras originais, mas, particularmente, na interpretação proposta por Possas (1987, 1999b) e seguida por Macedo e Silva (1995).

13

Ver Vercelli (1991, cap. 2).

14

(20)

1.2.1 Teoria da produção e o princípio da demanda efetiva

Numa economia mercantil, a produção, pautada na divisão social do trabalho, é voltada para a troca. O objetivo é converter produto em dinheiro - equivalente geral e que tem as propriedades de ser unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. O produtor tem controle sobre as decisões de produção, porém não tem controle sobre a realização das vendas, que depende da demanda por parte dos agentes detentores do poder de compra. “Há então uma assimetria entre demandante e ofertante, que resulta da assimetria entre a riqueza em sua forma geral – dinheiro, poder de compra imediato – e a riqueza em uma de suas inúmeras expressões particulares.”15 Esta digressão é suficiente para tornar claro que, numa economia mercantil, a única decisão autônoma é a de gasto, e esta “primazia” do gasto sobre a renda é precisamente a essência do princípio da demanda efetiva.

Numa economia capitalista, o objetivo da produção não é apenas a troca das mercadorias pelo dinheiro, mas também a realização de um lucro sobre seu valor. E, devido a sua característica mercantil e monetária, a valorização do capital através da atividade produtiva está igualmente subordinada à demanda: serão as decisões de compra que permitirão aos capitalistas realizarem suas vendas e conseqüentemente seus lucros.

Para definir a produção, os agentes formam expectativas de curto prazo sobre a demanda por bens de consumo e investimento, ou seja, sobre as quantidades que poderão vender de suas mercadorias e sobre o preço no mercado. Com base nessas expectativas, é possível construir as curvas de demanda e receita esperadas. A função de oferta representa as combinações de preço e quantidade que seriam suficientes para induzir o capitalista a realizar sua produção, pois cobrem os custos totais da produção e embutem uma taxa de lucro de longo prazo desejada sobre o capital investido16. A função de oferta em termos de receita é representada pela curva de receita desejada. Então, tendo conhecimento das condições de oferta e a partir da expectativa de demanda, o produtor determina seu ponto de operação na interseção entre a curva de receita esperada e a curva de receita desejada17. Este é considerado

15

Macedo e Silva (1995, p.168). Também expresso por Possas, M. (1999a, p.21): “Logo, existe uma assimetria entre dinheiro e mercadoria, e portanto entre o gasto (compra) e a receita (venda), segundo a qual só o gasto, que pressupõe a posse de poder de compra universal – a finalidade de todo o processo de troca -, pode resultar de uma decisão efetivamente

autônoma, na medida em que dispõe livremente desse poder de compra”. Ainda, ver Possas, M. (1987, p.51). 16

A valorização do capital através da atividade produtiva significa realizar a expectativa de rentabilidade que induziu o investimento ao longo de vários períodos de produção, por isso o empresário, buscando evitar a atração de novos concorrentes, não adota uma postura imediatista de maximização de lucro a curto prazo.Ver Keynes (1988, p.33)[1936] e Macedo e Silva (1999, p.99).

17

“Essas funções, numa interpretação livre (baseada em Possas, 1986), são o correspondente microeconômico das curvas de oferta e de demanda agregadas apresentadas por Keynes no capítulo 3 da Teoria Geral.” Macedo e Silva (1999, p.105).

(21)

por Keynes o ponto de demanda efetiva, que determina o nível de produção e emprego na economia. Cabe ressaltar, contudo, que este é apenas o ponto de decisão da produção: a demanda do mercado ainda é esperada.

Ao fim do período de produção, o empresário leva seus produtos ao mercado, confrontando, então, suas expectativas à realidade. O formato da curva de oferta da empresa no mercado é determinado de acordo com sua estratégia de ajuste frente às frustrações de expectativas: variando preço, quantidade ou ambos. Quando há necessidade de ajustes, caracteriza-se uma situação de desequilíbrio irreversível, que só não ocorreria no caso específico em que a demanda do mercado cruzasse a curva de oferta no ponto de operação, confirmando quantidades, preços e lucros esperados e desejados.

Se o mercado no qual o capitalista opera for “fix price”, então o preço será fixado ao nível do preço esperado, a curva de oferta no mercado será horizontal, e o ajuste será feito via variação no estoque de mercadorias. Para tanto, pressupõe-se a existência de estoques, que, em última instância, determinarão o limite do quanto poderá ser vendido ao preço estabelecido. Se o mercado for “flex price puro”, a quantidade vendida pelo capitalista será a quantidade produzida, a curva de oferta de mercado será vertical, e ele ajustará seu preço conforme a demanda. Finalmente, a empresa pode adotar uma estratégia de ajuste tanto via variação no preço como na quantidade, se operar em mercados “flex price”. Neste caso, a curva de oferta será positivamente inclinada. Os diferentes tipos de ajustamento que podem ocorrer no período de mercado não têm efeitos sobre o nível de produção e emprego do período corrente. Sobre o período seguinte, contudo, independentemente do tipo de ajuste que tenha ocorrido, uma frustração negativa deverá afetar as expectativas dos capitalistas em relação à demanda de forma a reduzir o nível de produção e emprego, e uma frustração positiva terá o efeito oposto18.

O ponto de operação determina a quantidade que será produzida e, logo, os custos totais da produção, por exemplo: salários, insumos, despesas de depreciação, impostos e rendas de propriedade (aluguéis, juros e royalties). Partes destes custos representam componentes da renda efetivamente apropriada por alguns agentes econômicos, como assalariados, proprietários de edifícios alugados e credores. Porém, o lucro efetivo do capitalista só é determinado com a realização das vendas no período de mercado. Esta análise

18

“Os resultados efetivamente realizados da fabricação e da venda da produção só terão influência sobre o emprego à medida que contribuam para modificar as expectativas subseqüentes.”. Keynes (1988, p.47)[1936].

(22)

geral do processo de produção e vendas ilustra o princípio da demanda efetiva, enunciado acima, segundo o qual será a demanda, em última instância, que determinará os lucros e a renda da economia, confirmando ou não as expectativas dos agentes.

Kalecki, contemporâneo a Keynes, também enunciou o princípio da demanda efetiva, porém, a partir da equação da renda, igual à soma dos salários e lucros e determinada pelos gastos em investimento e em consumo dos capitalistas e trabalhadores (no caso de uma economia fechada e sem governo). Sua justificativa para o sentido de causalidade pautava-se no fato de que se pode decidir o quanto gastar, mas não o quanto receber19.

1.2.1.1 Expectativas de curto prazo

As expectativas de curto prazo dizem respeito às decisões de produção: ao preço e à quantidade aos quais o capitalista espera conseguir vender seus produtos no período de mercado (futuro relativamente próximo). O capitalista desconhece o comportamento de seus concorrentes e dos demandantes, não podendo, portanto, saber qual será a receita que obterá de suas vendas. Estas expectativas, no entanto, podem ser rapidamente revistas em função dos resultados realizados e, desta forma, em circunstâncias que se mantêm substancialmente invariáveis entre períodos de produção, são guiadas pelo comportamento projetivo convencional, tendendo a estar aproximadamente corretas. Apesar de o estado de confiança relativo a estas expectativas ser “relativamente robusto”20, não se pode inferir que haja equilíbrio, pois, devido à presença de incerteza, acontecerão, em geral, erros de previsão, mesmo que normalmente pequenos21.

Neste contexto, a suposição de Keynes de que os capitalistas acertam suas expectativas de curto prazo sobre a demanda parece uma simplificação razoável, utilizada para demonstrar que pode haver equilíbrio abaixo do pleno emprego por falta de demanda e não por erros de expectativas. A diferença, neste caso, é que a incerteza é abstraída. A ausência de incerteza, contudo, não confere ao produtor nenhum grau de liberdade em relação à demanda: se a demanda variar, o produtor terá que alterar seu ponto de operação, e conseqüentemente o nível de emprego da economia, em acordo com a variação da demanda para continuar

19

Kalecki afirma: “Ora, é claro que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais num dado período que no procedente, mas não podem decidir ganhar mais. Portanto, são suas decisões quanto a investimento e consumo que determinam os lucros e não vice-versa”. Kalecki (1983, p.36)[1954].

20

Ver Macedo e Silva (1999, p. 277).

21

“Entrepreneurs have to endeavour to forecast demand. They do not, as a rule, make wildly wrong forecasts of the

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maximizando seus lucros (sujeito à restrição de maximização de longo prazo). O fato de conhecer aproximadamente a demanda não permite ao produtor decidir o quanto irá vender, permite apenas que ele evite incorrer em sérios erros de previsão. O princípio da demanda efetiva continua válido – os gastos continuam determinando a renda22.

1.2.2 Componentes da demanda agregada

Como foi visto, em acordo com o princípio da demanda efetiva, os capitalistas tomam suas decisões de produção e emprego, a cada período, com base nos custos, nas expectativas de curto prazo sobre a demanda e de longo prazo sobre a valorização do capital; mas são os gastos efetivos dos agentes econômicos em consumo e investimento, correspondendo ou não a estas expectativas, que definem o nível de lucro e renda da economia. Vejamos agora, então, como se determinam esses componentes essenciais da demanda efetiva23.

1.2.2.1 Investimento - Teoria da aplicação de capital de Keynes

De acordo com a teoria geral da aplicação de capital proposta por Keynes, da qual o investimento em capacidade produtiva é um caso particular24, os capitalistas buscam compor seu portfólio, em termos de ativos e passivos, seguindo a lógica de “preservação e ampliação do estoque particular de riqueza”25 ao longo do tempo. Como a aplicação de capital envolve a comparação entre vários ativos que serão valorizados no horizonte de longo prazo e em condições de concorrência, os capitalistas tomam suas decisões sob incerteza, com base em suas expectativas subjetivas sobre o retorno futuro dos diferentes ativos.

O retorno esperado de cada ativo pode ser determinado segundo sua capacidade de prover certo fluxo monetário de receita, seu custo de manutenção em carteira e sua liquidez26. O fluxo monetário, chamado de “quase-renda”, pode ser decorrente de lucros, juros, dividendos, aluguéis, ou ganhos de capital, a depender do ativo em questão. Os custos de manutenção estão associados ao custo de estoque e administração, à necessidade de proteger

22 “For the theory of effective demand is substantially the same if we assume that short-period expectations are always fulfilled”. Keynes (1973, p.181)[1937].

23

Cabe notar que a separação entre consumo e investimento de Keynes é uma separação convencional. Segundo Possas e Baltar: “(O) que é específico do investimento e o distingue qualitativamente dos outros itens de gasto não é sua maior autonomia, mas o fato de, ao realizar-se, criar nova capacidade produtiva, ao invés de apenas ocupar a capacidade existente.” Possas e Baltar (1981, p.128).

24

Ver Keynes (1988, p.64-65)[1936]. Convém notar, contudo, a importante diferença existente entre o investimento produtivo e a “aplicação financeira”. Enquanto o primeiro, em termos gerais, cria capacidade produtiva e estimula a demanda e a produção, o segundo representa apenas uma transferência de riqueza, sem geração de renda.

25

Macedo e Silva (1999, p.45).

(24)

os ativos dos vários tipos de depreciação, aos custos de seguros e aos custos de transação (como sugere Minsky, também incluem os custos financeiros de manutenção do ativo em carteira). Quanto à liquidez, esta será determinada em função da possibilidade de realização do ativo “com maior certeza a curto prazo sem perdas”27, isto é, está relacionada à flexibilidade por ele conferida à reestruturação do portfólio em ambiente de incerteza.

Keynes especifica quatro motivos pelos quais os agentes podem desejar reter ativos líquidos em seu patrimônio. O motivo-transação resulta da necessidade dos agentes de disporem de meios para realizar seus gastos correntes de aquisição de bens e serviços. O motivo-precaução se refere à incerteza quanto a prazo, montante e natureza das despesas que deverão ser realizadas, e sua influência depende do grau de confiança que os agentes têm em suas expectativas. O motivo-especulação diz respeito às possibilidades alternativas de aplicação de capital sem data especificada, ou seja, a gastos que o agente decide realizar desde que certas expectativas se cumpram. E o motivo-financiamento está relacionado aos gastos planejados e que envolvem elevados volumes de recursos, como os investimentos28.

Assim, a preferência pela liquidez, isto é, o quanto cada agente valoriza a posse de ativos líquidos, será influenciada pelo nível de renda, pelo grau de incerteza e pela taxa de juros corrente29. O prêmio de liquidez atribuído ao ativo será tanto maior quanto maiores forem a flexibilidade conferida pelo ativo e a preferência pela liquidez do agente30. A quase-renda e os custos de manutenção são fluxos monetários, enquanto o prêmio de liquidez é “um fluxo implícito que não se materializa numa receita monetária, mas ao qual pode ser imputado um valor em moeda”31, atribuído pelo agente em função da segurança que o ativo lhe rende. Uma observação especial deve ser feita neste ponto a respeito do dinheiro. Considerando-o como um ativo ideal que cumpre as funções de numerário, meio de pagamento e reserva de valor32, e que, por conseguinte, é o mais líquido ativo da economia, segue que o dinheiro tem

27

Keynes apud Macedo e Silva (1999, p.238). Keynes chama atenção para o fato de que a liquidez não é intrínseca a um bem: é uma característica institucional que depende da criação deliberada de mercados secundários organizados, permanentes, com elevado grau de substituibilidade entre os ativos e grande número de compradores. Keynes (1988, p. 67 e 122)[1936].

28 Os três primeiros motivos citados podem ser encontrados em Keynes (1988, p.122)[1936]. O motivo financiamento foi

apresentado no artigo “Teorias Alternativas da Taxa de Juros” Literatura Econômica, 9(2), (1987b, p.152)[1937]: “O investimento planejado – isto é, o investimento ex-ante – pode precisar garantir sua ‘provisão financeira’ antes que ocorra o investimento, quer dizer, antes que a poupança correspondente se processe.”

29

Digressões sobre a preferência pela liquidez podem ser encontradas em Keynes (1988, p.120)[1936].

30

O problema da diferença na duração da vida útil dos ativos para comparação entre suas rentabilidades é resolvido por Keynes supondo uma análise para um único horizonte de tempo e incorporando o comprometimento com ativos de diferentes durações no prêmio de liquidez.

31

Macedo e Silva (1999, p. 243).

32

As funções da moeda estão atreladas a algumas características institucionais contexto-específicas, como a presença de contratos que a utilizem como numerário, a presença de instrumentos que a tornem meio legal de pagamento das obrigações e

(25)

prêmio de liquidez máximo e quase-renda e custo de manutenção nulos. A taxa de liquidez refletirá a importância atribuída pelo agente à posse de dinheiro e é medida pela razão entre seu prêmio de liquidez e o valor em moeda a que este se refere.

Os agentes definirão subjetivamente o preço de demanda para cada ativo com base na expectativa de retorno ao longo de sua vida útil, descontada pela taxa de retorno de uma aplicação alternativa. Após ter selecionado um conjunto de ativos para serem analisados, o capitalista avalia as diversas opções comparando os preços de demanda estabelecidos com os preços de mercado. Esta mesma avaliação sobre as possíveis aplicações pode ser feita a partir da comparação entre as eficiências marginais dos diferentes ativos, ou seja, as taxas de desconto que tornam o retorno esperado de cada ativo ao longo de sua existência igual ao preço de mercado.

No caso em que a taxa de liquidez é utilizada como taxa de desconto para o cálculo do preço de demanda, então este preço representa o valor da aplicação em dinheiro que possibilitaria rendimentos equivalentes aos prometidos pelo ativo. Por isso, se o preço de demanda é maior do que o preço de mercado, o rendimento esperado do ativo é maior do que o rendimento resultante da posse de moeda. No caso da comparação com a eficiência marginal do capital, a taxa de liquidez estabelece o retorno mínimo que os agentes desejam receber para abrir mão de seu dinheiro, abaixo do qual o agente preferirá reter moeda. Em resumo, haverá vantagens em dispor do dinheiro para adquirir o ativo avaliado se seu preço de demanda for maior do que seu preço de mercado ou, igualmente, se sua eficiência marginal for maior do que a taxa de liquidez. Contudo, uma vez que a decisão de aplicação pressupõe a comparação entre a rentabilidade de diversos ativos, estas são condições necessárias, mas não suficientes.

Como já comentado, a rentabilidade efetiva das aplicações depende de eventos futuros incertos e arriscados. O grau de confiança nas previsões de retorno, que exprime inversamente o grau de incerteza, varia em função de uma série de fatores, como o período de realização do ativo e a natureza dos mercados e dos fluxos monetários envolvidos. Por outro lado, o risco atribuído ao ativo, relacionado ao “ônus decorrente de uma eventual frustração das expectativas”33, é influenciado por fatores tais como o peso relativo do ativo no portfólio e a

a ausência de inflação que corrompa sua função de reserva de valor. Quanto aos contratos, estes são realizados, em uma economia atomizada, numa tentativa de se coordenar as atividades produtivas, buscando diminuir a incerteza e o risco envolvidos na decisão de produção.

33

(26)

forma de financiamento da aplicação34. Portanto, o agente desconta o valor dos retornos futuros do ativo também pelas taxas de risco e incerteza que lhe atribui, reduzindo seu preço de demanda e sua eficiência marginal. Para compor seu portfólio, o agente seleciona um conjunto de ativos cuja rentabilidade acha conveniente avaliar em função de questões como o volume mínimo de aplicação requerido, as informações disponíveis, o custo de informações adicionais, os mercados envolvidos e o período de realização, e então calcula seus preços de demanda ou suas eficiências marginais.

Porém, devido ao princípio da rentabilidade esperada decrescente, o agente não aplicará todo seu capital no ativo com maior eficiência marginal ou maior relação entre preço de demanda e preço de mercado. Este princípio se deve principalmente à limitação imposta pelo mercado ao crescimento da oferta e à falta de diversificação. No que diz respeito aos ativos produtivos, o agente deverá esperar uma liquidez menor de unidades adicionais e quase-rendas decrescentes em função do aumento de capacidade ociosa que surge quando a capacidade produtiva cresce a taxas superiores às da demanda. No caso dos ativos financeiros, que têm mercado secundário associado a juros e apreciação esperada, a posse de uma quantidade excessiva em relação ao mercado conforma para o agente uma situação de baixa liquidez, já que pode impor a ele a necessidade de venda paulatina para evitar grandes perdas. Ainda, o peso crescente de um ativo na carteira, como visto, implica taxa de risco e incerteza elevada (elevação esta acentuada se houver o emprego de recursos externos à unidade)35. A relação entre a quantidade e a eficiência marginal do ativo em posse do agente é retratada pela escala de eficiência marginal.

34

A contribuição e ênfase de Minsky estão na importância de se considerar os passivos que são criados em contrapartida aos ativos por influenciarem e restringirem as escolhas dos agentes, incluindo a questão do custo do financiamento e do risco crescente (tratada também por Kalecki). Em seu trabalho, Minsky redefine as variáveis que caracterizam os ativos, apresentadas originalmente por Keynes no capítulo 17 da “Teoria Geral”, mudando o centro da análise dos ativos individuais para o balanço: “Thus each firm has a balance sheet, a collection of assets and liabilities, which yields a cash flow, q, from

operations and contract fulfillment and which entails a cash flow, c, owing to the liabilities the firm has outstanding. There is a subset of assets in the balance sheet which have a good secondary market, so that the firm can expect to dispose of them at a fairly firm price. Furthermore, these assets can be disposed of without seriously affecting the q from plant and equipment. An operating firm therefore has to speculate on q-c, and on the assets to be owned which are valued for their disposal properties, i.e., assets which yield implicit returns in the form of l. A firm can acquire additional assets, which yield q, by increasing its liabilities, thus raising c, and by decreasing its liquid assets, thus lowering l. It can also increase its l by increasing its c; firms and households often have debts and own liquid assets” Minsky (1975, p. 88).

35

Cabe ressaltar que os rendimentos dos ativos não são decrescentes por produtividade marginal física decrescente, mas por expectativa de escassez relativa decrescente no mercado e por elevação da taxa de risco e incerteza. Essa afirmação é confirmada por Keynes: “À medida que o capital se torna menos escasso o excedente de rendimento diminuirá sem que ele se torne por isso menos produtivo – pelo menos no sentido físico”. Keynes (1988, p.148)[1936]. Ou, nas palavras de Kalecki: “(...) poderemos supor que no início desse período as firmas tenham elevado seus planos de investimento a um ponto tal em que deixam de ser lucrativas, quer por motivos das limitações do mercado para os produtos da firma, quer devido ao risco crescente e à limitação do mercado de capitais”. Kalecki (1983, p.79)[1954].

(27)

“Se todas as aplicações existentes estivessem igualmente sujeitas ao princípio da rentabilidade esperada decrescente, o piso da eficiência marginal do capital, para cada agente, tenderia a zero (desde que o agente dispusesse de uma quantidade de capital suficientemente grande)”36. O dinheiro, no entanto, não está sujeito a esse princípio, pois “possui um prêmio de liquidez que, além de ser elevado comparativamente a seu custo de manutenção, independe, por sua natureza (elasticidades de produção e substituição nulas), da quantidade possuída pelo agente”37. Numa primeira aproximação, pode-se dizer, então, que, para cada agente, a quantidade de cada um dos ativos mantidos em carteira será determinada de tal forma que as eficiências marginais dos ativos se igualem entre si e à sua taxa de liquidez, piso da eficiência marginal do capital38.

Numa proposição mais geral, as eficiências marginais dos ativos de cada agente se igualam entre si e à taxa de juros da economia39. Para Keynes, a taxa de juros seria a recompensa pela renúncia à liquidez, determinada pela oferta monetária, definida por parte das autoridades responsáveis, e pela preferência pela liquidez dos agentes, que estabelece a quantidade de moeda que as pessoas desejam reter em função de motivos tais como precaução, especulação e transação40. Nesse contexto, é importante notar que a interdependência entre os ativos, expressa na comparação entre os rendimentos esperados e os preços, torna-os, até certo ponto, substituíveis; portanto, a preferência pela liquidez não coincide com a demanda por moeda, que pode ser atendida por outros ativos líquidos. Assim, dadas a oferta de moeda, as preferências pela liquidez e as expectativas de retorno, os agentes compõem seus portfólios desejados e detonam processos de ajuste nos preços de oferta e demanda dos diferentes ativos e de reavaliação dos portfólios, numa espécie de tatônnement, que prossegue até que as eficiências marginais se igualam entre si e à taxa de juros41.

36 Macedo e Silva (1999, p. 264). 37 Macedo e Silva (1999, p. 264). 38

“A única razão, pois, pela qual um bem permite uma expectativa de render, durante sua existência, serviços com um valor agregado superior ao seu preço de oferta inicial deve-se ao fato de que é escasso; e continua sendo escasso pela concorrência da taxa de juros do dinheiro”. Keynes (1988, p.148)[1936].

39

“A conclusão importante é que o fluxo de investimento se estende até que a eficiência marginal do capital caia ao nível da taxa de juros (...)”. Keynes (1988, p.130)[1936].

40

“Desse modo, sendo a taxa de juros, a qualquer momento, a recompensa da renúncia à liquidez, é uma medida de relutância dos que possuem dinheiro alienar o seu direito de dispor do mesmo. A taxa de juros não é o ‘preço’ que equilibra a demanda de recursos para investir e a propensão de abster-se do consumo imediato. É o ‘preço’ mediante o qual o desejo de manter a riqueza em forma líquida se concilia com a quantidade de moeda disponível.”. Keynes (1988, p.120)[1936].

41

“A demanda total de liquidez, frente a uma ‘dada’ disponibilidade (estoque) de dinheiro, determina a ‘taxa de juros’ através do ajuste simultâneo dos preços e quantidades dos diferentes ativos, financeiros e produtivos, que cada investidor pretende manter em sua carteira de aplicações de capital.”. Possas, M. (1987, p.139-140).

(28)

É o fato de a moeda ser um ativo concorrente com os demais que faz com que a demanda possa não ser suficiente para justificar o pleno emprego. A riqueza da economia pode estar na forma de ativos reprodutíveis, que geram empregos, e irreprodutíveis, que não geram empregos. A moeda é o ativo irreprodutível mais importante, enquanto os bens de capital são os principais ativos reprodutíveis. Quão maior a participação dos ativos irreprodutíveis na composição geral do portfólio dos agentes, para um dado nível de renda, menor será a demanda e o nível de emprego na economia. Conclui-se que “o estímulo à produção depende do aumento da eficiência marginal de certo volume de capital relativamente à taxa de juros”42.

1

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De acordo com a teoria de Keynes apresentada, as decisões de portfólio serão tomadas pelos capitalistas com base em suas expectativas subjetivas de longo prazo sobre o retorno futuro dos diferentes ativos considerados. Como coloca Keynes: “(o) fator das expectativas correntes a longo prazo não pode, sequer aproximadamente, ser eliminado ou substituído pelos resultados realizados”, pois se refere a um período de tempo no qual as mudanças se tornam imprevisíveis – no longo prazo, as mudanças de curto termo se acumulam e aumenta a possibilidade de rupturas mais significativas43. Ainda assim, é natural, num contexto de relativa estabilidade, quando se acredita que a situação existente não deverá mudar repentinamente nem de maneira radical, que os agentes formulem suas expectativas de longo prazo seguindo padrão convencional44, com caráter projetivo e em acordo com a média do mercado45. “A adoção de comportamentos de tipo projetivo impõe certa regularidade às variáveis econômicas, uma vez que os resultados recentes passam a condicionar fortemente as expectativas e as decisões – e, por conseguinte, essas decisões tendem a produzir resultados semelhantes”46. Tal regularidade e o próprio desenvolvimento das bolsas de valores, que permite converter ativos produtivos em ativos financeiros de maior liquidez, tornam as

42 Keynes (1988, p.105)[1936]. 43 Keynes (1988, p. 49)[1936]. 44

É importante notar que o padrão convencional de formação das expectativas não significa que haja consenso.

45

“É, portanto, razoável que nos deixemos guiar, em grande parte, pelos fatos que merecem nossa confiança, mesmo se sua relevância for menos decisiva para os resultados esperados do que outros fatos a respeito dos quais o nosso conhecimento é vago e limitado. Por essa razão, os fatos atuais desempenham um papel que, em certo sentido, podemos julgar desproporcional na formação de nossas expectativas a longo prazo sendo que o nosso método habitual consiste em considerar a situação atual e depois projetá-la no futuro, modificando-a apenas à medida que tenhamos razões mais ou menos definidas para esperarmos uma mudança”. Keynes (1988, p.108-9)[1936]. Ver também Keynes (1978b, p.171-2)[1937].

46

(29)

decisões, quando podem ser revistas entre períodos de investimento, relativamente seguras para os capitalistas.

Assim, os agentes buscam construir suas expectativas de longo prazo sobre as conjecturas mais prováveis e sobre as quais tenham maior confiança. Porém, o estado de confiança tende a ser extremamente inconsistente, devido à complexidade dos fatores que determinarão a rentabilidade do ativo durante seu período de realização (relacionados principalmente aos custos, à demanda e à concorrência)47. A presença de incerteza torna frágil a “teoria prática do futuro” – não é possível determinar as conseqüências futuras das decisões tomadas no presente, nem mesmo probabilisticamente. Por conseguinte, nem sempre as expectativas de longo prazo são formuladas com base nos resultados recentes e na opinião média do mercado48. Esta instabilidade, no entanto, é apenas potencial, pois na maioria das vezes as expectativas tendem a permanecer relativamente estáveis.

A frustração de expectativas, positiva ou negativa, é recorrente quando se trata do longo prazo: os resultados, em geral, diferem dos resultados esperados. É neste sentido que Keynes evoca a noção de animal spirits dos capitalistas, segundo a qual a decisão de investir depende de um impulso subjetivo, pois, se dependesse de fatores puramente objetivos, não seria tomada49.

1.2.2.2 Consumo e o Multiplicador do Investimento

O segundo componente mais importante da demanda agregada na economia é o consumo. Para Keynes, seria possível estabelecer uma relação estável entre os gastos dos agentes em consumo e sua renda. De acordo com uma lei psicológica fundamental apontada pelo autor, as elevações da renda não seriam acompanhadas de elevações equivalentes dos

47

Cabe ressaltar que as expectativas de longo prazo aqui referidas são aquelas formuladas a respeito de um investimento produtivo. Quanto às expectativas dos “investidores profissionais e especuladores”, como denomina Keynes, que estão preocupados apenas com a composição dos ativos financeiros de seus portfólios, estas são formuladas de maneira diferente, buscando “prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em geral”. Keynes (1988, p.112)[1936]. A presença destes agentes na bolsa de valores, como destaca Keynes, ao mesmo tempo que pode conferir certa instabilidade ao mercado, tem importante papel de estímulo ao investimento produtivo, pois, como já foi destacado, aumenta sua liquidez.

48

“Past experience in the case of investment do not safely indicate the direction of the future” Carvalho (1988, p.198). “Em períodos anormais em particular, quando a hipótese de uma continuação indefinida do estado atual dos negócios é menos plausível do que usualmente, mesmo que não existam motivos concretos para prever determinada mudança, o mercado estará sujeito a ondas de sentimentos otimistas ou pessimistas, que são pouco razoáveis e ainda assim legítimos na ausência de uma base sólida para cálculos satisfatórios”. Keynes (1988, p.112)[1936].

49

“Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte, nem de sentir a satisfação (excluindo-se o lucro) de construir uma fábrica, uma estrada de ferro, de explorar uma mina ou uma fazenda, provavelmente não haveria muitos investimentos como mero resultado de cálculos frios”. Keynes (1988, p.110)[1936].

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gastos em consumo50; e a propensão marginal a consumir dos indivíduos seria tão mais baixa quão mais elevado fosse seu nível de renda, pois, uma vez satisfeitas as necessidades básicas e estabelecido um padrão de vida, os indivíduos tenderiam a adequar suas despesas em consumo às variações na renda apenas parcialmente.

Keynes não está sugerindo, entretanto, que os agentes consomem parte de sua renda corrente. Para Keynes, cada indivíduo, período após período, decide como alocar seu estoque de riqueza, que pode ser aplicado ou consumido. O consumo é, portanto, efetivado através do gasto de poder de compra e não de renda do período presente. Todavia, em condições de estabilidade macroeconômica, quando as expectativas dos agentes quanto ao seu emprego, ao seu salário e à trajetória dos preços dos ativos tendem a se manter estáveis, estes costumam adotar comportamentos de rotina para tomar suas decisões entre aplicação e consumo a partir de acréscimos de riqueza gerados pela renda dos últimos períodos. É desta relação estável entre a renda e o consumo, num contexto no qual a renda não sofre alterações abruptas, que segue a simplificação de Keynes de que o consumo é igual a uma fração da renda corrente. O princípio da demanda efetiva, contudo, continua válido: não é a renda que está determinando o consumo; a propensão marginal a consumir multiplicada pela renda corrente serve apenas como uma aproximação para o valor do consumo no período.

Porém, devido ao fato de a propensão marginal a consumir ser menor do que a unidade, apenas o consumo isolado não seria suficiente para justificar a produção – existiria um gap entre o nível de produção e o dispêndio dos consumidores. O investimento, neste sentido, cumpre importante papel por ser um gasto autônomo em relação à renda corrente e adicional aos gastos em consumo, que permite justificar a produção51. Para Keynes, o investimento seria a principal fonte de impulso da economia, e o consumo, seu principal mecanismo de propagação. O investimento gera renda e a renda estimula o consumo, que, por sua vez, gera nova renda e consumo. Assim, quão maior a propensão a consumir dos agentes, maior o efeito do investimento sobre o nível de renda da economia via efeito multiplicador52.

50

“Mas, no geral, a lei psicológica predominante parece ser que, quando aumenta a renda agregada, a despesa do consumo também aumentará, mas em menor grau”. Keynes (1978b, p.176)[1937].

51

O investimento, no entanto, por gerar capacidade produtiva, só será realizado se houver expectativas de aumentos futuros dos gastos em consumo. “Cada vez que garantimos o equilíbrio de hoje aumentando o investimento, estamos agravando a dificuldade de assegurar o equilíbrio de amanhã”. Keynes (1988, p. 82-3)[1936].

52

“(...) é pelo princípio geral do multiplicador que se deve explicar como as flutuações no montante do investimento, comparativamente pequenas em proporção à renda nacional, podem gerar alterações no emprego e na renda agregada de amplitude muito maior que elas próprias”. Keynes (1988, p.92)[1936].

Referências

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