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A GÊNESE, A PSICOGÊNESE E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE CAMPO: SUBSÍDIOS PARA A CONS- TRUÇÃO DO ENSINO DESSE CONCEITO *

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A GÊNESE , A PSICOGÊNESE E A APRENDIZAGEM DO

CONCEITO DE CAMPO: SUBSÍDIOS PARA A CON

S-TRUÇÃO DO ENSINO DE SSE CONCE ITO

*

R. Nardi

Departamento de Física – UEL Londrina – PR

A. M. P. Carvalho FEUSP

São Paulo – SP

I. Introdução

Neste artigo procuramos resumir parte das atividades desenvolvidas num es-tudo psicogenético realizado sobre as idéias que evoluem para o conceito de campo e apresentar algumas constatações decorrentes da análise dos dados obtidos. A possibilida-de possibilida-deste estudo fornecer subsídios para a construção do ensino do conceito a nível possibilida-de 2º grau nos leva a uma reflexão em torno de dois aspectos inseridos nesta pesquisa: um deles é a opção por um estudo psicogenético – pois isto implica em admitir a aprendizagem como um processo de construção de conhecimentos, ou seja, numa linha construtivista; o outro é a inclusão neste estudo de referências históricas sobre as idéias que evoluíram para o conceito – encarando-as como elos de um processo de construção de conhecimen-tos. Por tanto, além de apresentar um resumo do estudo desenvolvido, analisaremos tam-bém aqui algumas idéias sobre as aplicações ou implicações destes aspectos para o pro-cesso ensino-aprendizagem.

II. Referências históricas sobre as idéias que evoluíram para o conceito de

campo

Berkson (1974) é de opinião de que as teorias de campo, hoje, não são mais do que uma solução moderna para responder a uma questão que já preocupava os gregos

* Auxílio CAPES/PICD/FUEL.

(2)

na Antigüidade: como um corpo age sobre o outro? De fato, Tales é considerado1como o primeiro filósofo a tentar explicar o assunto ao discorrer sobre a eletricidade e o magne-tismo, pois sabia que o âmbar, ao ser atritado, tinha a propriedade de atrair corpos leves e que o ímã atraía o ferro. Como os filósofos da época, Tales atribuía essas forças de atra-ção a espíritos inteligentes e divinos. Plantão, por exemplo, explicava a atraatra-ção que o âmbar atritado exercia sobre os corpos leves como uma espécie de aspiração semelhante à produzida por um organismo vivo2. Os poemas de Lucrécio falam sobre a imantação do ferro explicando-a através de redemoinhos que saem do interior do ímã e depois retornam a ele. Esta idéia é semelhante às emitidas por Demócrito, Epícuro e também por Plutar-co3. Segundo Schurmann (1937), embora Lucrécio pareça ter sido um dos primeiros a observar a repulsão dos ímãs, Plutarco afirma em seu livro “Quaestiones Platonicae” que os egípcios já falavam em atração e repulsão usando os termos “horo” e “tifon” que, para eles, eram símbolos da união e separação. As propriedades do âmbar eram por ele assim explicadas: o atrito abre seus poros produzindo assim correntes de ar responsáveis pela atração de corpos leves. Sobre a ação do ímã (magnetita) ele afirma que este emite fortes exalações que impelem o ar ao redor, tornando o ar contíguo denso, formando assim círculos de ar que retornam à fonte. Neste retorno, o ar traz consigo o material atraído. Aristóteles em seu “De Anima” afirma que Tales atribuía uma alma aos corpos que pro-duziam movimento, como no caso da magnetita ao conseguir atrair o ferro4. A outros filósofos, como Anaxágoras, eram atribuídas idéias semelhantes.

Podemos observar que estas idéias sobre a atração entre corpos (segundo a visão de mundo da época) têm em comum uma explicação do tipo animista, confundindo a natureza biológica e a teológica com o que hoje se considera natureza física.

Idéias assim, embora bastante identificadas com a Idade Antiga, prevalece-ram por séculos. Porta5, por exemplo, em fins do século XVI, ao explicar a ação da

1

Segundo Schurmann, (1937), p. 14 e Cajori (1938), p. 10. 2

Segundo Schurmann, op. cit., p. 32. 3

Ibid. p. 59. 4

Conforme nota de rodapé em Jammer, M. (1957, p. 24), que diz: “Aristóteles e Hippias dizem que Tales atribuía almas também às coisas sem vida, formando suas conjecturas da natureza do ímã e do âmbar”. Diogenes Laertius, De Clarorum Philosophorum vitis, dogmatibus et apophthegmatibus libri decem, Graece et Latine, ed. C. G. Cobet (Firmin – Didot, Paris, 1878), Livro I , cap. 24. 5

PORTA, J. B. Natural Magick, 1658, Book VII, Chap. II. Citado em “De Magnete”, Gilbert, 1600, Dover Publication Inc. New York, 1892, p. 102.

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netita sobre o ferro, fala em luta de um para vencer o outro e Gilbert (1600) fala em seus famosos “effluvia”.

Embora idéias deste tipo tenham prevalecido por muito tempo, duas delas, da Idade Média, merecem destaque: uma delas é descrita por Al Khazini em sua obra princi-pal intitulada “Livro da Balança da Sabedoria”6 que, segundo Schurmann (op. cit.), já mostrava uma precursão da teoria da ação à distância ao afirmar que os corpos eram atra-ídos para o centro do universo, a Terra, e a perda de seus pesos ao afastarem-se da Terra era proporcional à distância. Outra idéia atribuída a Roger Bacon7, segundo Jammer (1957), considerava a transmissão de forças ou energia entre os corpos análoga a uma onda. Estes dois modelos, embora ainda na Idade Média, parecem utilizar explicações que iriam ser embriões de teorias mais recentes, isto é, do século XVII para frente.

As idéias de Gilbert (op. cit.), traduzidas em seu “De Magnete”, parecem constituir-se já no início das teorias baseadas na experimentação. Ao basear-se em justifi-cativas experimentais (utilizando recursos experimentais que estavam ao seu alcance na época), Gilbert propõe que a Terra funcionava como um ímã gigante, o centro do qual corresponderia ao centro das forças magnéticas, forças estas que se espalhavam em todas as direções ao seu redor, formando a chamada, “orbis virtutis”, sugerindo assim um campo magnético no lugar do hoje chamado campo gravitacional.

Interessante também é a analogia que Gilbert faz entre a propagação da força magnética e a propagação da luz. Várias outras idéias propostas por Gilbert pode ser extraídas do “De Magnete”.

Por exemplo, ao discorrer sobre a causa da atração entre corpos, Gilbert (1600) opõe-se a Fracastório, que acreditava que os corpos se atraem mutuamente por propriedades de semelhança (simpatia) ou por pertencerem à mesma espécie8. Gilbert afirma que a semelhança não é a causa da atração porque todos os corpos da Terra são

6

Escrito em 1137. Segundo Cajori (1938, p. 23), alguns extratos estão traduzidos no Journal of American Oriental Society, VI. p. 1-128; e em F. Rosemberger, Geschichte der Physik, Parte I, p. 81-86, Leipzig, 1882.

7

BACON, R. The Opus Maius. trad. R. B. Burk. University of Pennsylvania, 1928. 8

A seguinte afirmação de Fracastoro fornece-nos suas idéias sobre as relações de simpatia e antipa-tia: “Quando duas partes de um mesmo todo são separadas uma da outra, cada uma envia na dire-ção da outra uma emanadire-ção de sua forma substancial, uma espécie propagada no espaço interveni-ente; pelo contato dessa espécie cada uma das partes tende na direção da outra a fim de ser unida em um todo simples; esta é a maneira de explicar a atração mútua do igual para o igual, a simpatia do ferro pelo ímã sendo um exemplo típico”. (FRACASTORO, G. De sympathia et antipathia

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atraídos pelo âmbar, quer sejam similares ou não, e, ademais, não existe atração a não ser as de origens elétrica e magnética.

As idéias após Gilbert, isto é, as idéias de Copérnico, Galileu, Kepler e ou-tros, embora distintas umas das outras, culminaram com a teoria da ação à distância de Newton, expressa em seu “Principia Mathematica” de 1686 (1a edição), um marco impor-tante na Ciência. Conforme Piaget e Garcia, “os historiadores da ciência estão longe de estar de acordo a propósito do papel exato de cada um dos protagonistas desta revolu-ção científica” mas consideram que “antes desta data, Galileu, Descartes e Huyghens foram os protagonistas de um processo de que Newton constituiu o ponto mais alto (pro-cesso sem o qual Newton seria dificilmente compreensível)”. (PIAGET; GARCIA, 1983, p. 176)

O modelo newtoniano, portanto, de ação à distância e atração e repulsão en-tre corpos variando com o inverso do quadrado da distância enen-tre eles, constitui-se num marco importante dentro do processo histórico, pois, a partir daí (e mesmo um pouco antes), a formalização dominou de tal forma as teorias, destacando-as sobremaneira da fase pré-newtoniana. Embora haja toda uma discussão em torno das idéias newtonianas, chegando-se até a considerá-las sob uma visão de campo físico9, o modelo newtoniano de ação à distância, e toda a visão mecanicista, foi sendo aos poucos questionado principal-mente pelas teorias elétricas que começaram a surgir e que não podiam ser explicadas dentro daquele modelo.

Algumas idéias, entretanto, tentaram subordinar a eletricidade ao modelo newtoniano como as de Priestley e Coulomb. O primeiro, considerado por Schurmann

9

Stein, por exemplo, em seu artigo “On the notion of field in Newton, Maxwell and beyond”, considera o campo gravitacional como o primeiro campo físico a constituir-se numa teoria coeren-te, embora concorde não ser usual associar o nome de Newton à teoria de campo.

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(op. cit.) como precursor de Coulomb, e este por formalizar a teoria da ação à distância para cargas elétricas e mesmo para os efeitos magnéticos.

Oersted, entretanto, parece ter sido o ponto chave na história ao propor o seu modelo do “conflito de eletricidade”, onde supôs uma ação circular da força magnética em torno de um fio condutor de eletricidade, surgindo assim a ligação entre a eletricidade e o magnetismo, fundamentada na idéia da conversão de forças umas nas outras, como também propuseram anteriormente Kant e outros.

Chegamos assim ao início da teoria de campo de Faraday, cujo modelo con-seguia satisfatoriamente explicar todos os fenômenos até então descobertos.

As descobertas de Faraday sobre as rotações eletromagnéticas e a indução e-letromagnética construíram-se numa base para se chegar à teoria de campo. Faraday ainda chegou a sua lei de eletrólise, à dieletricidade, à rotação magnética da luz e ao diamagne-tismo. Um ponto importante dentro das teorias de Faraday foi a introdução, segundo Berkson (op. cit. ), da idéia de “linhas de força”. Faraday definiu as linhas de força como aquelas cuja tangente está sempre na direção da força magnética naquele ponto, ou seja, a direção que uma agulha magnetizada teria naquele ponto. Para se avaliar a intensidade da força magnética numa certa região do espaço em termos qualitativos verificamos a densi-dade das linhas de força traçadas nesta região. Embora assim definindo as linhas de força, Faraday não as caracterizou fisicamente, isto é, admitiu que estas poderiam ser tanto um fluxo de éter como “linhas de ação à distância” ou “linhas de vibração”.

Segundo Berkson, o experimento descrito em “Pesquisas Experimentais em Eletricidade” (FARADAY, 1951) mostra a convicção de Faraday no valor das linhas de força e que estas realmente representavam o que ocorria na realidade. Basicamente con-sistia em mostrar a qualidade de indução numa determinada região através do número de linhas de força numa certa secção desta, entendendo que, para um dado fio condutor, a corrente total induzida é proporcional ao número de linhas de força nesta secção. Outro ponto seria mostrar que, no interior do ímã, as linhas de força são sempre fechadas, não existindo portanto “pólos” magnéticos mas, apenas pontos onde as linhas “entram” e “deixam” o ímã. Para tanto, montou um aparato como o da figura abaixo onde, ao girar em torno de seu eixo um ímã em forma de barra, verifica-se no galvanômetro, ligado por fios entre um anel no centro do ímã e na sua extremidade, uma certa corrente, de modo que duas revoluções num mesmo tempo produzam o dobro de corrente que uma mesma revolução. Ao repetir o experimento de várias outras maneiras, Faraday observou estas mesmas proporcionalidades.

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(Fonte: Berkson (1974), p. 106)

Berkson (op. cit.) entende que das observações extraídas destes experimentos Faraday apresentou suas duas idéias que, segundo ele, atestam a existência física das linhas de força ou uma maneira de representar a idéia do modo físico de transmissão da força: em primeiro lugar está o fato delas serem curvas; em segundo, é que elas levam tempo para se propagar.

Ele considera que o fato das linhas serem curvas é um “argumento forte, po-rém não conclusivo, para a existência das linhas de força magnéticas. A aparência das linhas de força pode ser o resultado de uma interação da limalha de ferro com o campo magnético, que não dá uma representação verdadeira do campo de força”. (BERKSON, op. cit., p. 108)

Restava a Faraday, portanto, demonstrar que as linhas de força levam tempo para se propagar. Sua idéia era de que o aumento de intensidade na corrente elétrica que percorria um fio deveria gerar um aumento de força magnética ao seu redor, mas não simultaneamente.

Faraday entretanto não conseguiu demonstrar isto. Os trabalhos posteriores de Maxwell, Thomson, Helmholtz e Hertz foram importantes para consolidar as teorias de Faraday.

III. O estudo psicogenético – alguns dados preliminares

Além das referências históricas resumidas no item anterior, o estudo proposto analisou, numa amostra de 45 estudantes, como o aluno constrói as principais característi-cas ou propriedades de um campo físico, ou seja, como estas idéias evoluem com a idade. A faixa etária destes estudantes estava compreendida entre aproximadamente 6 a 17 anos de idade.

Optamos neste estudo pela entrevista como instrumento de pesquisa e utili-zamos nesta o método clínico ou método de exploração crítica, do tipo empregado por

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Piaget e seus colaboradores nos estudos do desenvolvimento cognitivo da criança. Estas entrevistas, de duração média de 30 minutos, foram gravadas em vídeo tape e foram de-sencadeadas a partir de quatro experimentos básicos que foram selecionados, levando em consideração aspectos do campo magnético, do campo elétrico e do campo gravitacional. Esses experimentos utilizados eram constituídos de materiais simples como ímãs e obje-tos metálicos (1ª situação), ímã com limalha de ferro (2ªsituação), pêndulo elétrico (3ª situação) e um dispositivo onde se mostrava um astronauta no espaço (4ª situação).

O protocolo básico das entrevistas continha questões simples onde se anali-sava qualitativamente algumas propriedades do conceito de campo, como por exemplo:

P1- O campo existe em todos os pontos em torno de uma fonte geradora. P2- A atuação da força do campo depende da distância da fonte geradora se-gundo leis matemáticas.

P3- O campo é uma grandeza vetorial, isto é, deve ter uma direção e um sen-tido.

P4- A ação entre dois corpos leva tempo para ocorrer, isto é, não é instantâ-nea.

Numa parte integradora final, o entrevistador, através do questionamento, tenta integrar as respostas dadas pelo aluno, verificando assim se o entrevistado percebe as características comuns entre as diversas situações desencadeadoras, isto é, se ele con-segue generalizar as situações numa só explicação causal – o modelo de campo, ou em outro modelo que ele possa ter.

Consideramos os dados coletados através das entrevistas da amostra suficien-tes para o propósito central de nosso trabalho: verificar como ocorre nos sujeitos a evolu-ção das idéias que levam à noevolu-ção de campo.

Utilizando-se de critérios restritos aos conteúdos teóricos como, por exem-plo, o conhecimento das propriedades do conceito de campo (segundo definimos anteri-ormente) e outros como, por exemplo, a verificação se os sujeitos conseguiram generali-zar as situações desencadeadoras numa mesma explicação causal, pudemos classificar os sujeitos em três níveis de explicações causais: um nível I (11 sujeitos), onde os sujeitos possuem explicações limitadas para os fenômenos observados ou nem mesmo admitem uma ação à distância entre os corpos. Estes indivíduos não reconhecem as propriedades de um campo físico, apresentam vocabulário menos elaborado e condizente com as cren-ças animistas (no sentido empregado por Piaget (1978)). Geralmente apresentam uma concepção plana para o planeta Terra e, mesmo admitindo-o como esférico não apresen-tam a noção de espaço e não atribuem a queda dos corpos à força da gravidade. Em con-seqüência das características acima, não conseguem generalizar as diferentes situações numa mesma explicação causal. Comportamento típico de sujeitos desse nível é

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exempli-ficado neste trecho de entrevista referente à situação desencadeadora Nº 2 (limalha der-ramada num papel sobre um imã):

Gui (7:10) – E aqui, por que que ficou assim? – Então, por que você jogou pó de ferro e formou um desenho… como se você pusesse assim… e formasse uma montanha. – Então, se eu jogar forma um desenho? – Forma. – E não tinha o ímã embaixo? – Tinha. – Será que não formou desenho porque o ímã estava embaixo, não? – Acho que não. – E aqui, forma desenho? (próximo às bordas da limalha) – Aí não. – Por quê? – Porque não tem isso (limalha)… se fazer mais uma volta assim (faz um círculo com o dedo) aí acho que forma. – Então vamos ver, então (coloca mais limalha em volta)… formou? – Em volta, não formou; mas, no meio, formou… – Por que só no meio? – Porque aqui (no meio) caiu em pé; e aqui (nas bordas) não.

A concepção do planeta Terra para Gui (7:10) é expressa assim em seu dese-nho:

No nível II classificamos 19 sujeitos da amostra que apresentaram caracterís-ticas mais elaboradas que os do nível I, tais como:

– Geralmente reconhecem certas propriedades do campo físico, como P1 e P3, conforme definidas anteriormente.

– Reconhecem nas situações desencadeadoras das entrevistas a existência de uma ação à distância responsável pela atração ou repulsão entre os corpos.

– Embora reconheçam a existência da ação à distância, alguns deles continu-am a apresentar explicações que chcontinu-amcontinu-amos de animistas (como na categoria I) como causa destas ações.

– Alguns sujeitos desta categoria já apresentam a concepção do planeta Terra próxima à concepção científica, entretanto a maioria deles acredita que os corpos próxi-mos à Terra caem para um chão imaginário, situado abaixo do planeta.

– Embora consigam generalizar algumas situações desencadeadoras, segundo uma mesma explicação causal, os sujeitos dessa categoria geralmente não conseguem reunir todas as situações desencadeadoras numa mesma explicação.

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As três últimas características acima citadas nos permitiram diferenciar os in-divíduos desta categoria II em dois grupos: um que apresenta estas características de uma maneira menos elaborada (grupo II–A) e outro que as apresenta de uma maneira mais elaborada (II–B).

Características comuns dos sujeitos deste nível II podem ser exemplificadas com estes trechos de entrevistas referentes à situação desencadeadora Nº 3 (pêndulo elé-trico):

Edi (9:8) – Aí!... isso aqui é fácil... fácil explicar... você fez assim (envolve o canudinho no guardanapo de papel)... daí você pega assim... (atrita o papel no canudo) e pegou o ar... aí você pôs assim... (aproxima o canudo do metalzinho) tava puxando (o metalzi-nho)... – Aonde tem ar? – No canudinho. – Mas de onde vem esse ar? – Quando você faz assim (gesticula como se estivesse friccionando o canudinho), quando você fecha (as pontas do canudinho) e solta (as extremidades do canudinho) você mexe as coisas. – Então é o ar que mexe? É. – Então tem ar aqui no canudinho? – Tá cheio de ar, e quan-do você faz assim (atrita)... segura o ar, depois você solta e... mexe (as coisas).

Mai (10:6) – Mai, olha aqui... se o canudinho está atraindo e se eu afasto o canudinho, o que acontece? – A força que puxava ele vai ficando menor. – Por quê? – Porque a dis-tância é maior. – Então é a mesma coisa que no ímã? – Eu acho que é.

Os sujeitos da categoria II geralmente apresentam a concepção do planeta Terra mais elaborada, chegando à concepção científica correta, como o fazem os sujeitos classificados no nível III.

Os desenhos de Deb (9:3) e Ana (10:8) exemplificam bem este nível:

No nível III, classificamos os 15 sujeitos restantes, que apresentam as carac-terísticas abaixo:

– Geralmente reconhecem todas as propriedades de um campo físico, con-forme descrevemos anteriormente. Assim, atribuem a ação entre os corpos nas situações

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desencadeadoras a um campo existente a partir da fonte, que possui as características ou propriedades acima citadas.

– Geralmente apresentam vocabulário científico condizente com a teoria de campo ensinada no 2º grau.

– Apresentam a concepção mais elaborada cientificamente sobre o planeta Terra dos sujeitos da amostra, atribuindo a queda dos corpos à ação de um campo de forças.

– Generalizam as diferentes situações desencadeadoras numa mesma explica-ção causal: a existência de um campo físico.

Embora a partir de aproximadamente 13 anos (12:8) já encontramos sujeitos que parecem ter a idéia de campo físico e generalizam todas as situações desencadeadoras dentro dessa idéia, nessa categoria podemos também separar os sujeitos em dois níveis: um menos elaborado (IIIA) onde, apesar da noção de campo, os sujeitos apresentam al-gumas vezes, por exemplo, limite para a ação do campo, vocabulário menos elaborado, ação instantânea entre os corpos (não apresentando portanto a propriedade P4), etc. Clas-sificamos nesse subnível sete sujeitos dentre os 15 dessa categoria. Os oito restantes ge-ralmente apresentam todas as peculiaridades do conceito de campo, vocabulário condi-zente com essa situação, sempre generalizam as situações desencadeadoras dentro do modelo de campo, chegando a considerar que a ação entre os corpos demora certo lapso de tempo para ocorrer.

Rog (14:9) e Jea (15:7) exemplificam bem este nível. Estes trechos de entre-vistas mostram isso:

Rog (14:9) – O que acontece quando eu afasto o canudinho? – Ele vai parar de atrair. – Por quê? – Porque ele ta muito longe do metal e não vai ter força para puxar o metal até ele. – Por que não tem força? – Porque é muito curto o campo do canudo, até chegar no... (metalzinho) – Aqui tem campo, então? – Tem o campo magnético, né?... em volta do canudo.

Jea (15:7) – ... Olha... essa região aqui... (no centro da limalha) tá bem forte... ó... que até deixou a limalha em pé... agora, essa região aqui (intermediária) ainda... tá vendo... vai enfraquecendo quando chega aqui (na periferia) não tem quase mais nada de influ-ência. – Então vai enfraquecendo e chega num ponto... – É. Vai enfraquecendo com a distância... – Vai enfraquecendo com a distância? – Com a distância... quanto mais longe do ímã menos influência tem do campo magnético. – Agora, Jea, me diga uma coisa... você acha que existe alguma coisa deste tipo... fora do ímã, em outros objetos em outras situações acontece isso também? – Eu acho que tem, né? Que não é só aqui... acho que tem assim coisa parecida... – Onde, por exemplo? – Ah... na Terra... por que que a gente fica grudado no solo, a gente não sai voando? Por causa da força da

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gravi-dade, não é? – Também é desse tipo? – É, desse tipo. – É um campo também? – É um campo de força; a força da gravidade.

A tabela a seguir mostra os níveis dos sujeitos da amostra em função da ida-de. Percebe-se aí, nitidamente, que os indivíduos a partir de 13 anos de idade já começam a apresentar concepções mais elaboradas do que podemos chamar de noção de campo, conforme consideramos anteriormente.

Consideramos os dados coletados através das entrevistas da amostra suficien-tes para o propósito central de nosso trabalho, que é o de verificar como ocorre nos sujei-tos a evolução das idéias que levam à noção de campo. Destes dados, entretanto, emergi-ram num segundo plano uma série de outras constatações que nos levou a ampliar esta análise para além do objetivo inicial da pesquisa.

A semelhança de modelos apresentados pelos sujeitos com os modelos apre-sentados no decorrer da evolução histórica das idéias que levaram ao conceito de campo, por exemplo, foi uma das constatações. Para citar apenas algumas delas vejamos os casos de Deb e Fel.

Deb (9:3) – Por que você acha que o ímã puxa? – Porque tudo que vem per-to ele... ele vai... ele puxa com a força dele que ele tem... – E como que ele puxa, hein? – Acho que é um ventinho que tem força... é que eu nunca mexi... – E onde está esse venti-nho aí? – Ta dentro dele (do ímã) e quando algum ferro vem assim perto, o ventiventi-nho puxa. – O ventinho sai dele então, e puxa? – Quando tem alguma coisa do lado dele, o ventinho sai de dentro e puxa.

Tabela I: Classificação dos sujeitos da amostra segundo os níveis definidos.

SUJEITO NÍVEL

Idade (*) Nível I Nível II Nível III

II A II B III A III B 01–Art (6:8) ********** 02–Ren (6:10) ********** 03–Reg (7:1) ********** 04–Mau (7:4) ********** 05–Fel (7:8) ********** 06–Gui (7:10) ********** 07–Pat (8:0) ********** 08–Tia (8:3) ********** ******* 09–Tha (8:6) ********** 10–Fab (8:9) ********** 11–Ubi (8:11) **********

(*)

(12)

12–Mar (9:1) ********** 13–Deb (9:3) ********** ******* 14–Tat (9:5) ********** ******* 15–Edi (9:8) ********** ******* 16–Lui (9:11) ********** ******* 17–Raf (10:1) ********** ******* 18–San (10:3) ********** ******* 19–Mai (10:6) ********** ******* ******* 20–Ana (10:8) ********** ******* ******* 21–Car (10:11) ********** ******* 22–Hel (11:1) ********** ******* ******* 23–Fen (11:3) ********** ******* ******* 24–Lea (11:8) ********** ******* ******* 25–Fra (11:11) ********** ******* ******* 26–Fer (12:3) ********** ******* ******** ******** 27–Ric (12:6) ********** ******* ******* 28–Luc (12:10) ********** ******* ******* 29–Pai (13:1) ********** ******* ******* ******** 30–Pet (13:3) ********** ******* ******* ******** 31–Ale (13:6) ********** ******* ******* ******** 32–Les (13:10) ********** ******* 33–Elc (14:2) ********** ******* ******* ******** 34–Ser (14:6) ********** ******* ******* ******** 35–Rog (14:9) ********** ******* ******* ******* 36–Mac (15:0) ********** ******* 37–Ata (15:2) ********** ******* 38–Ivo (15:5) ********** ******* ******* ******** ****** **** 39–Jea (15:7) ********** ******* ******* ******** ****** **** 40–And (15:11) ********** ******* ******* ******** ****** **** 41–Rob (16:1) ********** ******* ******* ******** ****** **** 42–Caf (16:3) ********** ******* ******* ******** ****** **** 43–Adr (16:6) ********** ******* ******* ******** ****** **** 44–Ste (16:8) ********** ******* ******* ******** ****** **** 45–Var (17:2) ********** ******* ******* ******** ****** ****

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Fel: (7:8) – Então, tá... e como que gruda, hein? Tá vendo, eu solto o preguinho de longe e ele gruda... por exemplo aquela cadeira, se eu quiser pegá-la, ela não gruda de longe, né? – (Balança a cabeça afirmativamente). – E como que aqui ele pega? Como ele faz? – (Está pensativo, não responde, demonstra não saber). – (Mostra mais uma vez) Como que faz? – Acho que solta um vento e puxa ele pra lá (gesticula). Acha que solta um vento? E solta onde? – Aqui (aponta). – Aqui também solta? (aponta) – (Balança a ca-beça afirmativamente) Solta – E onde está esse vento? – Aqui dentro (aponta o ímã).

Os modelos apresentados pelos sujeitos acima assemelham-se às idéias dos filósofos antigos, como descrevemos, em parte, nas referências históricas do item 2, como por exemplo os redemoinhos citados nos poemas de Lucrécio.

Um outro exemplo de semelhança é o caso de SER (14:6) cujo modelo de campo gravitacional é semelhante ao modelo de GILBERT (orbis virtutis).

Ao explicar a atração de um corpo pela Terra, SER assim se expressa: SER (14:6) Porque... ela solta as partículas... o centro da Terra solta partículas prá tudo quanto é lado... ela bate no corpo... e atrai... – E puxa o corpo? – Isso. – E isso... prá todos os lados da Terra? Em todos os pontos? – É; prá todos os pontos. – Como que é a coisa?... Eu solto um pedra; ela cai... e se eu solto mais de cima? – Depende do limite da força de atração. – E na Terra, onde é esse limite? – Eu acho que é a atmosfera. – Saiu da atmosfera... – Eu acho que fica sem, já.

Para representar a Terra, os desenhos dos sujeitos que apresentam este mode-lo assemelham-se à “orbis virtutis” de GILBERT, onde o “limite” seria a atmosfera, como nos exemplos abaixo:

Um outro ponto que nos chamou a atenção foi o das concepções que os sujei-tos mostraram ter sobre o planeta Terra e o universo, evidenciados não só nos diálogos das entrevistas, como também graficamente, através de desenhos que lhes foi solicitado efetuar.

A seqüência de desenhos abaixo nos mostra a evolução da concepção do pla-neta entre os sujeitos da amostra.

(14)

Conforme descrevemos nos níveis anteriores, ou sujeitos mais jovens apre-sentam uma concepção plana da Terra, como REG (7:1). Uma noção mais elaborada como a de FAB (8:9) já admite a Terra como corpo esférico, porém os objetos caem para um chão imaginário no espaço, isto é, os sujeitos desta faixa etária ignoram a força gravi-tacional. DEB (9:3) já admite a Terra menor que o Sol, porém as pessoas vivem no interi-or do planeta. Na faixa etária de 11 anos aproximadamente os sujeitos como MAI (10:6) já possuem a noção mais próxima da concepção científica correta.

Esta constatação nos pareceu significativa não só pela importância que en-tendemos ter para o ensino da concepção correta, mas também pela semelhança que pos-teriormente pudemos verificar entre esses dados e os obtidos por NUSSBAUM (1979), MALI e HOWE (1979) e NUSSBAUM e SHARONI-DAGAN (1983).

A tabela II mostra como evolui com a idade a seqüência de concepções apre-sentadas pelos sujeitos da amostra.

Uma série de outros detalhes pôde ter evidenciada a partir das entrevistas da amostra e deverão ser motivo de posterior análise.

IV. A psicogênese e a história da ciência como subsídios para construção do

ensino do conceito

Apresentamos anteriormente um resumo do estudo psicogenético onde uma análise preliminar dos dados foi efetuada. Nesse estudo psicogenético mostramos referên-cias históricas de algumas idéias que evoluíram para o conceito de campo e dados sobre a evolução das concepções nos alunos. Como estes dados podem auxiliar para se entender o processo ensino-aprendizagem? Ou para se construir o ensino do conceito nos alunos? TABELA II: Concepções da Terra como um corpo cósmico – apresentada pelos sujeitos da amostra segundo os níveis definidos

SUJEITO Idade (*)

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Noção 1 Noção 2 Noção 3 Noção 4 01– ART (6:8) ********** ********* ********* ********* 02– REN (6:10) ********** 03– REG (7:1) ********** 04– MAU (7:4) ********** 05– FEL (7:8) ********** ********* 06– GUI (7:10) ********** 07– PAT (8:0) ********** 08– TIA (8:3) ********** ********* ********* ********* 09– THA (8:6) ********** 10– FAB (8:9) ********** ********* 11– UBI (8:11) ********** 12– MAR (9:1) ********** ********* 13– DEB (9:3) ********** ********* ********* 14– TAT (9:5) ********** ********* ********* 15– EDI (9:8) ********** ********* ********* 16– LUI (9:11) ********** ********* ********* 17– RAF (10:1) ********** 18– SAN (10:3) ********** ********* ********* 19– MAI (10:6) ********** ********* ********* 20– ANA (10:8) ********** ********* ********* 21– CAR (10:11) ********** ********* ********* 22– HEL (11:1) ********** ********* 23– FEN (11:3) ********** ********* ********* 24– LEA (11:8) ********** ********* ********* ********* 25– FRA (11:11) ********** ********* 26– FER (12:3) ********** ********* ********* ********* 27– RIC (12:6) ********** ********* ********* ********* 28– LUC (12:10) ********** ********* ********* ********* 29– PAI (13:1) ********** ********* ********* ********* 30– PET (13:3) ********** ********* ********* ********* 31– ALE (13:6) ********** ********* ********* ********* 32– LES (13:10) ********** 33– ELC (14:2) ********** ********* ********* ********* 34– SER (14:6) ********** ********* ********* ********* 35– ROG (14:9) ********** ********* ********* ********* 36– MAC (15:0) ********** 37– ATA (15:2) ********** ********* 38– IVO (15:5) ********** ********* ********* ********* 39– JEA (15:7) ********** ********* ********* ********* 40– AND (15:11) ********** ********* ********* ********* 41– ROB (16:1) ********** ********* ********* ********* 42– CAF (16:3) ********** ********* ********* ********* 43– ADR (16:6) ********** ********* ********* ********* 44– STE (16:8) ********** ********* ********* ********* 45– VAR (17:2) ********** ********* ********* *********

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Uma série de propostas têm sido feitas e discutidas principalmente nas últi-mas décadas e alguúlti-mas destas discussões nos parecem ter sido produtivas.

O estudo psicogenético que propomos anteriormente é baseado nas teorias de Piaget e seus colaboradores que foram os precursores no estudo da psicogênese dos con-ceitos. É bastante conhecida uma série de pesquisas onde a chamada Escola de Genebra verifica como se desenvolvem as noções físicas nas crianças, como a noção de tempo (PIAGET, 1946), movimento e velocidade (PIAGET, 1946–A), força (PIAGET, 1973), etc.

Embora estes estudos sempre tivessem como tônica principal a gênese do co-nhecimento (PIAGET mesmo sempre se enquadrou como epistemólogo) e não a preocu-pação direta em aplicar os resultados de suas pesquisas ao processo educacional, muitos passaram a ver a teoria genética como “uma nova concepção sobre a aquisição do co-nhecimento, a partir da qual a investigação pedagógica adquire um novo sentido”, não significando entretanto que tenha se tornado mais simples, pelo contrário, “talvez se lhe tenha imputado um grau de complexidade completamente inesperado, um verdadeiro salto qualitativo no desenvolvimento da pedagogia”, indo “acompanhado de uma con-cepção teórica frente a qual a velha pedagogia discursiva cessa de ter vigência” (GAR-CIA, 1982, p. 34).

Outros viram na teoria genética uma “teoria do conhecimento que propor-ciona uma ampla e elaborada resposta ao problema da construção do conhecimento científico”, sendo que “sua formulação de como se passa de um estado de menor conhe-cimento para outro de maior conheconhe-cimento concerne diretamente à aprendizagem esco-lar; além disso, é uma teoria do desenvolvimento que descreve a evolução das compe-tências intelectuais desde o nascimento até a adolescência através da gênese das noções e conceitos cujo parentesco com os conteúdos escolares – especialmente nas áreas da matemática e das ciências naturais – parece evidente; ...” (COLL, 1987, p.165).

Assim, uma das várias propostas que se tem discutido é, por exemplo, de se utilizar os estudos psicogenéticos como subsídios para a seleção e ordenação de conteú-dos de acordo com a sua complexidade estrutural, de modo a melhor se adaptarem à competência operatória de assimilação do aluno. Nesse sentido, a teoria genética seria principalmente útil nos casos das disciplinas como a matemática e a física, por exemplo.

Embora entendendo ser esta proposta bastante viável, COLL (1987) adverte que a aplicação mecânica desta maneira de proceder pode levar a propostas educacionais errôneas ao se selecionar ou ordenar conteúdos tendo como fator determinante apenas seu grau de maior ou menor adaptação à competência de assimilação do aluno. Mesmo por-que, embora conheçamos a seqüência de construção, os níveis operatórios não são rigi-damente estabelecidos pela teoria genética em virtude das diferenças entre os indivíduos, geradas, por exemplo, pela influência do meio sócio-cultural.

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Ao reconhecer a grande importância e os efeitos práticos da adequação dos conteúdos escolares às possibilidades intelectuais dos alunos, Coll entende que, ao nos conscientizar-mos disto, “permanece o problema didático de como assegurar sua aquisi-ção uma vez alcançado o grau máximo de ajuste possível” devido às diferenças naturais entre o processo evolutivo e o processo educativo, onde o primeiro refere-se a uma evo-lução espontânea e o segundo ao resultado de uma atividade planejada, intencional. Neste sentido, seu argumento é o seguinte:

“... uma coisa é saber, por exemplo, que o aluno não poderá utilizar o pro-cedimento de variação sistemática dos valores de uma variável enquanto mantém cons-tante o valor de outras até que alcance o nível formal; e a outra coisa muito diferente é saber como se deve intervir precisamente para facilitar o aparecimento deste proceder e, sobretudo, como intervir uma vez adquirido, para que o aluno aprenda a utilizá-lo com o propósito de apropriar-se de novos conhecimentos” (COLL, 1987, p.184).

A proposta acima é apenas uma dentre as inúmeras que têm surgido ao se discutir o assunto.

Entendemos que os aspectos como este merecem maior discussão pela sua re-levância, não só para a análise do fenômeno da aprendizagem, mas também para subsidiar a construção do ensino. Conhecer como ocorre a gênese de um conhecimento no indiví-duo é importante para o educador não só em termos de possibilitar intervenção no ensino em aspectos isolados, mas num sentido mais geral: ao conhecer como ocorre um processo de aquisição do conhecimento, o educador passa a atuar de maneira mais consciente, respeitando a aprendizagem como uma evolução natural. Ele passa a “ler” as reações dos alunos de outra maneira; ao invés de apenas discernir entre o supostamente certo (cientí-fico) e o supostamente errado (do aluno), passa a entender a diferença em termos de está-gios de construção ou evolução do pensamento do indivíduo.

Neste sentido, consideramos que outro aspecto importante em termos de sub-sídios para construção do ensino de conceitos é a História da Ciência.

Uma das abordagens que se dá à História da Ciência, nesse caso, é sua utili-zação na detecção de obstáculos derivados da evolução do sistema cognitivo do aluno, ou seja, os chamados “obstáculos epistemológicos”.

Ao encararmos a aprendizagem como um processo de construção de conhe-cimentos e a evolução histórica como descrição de uma evolução de conheconhe-cimentos tam-bém, entendemos ser possível extrair desta elementos importantes que possam ser utiliza-dos na análise daquela. Entretanto, “isto não significa postular um ‘paralelismo’ entre a História da Ciência e o desenvolvimento da inteligência e do conhecimento individual”, isto é, “... o aluno atual vive, pensa, constrói seus conhecimentos em uma sociedade

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diferente da qual se produziram os conhecimentos que deve reproduzir em classe” (GA-GLIARDI, 1988, p. 293).

Embora discordando de Gagliardi quando se refere a “reproduzir” conheci-mentos em classe, entendemos o sentido de sua ressalva; entretanto, o que nos parece plausível é analisar na leitura da evolução dos fatos históricos partes importantes que possam subsidiar a leitura da evolução dos conhecimentos no indivíduo; ou seja, durante a aprendizagem. Acreditamos que, mesmo não utilizando a reprodução histórica como metodologia de ensino, como o fazem os adeptos do método da redescoberta como RAICHVARG (1987), GOHAU (1987) e outros, só o fato de conhecer os obstáculos históricos já é bastante importante em termos de exemplos decorrentes de situações even-tuais numa construção de conhecimentos.

Uma outra abordagem, decorrente da primeira citada, é a utilização da Histó-ria da Ciência para definir os conteúdos dos cursos. Gagliardi, por exemplo, propõe que se centrem cursos nos conceitos estruturados, ou seja, nos “conceitos que uma vez cons-truídos pelo aluno determinam uma transformação de seu sistema conceitual, que permi-te continuar com a aprendizagem” (GAGLIARDI, 1986, p. 293).

Neste sentido, entende que a História da Ciência permite visualizar, por e-xemplo, os conceitos estruturantes de uma teoria, a elaboração de novos conceitos e teo-rias, bem como a utilização de novos métodos de investigação e novos instrumentos con-ceituais, pressupondo assim uma evolução da ciência como resultado de transformações estruturais como as sugeridas por KUHN (1975) ao analisar o que chama de estrutura das revoluções científicas.

Em sentido semelhante, porém numa análise mais aprofundada, PIAGET e GARCIA (1987) relacionam a gênese do conhecimento na criança com a evolução histó-rica das idéias científicas.

No caso específico da evolução da Física de Aristóteles à Mecânica do “im-petus”, PIAGET e GARCIA (1987) estabelecem correspondências entre as quatro fases históricas na Ciência (os dois motores aristotélicos, o recurso a um único motor externo, a descoberta do “impetus” e a descoberta da aceleração) com as quatro etapas da psicogê-nese. As correspondências deste tipo levaram PIAGET e GARCIA à conclusão de que “o paralelismo entre a evolução das noções no decorrer da história e no seio do desenvol-vimento psicogenético refere-se ao próprio conteúdo das noções sucessivas”, conside-rando isto coerente por se tratar de conceitos “de algum modo pré-científicos”.

Eles, entretanto, consideram “absurdo procurar generalizar um tal parale-lismo do conteúdo no caso das teorias propriamente científicas, como as que surgiram entre a mecânica newtoniana e a relatividade einsteniana” (PIAGET e GARCIA, 1987, p. 38).

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Assim, dirigem suas pesquisas não para os conteúdos das noções, mas para os instrumentos e mecanismos das suas construções, identificando assim vários mecanismos de semelhança.

Consideram importante, entretanto, tornar claro que o objetivo que procuram atingir “não é de modo algum estabelecer correspondência entre as sucessões de nature-za histórica com as que revelam as análises psicogenéticas, sublinhando os conteúdos, mas, o que é completamente diferente, mostrar que os mecanismos de passagem de um período histórico ao seguinte são análogos aos da passagem de um estágio psicogenéti-co ao seu sucessor” (PIAGET e GARCIA, 1987, p. 39).

Ressalvadas as diferenças entre os dois tipos de construção, a psicogenética e a histórica, o que se observa é que realmente muitas vezes o aluno apresenta idéias seme-lhantes às observadas no decorrer da história, como por exemplo as constatadas por CLEMENT (1982), WHITAKER (1983) e as mostradas neste estudo que ora empreen-demos.

MORENO (1986) aponta um outro ponto que consideramos importante, ao comparar a construção do pensamento científico com a construção do conhecimento no indivíduo: a existência do “erro”. Ao discutir a importância que a Epistemologia Genética tem dado ao erro na construção intelectual, assim se refere:

“Tanto na História das Ciências como na psicogênese do conhecimento, a inteligência não é o que produz verdade – que ninguém sabe, por outro lado, o que é – senão talvez o que é capaz de transformar os dados do exterior ordenando-os em siste-mas organizados que possuem uma coerência interna. Esta concepção está muito além do simples modelo dualista de verdadeiro-falso com reminiscências morais que provêem das noções de bem e mal” (MORENO, 1986, p. 62).

De fato, ao entender a aprendizagem como um processo de construção de co-nhecimentos, não tem sentido para o educador utilizar-se de velhos chavões como cer-to/errado, verdadeiro/falso, melhor/pior, etc., para interpretar os supostos “erros” de a-prendizagem e sim considerá-los como elementos integrantes dos estágios de uma evolu-ção, interpretando-os como necessários e importantes dentro do processo.

Uma série de outras aplicações da História da Ciência e situações de ensino têm sido realizadas como, por exemplo, para introduzir em classe discussões sobre a produção, a apropriação e o controle dos conhecimentos pela sociedade.

V. Conclusão

As considerações até aqui feitas nos levam a admitir que, da mesma maneira que podemos utilizar os dados provenientes de um estudo psicogenético como subsídios,

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não só para entender o fenômeno da aprendizagem, mas também para construir o ensino, podemos também fazê-lo com a História da Ciência. É claro, entendendo-a também como um subsídio, ou seja, como um exemplo de processo de construção de conhecimentos. Não se pretende, portanto, neste caso, considerar o aluno como um simples reprodutor do caminho descrito pelos cientistas ao longo da História, mesmo porque, como afirma MO-RENO (1986), os cientistas não reproduziram nada previamente estipulado.

Reconhecer na História da Ciência ou na psicogênese exemplos de constru-ção é importante para nos conscientizarmos de que a aprendizagem é algo que se processa de maneira semelhante. O importante, portanto, é “ler” nessas experiências paralelas possíveis situações com as quais poderemos nos defrontar ao lidarmos com processos de construção – como a aprendizagem.

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Achamos interessante incluir aqui toda a bibliografia utilizada no estudo original embora o artigo, por se tratar de um resumo, apresente apenas algumas dessas referências.

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Referências

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