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Notas sobre reações redox nos seres vivos

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Academic year: 2021

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Notas sobre reações redox nos seres vivos

Quando, para facilitar a aprendizagem, se classificam as reações químicas em grupos, um dos grandes grupos é o das reações de oxi-redução.

A importância das reações de oxi-redução nos seres vivos, e particularmente nos mamíferos, fica evidenciada quando pensamos que uma grande parte do metabolismo diz respeito às transformações que os nutrientes sofrem no organismo e que, globalmente, podemos entender estas transformações como consistindo na oxidação dos nutrientes pelo oxigénio formando-se dióxido de carbono e água. Por razões que se prendem com a organização das unidades curriculares de Bioquímica daremos, aqui, particular atenção ao processo catabólico da glicose que leva à produção de CO2 e H2O.

Índice

1 - Definição de reações de oxi-redução ___________________________________________ 1 2 - Na oxidação completa da glicose 24 eletrões são transferidos para o O2 _______________ 3

3 - O papel da cadeia respiratória na redução do O2 __________________________________ 5

4 - A relação entre diferença de potencial de elétrodo e a razão Keq/QR _________________ 9 Anexo I – Oxi-redútases ___________________________________________________________ 11 Anexo II – Reações de oxi-redução não enzímicas com relevância biológica _________________ 14

1 - Definição de reações de oxi-redução

As reações de oxi-redução costumam ser definidas como reações em que um dos reagentes, o oxidante, aceita eletrões de um outro, o redutor. Um exemplo clássico é a oxidação do zinco metálico pelo ião Cu2+ em que os eletrões passam do zinco metálico para o ião cobre formando-se, como produtos, cobre metálico e ião Zn2+. Uma outra definição faz apelo ao conceito de número de oxidação (n.o.) dizendo que, nas reações de oxi-redução, há variação do n.o. de um ou mais elementos dos pares redox envolvidos na reação. Assim, no exemplo em análise, o zinco metálico, ao oxidar-se, aumenta o seu n.o. de zero para +2 enquanto o ião Cu2+, ao reduzir-se, diminui o seu n.o. de +2 para zero. Uma forma de pôr em evidência a existência de uma reação de oxi-redução é escrever as semiequações de elétrodo relativas a cada um dos pares redox envolvidos. Para o caso da reação em análise a semiequação de redução seria a equação 1 (relativa ao par redox Cu2+/Cu) e a semiequação de oxidação a 2 (relativa ao par redox Zn2+/Zn).

Cu2+ + 2e- → Cu (1)

Zn → Zn2+ + 2e- (2)

Em Bioquímica interessam-nos mais os compostos orgânicos que os inorgânicos e, aqui, o conceito de n.o. dos elementos constituintes desses compostos orgânicos, nomeadamente o n.o. dos carbonos, é, apesar de algo artificial, muito útil. Para determinar o n.o. de um elemento envolvido numa ligação atribuem-se ao elemento mais eletronegativo todos os eletrões envolvidos nessa ligação. (Tendo em conta os elementos que mais nos interessam alinhamos por ordem crescente de eletronegatividade: H<C<S<N<O). Um determinado átomo terá um n.o. negativo se, de acordo com a regra acima definida, “recebe” eletrões dos átomos vizinhos menos eletronegativos: o valor numérico corresponde ao número de eletrões que “recebeu”. De forma simétrica, um determinado átomo terá um n.o. positivo se “perde” eletrões para os átomos vizinhos mais eletronegativos: o valor numérico corresponde ao número de eletrões que “perdeu”. Alguns exemplos destinados a ilustrar esta ideia são apontados a seguir. No metano (CH4) o n.o. do carbono é –4 e o dos

hidrogénios é (como acontece na maioria dos compostos de que faz parte) +1. Nos casos do monóxido e do dióxido de carbono o n.o. do oxigénio é (como acontece na maioria dos compostos de que faz parte) –2, mas o do carbono é +2 no caso do monóxido e de +4 no caso do dióxido de carbono. O n.o. do carbono do formol (ou metanal; H2CO) é zero: “perde” 2 eletrões para o oxigénio mas “recebe” 2 dos hidrogénios.

(2)

Quando um elemento de um determinado composto que reage aumenta o seu número de oxidação dizemos que esse composto se oxida; dizemos que o composto se reduz na condição contrária. Dizemos, por exemplo, que, na glicólise, a glicose se oxida a ácido pirúvico. O n.o. dos oxigénios é –2 e o dos hidrogénios +1 em ambos os compostos, mas enquanto o n.o. médio dos carbonos da glicose é zero e, no caso do ácido pirúvico, é +2/3 (Fig. 1).

Uma regra simples, aplicável à grande maioria dos compostos orgânicos, permite calcular o n.o. médio dos carbonos conhecendo apenas a sua fórmula molecular:

n.o. médio dos carbonos = [(O X 2) + (S X 2) + (N X 3) – H + carga da molécula] / C.

Nesta equação, O, S, N, H e C representam o número de átomos de oxigénio, enxofre, azoto, hidrogénio e carbono na molécula em questão.

(As exceções são os peróxidos e os dissulfuretos e m que, respetivamente, os oxigénios ou os enxofres têm n.o -1.)

No caso do piruvato (C3O3H3

-), por exemplo, o n.o. médio dos carbonos será [(3 X 2 – 3 – 1) / 3 = +2/3]. Notar que, porque a carga elétrica do anião piruvato é –1, o valor correspondente à carga assumiu um valor negativo.

Nas reações de dissociação (ou associação) protónica não há variação do número de oxidação: as reações ácido-base não são reações de oxi-redução. Se tomarmos como exemplo a dissociação de um qualquer ácido carboxílico, vemos que o eletrão que “pertencia” ao hidrogénio ligado ao oxigénio no grupo carboxílico já estava atribuído ao oxigénio onde se ligava antes da dissociação e que, quando o protão

sai, o eletrão que fica no anião continua atribuído ao oxigénio. Ou seja o n.o. do “hidrogénio” que se dissocia é, em ambas as situações, +1 e o do oxigénio é, também em ambas as situações, –2.

As reações de hidrólise (AB + H2O → AOH + BH), como as que correspondem à ação das enzimas

digestivas, também não são reações de oxi-redução. Um exemplo é o caso da hidrólise da maltose a glicose (maltose + H2O → 2 glicose). O n.o. médio dos carbonos da maltose (C12H22O11) e da glicose (C6H12O6) é

zero nos dois casos; o n.o. do oxigénio era –2 na H2O que reagiu e continua a ser –2 na glicose que

se formou; o n.o. do hidrogénio era +1 na H2O

que reagiu e continua a ser +1 na glicose que se formou.

Fig. 1: Número de oxidação dos carbonos em compostos orgânicos.

Cada uma das setas a vermelho representa um eletrão ligante que, “pertencendo” ao átomo (na sua forma livre) de onde a seta parte, foi atribuído, para efeitos de cálculo do número de oxidação, ao elemento mais eletronegativo.

Fig. 2: Reação catalisada pela enólase.

Nesta reação ocorre variação do número de oxidação dos carbonos 2 (aumenta de 0 para 1) e 3 (diminui de –1 para –2) mas o número de oxidação médio mantêm-se.

(3)

Um exemplo que evidencia o caráter convencional de uma qualquer classificação (em que o caso das reações de oxi-redução não é exceção) é o caso das reações de hidratação (ou desidratação) como a que é catalisada pela enólase (Fig. 2). Na glicólise, o 2-fosfoglicerato transforma-se em fosfoenolpiruvato, libertando-se água. O n.o. do carbono 2 do 2-fosfoglicerato é zero e, no fosfoenolpiruvato, o n.o. do mesmo carbono 2 é +1: quando atentamos no carbono 2 podemos considerar que o 2-fosfoglicerato se oxidou. Contudo, se atentarmos no carbono 3 notaremos que o n.o. diminuiu de –1 para –2: de acordo com isto consideraríamos, pelo contrário, que o 2-fosfoglicerato se reduziu. Um terceiro ponto de vista, que é o que é mais aceite, nota que o n.o. médio dos carbonos se manteve invariante e que, portanto, a reação catalisada pela enólase não é uma reação de oxi-redução.

São exemplos de reações de oxidação os processos de conversão de álcoois em aldeídos ou cetonas. É o caso da conversão do etanol (CH3CH2OH)

em etanal (CH3CHO; também designado de acetaldeído;

ver Fig. 3) ou do lactato (CH3CHOHCOOH) em

piruvato (CH3COCOOH). A conversão inversa de um

grupo aldeído ou cetona num grupo hidroxilo é, obviamente, uma redução.

Também são exemplos de processos oxidativos

a conversão de um grupo aldeído num grupo carboxílico (como acontece na conversão do etanal em ácido acético), a formação de ligações duplas e a formação de grupos disulfureto a partir de grupos tiol (ver Fig. 3).

No Anexo I (ver página 11) são mostrados exemplos de reações redox catalisadas por enzimas (designadas de oxi-redútases) e no Anexo II (ver página 14) exemplos de reações redox que não são catalisadas por enzimas. Desses exemplos se poderá concluir que é frequente as reações de oxidação de compostos orgânicos poderem ser entendidas como correspondendo à perda de um ou dois átomos de hidrogénio (um ou dois eletrões e, o que é irrelevante no contexto, um ou dois protões) ou ao ganho de um ou mais átomos de oxigénio.

Obviamente que, sempre que um composto se oxida há um outro que se reduz. O composto que se reduz é o oxidante, ou seja, o que aceita os eletrões. São exemplos de oxidantes com relevância biológica o O2, o Fe

3+

, diversos dinucleotídeos (como o NAD+, o FAD e o NADP+) e o mononucleotídeo de flavina (FMN).

2 - Na oxidação completa da glicose 24 eletrões são transferidos para o O2

No metabolismo, a glicose e os outros nutrientes são oxidados levando à formação de CO2 sendo que

o oxidante último, o aceitador final dos eletrões, é o oxigénio. As equações 3 e 4 são, respetivamente, as semiequações de redução e de oxidação que correspondem à equação de oxidação da glicose pelo oxigénio (a equação 5 é a equação soma):

6 O2 + 24 e + 24 H+→ 12 H2O (3) C6H12O6 + 6 H2O → 6 CO2 + 24 e - + 24 H+ (4) C6H12O6 + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O (5)

Fig. 3: Processos oxidativos.

Quando o etanol se oxida a acetaldeído e este a ácido acético, o no. de oxidação do carbono 1 passa de -1 a +1 e de +1 a +3. Quando o 2-propanol se oxida a acetona o n.o. do carbono 2 passa de 0 a +2. Quando o succinato se oxida a fumarato os n.o. dos carbonos 2 e 3 passam de -2 a -1. Quando 2 cisteínas se oxidam a cistina o n.o. dos átomos de enxofre passam de -2 a -1. A perda de átomos de hidrogénio ou o ganho de átomos de oxigénio são exemplos de oxidações.

(4)

A diferença de potencial padrão (potencial redox, de elétrodo ou de redução) entre os pares redox O2/H2O e CO2/glicose é muito elevado (1,24 V). Isto significa que, em condições que se definiram como

padrão1, a forma oxidada do par com maior potencial (no caso, o O2) tem tendência a oxidar a forma reduzida

do par com menor potencial (no caso, a glicose). Se quisermos ser mais precisos e atentarmos na equação de Nernst [∆Eº = (RT/nF) ln Keq ou ∆Eº = (0,059 V/n) log Keq]2, uma equação que relaciona a diferença de potencial padrão entre dois pares redox e a constante de equilíbrio para a reação acima referida, podemos calcular que a constante de equilíbrio para a reação representada pela equação 5 é da ordem de 10500 M-1, ou seja, a reação tem tendência termodinâmica para evoluir até ao esgotamento do reagente limitante. Este facto poderia levar-nos a pensar que a reação de oxidação da glicose poderia evoluir por transferência direta de 24 eletrões da glicose para o oxigénio. Embora tal processo seja termodinamicamente favorecido não o é em termos cinéticos: podemos ter glicose em contacto direto com o oxigénio que, à temperatura de 37º, a reação não acontecerá. Nos seres vivos, como o comprova o facto de consumirmos glicose e oxigénio e produzirmos CO2, a reação acontece (no caso do homem, dependendo da dieta, à velocidade de 1 a 3 moles de glicose por

dia) mas, porque não existe nenhuma enzima capaz de ligar simultaneamente a glicose e o oxigénio e de catalisar a transferência direta de 24 eletrões da glicose para o oxigénio, o processo não é simples (ver Fig. 4). A transferência de eletrões da glicose para o oxigénio ocorre através de etapas sucessivas (catalisadas por enzimas designadas genericamente de oxi-redútases – ver Anexo I) em que a glicose vai cedendo eletrões formando-se intermediários sucessivamente mais oxidados.

Ignorando (porque é quantitativamente menos importante) a via das pentoses-fosfato, nesse processo, o NAD+ (dinucleotídeo de adenina e nicotinamida) e o FAD (dinucleotídeo de flavina e adenina) desempenham um papel charneira interagindo com as enzimas que também ligam diretamente os intermediários do catabolismo da glicose3. Cada uma das enzimas que ligam estes dinucleotídeos e estes intermediários catalisa a transferência de um par de eletrões em que os dinucleotídeos acima referidos funcionam como oxidantes (reduzindo-se a NADH e FADH2) e os intermediários do processo catabólico

como redutores. Ignorando, momentaneamente, a cadeia respiratória, as enzimas dependentes do NAD+ envolvidas no processo de transferência de pares de eletrões de intermediários do metabolismo glicídico para o oxigénio são as que catalisam a oxidação do gliceraldeído-3-P, do piruvato, do isocitrato, do α-cetoglutarato e do malato; a que envolve o FAD é a que catalisa a oxidação do succinato (Fig. 4). No total são seis enzimas (concretamente, seis desidrogénases) que, tendo em conta a cisão que ocorre durante a glicólise (aldólase), explicam a transferência dos 24 eletrões acima referidos.

1 Essas condições são: 25 ºC; conc. de reagentes e produtos em solução com concentração de 1M ou 1 atm; pH 0 ou pH 7

(dependendo do contexto químico ou bioquímico, respetivamente).

2 R= constante dos gases perfeitos = 8,314 J K-1 mol-1; T= temperatura absoluta (K), n= número de moles de eletrões

transferidos na reação considerada; F= constante de Faraday (carga de um mole de eletrões) = 96500 C mol-1. É de notar que a equação de Nernst (∆Eº = (0,059 V/n) log Keq ⇔ log Keq = ∆Eº * n / 0,059 V) mostra que o log da Keq é diretamente proporcional ao valor de ∆Eº e ao número de eletrões trocados na reação em análise. Dada uma reação oxi1 + red2 → red1 + oxi2 os pares redox pertinentes são oxi1/red1 e oxi2/red2; o ∆Eº a usar para calcular a Keq da reação esquematizada é a diferença entre o potencial redox padrão do par oxi1/red1 e o potencial redox padrão de oxi2/red2;

∆Eº=[Eº(oxi1/red1) - Eº(oxi2/red2)].

3 Nos casos do FAD e do FMN, a ligação entre estes compostos não proteicos e as enzimas a que se ligam é permanente

(embora possa não ser covalente) e faz sentido dizer que são elementos constituintes dessas enzimas. Diz-se, por isso, que são grupos prostéticos dessas enzimas e, quando se quer evidenciar este facto, chama-se à enzima como um todo, holoenzima, e à sua parte proteica, apoenzima.

(5)

Dissemos que o NAD+ e o FAD são os oxidantes diretos nos processos catalíticos referidos no parágrafo anterior mas, tal como mostra a equação 3, o aceitador final dos eletrões é o oxigénio. No caminho que os eletrões percorrem desde o NADH e o FADH2 (as formas reduzidas do NAD

+

e do FAD, respetivamente) até ao oxigénio estão envolvidos, como catalisadores, os complexos enzímicos da cadeia respiratória.

3 - O papel da cadeia respiratória na redução do O2

Para compreendermos melhor este processo podemos começar por descrever o percurso dos eletrões desde o succinato (C4H4O4

2-; um intermediário do ciclo de Krebs) até ao oxigénio.

A enzima que catalisa a oxidação do succinato designa-se habitualmente por desidrogénase do succinato e é a única enzima do ciclo de Krebs que, embora com o centro ativo voltado para a matriz da mitocôndria permitindo a ligação ao succinato, se situa na membrana mitocondrial interna. Um outro nome que costuma ser usado para designar esta enzima é, porque contém várias subunidades proteicas, o de complexo II. Quando se escreve a equação da reação catalisada pela desidrogénase do succinato costuma pôr-se em evidência o papel do FAD (um dos grupos prostéticos da enzima) como o aceitador direto dos eletrões do succinato: succinato + FAD → fumarato + FADH2 (Fig. 5). No entanto, tendo em conta que o FADH2

permanece ligado à enzima e que esta pode ligar-se à ubiquinona (também designada de coenzima Q - um composto exterior à enzima) para onde os eletrões, por ação catalítica da mesma desidrogénase do succinato, são transferidos, talvez fosse mais adequado escrever a equação que descreve a atividade do complexo II desta maneira:

Fig. 4: Oxidação completa da glicose.

A oxidação da glicose envolve a perda de 24 eletrões e ocorre através da ação de desidrogénases que, em cada passo, catalisam a perda de um par de eletrões. O aceitador de eletrões é sempre o NAD+ exceto no caso da desidrogénase do succinato. Nos passos piruvato → acetil-CoA, isocitrato →α-cetoglutarato e α -cetoglutarato → succinil-CoA também ocorrem descarboxilações (saída de CO2) e as reações referidas são,

(6)

succinato + ubiquinona ou Q → fumarato + ubiquinol ou QH2 (6)

Se atentarmos nas fórmulas moleculares dos pares redox (forma oxidada/forma reduzida) envolvidos nas reações catalisadas pela desidrogénase do succinato (fumarato/succinato; FAD/FADH2; Q/QH2) notaremos

que as formas reduzidas, para além de conterem mais um par de eletrões que as formas oxidadas, também contêm mais um par de protões. Significa isto que, a par da reação de oxi-redução, também ocorreu uma reação ácido-base; a forma reduzida era uma base que aceitou dois protões. Assim, também podemos interpretar os fenómenos reativos em análise como uma transferência de dois átomos de hidrogénio entre um substrato que se oxida (perdendo hidrogénios) e um outro que se reduz (aceitando hidrogénios)4. Tendo em conta o referido atrás a propósito da baixa eletronegatividade do hidrogénio percebe-se que o n.o. dos carbonos do composto orgânico que recebeu os hidrogénios diminua.

A transferência de eletrões entre o ubiquinol (QH2) e o oxigénio molecular (Fig. 6) envolve a ação

catalítica de dois complexos enzímicos (contendo múltiplas subunidades proteicas) existentes na membrana interna da mitocôndria: o complexo III (ou redútase do citocromo c) e o complexo IV (ou oxídase do citocromo c). O citocromo c é uma proteína que contém como grupo prostético heme de tipo c, uma estrutura semelhante ao heme da hemoglobina e da mioglobina contendo um ião de ferro. Na forma oxidada o citocromo c contém Fe3+ (ferro férrico) que, quando aceita um eletrão, passa a Fe2+ (ferro ferroso). A equação 7 descreve a reação de oxi-redução catalisada pelo complexo III.

QH2 + 2 citocromo c (Fe 3+

) → Q + 2 citocromo c (Fe2+) + 2H+ (7)

Embora o mecanismo enzímico seja muito complexo, podemos esquematizar a ação catalítica do complexo III dizendo que dois eletrões são transferidos do ubiquinol (QH2) para dois iões Fe

3+

(componentes de dois citocromos c); ou seja, que o citocromo c na sua forma Fe3+ oxida o ubiquinol. É frequente, nos livros de bioquímica, que as equações de oxi-redução não estejam acertadas e que a reação envolva consumo ou

4

As oxi-redútases que catalisam reações em que há transferência de hidrogénios (ou de iões hidreto H- como veremos adiante)designam-se, geralmente, por desidrogénases ou, sem um critério rígido, às vezes, por redútases.

Fig. 5: Desidrogénase do succinato.

A desidrogénase do succinato contém como grupo prostético o FAD que, ao aceitar dois eletrões (e dois protões), se reduz. O succinato oxida-se a fumarato perdendo esses dois eletrões. Um grupo prostético é, nas proteínas que o contêm, um dos componentes da proteína em questão: a componente que não é a cadeia aminoacídica. O FAD é, a par com outros, um dos grupos prostéticos da desidrogénase do succinato.

Fig. 6: O trajeto dos eletrões entre o succinato e o oxigénio molecular. O aceitador último dos eletrões é o oxigénio molecular (n.o.=0) que se reduz formando água (n.o.=-2). O processo envolve a atividade de complexos enzímicos que catalisam a transferência dos eletrões do succinato para a coenzima Q, desta para o citocromo c e deste para o O2.

(7)

libertação de protões, consumo ou formação de moléculas de água que são ignorados na equação final; trata-se de uma opção que visa pôr em evidência a reação que se pretende destacar (a de oxi-redução) ignorando outros processos que, no contexto, se consideram irrelevantes. A equação 7 está acertada (inscrevemos dois protões como produtos) mas, no restante texto, optaremos algumas vezes por não fazer o acerto. No contexto da discussão da atividade catalítica do complexo III os protões têm uma enorme importância, não porque seja necessário inscrevê-los como produtos para acertar a equação, mas porque o complexo III é, não apenas uma enzima, mas simultaneamente uma enzima e um transportador de protões. Simultaneamente com a reação de oxi-redução, o complexo III catalisa o transporte de protões que ocorre de forma direcionada da matriz da mitocôndria para o espaço intermembranar (é uma bomba de protões), sendo os dois processos indissociáveis. Assim, a equação que melhor descreve a atividade catalítica do complexo III é a equação 8:

QH2 + 2 citocromo c (Fe 3+

) + 2H+ (matriz) → Q + 2 citocromo c (Fe2+) + 4H+ (fora da mitocôndria) (8) O complexo III faz a acoplagem de um processo exergónico (a reação de oxi-redução) com um processo endergónico (o transporte de protões contragradiente) de um espaço mais alcalino (a matriz) para um espaço mais ácido (o espaço intermembranar).

A atividade enzímica do complexo IV pode ser descrita pela equação 9: cada um dos átomos de uma molécula de oxigénio aceita dois eletrões da forma reduzida (Fe2+) do citocromo c, originando H2O.

2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 2 H

+

H2O + 2 citocromo c (Fe 3+

) (9)

Tal como o complexo III, também o complexo IV é uma bomba de protões que contribui para a criação do gradiente de protões entre a matriz e o espaço intermembranar e a equação que melhor descreve a sua atividade é a equação 10:

2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 4H +

(matriz) → H2O + 2 citocromo c (Fe 3+

) + 2H+ (fora da mitocôndria) (10) Ignorando o transporte de protões, o somatório das reações catalisadas pelos complexos II, III e IV é expresso pela equação 11.

succinato + ½ O2 → fumarato + H2O (11)

A diferença de potencial redox padrão entre os pares O2/H2O e succinato/fumarato é de 0,78 V o que,

tendo em conta a equação de Nernst, corresponde a uma Keq para a reação representada pela equação 11 de cerca de 1026 atm-1/2.

A equação 4 mostra que o produto final da oxidação da glicose é o CO2. Sendo que a glicose contém 6

átomos de carbono, há, no catabolismo da glicose, 6 reações de descarboxilação, ou seja, 6 reações em que ocorre a libertação de CO2. De facto, porque ocorre uma cisão durante a ação da aldólase, apenas estão

envolvidas nos processos de descarboxilação 3 enzimas que, por coincidência, também catalisam reações de oxi-redução e que são, portanto, oxi-redútases: a desidrogénase do piruvato, a desidrogénase do isocitrato e a desidrogénase do α-cetoglutarato (Fig. 4). As reações catalisadas por estas enzimas são as que as equações 12, 13 e 14 descrevem:

piruvato + NAD+ + coenzima A → acetil-CoA + NADH + CO2 (12)

isocitrato + NAD+→α-cetoglutarato + NADH + CO2 (13)

(8)

As reações catalisadas pelas desidrogénases acima referidas são complexas. Embora se designem de desidrogénases e sejam classificadas como oxi-redútases, as reações por elas catalisadas não são apenas de oxi-redução. Tomemos como exemplo o caso da reação catalisada pela desidrogénase do piruvato (Fig. 7). A desidrogénase do piruvato é um complexo com várias subunidades e tem um mecanismo enzímico muito complexo, envolvendo 3 grupos prostéticos. Contudo, para melhor compreender a reação catalisada por esta enzima, podemos fazer um exercício conceptual e pensá-la como sendo constituída por (i) uma reação de oxi-redução acoplada (ii) a uma reação de descarboxilação e (iii) a uma outra que pode ser entendida como o inverso da hidrólise da acetil-CoA, um dos produtos formados (Fig. 7). O agente oxidante é o NAD+ que se reduz a NADH; como acontece em todas as outras reações que envolvem o NAD+, o processo de redução a NADH pode ser entendido como resultando da aceitação de dois eletrões e um protão, ou, dito de forma mais curta, na aceitação de um ião hidreto (H-). A equação 15 representa a semiequação de redução do NAD+.

NAD+ + 2 e- + H+→ NADH (15)

Os n.o. dos carbonos 2 e 1 do piruvato (CH3COCOO

-) são, respetivamente, +2 e +3. Na acetil-CoA o carbono 1 do resíduo de acetato era o carbono 2 do piruvato e o seu n.o. é agora +3; o carbono 1 do piruvato é agora o carbono do CO2 cujo n.o. é +4 (Fig. 7). A semiequação que representa a oxidação do piruvato a

acetato e CO2 é a seguinte:

piruvato + H2O → acetato + CO2 + 2 e

+ 2 H+ (16)

Para além do CO2 e do NADH, o outro produto da ação catalítica da desidrogénase do piruvato é o

acetil-CoA que pode ser conceptualmente entendida como resultando de uma reação de hidrólise inversa:

acetato + CoA → acetil-CoA + H2O (17)

A soma das reações 15, 16 e 17 é, como não podia deixar de ser, a reação representada pela equação 12 ou, se quisermos ser rigorosos, a equação 12 a que acrescentaríamos um protão, para acerto, nos produtos.

Quer no metabolismo da glicose, quer noutros metabolismos os eletrões do NADH acabam, através da ação dos complexos da cadeia respiratória, por reduzir o oxigénio. A enzima da cadeia respiratória que interage diretamente com o NADH denomina-se desidrogénase do NADH, mas também é conhecida como complexo I. Na reação catalisada pelo complexo I, a ubiquinona (ou coenzima Q) oxida o NADH a NAD+:

NADH + Q → NAD+ + QH2 (18)

O complexo I é constituído por algumas dezenas de subunidades e o mononucleotídeo de flavina (FMN) é um dos seus grupos prostéticos. Durante o processo catalítico o FMN aceita dois eletrões do NADH passando a FMNH2 que, de seguida, se volta a oxidar a FMN. A ubiquinona (Q) interage com o complexo I,

aceitando o par de eletrões que pertenciam ao NADH e que lhe foram transferidos via FMN. Também podemos pensar que o NADH cede um ião hidreto (dois eletrões e um protão) à ubiquinona, que se reduz a ubiquinol-1 e que o ubiquinol-1 funciona como uma base, captando um protão do meio e gerando ubiquinol. Tal como acontecia no caso dos complexos III e IV, também o complexo I é uma bomba de protões e a equação que melhor descreve a atividade do complexo I é a equação 19.

NADH + Q + 4 H+ (matriz) → NAD+ + QH2 + 4 H +

(9)

Como já referido acima, a propósito da oxidação do succinato pelo oxigénio, o ubiquinol acaba por ser oxidado pelo oxigénio, via citocromo c, através da ação catalítica dos complexos III e IV. As equações 20 e 21 descrevem, respetivamente, o somatório das reações de oxi-redução catalisadas pelos complexos I, III e IV e a atividade global (enzímica e de transporte de protões) dos mesmos complexos:

NADH + ½ O2→ NAD + + H2O (20) NADH + ½ O2 + 10 H + (matriz) → NAD+ + H2O + 10 H + (fora da mitocôndria) (21)

A diferença de potencial padrão entre o par redox O2/H2O e o par NAD +

/NADH é de 1,13 V, o que corresponde a uma constante de equilíbrio para a reação descrita pela equação 20 de cerca de 1038 atm-1/2.

A reação de oxidação do NADH pelo oxigénio é exergónica; por cada par de eletrões transferidos, 10 protões são transportados da matriz para o espaço intermembranar, sendo este transporte o componente endergónico do processo.

4 - A relação entre diferença de potencial de elétrodo e a razão Keq/QR

A tabela I mostra os potenciais padrão de elétrodo de uma série de pares redox relevantes para o metabolismo dos seres vivos5. É frequente pensar-se que quando um par redox qualquer (seja oxi1/red1) tem um potencial padrão de elétrodo superior a outro (seja oxi2/red2) é forçoso deduzir que a forma oxidada do par redox com potencial mais elevado (oxi1) oxida a forma reduzida do par redox com potencial mais baixo (red2). Esta ideia tem a sua razão de ser porque, como já referido na nota 2, o logaritmo da Keq é diretamente proporcional ao ∆Eº e, se o valor de ∆Eº for muito elevado, o valor da Keq será tão grande que a reação só pode evoluir num sentido. Todas as reações de oxi-redução referidas até aqui, neste texto, enquadram-se nesta afirmação.

5

Ao contrário do que acontece no casos dos químicos, em que se considera que o pH é zero, no caso dos bioquímicos é mais vulgar considerar que o pH é 7 e, por isso, na presente tabela, em vez de Eº está escrito Eº’.

Fig. 7: Esquema interpretativo da atividade da desidrogénase do piruvato.

A desidrogénase do piruvato catalisa a oxidação do piruvato a acetato e CO2 sendo o aceitador dos eletrões o NAD+. O

acetato, numa reação “inversa à de hidrólise”, reage com a coenzima A formando acetil-CoA.

(10)

Tabela I: Semirreação Eº’ (Volt)

½ O2 + 2 e- + 2 H+↔ H2O + 0,815

Cyt c (Fe3+) + e- ↔ Cyt c (Fe2+) +0,254

Q + 2H+ + 2 e- ↔ QH2 +0,045 fumarato + 2 e- + 2 H+↔ succinato +0,030 Oxalacetato + 2H+ + 2 e- ↔ malato -0,166 Piruvato + 2H+ + 2 e- ↔ lactato -0,185 NAD+ + 2 e- + H+↔ NADH -0,315 6CO2 + 24 e- + 24 H+ ↔ glicose + 6 H2O -0,430

Contudo, em rigor, o que determina o sentido em que uma determinada reação (qualquer reação) tende a evoluir não é a sua Keq, mas sim a razão entre a Keq e o quociente de reação (QR)6. Em condições padrão, as concentrações dos reagentes e dos produtos consideram-se unitárias (ver nota 1); por isso, em condições padrão, o valor do QR é 1 e o valor da razão Keq/QR = Keq. O potencial real de uma pilha eletroquímica depende da diferença de potencial padrão dos pares redox pertinentes (equivalente à Keq), mas também das concentrações reais dos reagentes (o QR). O valor da diferença de potencial real numa pilha eletroquímica pode ser calculado usando a equação de Nernst escrita desta maneira7:

∆E’ = (0,059 V/n) log (Keq/QR) (22)

O valor de ∆E’ só é positivo se Keq>QR e só nesta circunstância a reação tem tendência termodinâmica a evoluir no sentido em que a forma oxidada do par redox com potencial mais elevado oxida a forma reduzida do par redox com potencial mais baixo. O potencial padrão do par redox piruvato/lactato é superior ao do par NAD+/NADH [ver tabela I; ∆Eº’= -0,185 – (-0,315) = +0,13]8 o que poderia fazer-nos pensar que o sentido desta reação (catalisada pela desidrogénase do lactato) seria sempre aquela em que o piruvato funciona como oxidante e o NADH como redutor (equação 23):

piruvato + NADH → lactato + NAD+ (23)

6 O valor do QR de uma reação A + B P + Q é expresso pela razão ([P] × [Q]) / ([A] × [B]) em que [P] e [Q] assim

como [A] e [B] representam as concentrações dos produtos e dos reagentes num dado momento do processo reativo. No caso dos seres vivos, porque as concentrações dos intermediários dos processos reativos são “estacionárias”, os valores dos QR das diversas reações variam entre limites estreitos.

7 Notar que a equação 22 E’= (0,059 V/n) log Keq - (0,059 V/n) log QR E’= Eº’ - (0,059 V/n) log QR. 8 Calculando a partir da equação de Nernst (log Keq = n Eº’ / 0,059 V), deduz-se que a constante de equilíbrio da

(11)

De facto, a reação catalisada pela desidrogénase láctica encontra-se sempre muito próximo do equilíbrio químico no citoplasma das células (Keq ≈ QR ⇔ ∆E’

≈ 0) evoluindo no sentido da formação do lactato (redução do piruvato pelo NADH) ou no sentido inverso (oxidação do lactato pelo NAD+) de acordo com a lei da ação das massas. Nos eritrócitos, nos tumores mal irrigados e nos músculos (pelo menos quando o trabalho muscular é feito em regime “anaeróbio”) as concentrações dos reagentes e produtos “empurram” a reação no sentido da formação do lactato porque a Keq > QR (⇔ ∆E’ > 0) (ver Fig. 8). Mas, durante o recobro do exercício, quer nos músculos quer no fígado (onde ocorre captação de lactato), a reação evolui em sentido inverso ao indicado na equação 23. Em algumas fibras musculares esqueléticas durante o recobro, no coração normal e no fígado, à exceção de curtos

períodos durante o processo absortivo de glicídeos, as concentrações dos reagentes e produtos “empurram” a reação no sentido da formação do piruvato, ou seja, nestes casos a Keq < QR (⇔∆E’ < 0).

Anexo I – Oxi-redútases

Embora algumas reações de oxi-redução não enzímicas possam ter importância na evolução de certas doenças e no envelhecimento (nomeadamente as que envolvem as chamadas espécies reativas de oxigénio ou de azoto – ROS e RNS), a esmagadora maioria das reações de oxi-redução que ocorrem nos seres vivos são catalisadas por enzimas.

De acordo com a Comissão de Enzimas da União Internacional de Bioquímica, as enzimas que catalisam reações de oxi-redução agrupam-se num grande grupo e designam-se de oxi-redútases (ver http://us.expasy.org/enzyme/enzyme-byclass.html).

As enzimas designam-se de acordo com a sua atividade, mas não existem normas rígidas que permitam de forma previsível estabelecer uma relação entre uma atividade e um nome. Para cada enzima existe um nome sistemático (que, na prática, é pouco usado) mas aceitam-se, como sinónimos, muitos outros que, muitas vezes, à revelia de todas as regras, se impuseram por tradição. O texto abaixo destina-se a facilitar a aprendizagem da nomenclatura usada para denominar as oxi-redútases, explicando o significado de algumas palavras usadas com frequência neste contexto.

A- Desidrogénases e redútases

Muitas reações enzímicas de oxi-redução podem ser esquematizadas da seguinte maneira: XH2 + NAD

+

(ou NADP+, FAD, FMN) ↔ X + NADH (ou NADPH, FADH2, FMNH2) (A1)

Nestas reações a enzima envolvida no processo catalisa uma reação em que o NAD+, o NADP+, o FAD ou o FMN oxidam um substrato XH2. Nos casos em que o oxidante é o FAD ou o FMN, a reação pode

ser interpretada como a perda de dois hidrogénios pelo reagente que se oxida (XH2) e a sua aceitação pelo

FAD ou pelo FMN. Quando o oxidante é o NAD+ ou o NADP+, a reação pode ser interpretada como a

Fig. 8: Redução do piruvato a lactato em anaerobiose.

Em situações de anaerobiose aumenta a concentração de NADH e desce a de NAD+, o que força a reação catalisada pela desidrogénase do lactato no sentido em que o NADH reduz o piruvato.

(12)

transferência de um hidrogénio e dois eletrões (ião hidreto) entre um reagente que se oxida (XH2) e o NAD +

ou o NADP+. Nestes casos, a enzima que catalisa a reação é, frequentemente, denominada desidrogénase do XH2. Obviamente que a mesma enzima também pode catalisar a reação inversa, mas o nome adequado será

desidrogénase do “composto orgânico que cede o hidreto ou os hidrogénios ao NAD+, NADP+, FAD ou FMN”. São exemplos as desidrogénases do lactato (equação A2), do piruvato (equação A3), da glicose-6-fosfato (equação A4) e do succinato (equação A5).

lactato + NAD+↔ piruvato + NADH (A2)9

piruvato + NAD+ + CoA → acetil-CoA + NADH + CO2 (A3)

glicose-6-fosfato + NADP+→ 6-fosfogliconolactona + NADPH (A4)

succinato + FAD → fumarato + FADH2 (A5)

A desidrogénase do NADH também existe, mas não se refere a nenhuma das enzimas acima referidas. De facto, lidas em sentido inverso, as reações representadas pelas equações A2 e A3 podem ser interpretadas como a perda de um ião hidreto pelo NADH, mas o nome desidrogénase do NADH não se aplica às enzimas que catalisam aquelas reações. A desidrogénase do NADH é uma enzima da cadeia respiratória (também designada como complexo I) que catalisa a oxidação do NADH pela coenzima Q (ubiquinona). O agente oxidante direto é o FMN (um grupo prostético do complexo I), que se reduz a FMNH2 e acaba por ceder os

hidrogénios à coenzima Q. A equação A6 representa a primeira parte do processo catalisado pela desidrogénase do NADH.

NADH + FMN → NAD+ + FMNH2 (A6)

Com alguma frequência as oxi-redútases em que um dos substratos é o NADPH catalisam reações fisiologicamente irreversíveis em que o NADPH funciona como agente redutor. São reações do tipo:

NADPH + Y → NADP+ + YH2 (A7)

Nestas reações o NADPH reduz o composto Y cedendo-lhe um ião hidreto. Com muita frequência as enzimas que catalisam reações deste tipo designam-se “redútase do Y”. São exemplos a redútase das aldoses (equação A8 – uma das aldoses possíveis é a glicose que se reduz ao polialcool correspondente), a redútase do hidroxi-metil-glutaril-CoA (equação A9) e a redútase do glutatião (equação A10).

NADPH + glicose → NADP+ + sorbitol (A8)

2 NADPH + hidroxi-metil-glutaril-CoA → 2 NADP+ + mevalonato + CoA (A9)

NADPH + GSSG (dissulfureto do glutatião) → NADP+ + 2 GSH (glutatião) (A10)

B- Oxídases e oxigénases

Nalgumas reações enzímicas de oxi-redução o oxigénio molecular é um dos reagentes, funcionando como oxidante de um outro substrato (um composto orgânico). Quando o O2 é um dos reagentes as enzimas

designam-se de oxídases ou de oxigénases.

Embora haja exceções, o nome oxídase é usado quando, como resultado da redução do O2, se forma

H2O, peróxido de hidrogénio (H2O2) ou o ião superóxido (O2

•-)10 e nenhum dos átomos de oxigénio fica

9

Neste subcapítulo: as reações A2 e A3 são habitualmente discutidas quando se estuda a glicólise e a desidrogénase do piruvato; as reações A5 e A6 a propósito do ciclo de Krebs e da fosforilação oxidativa; as reações A4, A7, e A10 a propósito da via das pentoses-fosfato; a reação A8 a propósito do metabolismo da frutose e a reação A9 a propósito da síntese do colesterol.

10

De notar que o O2•- (-½), o H2O2 (-1) e a H2O (-2) contêm o elemento oxigénio com números de oxidação menores (os

(13)

incorporado no composto orgânico que se oxida. São exemplos a oxídase do citocromo c (equação B1), a oxídase do protoporfirinogénio III (equação B2) e a oxídase do NADPH (equação B3).

2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 2 H+→ 2 citocromo c (Fe3+) + H2O (B1)11

protoporfirinogénio III + 3 O2→ protoporfirina III + 3 H2O2 (B2)

NADPH + 2 O2→ NADP +

+ H+ + 2 O2

(B3)

O nome oxigénase é atribuído às enzimas em que, tal como no caso das oxídases, o oxigénio molecular é o agente oxidante, mas em que, pelo menos, um dos átomos do oxigénio fica incorporado no substrato orgânico que se oxida.

Dentro do grupo das oxigénases destaca-se um grande grupo designado de mono-oxigénases. As reações catalisadas pelas mono-oxigénases são particularmente complexas porque existem sempre dois agentes redutores, quer dizer, há duas substâncias distintas (WH2 e VH) que são oxidadas durante o processo

catalítico. Em geral, as reações catalisadas pelas mono-oxigénases podem ser interpretadas pensando que um dos redutores (WH2) cede dois átomos de hidrogénio reduzindo um dos átomos do O2 a H2O enquanto o outro

(VH) aceita o outro átomo de oxigénio:

WH2 + O2 + VH → W + H2O + VOH (B4)

Porque as mono-oxigénases oxidam simultaneamente duas substâncias distintas também se designam como oxigénases de função mista. Porque uma dessas substâncias, o VH (que passa a VOH, “hidroxilando-se”), sofre hidroxilação durante o processo, as mono-oxigénases deste tipo são, muitas vezes, designadas de hidroxílases do VH. São exemplos a hidroxílase da fenilalanina (equação B5) e a hidroxílase da tirosina (equação B6):

fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2→ tirosina 12

+ dihidrobiopterina + H2O (B5)

tirosina + tetrahidrobiopterina + O2→ dihidroxifenilalanina13 + dihidrobiopterina + H2O (B6)

Com frequência as hidroxílases são componentes de um sistema enzímico que, além da hidroxílase, inclui uma redútase, a redútase do W. Nos dois exemplos acima referidos a tetrahidrobiopterina (WH2) é

oxidada a dihidrobiopterina (W) por ação da hidroxílase, mas, para que o ciclo catalítico possa continuar, tem de ser novamente reduzida a tetrahidrobiopterina. O componente do sistema enzímico que catalisa a redução da dihidrobiopterina a tetrahidrobiopterina é a redútase da dihidrobiopterina (equação B7).

NADPH + dihidrobiopterina → NADP+ + tetrahidrobiopterina (B7)

Algumas hidroxílases contêm como grupo prostético um grupo heme que se liga ao O2 (o agente

oxidante nas mono-oxigénases) durante o processo catalítico. Muitas destas hidroxílases hemínicas designam-se de citocromos P45014. Os citocromos P450 estão envolvidos na hidroxilação de compostos que são intermediários na síntese de corticosteroides e na metabolização de xenobióticos15. Tal como as outras hidroxílases acima referidas, os citocromos P450 fazem parte de sistemas enzímicas que incluem uma redútase, a redútase do citocromo P450. Tal como já acontecia nos casos dos sistemas enzímicos que incluíam

11 Neste subcapítulo: a reação B1 é habitualmente discutida quando se estuda a fosforilação oxidativa; a reação B2 a

propósito da síntese do heme; as reação B5, B6 e B7 a propósito do metabolismo dos aminoácidos e a reação B8 a propósito do metabolismo de xenobióticos.

12

De notar que a tirosina também se pode designar como p-hidroxi-fenilalanina.

13 A sigla comummente usada para designar a dihidroxifenilalanina é L-DOPA.

14 A razão desta designação prende-se com o facto de, caracteristicamente, absorverem intensamente luz de comprimento

de onda de 450 nm quando, em determinadas condições experimentais, são complexadas com o monóxido de carbono.

15

Xeno é um prefixo que quer dizer “estrangeiro”; designam-se de xenobióticos os fármacos e outros compostos que não fazem parte do metabolismo normal do ser vivo em questão.

(14)

as hidroxílases da fenilalanina ou da tirosina, a atividade dos sistemas enzímicos que incluem o citocromo P450 pode ser esquematizada como se segue:

NADPH + O2 + VH → NADP+ + H2O + VOH (B8)

De notar que a equação B8 é a que resulta da soma da equação B4 com a equação correspondente à redução de W pelo NADPH. O composto VH é o composto que sofre hidroxilação e pode ser um xenobiótico, por exemplo.

C- Peroxídases

As enzimas que catalisam a redução do oxigénio de peróxidos (que passa de -1 a -2) designam-se de peroxídases. São exemplos a peroxídase do glutatião (equação C1) e a mieloperoxídase (equação C2).

2 GSH + H2O2→ GSSG + 2 H2O (C1)

16

Cl- + H2O2→ ClO

(hipoclorito) + H2O (C2)

No caso da peroxídase do glutatião, o agente redutor é o glutatião: o n.o. do S do grupo tiol do glutatião reduzido (GSH) é -2 aumentando para -1 no dissulfurero de glutatião (oxidado; GS-SG). A reação também pode ser interpretada como a aceitação pelo oxidante (o peróxido de hidrogénio) de átomos de hidrogénio cedidos pelo glutatião (que sofre oxidação).

No caso da mieloperoxídase, o agente redutor é o ião Cl- (n.o. do cloro = -1) que se oxida a hipoclorito (n.o. do cloro = +1). A reação também pode ser interpretada como a transferência de um átomo de oxigénio entre o oxidante (H2O2) e o redutor (Cl

-). D- Reações enzímicas de dismutação

Designam-se como reações de dismutação reações de oxi-redução em que uma mesma substância funciona, simultaneamente, como oxidante e como redutor. São exemplos as reações catalisadas pela dismútase do superóxido (equação D1) e pela catálase (equação D2).

2 O2

+ 2 H+→ O2 + H2O2 (D1)

17

2 H2O2→ O2 + 2 H2O (D2)

De notar que na reação D1 uma das moléculas de superóxido (n.o. do oxigénio = -½ ; ver nota 10) se oxida a O2 enquanto a outra se reduz a H2O2 (n.o. do oxigénio = -1; ver nota 10). De forma semelhante, na

reação D2, enquanto uma das moléculas de H2O2 se oxida a O2 a outra reduz-se a água.

Anexo II – Reações de oxi-redução não enzímicas com relevância biológica

Entre as reações redox não enzímicas com importância biológica destacaríamos a reação de Fenton. Nesta reação é o ião Fe2+ livre que reduz o H2O2 originando o ião hidróxido (HO

-) e o radical hidroxilo18 (equação E1). De notar que o n.o. do ferro aumenta de +2 para +3 enquanto o n.o. de um dos átomos de oxigénio do peróxido de hidrogénio diminui de -1 para -2: embora o n.o. do oxigénio do radical hidroxilo (HO•) seja também -1, o n.o. do oxigénio do ião hidróxido é igual ao da água (-2). (De facto, o ião hidróxido á a base correspondente à água.) No processo está envolvido apenas um eletrão que é cedido pelo Fe2+ e é aceite por um dos oxigénios do H2O2.

16 Neste subcapítulo: a reação C1 é habitualmente discutida quando se estuda a via das pentoses-fosfato e a reação C2 a

propósito de metabolismos específicos em células macrofágicas.

17 Neste subcapítulo: as reações D1 e D2 são habitualmente discutidas quando se estuda a via das pentoses-fosfato. 18

Um radical é uma substância que tem pelo menos um eletrão desemparelhado numa orbital da subcamada mais exterior de um dos átomos constituintes.

(15)

Fe2+ + H2O2→ Fe3+ + HO- + HO• (E1)

O ião Fe3+ formado durante a reação de Fenton pode ser novamente reduzido a Fe2+ pelo ião superóxido (O2

•-); o agente redutor sofre, obviamente, uma oxidação: o n.o. dos átomos de oxigénio no superóxido era -½ e passa a 0 no O2 (ver equação E2).

Fe3+ + O2 •-

Fe2+ + O2 (E2)

O somatório das reações E1 e E2 é o que se mostra na equação E3 e é conhecida como reação de Haber-Weiss. Nesta reação o Fe desempenha um papel catalítico já que, transitando entre a forma Fe3+ e a Fe2+ (e vice-versa), permite a conversão de superóxido e peróxido de hidrogénio em ião hidróxido e radical hidroxilo. H2O2 + O2 •- O2 +HO + HO• (E3)

O radical hidroxilo (formado nas reações de Fenton e de Haber-Weiss) é extremamente reativo e pode oxidar compostos orgânicos que fazem parte da estrutura dos seres vivos (lipídeos das membranas, DNA, proteínas, etc). O processo oxidativo envolve a formação de um radical alquilo, ou seja, um composto orgânico que contém menos um hidrogénio que aquele que esteve na sua origem (ver reação E4). O n.o. do carbono que perdeu um átomo de hidrogénio aumentou de -2 para -1 enquanto o n.o. do oxigénio do radical hidroxilo, ao formar-se água, diminuiu de -1 para -2.

+ HO• → + H2O (E4)

Por sua vez, o radical alquilo pode ser oxidado pelo O2 formando-se o radical alquilperoxilo: no

processo um dos átomos de oxigénio do radical alquilperoxilo (o que está diretamente ligado ao carbono) fica com n.o. -1 enquanto o n.o. do carbono que tinha n.o. -1 passou para 0 (ver equação E5). Ou seja, o O2 oxidou

o radical alquilo.

+ O2→ (E5)

O radical alquilperoxilo pode funcionar como oxidante do composto orgânico que esteve na origem do processo formando-se, como produtos, um peróxido orgânico e um radical alquilo (ver equação E6).

+ → + (E6)

Desde que haja O2 o radical alquilo formado pode novamente ser convertido em radical alquilperoxilo

(equação E5) originando-se um ciclo contínuo em que se formam peróxidos orgânicos: o somatório das equações E5 e E6 é a equação E7. O radical alquilo formado pela ação oxidante do radical hidroxilo (ver reação E4) desempenha um papel catalítica na formação de peróxidos orgânicos.

(16)

BIBLIOGRAFIA

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8. Sahlin, K., Katz, A. & Henriksson, J. (1987) Redox state and lactate accumulation in human skeletal muscle during dynamic exercise, Biochem J. 245, 551-6.

Este texto foi escrito por Rui Fontes em novembro de 2004 e foi sendo corrigido posteriormente. A última correção foi feita em outubro de 2012. O autor agradece todas as críticas que queiram fazer no futuro e as que já foram feitas pela professora Isabel Azevedo.

Referências

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