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FACULDADE LATINO-AMERICANA DE CIÊNCIAS SOCIAIS FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO CLARISSA PERNA FILGUEIRAS

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FACULDADE LATINO-AMERICANA DE CIÊNCIAS SOCIAIS FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

CLARISSA PERNA FILGUEIRAS

O DESAFIO DAS COMPRAS PÚBLICAS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: análise das Micro e Pequenas Empresas nas licitações do

Município de Cantagalo/RJ no período de 2016 a 2019

BELO HORIZONTE 2021

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Clarissa Perna Filgueiras

O DESAFIO DAS COMPRAS PÚBLICAS

COMO POLÍTICA PÚBLICA DE

DESENVOLVIMENTO LOCAL: análise das Micro e Pequenas empresas nas licitações do Município de Cantagalo/RJ no período de 2016 a 2019

Dissertação apresentada ao curso de Maestría Estado, Gobierno y Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Fundação Perseu Abramo, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Magíster em Estado, Gobierno y Políticas Públicas.

Orientadora: Natalia Noschese Fingermann

Belo Horizonte 2021

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FILGUEIRAS, Clarissa Perna.

O desafio das compras públicas como política pública de desenvolvimento local: análise das Micro e Pequenas Empresas nas licitações do Município de Cantagalo/RJ no período de 2016 a 2019/ Clarissa Perna Filgueiras. Belo Horizonte: FLACSO/FPA, 2021.

Quantidade de folhas: 130f

Dissertação (Magíster en Estado, Gobierno y Políticas Públicas), Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Fundação Perseu Abramo, Maestría Estado, Gobierno y Políticas Públicas, 2021.

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Clarissa Perna Filgueiras

O DESAFIO DAS COMPRAS PÚBLICAS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: análise das Micro e Pequenas empresas nas licitações do Município de Cantagalo/RJ no período de 2016 a 2019

Dissertação apresentada ao curso Maestría Estado, Gobierno y Políticas Públicas, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Fundação Perseu Abramo, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Magíster em Estado, Gobierno y Políticas Públicas.

Aprovada em:

____________________________________________________________ Profa Dra Natalia Noschese Fingermann, Orientadora

FLACSO Brasil/FPA

____________________________________________________________ Profa Dra Ana Luiza Mattos

UNICAMP

____________________________________________________________ Profa Dra Sueli Batista

FATEC/SP

____________________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Manzano, Suplente

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EPÍGRAFE

“A vida não é para ser útil. Isso é uma besteira. A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade para ela. A vida é fruição. A vida é uma dança. Só que ela é uma dança cósmica e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária, a uma biografia: alguém nasceu, fez isso, fez aquilo, fundou uma cidade, inventou o fordismo, fez a revolução, fez um foguete, foi para o espaço […] tudo isso, gente, é uma historinha tão ridícula! A vida é mais do que tudo isso. […] Nós temos de ter coragem de ser radicalmente vivos. E não ficar barganhando a sobrevivência.”

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao minhas Deusas e Orixás, o fato de existir hoje, neste tempo espaço, por me guiarem até aqui. Por sempre colocarem pessoas maravilhosas na minha frente, as quais me fazem acreditar em um mundo mais democrático, amoroso e me encorajam a prosseguir.

À minha orientadora Natalia Noschese Fingermann, pelo respeito e generosidade durante toda essa jornada. Por aceitar conduzir o meu trabalho de pesquisa no meio de uma pandemia, e por me atender com paciência todas as vezes que solicitei.

Aos professores do curso de Maestría Estado, Gobierno y Políticas Públicas, pela excelência da qualidade técnica de cada um(a).

Às Professoras da Banca Examinadora, pela disponibilização de seu tempo para a avaliação desta pesquisa.

Também quero agradecer a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e a Fundação Perseu Abramo, pela qualidade do ensino e oportunidade de finalizar gratuitamente um curso de mestrado. Estendo meus agradecimentos à equipe pedagógica e aos funcionários(as) das respectivas instituições.

Por fim, agradeço aos meus pais, Magda e Helder, por todo amor e afeto. Por acreditaram que o incentivo a educação é umas das maiores revoluções que existem.

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RESUMO

O presente trabalho se propõe a demonstrar como as compras públicas podem ser uma ferramenta de desenvolvimento das micro e pequenas empresas do município de Cantagalo/RJ, bem como apontar caminhos para a regulamentação e o uso frequente das compras públicas pelas demais municipalidades do país. Muito embora exista todo um arcabouço jurídico que permita aos municípios executarem a política de compras exclusivas, esta é ainda muito insipiente. Para entender esse universo, a investigação buscou identificar de que forma uma gestão municipal engajada em uma agenda de maior participação de micro e pequenas empresas nas compras institucionais tem o poder de contribuir para o desenvolvimento econômico dos pequenos negócios do Município de Cantagalo, localizado no Estado do Rio de Janeiro. Os resultados da pesquisa indicam que é possível implementar uma política pública dessa natureza quando os governos municipais, ou mesmo os de outras esferas que a ele dirijam recursos, decidam preferir os produtores ou ofertantes de serviços da região nos processos de compras públicas. Metodologicamente, a pesquisa teve uma abordagem quali-qualitativa, que levou à interpretação de elementos detectados na pesquisa com os gestores públicos entrevistados, alinhando-os ao material teórico pesquisado.

Palavras-chave: Compras Públicas. Empreendedorismo. Micro e Pequenas Empresas. Poder

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ABSTRACT

This master thesis aims to demonstrate how public procurement can be a tool for the development of micro and small businesses in the city of Cantagalo/RJ, as well as pointing out ways for the regulation and frequent use of public procurement by other municipalities in the country. To understand this universe, the investigation sought to identify how a municipal management engaged in an agenda of greater participation of micro and small companies in institutional purchases has the power to contribute to the economic development of small businesses in the Municipality of Cantagalo, located in the State from Rio de Janeiro. The results of the research indicate that it is possible to implement such a public policy when municipal governments, or even those from other spheres that direct resources to it, decide to prefer producers or service providers in the region in public procurement processes. Methodologically, the research had a qualitative approach, which led to the interpretation of elements detected in the research with the interviewed public managers, aligning them to the theoretical material researched.

Keywords: Public Purchases. Entrepreneurship. Microenterprises and Small Business

Enterprises. Purchasing Power of the State and of the Municipalities. Local and Sustainable Development.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Divisão dos portes empresariais: critério receita bruta anual ... 54

Figura 2 – Critério de Classificação do Porte das Empresas por Porte, no Critério de Pessoas Ocupadas ... 54

Figura 3 – Concentração de micro e pequenas empresas por setor e atividade ... 55

Figura 4 – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) ... 70

Figura 5 – Países europeus considerados pioneiros em CPS/CPV... 72

Figura 6 – Ciclo Virtuoso da Compra Governamental ... 76

Figura 7 – Processos de compras da União homologados por ME/EPP ... 80

Figura 8 – Mapa do Município de Cantagalo/RJ ... 89

Figura 9 – Processo de Pagamento com o Selo do Galo ... 102

Figura 10 – Resumo da Adequação Municipal Da Legislação Municipal ... 103

Figura 11 – Print do Sistema de Cadastro dos Fornecedores em conformidade com a Legislação ... 107

Figura 12 – Integração dos Sistemas Municipais ... 108

Figura 13 – Resumo Portal de Licitações do Município de Cantagalo/RJ ... 108

Figura 14 – Nota do Brasil nos indicadores avaliados pelo Ranking Doing Business ... 131

Figura 15 – Critérios avaliados em cada um dos indicadores do Doing Business ... 131

Figura 16 – As regulamentações avaliadas pelo Doing Business afetam as empresas em todo o seu ciclo de vida ... 132

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Relação entre empreendedorismo e desenvolvimento econômico de acordo com os

estágios de desenvolvimento de Porter (2003) ... 41

Gráfico 2 – Determinantes do empreendedorismo, segundo a OCDE (2009) ... 42

Gráfico 3 – Série histórica da colocação geral do Brasil no Ranking do Doing Business ... 45

Gráfico 4 – Série histórica da colocação do Brasil no índice “abertura de empresas” do Doing Business (BANCO MUNDIAL, 2020a) ... 45

Gráfico 5 – Número acumulado do saldo de vagas de emprego geradas por porte de empresa e ano ... 56

Gráfico 6 – Saldo de Vagas de emprego geradas por porte de empresa e ano ... 56

Gráfico 7 – Arrecadação do Simples no Total da Arrecadação de Tributos Federais (em %) 59 Gráfico 8 – Evolução do número de MEIs no Brasil... 65

Gráfico 9 – Participação da Massa Salarial, Remuneração Média e, do Pessoal Ocupado no Total de Empresas- 2015 – Brasil, Sudeste e Estado do Rio de Janeiro ... 88

Gráfico 10 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Cantagalo/RJ – 1991, 2000 e 2010 ... 90

Gráfico 11 – Total da Massa Salarial por Ano do Município de Cantagalo/RJ ... 92

Gráfico 12 – Evolução do número de matrículas x despesas totais em educação ... 93

Gráfico 13 – Arrecadação Total de Impostos por Período (2010 a 2018) ... 93

Gráfico 14 – Processos Licitatórios com Reserva de Mercado de Cantagalo/RJ no período nos anos de 2016 e 2017 ... 105

Gráfico 15 – Tempo de Prefeitura ... 110

Gráfico 16 – Aumento dos Pequenos Negócios à Medida que mais Licitações são feitas ... 111

Gráfico 17 – Média de Tempo que a Nota Fiscal de uma Empresa é Paga ... 111

Gráfico 18 – Editais Direcionados às Micro e Pequenas Empresas como Fator Estruturante para o Desenvolvimento ... 112

Gráfico 19 – Licitações como Forma de Incentivar o Desenvolvimento Local ... 113

(11)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 A RESSIGNIFICAÇÃO DO ESTADO COMO AGENTE EMPREENDEDOR . 19 2.1 O AGIR DO ESTADO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS PÚBLICOS ... 19

2.2 A DISTORÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NO BRASIl ... 22

2.3 DESENVOLVIMENTO PARA EQUIDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO ... 27

2.3.1 Desenvolvimento como um processo de redução de desigualdades no Brasil ... 34

2.3.2 Desenvolvimento Local/Regional ... 37

3 EMPREENDEDORISMO NO BRASIL ... 40

3.1 AMBIENTE LEGAL E DE NEGÓCIOS ... 47

3.1.1 O microempreendedor individual, a microempresa e a empresa de pequeno porte no cenário econômico nacional ... 53

3.1.1.1 Impactos da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios brasileiros ... 61

3.1.1.2 Mas o que é o microempreendedor individual, e como ele foi criado? ... 63

3.1.1.3 Austeridade ... 64

4 O USO DO PODER DE COMPRA MUNICIPAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO LOCAL ... 69

4.1 CONHECENDO O PROCESSO LICITATÓRIO ... 77

4.2 MODALIDADES DE LICITAÇÃO ... 80

4.3 O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO APLICÁVEL ÀS ME E EPP SEGUNDO A LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 123/2006 ... 82

4.3.1 Regularidade fiscal ... 82

4.3.2 Critério de desempate ... 83

4.3.3 Compras exclusivas até 80 mil reais ... 83

4.4.4 Subcontratação de MPEs ... 84

(12)

5 O TERRITÓRIO COMO PROPULSOR DO DESENVOLVIMENTO: AS REPERCUSSÕES DO PROGRAMA DE COMPRAS PÚBLICAS NO

MUNICÍPIO DE CANTAGALO/RJ. ... 85

5.1 MICRO E PEQUENAS EMPRESAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ... 87

5.2 PROGRAMA MUNICIPAL DE INCENTIVO AO USO DO PODER DE COMPRAS MUNICIPAL POR MEIO DOS PEQUENOS NEGÓCIOS COMO ATIVO IMPORTANTE PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL ... 89

5.2.1 Mercado de Trabalho e Massa Salarial... ... 91

5.2.2 Utilização do Programa Municipal de Compras Governamentais com foco nos pequenos negócios como estratégia de desenvolvimento ... 94

5.2.2.1 Números do Programa ... 96

5.2.2.2 Valor em contratação dos Pequenos Negócios no Município de Cantagalo/RJ entre 2016 e 2019 ... 97

5.2.2.3 Valores Financeiros Contratados com os Pequenos Negócios no Município de Cantagalo/RJ em Relação ao Montante Total de Contatações entre 2016 e 2019 ... 98

5.2.2.4 Análise das empresas sediadas em Cantagalo que participaram dos processos licitatórios da prefeitura ... 99

5.3 EIXOS TEMÁTICOS NORTEADORES DA OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA DE COMPRAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CANTAGALO/RJ ... 100

5.3.1 Tratamento diferenciado para os pequenos negócios: Regulamentação municipal... ... 100

5.3.2 Tratamento diferenciado para os pequenos negócios: aplicação dos benefícios previstos na Lei Geral das MPEs nas compras governamentais do município 103 5.3.3 Licitações Exclusivas de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) ... 104

5.3.4 Cota Reservada ... 105

5.3.5 Subcontratação ... 105

5.3.6 Plano de Compras ... 106

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5.3.8 Portal de Compras Governamentais ... 108

5.4 ENTREVISTA COM OS SERVIDORES ... 108

5.4.1 Caracterização dos respondentes ... 109

5.4.2 Participação das MPEs em compras públicas ... 110

5.4.3 Compras públicas e desenvolvimento ... 112

6 CONCLUSÃO ... 115

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1 INTRODUÇÃO

A questão das “compras públicas” tem despertado abundante interesse dos estudiosos das ciências econômicas e da administração pública em todo mundo, isto porque, referências internacionais evidenciam o relevante montante de recursos movimentados por este mercado. Ainda segundo informações do Sebrae Minas (2019), em referência a um estudo do FMI, a cada R$ 1,00 investido em compras governamentais, existe um retorno de R$ 1,70 para o ente comprador. Essa constatação se deve à potencial expansão no recolhimento dos tributos pelo aumento de circulação de renda no território e pela atração de novos empreendimentos em virtude do crescimento econômico. Se este capital permanece no território, o retorno é determinado no próprio local de origem.

Alguns estudos evidenciam que as compras públicas na Europa e nos Estados Unidos podem representar 16% e 20% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente (AURIOL, 2006; DIMITRI, PIGA, & SPAGNOLO, 2006; OECD, 2002, 2017).

No Brasil, a movimentação do PIB em torno das compras públicas nos últimos anos, ficou um pouco abaixo das estimativas dos países da Europa e Estados Unidos, representando uma média de 12,5% do PIB total no período 2006-2016 (RIBEIRO, C. G.; INÁCIO JÚNIOR, 2019). Embora possamos observar que o mercado de compras governamentais brasileiro tem um tamanho equiparável ao de muitos países da Europa e aos Estados Unidos, em uma média comparada, estamos abaixo, acredita-se que essa discrepância no que se refere a representação das compras governamentais no PIB total, além das questões estruturais de cada país e da concentração do governo federal em pouco mais da metade desse mercado, se de pelo fato dos diminutos aumentos ou mesmo pela queda no PIB brasileiro nos últimos anos. A publicação do IPEA, intitulada O Mercado de Compras Governamentais (2006-2017): Mensuração e Análise, mostra-nos essa análise:

A economia brasileira atravessou recentemente um período de recessão, com uma taxa negativa de crescimento do PIB em 2015 e 2016 (-3,77% e -3,60%, respectivamente) e um crescimento bastante modesto em 2017 (1%). Tal cenário reduziu o denominador (compras governamentais/PIB), mas, ao mesmo tempo, provocou uma queda no numerador. A queda no PIB influencia e é influenciada pela redução no consumo das famílias, nos investimentos das empresas e nos gastos governamentais. Instaura-se um círculo vicioso na economia que desemboca no recuo observado na arrecadação tributária realizada pelo Estado. (RIBEIRO, C. G.; INÁCIO JÚNIOR, 2019. p. 21)

Mesmo com uma leve queda nos últimos anos no que tange a participação das compras públicas brasileiras no PIB total, o Brasil vislumbrou uma notável evolução na qualidade e no

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desenvolvimento deste tipo de política, principalmente em âmbito municipal, tanto pelo impacto social mensurado quanto pela inserção de novos critérios licitatórios e de estratégias de planejamento, principalmente, depois dos anos 2000, com a promulgação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, da formulação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criados, respectivamente, em 2006, 2003 e 2009. Isto é: mesmo com os recentes avanços, ainda há muito espaço para o incremento da participação de Micro e Pequenas Empresas (MPEs) nos mercados institucionais brasileiros.

A adição dos pequenos negócios e dos agricultores familiares nas transações institucionais possibilitou reações diretas no ciclo virtuoso do dinheiro e por consequência do desenvolvimento econômico dos territórios e, isto ocorre, eventualmente quando a administração pública adquire localmente. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as Microempresas (ME), os Microempreendedores Individuais (MEIs) e as Empresas de Pequeno Porte (EPP), ao longo dos últimos 30 anos, vêm assumindo relevante papel socioeconômico no país, os quais respondem por 54% dos empregos formais e 98,5% do total de empresas brasileiras (FERNANDES, 2017; SEBRAE, 2018).

Especialistas tem destacado o potencial do mercado de compras públicas para além da sua função precípua de suprir as necessidades do Estado. Seu alcance como um instrumento de promoção de desenvolvimento econômico e melhor distribuição da renda, tem se mostrado efetivo. A utilização de critérios de sustentabilidade, diminuição das desigualdades e a promoção do tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas, tornaram-se realidade em governos de todo o mundo. Portanto, as compras governamentais são um importante mecanismo de atuação do Estado, apresentando subterfúgios capazes de ativarem círculos virtuosos e dinamizadores da economia de uma localidade, uma vez que elas têm a capacidade de movimentar um valor expressivo do PIB (CATTANI, 2010).

No eixo das atividades empresariais, essa função é validada pela quantidade de leis e decretos que surgiram nos últimos anos trazendo o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, no Brasil. Com isso, deve-se destacar a relevante capacidade do Estado de influenciar a dinamização da economia e o desenvolvimento local a partir do planejamento regional das leis, das políticas públicas e da atuação direta de seus diversos órgãos. O entendimento do papel do incentivo às micro e pequenas empresas como um eixo importante para esse desenvolvimento já foi bastante exaurido pela bibliografia e nos orienta sobre a necessidade do uso do poder das compras públicas direcionado a essas empresas, como mecanismo capaz de impulsionar o crescimento da economia local, de gerar novos postos de

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trabalho, de desenvolver cadeias produtivas regionais, além de aumentar substancialmente a longevidade dos pequenos negócios.

Nesse sentido, o desenvolvimento econômico é um conceito qualitativo e transversal, e não um fim em si mesmo. De fato, as transformações econômicas afetam diretamente as sociais e vice-versa, o que reforça o impacto cruzado da melhoria dos indicadores de bem-estar econômico e social, os quais acabam por promover o desenvolvimento de um local à medida que um conjunto de políticas públicas se estrutura de forma ordenada, planejada e sistematizada com as vocações, as potências e as carências de um determinado território. Nessa linha, Souza (2004, p. 78) disserta que “A mais difícil política é aquela que se faz nos lugares, porque é lá que o cidadão vive, é lá onde ele tem ou não tem médico, hospital, comida, amigos.”.

Também imbuídos do entendimento de que as compras públicas podem ser um instrumento de desenvolvimento, os constituintes, quando da formulação da Constituição Federal de 1988, incluíram a ideia de equidade no texto legal, ao correlacionar desenvolvimento com acesso a mercados e fomento as micro e pequenas empresas. Partiram da premissa de que seria preciso tratar desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades. No caso específico do fomento as Micro e Pequenas Empresas, objeto deste trabalho, destaca-se além do seu tratamento diferenciado previsto na CF/88, a Lei Complementar no 123/2006, especificamente no tocante às compras públicas, que elencou benefícios direcionados a essas empresas como forma de promover maior sustentabilidade, dando base legal para a estratégia municipal que veremos mais adiante.

Isto posto, a presente pesquisa pretende demonstrar como as compras públicas podem ser uma ferramenta de desenvolvimento das micro e pequenas empresas. A partir disso, realizou-se um estudo de caso junto ao Município de Cantagalo/RJ com análise de recorte longitudinal referente ao período de 2016–2019. Ademais, este trabalho busca apontar quais os benefícios trazidos para o desenvolvimento econômico local, além de buscar indicar caminhos para a regulamentação e o uso frequente das compras públicas pelas demais municipalidades do país.

Portanto, a pesquisadora com base nos anos de trabalho com projetos de desenvolvimento local e empreendedorismo no Sebrae/RJ, se propôs a estabelecer uma investigação que a fim de demonstrar como as compras públicas podem ser uma ferramenta de desenvolvimento das micro e pequenas empresas do município de Cantagalo/RJ, bem como apontar caminhos para a regulamentação e o uso frequente das compras públicas pelas demais municipalidades do país

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Escolhemos o período de 2016–2019 para que pudéssemos estabelecer uma série histórica capaz de demonstrar a evolução do projeto ao longo dos anos. Para o Programa de Compras de Cantagalo, que será detalhado mais adiante, foi determinado um planejamento inicial de ações estratégicas compreendendo os anos de 2017 e de 2018, primeira e segunda fase, respectivamente. O ano de 2016 foi o último ano do governo anterior ao atual (reeleito em 2020), o qual também fazia um trabalho de fortalecimento dos pequenos negócios locais por meio das compras públicas e que nos oferece uma amostra do ambiente institucional antes da implementação do Programa. Por fim, o ano de 2019 foi escolhido como forma de avaliar os reais frutos da operacionalização das duas fazes planejadas citadas acima.

Importante pontuar que os dados que se referem aos processos de compras governamentais nos anos de 2020 e 2021 sofreram inúmeras distorções quando comparados à série histórica anterior. Segundo o Portal da Transparência (BRASIL, 2021), por conta da urgência na compra de insumos devido à pandemia, somente de março a dezembro do ano de 2020 muitas compras do município não tiveram licitação e foram contratadas por meio de dispensa, o que não nos dá uma perspectiva equânime para comparação.

O Município de Cantagalo foi escolhido para este estudo pelo fato de ter criado o seu próprio programa municipal de compras governamentais direcionado ao incentivo da aquisição de micro e pequenas empresas da região. O programa de Cantagalo alcançou bons resultados no que se refere aos diferentes atores do processo, uma vez que realizou um projeto de formação continuada dos servidores públicos envolvidos diretamente nos procedimentos licitatórios. Tal medida permitiu que o planejamento das compras municipais e a elaboração de editais e de chamadas públicas fossem voltados exclusivamente para os pequenos negócios locais. Prova desse comprometimento foi a conquista por três vezes (edições de 2006, 2016 e 2018) do “Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor”, todas na categoria “Compras Governamentais de Pequenos Negócios”.

Com todas as questões mencionadas, apresenta-se como principal problema a ser averiguado pela pesquisa a seguinte questão: De que forma uma gestão municipal engajada em uma agenda de maior participação de micro e pequenas empresas nas compras públicas municipais tem o poder de contribuir para o desenvolvimento econômico dos pequenos negócios deste município?

Partindo do problema em questão, a pesquisadora levantou a seguinte hipótese de pesquisa: os dados e os atos normativos demonstrarão a evolução da agenda de fomento do uso do poder de compras municipais com foco nas micro e pequenas empresas. Além disso, demonstrarão o quanto o Município de Cantagalo/RJ ainda pode evoluir nessa temática à

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medida que diminui suas formalidades e requisitos para a habilitação de fornecedores e oferece capacitação e informação aos pequenos empreendedores, promovendo um efeito onda em todo o Estado do Rio de Janeiro.

Ao traçar os caminhos dessa investigação, na realidade local, foi preciso desenvolver os seguintes objetivos específicos:

(a) Investigar a relação de participação das micro e pequenas empresas no desenvolvimento econômico do Município de Cantagalo/RJ, por meio de uma análise de adesão municipal à implementação da Lei no 123/2006 em âmbito municipal;

(b) Analisar o número de processos licitatórios realizados entre 2016 e 2019, além do número de processos licitatórios exclusivos para micro e pequenas empresas, do número de pequenos negócios vencedores nos processos licitatórios do município e das modalidades de licitação utilizadas;

(c) Descrever os desafios e as percepções dos gestores públicos envolvidos no processo de compras no que tange à dificuldade, ou não, na adesão do município ao uso do seu poder de compras direcionadas aos pequenos negócios e à percepção deles acerca da conexão desse tipo de política pública com o desenvolvimento do município.

Para que isso aconteça, a presente pesquisa buscará estabelecer um conjunto de informações focadas na revisão da literatura, isto é, nas fontes primárias de informação, das quais: editais, processos administrativos do Município de Cantagalo e relatórios de gestão. Também lançaremos mão de pesquisas on-line com quatro gestores públicos envolvidos nos processos licitatórios, adequadas às novas regras sanitárias decorrentes da pandemia de Covid-19.

Para o aprofundamento do estudo, elegemos como campo de pesquisa os dados qualitativos do Governo Municipal de Cantagalo/RJ (dentre os quais: documentos, entrevistas de levantamento, legislação, dados abertos das instituições), bem como dados quantitativos secundários estatísticos, como gráficos e planilhas extraídos dos portais da transparência. Desse modo, nossa pesquisa terá uma abordagem quali-quanti, avaliando tanto os dados estatísticos quanto os significados das relações humanas.

O trabalho está estruturado em seis capítulos, a iniciar por esta introdução. No segundo capítulo, apresenta-se a relação entre Estado e empreendedorismo, bem como a ressignificação do primeiro como um agente empreendedor, entendendo que há uma relação próxima entre empreendedorismo e desenvolvimento local, ao partir de um conceito amplo que compreende o desenvolvimento como um meio para a redução das desigualdades.

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O terceiro capítulo analisa o fenômeno multidimensional que é o empreendedorismo, além de realizar um aprofundamento no ambiente de negócios do Brasil. Em seguida, dimensiona a importância dos pequenos negócios para o cenário econômico nacional, que, concentrando energias e esforços para a superação dos desafios do mundo atual, desempenham um papel importante na melhoria dos indicadores econômicos e sociais dos territórios onde estão instalados.

Já o quarto capítulo indica a influência das compras governamentais na economia nacional e na economia de outros países, para, finalmente, investigar os dispositivos que regulamentam as contratações públicas do Brasil. Na sequência, é dado destaque ao uso do poder de compra do Estado como política pública de desenvolvimento local. Finalmente, apresenta-se os benefícios concedidos aos pequenos negócios no que concerne às licitações públicas no Brasil.

Por sua vez, o quinto capítulo, apresenta uma análise sobre o Programa de Compras Governamentais da Prefeitura de Cantagalo/RJ com foco nos pequenos negócios, entre os anos de 2016 e 2019, além de apresentar os resultados obtidos por meio da análise dos dados e das entrevistas.

Por fim, o último capítulo trata das considerações e das conclusões do estudo, no qual serão apresentados os resultados das análises dos dados do capítulo anterior e a relação do uso do poder de compras com o desenvolvimento local. Posteriormente, serão apresentadas as limitações encontradas ao longo da pesquisa, bem como as sugestões para que os municípios brasileiros regulamentem e apliquem os benefícios da lei.

Em síntese, o presente trabalho pretende demonstrar o potencial de compra pública existente em âmbito municipal, bem como apontar os desafios institucionais e burocráticos existentes para que os municípios regulamentem e apliquem os benefícios exclusivos para os pequenos negócios, fortalecendo seus simbolismos, valorizando a cultura e criando um sentimento de identificação entre o cidadão, o comércio local e a gestão pública.

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2 A RESSIGNIFICAÇÃO DO ESTADO COMO AGENTE EMPREENDEDOR

2.1 O AGIR DO ESTADO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS PÚBLICOS

Este capítulo se propõe a ser um disseminador e um provocador do pensamento reflexivo na junção de estratégias públicas e práticas dinâmicas orientadas pelo Estado a fim de solucionar problemas públicos que tenham conexão com as micro e pequenas empresas, o que garante um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico local ao produzir e redistribuir a renda gerada nas localidades.

Com a dinamização da agenda econômica no Brasil, a criação de estratégias de fortalecimento do ambiente de negócios tem ocupado a pauta dos gestores públicos nas últimas décadas, principalmente após a promulgação de legislações de simplificação tributária, incentivo ao empreendedorismo e criação de figuras empresariais como o microempreendedor individual MEI, pelo governo Lula. Muitas construções no campo das políticas públicas e do direito vêm sendo desenhadas para que a abertura de novos negócios possa, de fato, influenciar a dinâmica social e econômica dos territórios. Dessa forma, a melhoria do ambiente de negócios e o combate à burocracia excessiva, no que se referem ao desenvolvimento de atividades econômicas, vêm sendo objetos de um olhar atento dos formuladores de políticas públicas, porém, com resultados ainda insuficientes.

Dito isso, mostra-se um desafio ao executivo e ao legislativo, principalmente em âmbito municipal e estadual: a proposição de estratégias para a criação de condições mínimas a fim de que a atividade empreendedora aumente de forma justa e sustentável. Temos, de um lado, a burocracia e a pouca integração dos sistemas de abertura e baixa empresarial dificultando a vida dos empreendedores no Brasil, por outro lado, vemos que o incremento da atividade empreendedora em um território contribui significativamente para a economia local, impactando no aumento do número de empregos diretos e indiretos e, consequentemente, melhorando a qualidade de vida da população. Neste caso, entende-se empreendedor como aquele(a) que há possui ou está iniciando um novo negócio.

O Estado brasileiro, enquanto uma organização social e política, tem como pressuposto fundamental para alcançar seus objetivos constitucionais, a administração da coisa pública (de todos) por intermédio das políticas públicas. O grande desafio surge na formulação e no impacto dessas políticas a partir de diferentes realidades, considerando as adversidades criadas na

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sociedade a partir de nossas diferenças de classe, de raça, de gênero, de orientação sexual, de cultura etc.

Dito isso, na concepção de Secchi (2013):

A essência conceitual de políticas públicas é o problema público. Exatamente por isso, o que define se uma política é ou não pública é a sua intenção de responder a um problema público, e não se o tomador de decisão tem personalidade jurídica estatal ou não estatal. São os contornos da definição de um problema público que dão à política o adjetivo “pública”. (SECCHI, 2013, p. 4).

Nesse campo de estudo, de certo modo, o Direito encontra a Política, o que pode ser problemático, mas é o que determina a importância da discussão. A esse respeito, Secchi (2013) preceitua: “Políticas públicas tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões” (SECCHI, 2013, p. 1).

O Estado brasileiro, em função dos seus preceitos constitucionais, busca implementar e efetivar uma série de direitos e garantias. Essas implementações partem de uma ação coordenada entre o Legislativo e o Executivo, mediada pelo Judiciário. O conceito de políticas públicas não é unívoco, tendo utilização e conceituação bastante amplas na doutrina. Fato é que as políticas públicas correspondem a uma dimensão da atuação do Estado a qual prima pela formulação da política com vistas à eficiência e à efetividade, além de ser focada em resultados que sejam realmente capazes de transformar os problemas públicos que estão conectados com as múltiplas realidades de um país continental como Brasil. Sobre o problema público, temos que:

O problema público está para a doença, assim como a política pública está para o tratamento. Metaforicamente, a doença (problema público) precisa ser diagnosticada, para então ser dada uma prescrição médica de tratamento (política pública), que pode ser um remédio, uma dieta, exercícios físicos, cirurgias, tratamento psicológico, entre outros (instrumentos de política pública. (SECCHI, 2013, p. 5).

Assim, pelo exposto, as políticas públicas, sendo a forma como o Estado responde às demandas da população, tendem a ocupar uma posição importante na estratégia de planejamento governamental de modo que passem a exigir uma organização anterior e sequencial para tornar possível a produção e a organização de uma agenda estruturada. Os objetivos perseguidos podem ser heterogênicos, sociais e econômicos ao mesmo tempo, com o intuito de preservar a liberdade individual, proteger a propriedade privada, garantir os direitos humanos ou fomentar a emancipação de grupos e promover a equidade para minorias.

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Faz-se importante ressaltar que as políticas públicas podem efetivar direitos ou eleger prioridades, além de poderem ser controladas formalmente e finalisticamente. Uma política pode ser inconstitucional tanto pelos fins que visa perseguir, como também em função dos meios adotados para sua implementação, por isso a medição e o controle orquestrados pelo Judiciário tornam-se fundamentais nesse contexto. Vale destacar que um dos motivos os quais podem levar ao insucesso dos resultados das políticas públicas é a dissociação entre a elaboração dos programas e a sua respectiva implementação. Portanto, compreender que as políticas públicas não nascem ao acaso, sendo contextualizadas no seu tempo histórico, é fundamental.

Como a produção científica tem como objetivo apropriar-se da realidade para melhor analisá-la e, posteriormente, transformá-la, a discussão sobre o papel do Estado — o seu modo de agir e os impactos de sua atuação — e sobre a percepção da sociedade a respeito de sua eficiência e eficácia, revelam-se urgentes e de extrema importância para o presente estudo. Aqui, estão contidos denominadores essenciais para inclusão da perspectiva de equidade na criação de políticas públicas e no aprimoramento de um processo de desenvolvimento que tenha o cidadão como protagonista.

Santos (1993), em interessante análise sobre o quanto a população brasileira muitas vezes deixa de recorrer ao Estado por considerá-lo ineficiente, problematiza da seguinte forma a correlação entre o acesso, as políticas públicas e a população brasileira:

O mito de que o Estado brasileiro é absurdamente grande, paquidérmico, tem sido responsável por políticas administrativas com relação à burocracia pública, cujo resultado demonstra-se oposto ao pretendido. Ao contrário de agilizar a capacidade operacional do Estado, aumentar sua eficiência e credibilidade, produziu-se o desmantelamento das poucas estruturas ainda eficazes, comprometeram-se a capacidade fiscalizatória, ordenadora e extrativa do Estado de maneira que, hoje, os pobres e desvalidos dele nada esperam, enquanto ricos e poderosos dele nada temem. Mais de quarenta por cento daqueles que em 1992 deveriam prestar contas ao fisco não o fizeram — comportamento dos que não temem, porque tem — enquanto mais de sessenta por cento vitimados por agressão, roubo ou furto preferiram não arriscar, pelo desperdício, a buscar justiçou polícia em vão — conformismo dos que nada esperam, porque pouco ou nada tem. (SANTOS, 1993, p. 101).

Nesse contexto, as políticas públicas, entendidas como sendo o modo de agir do Estado para solucionar um problema público, tornam-se cada vez mais essenciais para o funcionamento da democracia e para o fortalecimento do ideal de solidariedade fundamental entre os cidadãos ao serem formuladas ou concebidas com o objetivo de acarretar ganhos sociais, ambientais, culturais e econômicos a todos e a todas.

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2.2 A DISTORÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NO BRASIL

O fato de o Brasil ter nascido como um produto do capital mercantil português deixou muitas marcas no processo de construção de uma base verdadeiramente democrática, de modo que hoje continuamos como uma “mega feitoria”1 moderna (COELHO, 2016). Esse processo conturbado influenciou a relação do indivíduo com o Estado e o próprio pacto político, inclusive, nesse momento em que a própria democracia brasileira é colocada em questão. Isso posto, temos que:

Confusão entre o público e o privado, compadrio, herança católica portuguesa, predomínio das relações pessoais e familiares sobre o sistema de mérito e corrupção. Ao contrário do que em geral se pensa, nada disso é característica exclusiva do Brasil. (COELHO, 2016).

A sociedade que se formou a partir da herança escravista advinda do processo de colonização brasileira herdou um Estado que não serve aos pobres, mas é grande, provedor e suntuoso aos ricos. Vale destacar que a burguesia brasileira emancipada não se prestou a fazer revolução como no resto do mundo, naturalizando de vez a cultura patrimonialista: falta de meritocracia em detrimento às relações pessoais, à corrupção e ao paternalismo. Ainda segundo o autor, o peso das origens familiares e da cultura, acumulados ao longo dos anos, é herança em qualquer país capitalista.

O cidadão brasileiro vive como se olhar para o Estado fosse olhar para uma mercadoria. Há uma quebra estrutural do ideal de solidariedade social, pois, no Brasil, se coloca o Estado como subserviente do poder privado, ainda que seja regido e organizado pelas regras do direito público. A burguesia, enfim, percebeu que o capital imobilizado em máquinas, equipamentos, estoques e sistemas de computador não gera riqueza por si só. Sem o trabalho

1 As feitorias portuguesas eram locais (entrepostos), em sua maioria fortificados e em zonas costeiras, construídos

como estratégia de colonização dos portugueses com o intuito de dominar e centralizar o comércio local, proveniente da exploração do território, para serem enviados ao rei. Eram controladas por um "feitor", usadas como base para a colonização de toda costa brasileira, proporcionando segurança ao domínio português. Nesse caso, o autor relaciona a distorção entre o público e o privado na atualidade com a origem patrimonialista e distorcida pelos portugueses para com o território brasileiro na época da formulação das feitorias.

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dos empregados, o capital é inútil. Tanto quanto os capitalistas, essa classe parasitária, sem nada produzir, vive da exploração dos trabalhadores (COELHO, 2016).

Nesse momento, o ideal neoliberal entra em crise junto com a economia e com os sistemas de saúde em todo o mundo quando aponta a diminuição do papel do Estado na economia como sendo solução para a recuperação das crises econômicas. Na contramão desse pensamento, temos que o neoliberalismo não pode negar o Estado, porque depende dele para criação de normas e para o controle amplo e estruturado, por exemplo, de uma pandemia, como a que estamos vivendo.

Segundo Harvey (2008), o neoliberalismo como foi pensado tem vistas a disseminar o capitalismo em escala global por meio do livre mercado entre as grandes corporações mundiais. No neoliberalismo de hoje, os agentes públicos são tratados como agentes econômicos. Dessa forma, o neoliberalismo tratou de personificar o Estado tal qual uma empresa. As normativas que passaram a gerir esse Estado, agora gerencial, são as da inciativa privada. As normas da inciativa privada, portanto, tornaram-se instrumentos de poder do governo empresarial. Não é a redução do Estado que está em questão, mas sim a transformação da ação pública.

Temos vivido uma espécie de interpelação parasitária do Estado para com a iniciativa privada, esta última fornecendo mecanismos e exemplos para que, segundo o pensamento neoliberal, o Estado possa se tornar mais ágil, mais moderno e menos burocrático. Assim, a retórica econômica neoliberal vende a falsa percepção de que, sob a ideia de uma maior eficiência administrativa, a responsabilidade dos serviços públicos estatais deve ser transferida para o setor privado, restando ao Estado apenas a mediação das transações da iniciativa privada. É o que aponta Bremmer (2011):

Nesse sentido, busca-se demonstrar o atual momento econômico global, apontando para as crises econômicas vividas na fase neoliberal do sistema econômico. O entendimento, então vigente, defende o livre mercado, sem intervenção do Estado, sendo que [...] o papel do governo consiste apenas em assegurar o estabelecimento de regras justas e eficazes. (BREMMER, 2011, p. 15).

Não podemos esquecer, no entanto, por tudo que foi dito e visto, que atualmente (2021) vive-se uma das piores crises financeiras globais. O ponto de atenção está na criação da narrativa da necessidade ou não da participação ativa dos Estados no jogo econômico, o que geraria alterações na estrutura econômica, sob o questionamento se tais alterações seriam uma mutação natural do capitalismo e se haveria ou não a necessidade de um novo direcionamento da atuação política dos Estados na economia mundial.

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Em complemento a esse novo alinhamento de futuro e trazendo uma nova perspectiva ao posicionamento de Harvey (2008), encontra-se o pensamento de Mazzucato (2014) acerca dos mitos de uma classe dominante que demoniza o Estado em contraponto à ideia de um mercado eficiente e regulador, como se o mercado precisasse ser antagonista do Estado, quando, de fato, a convergência entre ambos é indissociável e, por muitas vezes, fundamental.

Segundo Mazzucato (2014), para que haja de fato a alteração da ordem econômica vigente, torna-se necessária a participação do Estado no jogo econômico ativamente e com maior protagonismo, não apenas intervindo nos momentos contracíclicos.

De fato, quando não se mostra confiante, o mais provável é que o estado seja “submetido” e se curve aos interesses privados. Quanto não assume um papel de liderança, o Estado se torna uma pobre contrafação do comportamento do setor privado em vez de uma alterativa real. E as críticas costumeiras de que o Estado é lento e burocrático são mais prováveis nos países em que ele é marginalizado e obrigado a desempenhar um papel puramente “administrativo”. [...] são os Estados mais fracos que (mais) cedem à retórica de que existe uma necessidade de diferentes tipos de “cortes na carga tributária” e eliminação da “burocracia” normativa. (MAZZUCATO, 2014, p. 29–31).

Mazzucato (2014) mostra que existe no imagético mundial a ideia de que a potência transformadora da sociedade está na inciativa privada, única e exclusivamente. Desse modo, temos que a palavra “empreendedor” foi roubada pela inciativa privada, fazendo-a sua “propriedade”. À vista disso, cabe ao Estado a missão de resgatá-la. Certo é que grande parte das maiores inovações mundiais tiveram investimento estatal, principalmente em setores de alto risco e de alta incerteza, tendo no ato de investimento de ao risco, o verdadeiro espírito empreendedor. Pelo exposto, a autora afirma que:

Embora haja uma tentativa de desviar da argumentação principal quando se trata de o Estado agindo como verdadeiro empreendedor, é certo que “a maioria das inovações radicais, revolucionários, que alimentam a dinâmica do capitalismo aponta para o Estado na origem dos investimentos ‘empreendedores’ mais corajosos, incipientes e de capital intensivo”. (MAZZUCATO, 2014, p. 26).

É preciso estabelecer um novo marco tendo o Estado como protagonista do desenvolvimento, por exemplo, no setor da inovação. Há de se desnudar e desmistificar a real história das maiores inovações mundiais, como a internet, que nasceu no auge da Guerra Fria dentro do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, departamento esse que pertencia ao Estado. O que Mazzucato (2014) pretende é mostrar uma ligação direta entre governo, empreendedorismo e inovação.

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[...] a maioria das inovações radicais, revolucionárias, que alimentaram a dinâmica do capitalismo [...] das ferrovias à internet, até a nanotecnologia e farmacêutica modernas [...] aponta para o Estado na origem dos investimentos [...] empreendedores mais corajosos, incipientes e de capital intensivo. (MAZZUCATO, 2014, p. 26).

Ao deixar o Estado de lado, a ordem política e econômica descarta um polo importantíssimo para uma economia saudável e favorável ao desenvolvimento. Muito embora essa importância seja percebida por alguns países e instituições que, constantemente, promovem melhorias e investimentos tendo o Estado como origem, ela ainda é muito distante do ideal.

É fundamental a criação de processos de disseminação de informações tendo o governo como principal indutor do empreendedorismo e da inovação nos territórios, além da promoção de espaços de interação e sensibilização, que envolvam tanto os gestores públicos, quanto empresários e sociedade civil. A criação de ações coordenadas sobre o estímulo ao empreendedorismo, precisam de articulação, constituindo um plano de ação para criar um ambiente mais propício a este tipo de atividade.

Não obstante todo o esforço empregado do mundo inteiro para a regulamentação de normas e procedimentos de incentivo ao empreendedorismo, é notória a existência de um grande desafio a ser trabalho pelos governos locais, já que a lógica neoliberal relaciona a atividade empreendedora a inciativa privada.

Além deste fato, no Brasil por exemplo, o Estado, precisa se apropriar efetivamente da criação deste tipo de política pública como forma de imprimir maior dinamismo às cidades, e permitir um crescimento estruturado das empresas, o que, consequentemente, contribuirá para uma maior propensão a acelerar jornadas de inovação, promover desenvolvimento regional, e para a maior transparência em relação aos gastos públicos.

Vale salientar que, caso não chegue ao mercado, a inovação tecnológica não consegue alterar o sistema e a ordem econômica na atual conjuntura. Então não basta incentivar processos de empreendedorismo é preciso constituir políticas que pavimentem o caminho até que o negócio esteja maduro para colocar o produto/serviço no mercado ou do desenvolvimento de tecnologias para os governos.

O capitalismo, como se apresenta atualmente, mantém o seu núcleo estrutural de atuação (poder e dominação) por intermédio de seus alicerces sociais. O ponto central é que o investimento sob a ordem estatal precisa ser sustentável, inteligente e inclusivo para que alcance o máximo de eficiência.

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Fato é que, quando ocorre a mudança de um paradigma ou de um determinado padrão comportamental por meio da inovação tecnológica, a vida das pessoas tende a se modificar, em função do uso de novos artefatos. Daí em diante quanto mais a tecnologia se desenvolve, mais transformado e dinâmico fica o trabalho das pessoas que a utilizam, uma vez que ao incorporá-la à realização das tarefas, não somente agregam novas formas de fazer como também passam a trabalhar na velocidade com que os equipamentos funcionam. (TERRA; BATISTA; ALMEIDA 2010, p. 83).

A inteligência artificial, por exemplo, tem apresentado traços racistas, reproduzindo preconceitos e estereótipos, como os elencados em um estudo recente da Revista Science (OBERMEYER et al., 2019), afinal de contas, por trás do algoritmo existe um ser humano programador(a), que programou determinada tecnologia com a reprodução dos seus preconceitos e limitações, além é claro, dos interesses de um mercado que visa somente ao lucro.

A desigualdade entre Estado e Mercado foi naturalizada com tanta veemência e violência a ponto de acharmos que ela é comum. Por tudo o que foi exposto, resta pontuar que há uma espécie de miopia na forma como o Estado tem sido percebido pela sociedade ao longo das últimas décadas, muito por conta das tentativas propostas pelo sistema neoliberal de traçá-lo como um vetor para o atraso do desenvolvimento mundial. A narrativa criada é objeto importante a ser mencionado neste trabalho, como podemos ver no estudo do PMDB (2015) em parceria com a Fundação Ulysses Guimarães:

No Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em déficits elevados, e a tendência do endividamento do Estado, tornou-se o mais importante obstáculo para a retomada do crescimento econômico. O desequilíbrio fiscal significa ao mesmo tempo: aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado. Tudo isto somado significa estagnação ou retração econômica. Sem um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio duradouro das contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento e a crise deve se agravar ainda mais. Esta é uma questão prévia, sem cuja solução ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar a economia será inútil. Nenhuma visão ideológica pode mudar isto. (PMDB, 2015, p. 5).

A lição extraída das palavras de Mazzucato (2014) é a de que precisamos acabar com o mito de que o Estado é fundamentalmente letárgico, burocrático e devagar e que ele só cria projetos de infraestrutura enquanto a iniciativa privada mostra-se como moderna, dinâmica, proativa, conectada e inovadora. O Estado precisa se apresentar para sociedade como estratégico, ativo e direcionado para a resolução dos problemas públicos, interagindo de maneira dinâmica e equânime com o setor privado. Apenas desse modo, haverá transformação

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na forma como os setores econômicos interagem quando enfrentam desafios sociais, ambientais, econômicos e/ou tecnológicos.

As ideias de Mazzucato vão de encontro a lógica de que as políticas públicas nasceram para resolver um problema público como aponta Secchi (2013), seja ele a fome, a desigualdade, a falta de acesso à tecnologia, a disparidade entre grandes e pequenas empresas etc. Segundo ela, a economia deve servir às pessoas, e não o contrário, como preceitua a agenda neoliberal. Mazzucato aponta a combinação das perspectivas de Keynes e Schumpeter, de maneira que seja possível assimilar crescimento e igualdade de maneira equânime. A atuação de um Estado forte, se bem estruturado tem o poder de incentivar e minimizar os riscos da atividade empreendedora e por consequência das iniciativas de inovação.

Há uma premissa de que não houve experiência neoliberal de desenvolvimento em nenhum lugar do mundo contemporâneo sem a presença forte do Estado. Por isso, precisamos de um sistema econômico baseado nas necessidades e nas capacidades de cada pessoa, criando formas de fazer a produção e a distribuição da produção acontecer com justiça social. Além disso, necessitamos gerar renda a partir de trocas digitais, que se tornam centrais durante crises como a que estamos vivendo com a pandemia da Covid-19. Encontrar esse caminho, do equilíbrio e da ressignificação do próprio Estado, é caminhar rumo a uma sociedade pós-capitalista e mais consciente.

2.3 DESENVOLVIMENTO PARA EQUIDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO

O conceito de desenvolvimento, ainda hoje, é bastante estudado. As delimitações sobre as suas diversas dimensões e correntes de análise vêm sistematicamente se alterando ao longo dos períodos e dos processos históricos da sociedade numa tentativa de dar exatidão e consenso ao seu “melhor” significado.

As condicionantes avaliadas para estabelecer se determinado local é ou não desenvolvido ainda são controversas, sendo para alguns o resultado da mensuração de indicadores, como a diminuição da pobreza, o Índice de Gini, as capacidades individuais de acesso, os índices de desenvolvimento sustentável, as liberdades, o PIB, a renda per capita, entre tantos outros. Sob essa perspectiva, por exemplo, temos a ideia de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, em que o primeiro grupo de países conta com indicadores mais favoráveis do que o segundo.

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Dado que diferentes correntes econômicas interpretam diferentes indicadores de progresso econômico e dependem substancialmente de como o poder político local está estruturado, essa análise fica ainda mais complexa. Adelman (2001) canaliza essas percepções com as respectivas citações:

O PIB apenas indica o potencial nacional para melhorar o bem-estar da maioria da população – não a extensão a qual a sociedade entrega esse potencial. (ADELMAN, 2001, p. 117)

[...] o desenvolvimento é um [...] processo que depende das condições iniciais do país e da sua história econômica, institucional, sociocultural e política. (ADELMAN, 2001, p. 130).

Com o final da Segunda Guerra, os estudos sobre desenvolvimento passaram a ter protagonismo nas preocupações mundiais e a ocupar um lugar importante na agenda de cientistas sociais latino-americanos. De forma inicial, imaginou-se um modelo condicionado a generalização de necessidades e a aceleração da produção industrial. (ARNDT, 1987)

Até meados da década de 70, duas correntes dividiam o pensamento dos pesquisadores das ciências política e econômica: a liberal e a estruturalista. A primeira, considerava crescimento econômico e desenvolvimento de forma geral como sendo sinônimos, acreditando que a promoção das individualidades e da meritocracia era o grande fundamento do desenvolvimento social, além disso, tinha o mercado como o mecanismo regulador das estruturas econômicas. Já a corrente estruturalista, advinda dos estudos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), dirigida pelos pesquisadores Raúl Prebisch e Celso Furtado, repensava a lógica supramencionada, entendendo que as dimensões para tal análise seriam muito mais heterogêneas, dado os diferentes contextos sociais, históricos e políticos de determinado território, os quais eram impactados por diversas variáveis, camadas e estruturas de análise.(FURTADO, 2000)

No Brasil, a título de exemplo, sofremos forte influência do nosso processo de colonização, que moldou, substancialmente, a forma como pensamos o desenvolvimento por aqui. A transmigração da família real portuguesa para o Brasil trouxe a estrutura financeira, mercantil e escravocrata existente na metrópole, fruto da expansão napoleônica que avançava em diversos territórios da época.

Cabe destacar que o modelo colonial de estratégia de desenvolvimento do país é mantido até os dias de hoje com o seu centro de poder e comando formado por grandes latifundiários e oligarquias. As terras foram retiradas dos povos originários, transformadas em

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capitanias e doadas a pessoas da elite portuguesa com grande influência em Portugal, o que pode explicar a raiz do problema de concentração fundiária existente por aqui, além do forte marco da desigualdade.

Ainda sobre o Brasil, o privado se sobrepôs ao público sem que pudesse construir uma noção de bem comum compartilhado por todos. Assim, as elites continuam a formular políticas para manter os seus privilégios, retardando qualquer tentativa de um projeto de desenvolvimento mais democrático e inclusivo.

A partir da consolidação desses mitos, a sociedade brasileira incorporou a perspectiva liberal e dominante de que o Estado teria inviabilizado o desenvolvimento do mercado e, por consequência, o desenvolvimento econômico e a diminuição das nossas desigualdades. A esse respeito, Kliass (2016) discorre que as

Capacidades estatais e instrumentos governamentais, porquanto potentes no caso brasileiro, não trabalham sob a lógica do desenvolvimento (includente, sustentável, soberano, democrático), e sim sob constrangimentos jurídicos e liberais do Estado mínimo, construídos e aplicados cotidianamente para impedir ou dificultar o gasto público real, seja em políticas sociais ou em investimentos estatais. (KLIASS, 2016).

Em outro trecho o mesmo autor acrescenta que:

Assim, a ineficiência do Estado decorre da contradição latente entre os projetos de ambição desenvolvimentista e os instrumentos de governo de cunho liberal. O sistema financeiro pressiona para dificultar ou bloquear o gasto público real, mas deixando praticamente livre de restrições o gasto público financeiro que sustenta o pagamento de juros aos rentistas de plantão. (KLIASS, 2016).

É nesse contexto de complexidade que aportamos ao tratar de um tema tão amplo. Desse modo, não temos a pretensão de esgotar as múltiplas teorias existentes, dado que são muitas as implicações sociais resultantes dos processos históricos e políticos de construção de cada território. Seria injusto afirmar que somente um modelo de desenvolvimento funciona, se considerada a pluralidade de fatores a serem avaliados.

Para Furtado (1974), o desenvolvimento acontece quando as dimensões humanas se abrem para a capacidade criativa, realçando a importância de “parâmetros não econômicos” dos modelos macroeconômicos. O processo deve ser iniciado com uma maior participação do povo nas decisões.

Leite (2006) reforça que o desenvolvimento é endógeno, tem influência dos processos de inovação e só pode ser entendido quando o todo, e não apenas uma fração dele, é analisado.

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Já Haq (1978) acredita que o desenvolvimento é uma forma de combater a pobreza e distribuir de forma mais equânime o trabalho e a renda. O autor contrapõe parte da doutrina que observa somente à dimensão quantitativa em sua análise, segundo ele “a numerologia, os controles excessivos, a ilusão do investimento, o modismo do desenvolvimento, a dissolução entre o planejamento e a implementação, a desconsideração dos recursos humanos e o crescimento sem justiça” (HAQ, 1978, p. 27).

Não basta, por exemplo, aumentar a atividade econômica no município, é necessário considerar os custos resultantes desse desenvolvimento: uma empresa que polui os rios de um município como parte das suas atividades gera um custo ambiental e social alto (uma vez que as pessoas adoecem em função da contaminação da água e da terra). Sobre tal impasse conceitual, bem observa Scatolin (1989):

Poucos são os outros conceitos nas Ciências Sociais que se têm prestado a tanta controvérsia. Conceitos como progresso, crescimento, industrialização, transformação, modernização, têm sido usados frequentemente como sinônimos de desenvolvimento. Em verdade, eles carregam dentro de si toda uma compreensão específica dos fenômenos e constituem verdadeiros diagnósticos da realidade, pois o conceito prejulga, indicando em que se deverá atuar para alcançar o desenvolvimento. (SCATOLIN, 1989, p.06).

Com o passar dos anos, temos observado que o crescimento econômico e a acumulação de riquezas, sozinhos, não perfazem o desenvolvimento. Isso posto, novas ideias sobre o que é desenvolvimento começaram a emergir.

Temos no relatório de Desenvolvimento Humano de 2014, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que o progresso não será equitativo nem sustentável, a menos que políticas públicas mais consistentes floresçam e tenham como horizonte a questão das vulnerabilidades (PNUD, 2014). O resultado social não pode ser visto em segundo plano como uma mera consequência da transformação econômica. Portanto, o progresso equitativo e sustentável e as políticas públicas precisam, de fato, andar juntos.

Desse modo, a construção de um conceito mais equânime de desenvolvimento passa pela compreensão de que é fundamental garantir as condições humanas básicas para uma vida saudável. O foco está na educação das pessoas, mas também envolve as condições de saúde física, mental e emocional, como o aumento da autoestima, a segurança alimentar, a moradia, o saneamento, a renda, os serviços públicos, o lazer e a cultura. Nessa linha, o ser humano é entendido como ator principal desse processo multidimensional, sendo o sujeito de construção da sua própria vida.

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Em complemento a esse pensamento, Franco (2000) aponta que existe uma função maior para o desenvolvimento atrelado à sustentabilidade, que passa por melhorar a qualidade de vida, desta e das próximas gerações. Segundo o autor, “Desenvolvimento deve significar melhorar a vida das pessoas (desenvolvimento humano), de todas as pessoas (desenvolvimento social), das que estão vivas hoje e das que viverão no futuro (desenvolvimento sustentável)” (FRANCO, 2000, p. 3).

Nessa breve análise, temos a promoção do desenvolvimento como um dos maiores desafios da humanidade nos próximos anos, visto que, apesar de estarmos vivenciando a chamada “revolução tecnológica”, ainda existe mais de 1 bilhão de pessoas (um quinto da população mundial) vivendo com menos de $ 1,00 (um dólar) por dia.

Pelo exposto, optamos por partir da ideia de que desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico e progresso científico, ainda que exista uma relação importante entre os dois e que o entendimento da sinergia dos conceitos será importante para os capítulos seguintes. Introduziremos neste estudo a tese defendida pelo Nobel de economia, Amartya Sen. (2000, 2010, 2011 e 2012) de que o desenvolvimento não deve ser visto apenas como um fim em si mesmo, mas como um processo de expansão das liberdades individuais.

O autor chama a atenção para a construção de uma teoria mais inclusiva de desenvolvimento, tratando-a não somente como uma condicionante de acumulação de riquezas, aumento de capital e crescimento econômico acelerado, mas também como um conjunto de fatores que influenciam as dimensões da vida da população — aspectos sociais, econômicos, políticos ou ambientais — e a expansão das liberdades. De acordo com a teoria do economista:

[...] a expansão da liberdade é considerada (1) o fim primordial e (2) o principal meio do desenvolvimento. Podemos chamá-los, respectivamente, o “papel construtivo” e o “papel instrumental” da liberdade no desenvolvimento. O papel construtivo relaciona-se à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana. As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como por exemplo ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição [...] bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc. (SEN, 2000, p. 55).

O entendimento do conceito de liberdade, segundo Sen (2011), é muito importante, pois oferece a oportunidade de escolha ao indivíduo, de como ele pretende e quer viver. A partir dessa ideia, destaca-se o acesso ao direito de decisão propriamente dito, com o qual o indivíduo faria as escolhas que entendesse como necessárias para ele, sem se sentir forçado pela falta de instrumentos básicos para sobrevivência ou por regimes políticos autoritários. Sobre esse ponto:

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O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de Liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição Social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. (SEN, 2000 p. 18).

Sen (2000) não elimina a importância dos fatores relacionados ao crescimento econômico, como indicativos importantes de expansão das liberdades, mas contrapõe visões mais conservadoras que, como falamos, ainda relacionam o desenvolvimento unicamente a esse aspecto. Em resumo, o autor coloca o crescimento econômico não como um fim, mas como marco inicial do encadeamento virtuoso das liberdades:

As liberdades dependem também de outras determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas). (SEN, 2000, p.52).

Em um mesmo pensamento, Sen e Kliksberg (2010) dissertam que:

Essas relações são essenciais para uma compreensão mais plena do papel instrumental da liberdade. O argumento de que a liberdade não é apenas o objetivo primordial do desenvolvimento, mas também seu principal meio, relaciona-se particularmente com esses encadeamentos. (SEN; KLIKSBERG, 2010, p. 58).

Essa perspectiva permite considerar que fatores utilizados pela maioria das instituições econômicas ao redor do mundo — como PIB, renda per capita, desenvolvimento tecnológico, entre outros —, na verdade, não são os fins pelos quais o desenvolvimento está circundado, e sim os meios utilizados para ultrapassar as restrições às liberdades. Para Sen (2000), o ponto crucial desse processo é a perspectiva de que quanto mais livres, mais os indivíduos conseguem moldar seus destinos.

Em suma, o objetivo fundante da teoria de Sen e Kliksberg (2010), quando conceituam desenvolvimento como liberdade, é demonstrar que o desenvolvimento pode ser visto através de um processo de expansão do acesso aos direitos reais dos seres humanos. Tal pensamento torna a análise ainda mais complexa, à medida que, ainda que a renda per capita seja baixa, se o indivíduo de determinado território tem acesso a todas as liberdades fundamentais listadas por ele, de fato, viveria em um local mais próximo ao que chamamos de desenvolvido.

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