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ATIVISMO BRASILEIRO: UMA ESTRATÉGIA AUTONOMISTA COLECTIVIDUAL Ativismo brasileiro : a collectividual autonomist strategy

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Volume 2 | Número 2 | Ano 2020

ISSN 2596-268X

ATIVISMO BRASILEIRO: UMA ESTRATÉGIA AUTONOMISTA COLECTIVIDUAL

“Ativismo brasileiro”: a collectividual autonomist strategy

André Luis Leite de Figueiredo Sales1

Flávio Fernandes Fontes2

RESUMO

Este artigo teórico-bibliográfico dá continuidade à discussão de dados e resultados encontrados ao longo de cinco anos de pesquisa sobre as transformações nas gramáticas de protesto e contestação social na cena pública brasileira desde junho de 2013. Argumenta-se que, no Brasil, o termo ativismo nomeia uma estratégia de ação coletiva para interferir nas normas sociais vigentes cujas características são: a) valorização da autonomia dos sujeitos; b) uso de estruturas organizativas em rede; c) emprego das Tecnologias da Informação e Comunicação para sustentar arranjos organizacionais. Tais características são analisadas, compreendidas, e criticadas usando: a teoria da Posição Ativista Transformadora, proposta por Anna Stetsenko para o desenvolvimento humano, e a compreensão de autonomia como arte de organizar esperança, desenvolvida por Ana Cecília Dinerstein. Ao usar uma ontologia colectividual, a análise sublinha a complementaridade do desenvolvimento individual e social; explicita as condições sob as quais a autonomia pode ser uma hipótese de ação que aposta no caráter processual e inacabado da realidade; define agência tanto como uma condição para, como um produto do processo ativo e intencional através do qual os jovens ativistas usam suas atividades no Presente, para construção do Futuro que estão comprometidos em produzir. Na conclusão ressalta-se a necessidade do uso de abordagens multidisciplinares para abordar o fenômeno e convida-se os pesquisadores do campo da Psicologia Sócio-Histórico-Cultural a se ocuparem mais das práticas daqueles sujeitos que trabalham ativamente na invenção do Futuro.

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Email: andreluislfs@gmail.com 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Email: flaviofontes@outlook.com

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Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade Brazilian Journal of Socio-Historical-Cultural Theory and Activity Research

Palavras-Chave: Agência; Autonomia; Ativismo; Psicologia Histórico-Cultural; Protesto.

ABSTRACT

This theoretical-bibliographic article continues the discussion of data and results found over five years of research. The goal is to understand the transformations in the grammars of protest and social contestation occurring in the Brazilian public scene since June 2013. It is argued that, in Brazil, the term “ativismo” designates a collective action strategy to interfere in the current social norms whose characteristics are: a) valuing the subjects' autonomy; b) use of networked organizational structures; c) use of Information and Communication Technologies to support organizational arrangements. Such characteristics are analyzed, interpreted, and criticized using: the theory of the Transformative Activist Stance, proposed by Anna Stetsenko for human development, and the understanding of autonomy as an art of organizing hope, developed by Ana Cecília Dinerstein. Using a collective ontology, the analysis stresses the complementarity of individual and social development; it explains the conditions under which autonomy can be a hypothesis of action that takes the risk of considering reality as a process in the making; it defines agency both as a condition for, and as a product of, the active and intentional process through which young “ativistas” use their activities in the Present to build the Future that they are committed to producing. In conclusion, the need to use multidisciplinary approaches to address the phenomenon is emphasized and researchers in the field of Socio-Historical-Cultural Psychology are invited to be more engaged in the praxis of those individuals who work actively to invent the future.

Keywords: Agency; Autonomy; Activism; Cultural-Historical Psychology;

Protest.

1. Introdução

O texto do Movimento Passe Livre São Paulo na coletânea Cidades Rebeldes antecipa aquilo que aconteceria nos anos seguintes na cena pública brasileira: “não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo” (MPL, 2013a, p. 13). Nos sete anos que separam junho de 2013 de junho de 2020, pessoas andaram juntas pela rua para protestar a favor e contra o impeachment presidencial de Dilma Rousseff, para apoiar ou se contrapor ao presidente eleito Jair Bolsonaro, bem como se manifestando sobre temas tão diversos quanto a reforma da previdência, a reforma trabalhista, os investimentos em educação, o racismo e o combate à corrupção (LEITE, 2020).

Alonso e Mische (2017) tratam os levantes de junho 2013 como a “abertura de um largo ciclo de protestos, formado a partir de distintos atores,

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preocupações, processos e resultados (...) que mudaram rapidamente ao longo do tempo, desenvolvendo-se de formas muito diferentes” (p. 145)3. No contínuo desse ciclo, as posições políticas defendidas por aqueles que tomavam as ruas para protestar mudaram, os repertórios de luta usados nas manifestações se diversificaram e os arranjos organizacionais preferenciais usados pelos sujeitos que protestam foram se transformando.

Integrantes do Movimento Passe Livre em Brasília (SARAIVA, 2010), Florianópolis (LIBERATO, 2014) e São Paulo (MPL, 2013a), nomeando-se ativistas, e caracterizando sua forma de agir como ativismo, desafiaram as formas de organização típicas dos militantes e das militâncias usando arranjos organizacionais “fluidos, fragmentados, horizontais” (GONH, 2018, p. 120). O termo ativismo é um signo importante de mudança da cultura contestatória em curso no país (GONH, 2018; SALES, 2019) e comporta os sentidos de repertório, estratégia e instituição (SALES; FONTES; YASUI, 2019).

Falando dos modos de organização dos jovens que protagonizaram os episódios de junho de 2013, Sousa (2014) pontua detalhes importantes para compreensão das novidades associadas ao uso do termo ativismo no Brasil.

As organizações de ativistas não se enquadram no conceito de partido, diferindo quanto à organizacidade [sic] e, em algumas, o processo decisório se faz pela horizontalidade, decisões consensualizadas e militância “não obrigatória”, e sim voluntária. Em que a manutenção dos seus propósitos, da sua “pauta” de objetivos políticos se faz na continuidade para um sentido de compromisso e não pela disciplina assemelhada a uma obediência burocrática e dirigida (Sousa, 2014, p. 60).

Ativistas valorizam a dimensão individual da ação coletiva, estão atentos para as necessidades singulares dos sujeitos envolvidos nas ações e se esforçam para construir o compromisso com os objetivos da luta coletiva, sem ignorar, ou minorar, as particularidades de cada um dos atores que compõem seus coletivos (SALES, 2019). Não por acaso, esse modo de agir foi empregado em disputas ligadas às necessidades concretas e imediatas da vida cotidiana em grandes centros urbanos, tais como transporte público e educação.

Gohn (2016; 2018) reconhece que o ciclo de protesto em curso desde 2013 se distingue dos clássicos movimentos sindicais, operários e agrários; das lutas contra regimes ditatoriais na América Latina durante a década de 70 do século passado; e também dos novos movimentos sociais, os quais organizavam sua coerência simbólica ao redor de construções identitárias sólidas. Os participantes do ciclo atual afastam de si o título de militantes e recusam ser

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Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade Brazilian Journal of Socio-Historical-Cultural Theory and Activity Research classificados como integrantes de um movimento.

Usualmente autodenominam-se como pertencentes a coletivos. Não têm liderança, mas todos são líderes. Auto produzem imagens com discursos sem referência a tempos do passado, como se não tivessem outras memórias incorporadas além de si próprios (GOHN, 2016, p. 134).

Os coletivos, ao contrário de movimentos ou outras formas mais tradicionais, são agrupamentos fluidos, fragmentados, horizontais, e muitos têm a autonomia e a horizontalidade como valores e princípios básicos (GOHN, 2018, p. 120).

Ao analisar os protestos de junho de 2013, Bringel (2013) pondera sobre os desafios analíticos trazidos pelos acontecimentos e recomenda atenção às relações entre os fatos que se desenrolavam no Brasil, e eventos semelhantes que vinham se espraiando pelo mundo. Dois anos depois (BRINGEL; PLEYERS, 2015), ele reforça o argumento das ressonâncias internacionais e pontua, como efeito delas, “um questionamento dos códigos, sujeitos e ações tradicionais que primaram no país durante as últimas duas décadas” (p. 4). Em 2020, além de insistir no caráter global das mudanças, Bringel reforça a interpretação de Gohn (2016, 2018) e aponta como característica dos levantes contemporâneos: “maior ‘descentramento’ da ‘forma movimento’ clássica; (...) ações e posições que combinam escalas diversas de maneira mais fluída; mudanças nas dinâmicas e instâncias de socialização política e nas visões de mudança social” (BRINGEL; SPOSITO, 2020, p. 3). Ele ressalta que todas essas transformações ganham contornos específicos de acordo com os contextos nacionais. No caso brasileiro, uma das marcas singulares é a escolha deliberada pelo termo “ativismo” como elemento da coerência simbólica dos integrantes dos coletivos contemporâneos, estabelecendo um tensionamento com o termo “militância”, ambos comportando as dimensões de repertório, estratégia e instituição (SALES; FONTES; YASUI, 2019).

Alinhados às ponderações de Bringel e Sousa, consideramos as mudanças nas ações coletivas no Brasil, em curso com maior intensidade desde 2013, como resposta local a três ordens de fatores globais: a) crise econômica atual do Capitalismo financeiro em curso desde 2008; b) reconhecimento dos limites e dificuldades das instituições dentro dos modelos democráticos representativos de alinharem-se aos interesses da maior parte das populações4;

4 Para compreensão dos dois primeiros fatores, recomendamos tanto a coletânea editada por

Marcos Ancelovici (ANCELOVICI; DUFOUR; NEZ, 2016), quanto o dossiê Movimentos Sociais e Transformações do Ativismo Contemporâneo, organizado por Breno Bringel e Marília Pontes

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c) difusão de uma estratégia de interferência nas normas sociais que aposta na autonomia como ferramenta para aumentar a agência dos jogadores envolvidos nas ações coletivas visando transformações sociais. O reconhecimento do caráter colectividual5 – simultânea e necessariamente coletiva e individual –

desse modo de agir em conjunto é uma contribuição original que os autores trazem para o debate e compreensão das formas de ação coletiva contemporâneas (SALES et al., 2020; SALES; FONTES; YASUI, no prelo).

Tatagiba e Galvão (2019) informam que “o padrão de protesto verificado nesse período [2011-2016] caracteriza-se pela combinação de duas dinâmicas distintas: polarização política e heterogeneização de atores e reivindicações” (p. 63). Essa heterogeneidade dificulta a localização dos participantes das ações coletivas ao longo do espectro político, e torna as categorias direita e esquerda imprecisas. Os movimentos sociais e protestos com os quais trabalhamos para compreender o ativismo brasileiro são heterogêneos entre si, partilham uma crítica voraz à legitimidade do sistema político, e fazem defesa intransigente dos direitos sociais – educação, saúde e transporte. Por isso, em vez de caracterizá-los como movimentos de esquerda, os trataremos como movimentos em prol do estado de bem-estar social, para diferenciá-los de outros movimentos na sociedade no período.

Na esteira dos eventos de 2013, o movimento de ocupação das escolas de ensino médio no estado de São Paulo em outubro de 2016, na chamada primavera secundarista, (RIBEIRO; PULINO, 2019) foi uma ocasião na qual a cultura de participação social e protesto juvenil (GOHN, 2018) apregoada pelo Movimento Passe livre continuou a ser manufaturada. Escrutinar essa experiência permite explicitar traços constitutivos do ativismo brasileiro (CORTI; CORROCHANO; SILVA, 2016; TAVOLARI et al., 2018).

Nesse artigo exploramos a dimensão estratégica do ativismo através da análise de modos de agir em conjunto, utilizados por grupos trabalhando em prol da construção do estado de Bem-estar social no Brasil entre 2013 e 2016. Nosso intuito é retificar algumas imprecisões analíticas encontradas na compreensão das transformações na cultura de participação social e ação coletiva no Brasil. Para tanto, usaremos como base empírica uma revisão de literatura nacional, a qual será discutida à luz de uma análise histórico-contextual-conceitual. Em suma, resgatando fatos e tendências existentes na década de noventa do século

Sposito (BRINGEL; SPOSITO, 2020). Nessas obras diversos autores analisam o ciclo global vigente de protestos de rua, em sua relação com a expansão da austeridade econômica nos gastos públicos em curso em diversos países.

5 A expressão proposta por Stetsenko em inglês é collectividual. Decidimos traduzir o termo por

colectividual e não por coletividual por dois motivos: a) para manter maior proximidade com o termo original; b) para que a sonoridade da palavra deixe ainda mais evidente a inseparabilidade dos termos conforme proposto na teoria.

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passado e conectando-os com acontecimentos dos últimos sete anos, adicionando a isso o elemento das transformações tecnológicas e seus impactos nas formas de organização coletiva, explicitaremos o terreno onde emergiram as novidades não inéditas que tomaram praças, ruas, internet e espaços públicos para defender a frágil proteção social brasileira.

Na seção “Rascunhos metodológicos”, explicitamos as escolhas e os caminhos percorridos para a construção de uma pesquisa realizada ao longo dos últimos cinco anos (SALES, 2019), e que tem parte dos seus resultados retomados aqui. Nesse artigo, seguimos explorando a seguinte tese: no Brasil, o termo ativismo nomeia uma estratégia de ação conectiva para interferir nas normas sociais vigentes. Para tanto, destacamos e analisamos três características constitutivas deste fenômeno. Em “Novidades não inéditas”, alinhados aos achados da literatura, reconhecemos e discutimos a valorização da autonomia por parte dos sujeitos que se dizem ativistas. Nessa seção abordamos a relação entre anarquismo e autonomia, argumentando que a valorização desta não significa uma mera repetição do ideário anarquista. Em “Organizações em rede” revisamos a ideia de espontaneidade presente em muitas análises iniciais sobre os eventos de junho de 2013 e sublinhamos a escolha por uma lógica organizativa que usa a rede para se contrapor intencional e agentivamente a um modelo hierárquico linear e unidirecional. Na terceira seção, “Ações conectivas”, analisamos a insuficiência da lógica de ações coletivas para explicar a racionalidade da estratégia ativista. O fazemos explicitando a relação entre o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e a criação de arranjos organizacionais que permitem aos sujeitos contribuir com a ação coletiva a partir de perspectivas singulares.

Por fim, em “Autonomia na clave da agência colectividual”, usamos as conclusões das seções anteriores para apontar como os três elementos discutidos criam condições para aumento da agência colectividual daqueles que fazem uso da estratégia ativista. O leitor notará aqui uma mudança de nível de análise, posto que passamos a ponderar sobre como a estratégia ativista impacta no curso do desenvolvimento daqueles que a empregam. Nossa teorização fundamenta-se no modelo da Posição Ativista Transformadora, proposto por Anna Stetsenko (STETSENKO, 2017). Sustentados nele destacaremos como o desenvolvimento individual e social são polos complementares do processo através do qual os jovens ativistas se inserem nos conflitos pela definição dos rumos da sociedade que teremos no futuro.

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A psicologia tem sofrido com concepções demasiado restritivas de método científico, como se fosse possível que a repetição mecânica de procedimentos consagrados pudesse garantir a produção de conhecimento significativo. Em contraposição ao fetichismo do método (KOCH, 1981), diversos autores têm defendido a importância da reflexão teórica para o avanço do conhecimento em psicologia, constituindo uma área de pesquisa própria, cujos parâmetros de investigação e validação do conhecimento se encontram em construção e debate (FONTES; FALCÃO, 2015; LAURENTI; LOPES; ARAÚJO, 2016; MARTIN; SUGARMAN; SLANEY, 2015). Dentro desta perspectiva é possível pensar o método como uma atividade crítica da busca do conhecimento, e não como receita ou técnica, sendo preciso levar em consideração a singularidade do fenômeno investigado na construção de um percurso investigativo (FURLAN, 2017).

Identificar traços definidores do ativismo brasileiro contemporâneo no momento em que ele ainda está se produzindo representa um desafio metodológico importante, que foi abordado através de distintas estratégias ao longo do percurso investigativo dos autores. O autor principal começou em 2015 um processo de investigação, ainda em curso, no qual tem trabalhado com: a) discursos e materiais elaborados pelos ativistas para apresentar-se para si mesmo e para quem os assistia (SALES, 2019); b) material jornalístico e audiovisual produzido e difundido nacionalmente sobre os ativistas (SALES et al., 2020); c) construção de estudo de caso sobre as ocupações das escolas estaduais de ensino médio paulistas em 2015-2016 (SALES; FONTES; YASUI, no prelo).

O presente artigo, de cunho predominantemente teórico-bibliográfico, dá continuidade à discussão de análises e resultados encontrados ao longo do trajeto de cinco anos de pesquisa. Partilha assim do mesmo material base resultante de revisão de literatura realizada em tese de doutorado (SALES, 2019). Trata-se de um processo de revisão hermenêutico, em que numerosos ciclos de busca, leitura, interpretação e escrita são realizados de forma interativa e não linear, visando atingir o ponto de saturação na compreensão de uma determinada problemática (BOELL; CECEZ-KECMANOVIC, 2015). Como táticas de pesquisa bibliográfica foram realizadas: buscas na Scientific Electronic Library Online (SciELO), entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, empregando as palavras-chave: “ativismo”, “protesto” e “estudantes”; análise “bola de neve” (snowballing), em que se utiliza as referências dos artigos encontrados como meio para encontrar outras publicações relevantes; incorporação de novas referências através de indicações de outros pesquisadores e serendipidade (descobertas não planejadas).

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Seguindo as diretrizes para tratamento de dados sugeridos por Patton (2015) submetemos os achados a: a) busca intencional de homogeneidade comparada, a qual identificou similaridades entre as conclusões expostas nos artigos coletados; b) busca conceitualmente orientada limitada por saturação, a qual evidenciou exaustivamente, nos dados trabalhados, traços distintivos da cultura de participação juvenil associada ao termo ativismo. Essa primeira análise serviu para identificar as principais ideias e conceitos que estavam sendo utilizados na literatura para compreender as transformações na cultura de participação política correlatas às jornadas de junho. Foi através dela que identificamos autonomia, desenho organizacional em rede e tecnologias de comunicação e informação como elementos importantes da estratégia ativista.

As análises e elaborações teóricas que fazemos aqui partem desses resultados e visam refinar conceitos utilizados para compreender a racionalidade movendo o ativismo brasileiro. Procuramos, principalmente, desenvolver uma re-interpretação das ideias presentes na literatura científica nacional sobre a estratégia ativista, a fim de torná-las mais precisas e acuradas. Fizemos isso identificando diretrizes que orientam a ação dos coletivos que se denominam ativistas e apontando como essas criam a condição para o exercício da agência colectividual (STETSENKO, 2020a).

Por fim, esclarecemos que, diferentemente do que acontece em outras concepções de metodologia, “a descrição de procedimentos metodológicos em pesquisa conceitual não tem a função de garantir a reprodutibilidade dos resultados” (LAURENTI; LOPES, 2016, p. 55). No entanto, a exposição dos pressupostos, referências teóricas, itinerário de leitura e ferramentas conceituais utilizadas permite que as construções aqui apresentadas sejam criticadas ou corrigidas, no contato dialógico com interpretações alternativas.

3. Novidades não inéditas

O trabalho de Sousa (1999, 2002, 2014) utiliza a categoria ‘juventude’ para analisar as transformações nos modos de contestação presentes na cena pública brasileira. Suas pesquisas indicam uma intensificação de formas de ação marcadas pelo distanciamento das instituições canônicas das democracias representativas e participativas. Essa tendência apresentava caráter minoritário até meados dos anos oitenta do século vinte, como explicitam as pesquisas sobre a cena underground urbana na periferia das grandes cidades. Contudo, a partir da segunda metade da década de noventa (SOUSA, 1999), ela vem se apresentando como marca distintiva, tanto da forma quanto do tipo de conteúdo

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Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade Brazilian Journal of Socio-Historical-Cultural Theory and Activity Research trazido à cena dos protestos juvenis.

Martins (2009) resgata diversos momentos onde a luta por educação utilizou-se da ocupação como repertório de protesto. Escrevendo sobre os acontecimentos de 2015, ele (MARTINS, 2016) confronta o argumento do ineditismo das ocupações e oferece pistas para a compreensão de influências outras, além do anarquismo presente nos movimentos por Justiça Global (ALONSO, 2017), que vem constituindo o ativismo brasileiro.

Os processos de ocupação da escola não são inéditos e ocorrem com mais frequência do que se pensa (…) Experiências como as que se deram junto ao movimento operário da década de 1910 e 20, principalmente sob a tendência anarquista ou, ainda, a luta das periferias pela democratização da escola pública, das mães por creches nas décadas de 1940 e 50, as escolas comunitárias que ainda hoje se espalham pelo Brasil ou, ainda, a prática das escolas do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, todas evidenciam que o processo de ocupação da escola se dá em vários lugares e em tempos distintos (MARTINS, 2016, s/n).

Apoio mútuo e solidário, ênfase da ação nos contextos locais, assim como alianças federativas entre entes independentes – princípios organizativos presentes na carta de princípios do Movimento Passe Livre São Paulo (MPL, 2013b) – são indubitavelmente valores organizacionais presentes em diversas tradições anarquistas. Contudo, tão apressado quanto dizer que ocupações e formas de agir fora da política institucional são elementos inéditos na cena de protesto nacional, é afirmar que os valores autonomistas presentes no ideário dos ativistas são uma simples importação de valores anarquistas.

A investigação de Liberato (2006) detalha como o ideário anarquista foi sendo retomado no cenário nacional através de movimentos urbanos. Esses experimentos foram criando uma cultura contestatória que reconhece a limitada capacidade do Estado de bloquear os avanços do sistema de produção capitalista por todas as dimensões das relações humanas, e convoca os indivíduos à ação direta. Oito anos depois, apresentando o livro escrito com base na sua pesquisa anterior, o autor destaca a presença de mais elementos no solo onde tem frutificado o fenômeno que temos nomeado de ativismo brasileiro. O pesquisador chama atenção para traços do “operaísmo italiano, do zapatismo mexicano, do neozapatismo (fruto do encontro do leninismo com a cultura maia) e também de um trotskismo heterodoxo presente em correntes internas do Partido dos Trabalhadores” (LIBERATO, 2014, p. 15-16).

Analisando a criação e difusão de uma cultura política amparada na ideia de autonomia, mundialmente associada a uma retomada do Anarquismo, Alcoff

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e Alcoff (2015) destacam que é necessário evitar compreendê-la como “simplesmente a nova face do anarquismo” (p. 230). Os autores reconhecem as seguintes diretrizes como sendo comuns ao anarquismo e ao autonomismo: auto-organização, ação direta, autogestão, ações voltadas para os contextos locais com foco nos problemas cotidianos, crítica à representação dos interesses dos menos favorecidos feita através do sistema partidário e da Democracia Representativa. Contudo, apontam uma distinção crucial entre o ideário autonomista contemporâneo e o anarquista: o modo como cada um deles concebe o conceito de autonomia. Nos meios autonomistas “(...) autonomia é pensada como sendo uma relação social, não uma habilidade individual autogerada, um imperativo moral ou valor político” (ALCOFF; ALCOFF, 2015, p. 232).

Autonomia não é um atributo essencial de um corpo biológico, ela não nomeia um impulso vital inato que o indivíduo usará para se autodeterminar ao longo de toda a sua vida. Não é um direito natural que ampara o livre arbítrio dos corpos. Não é, tampouco, uma faculdade psicológica intrapsíquica de indivíduos extraordinários. Na verdade, a autonomia é uma capacidade relacional diretamente proporcional à habilidade de um sujeito estabelecer conexões com outros sujeitos e com o ambiente ao seu redor, a fim de aumentar seu poder de ação naquele ambiente (SALES, 2019). As variações de autonomia de um sujeito dependem do contexto no qual se está inserido, e seu aumento envolve a construção de relações marcadas por independência colaborativa e solidária. Trata-se de uma capacidade ontologicamente colectividual (STETSENKO, 2018a).

Há um paradoxo aqui: ninguém pode fazer um outro autônomo mas é impossível tornar-se autônomo na ausência de um outro. Não por acaso o clamor autonomista dos ativistas brasileiros foi confundido com egoísmo e individualismo sintomáticos de “uma pulsão fascista, institucional, anti-representação e, no limite, anti-democrática” (LIMA; HAJIME, 2018, p. 91). Exploraremos essa questão adiante quando discutirmos a relação entre autonomia e agência.

A forma de ação dos ativistas do Passe Livre em 2013, dos secundaristas nas escolas em São Paulo em 2015, e de parte dos protestos que marcaram o ano de 2016, produziu em alguns a impressão de que esses modos de agir, além de terem brotado espontaneamente, apresentavam uma estratégia de ação coletiva sem precedentes históricos em nossa cena pública. No entanto, essa é uma conclusão apressada. Uma análise acurada permite compreendê-las como fruto da amplificação e maior visibilidade de uma forma contestatória que há muito tempo integra o lado menos conhecido das tentativas de intervir nas

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normas sociais no cenário brasileiro e que, mesmo tendo o anarquismo como uma das fontes inspiradoras, não pode ser compreendida exclusivamente como oriunda dele.

O ativismo brasileiro é produto de uma cultura de participação social e ação coletiva inspirada não só no anarquismo 2.0 dos alteromundistas (ALONSO; MISCHE, 2017), mas também no autonomismo latino-americano presente tanto nas disputas por auto-determinação, auto-gestão e auto-governo de grupos como os Zapatistas Mexicanos, Piqueteiros na Argentina e o Movimento dos Sem-Terra no Brasil (DINERSTEIN, 2015). A estratégia ativista está associada a atitudes, normas, crenças e valores partilhados por uma juventude que cresceu em um período de relativa estabilidade política, econômica e institucional no Brasil (ALONSO, 2017). A seguir, explorando a afinidade entre avanços tecnológicos e o ideário autonomista movendo o ativismo brasileiro, endereçaremos o mito da espontaneidade e da falta de organização dos ativistas (NUNES, 2014).

4. Organizações em rede

O fato de os ativistas do Movimento Passe Livre em 2013 terem recusado, e muitos membros de coletivos temáticos contemporâneos seguirem recusando, a estrutura organizacional dos partidos políticos, diretórios acadêmicos e centrais sindicais, e trabalharem com uma concepção de poder que aposta na ampliação da capacidade de ação dos sujeitos e não no disciplinamento dos seus comportamentos (SALES; FONTES; YASUI, 2018) contribuiu para a difusão das teses sobre o espontaneísmo e anarquia organizacional. Para retificar a ideia de que espontaneidade e desorganização seriam consequências decorrente do uso da estratégia ativista é preciso analisar com maior atenção as características e consequências de usar uma rede como modelo organizativo e estrutura organizacional (DAVIS et al., 2005).

Mason (2012) retoma as ideias iniciais de Walter Powel e nos lembra que o modelo organizacional em rede responde melhor a situações onde a qualidade da informação é um elemento fundamental, mas o processo de obtenção da informação em si é algo efêmero e incerto. Um modelo hierárquico é eficaz quando a organização tem objetivos claros a serem atingidos, o que demanda de seus membros o cumprimento de ordens transmitida através de comandos precisos, em situações estáveis em ambientes controlados. Estes arranjos são caracterizados por sua estabilidade e confiabilidade, e também sua inflexibilidade e inércia. Caso haja fluidez das informações, mudanças bruscas no ambiente e demanda de respostas criativas a eventos inesperados, o modelo

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Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade Brazilian Journal of Socio-Historical-Cultural Theory and Activity Research organizacional da rede passa a ser mais adequado.

Powell (1990) destaca que manter uma estrutura organizacional em rede demanda a construção de relações pautadas em reciprocidade e colaboração entre os atores, favorecendo um modelo relacional com ênfase na interdependência. A eficiência desse desenho organizacional depende não só da quantidade, mas também da qualidade das relações estabelecidas entre os diversos pontos que dão consistência a essa rede. Isso pois os laços organizacionais são sustentados por e através das relações estabelecidas entre atores. A premissa do modelo é que os sujeitos que compõem essa rede confiam uns nos outros e são capazes de produzir e difundir informações eficientes, confiáveis e adequadas, as quais serão usadas para guiar a organização na direção de seus objetivos táticos e estratégicos.

Há muito a ser pesquisado sobre as especificidades das formas de organização que vêm se apresentando nas ruas brasileiras com maior intensidade desde junho de 2013. Contudo, já é possível afirmar o seguinte: a produção de arranjos organizacionais desenhados em redes, sustentadas pelas relações solidárias entre os membros dos grupos, não tem nada de espontâneo. Classificar como espontâneo o tipo de atividade fruto desses arranjos indica a inadequação das ferramentas teóricas que temos usado para compreender o fenômeno e não o caos, imprevisibilidade ou ingenuidade dos atores na cena.

Renovar nossas lentes interpretativas permite entender, por exemplo, que durante as muitas vezes em que os secundaristas bradavam a frase “Sem liderança”, não estávamos diante de um convite ao caos ou à baderna. O grito apresenta uma demanda legítima e coerente com o modelo organizacional por eles performado: não há um ponto central que conduz todos os outros, mas múltiplos pontos dispersos aptos para exercer a função de condução caso seja necessário. No caso dos estudantes secundaristas em 2015, esse grito, muitas vezes entoado em momentos em que organizações como a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES) vinha com seus carros de som e palavras de ordens, anunciava a ideia de decapitar o líder carismático e redentor para, em seu lugar, afirmar a liderança como uma função a ser exercida da forma menos pessoalizada possível.

O grito dava sonoridade à proposta de que a estratégia compete à multidão e a liderança não passa de uma função tática, tão inconveniente quanto necessária (HARDT; NEGRI, 2017). Nos arranjos organizativos hierarquizados, ainda prevalentes em muitas organizações militantes, as decisões estratégicas e a condução das ações é feita por uma pequena vanguarda, despótica e esclarecida, a qual se relaciona com a massa do movimento através do líder carismático e popular (SALES; FONTES; YASUI, no prelo). Nos arranjos

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organizativos e nas ações ativistas existe o esforço intencional de produzir as decisões estratégicas de forma coletiva, o que é possível graças à prevalência de relações solidárias e de confiança mútua entre os membros

Nos coletivos ativistas não há um líder a ser preso, responsabilizado ou cooptado, mas líderes corresponsáveis pela condução do processo, tornando a cooptação ou captura de todos eles muito mais difícil. A decisão do Governo do Estado de São Paulo de levar um ônibus para prender todos os estudantes que ocupavam a Escola Estadual Newton Pimenta Neves, na cidade de Campinas, no dia 13 de outubro de 2016, parece já ter reconhecido que a estratégia ativista não é executada sem líderes; pelo contrário, ela se faz com muitos deles6. É prudente abandonar o argumento da ingenuidade e reconhecer que os ativistas brasileiros “podem e devem criar formas radicalmente novas e mais democráticas de exercício de poder, uma vez que essas são parte da reconstrução das relações sociais, da reconstrução dos processos de produção e troca” (BARKER et al., 2013, p. 14).

Se é possível falar em equívoco, nós pesquisadores devemos assumi-lo como algo a que devemos estar sempre atentos em nossas análises. É equivocado de nossa parte usar premissas de modelos organizativos centralizados para compreender estruturas organizacionais em rede. Afinal, seja de forma consciente ou não, o modelo organizativo e decisório proposto pelos jovens ativistas cria as condições descritas por Ganz (2000) para ampliar a capacidade estratégica de uma organização.

5. Ações conectivas

Durante o ciclo de protesto atual, a existência de ferramentas tecnológicas capazes de circular narrativas em primeira pessoa, transformando cada participante em um potencial produtor de conteúdo foi fundamental, tanto para a disseminação de informações sobre o ciclo de protesto em si, quanto para a pluralização dos discursos circulando na mídia televisiva que predomina no país (CASTELLS, 2013, 2015; ROMANCINI; CASTILHO, 2017). Impossível negar que a difusão desses recursos tecnológicos entre a população e o fato de que eles integram a vida cotidiana dos grandes centros urbanos do Brasil é correlato do surgimento de inciativas como o Centro de Mídia Independente, a Mídia Ninja

6 PM apreende alunos de escola ocupada e leva para delegacia. Publicado em 13/10/2016

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(Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) e mesmo do midiativismo7. As eleições presidenciais de 2018 no país evidenciariam a força e a relevância de arranjos organizativos em redes mediados por novas tecnologias de comunicação e informação (FIGUEIREDO, 2019).

Contudo, o debate sobre a função exercida pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs) no contexto da construção da ação coletiva no Brasil e no mundo segue aberto, intenso e plural. As análises variam consideravelmente, e as TICs são

ora percebidas como geradoras de novas possibilidades para o estabelecimento de vínculos sociais e, consequentemente, de ações coletivas diversas (de flash mobs até ações de

crowdfunding), ora entendidas como ameaças individualizantes

à construção de capital social (MENDONÇA, 2017, p. 131).

A análise que segue explicitará a relevância das TICs como instrumentos que favorecem a construção de autonomia, entendida como um efeito possível decorrente de um modo específico de relação estabelecido entre os sujeitos. Sublinharemos a eficácia dessas ferramentas

não apenas [para] difundir enquadramentos interpretativos de ações coletivas personalizadas e singularizadas mas também [para] destacar a relevância e sobreposição desses enquadramentos na construção de redes que facilitam a partilha dos mesmos (BENNETT; SEGERBERG, 2013, p. 41).

As TICs serão analisadas como dispositivos cruciais para a construção de relações através das quais a capacidade de agência individual é potencializada, e potecializadora, da ação institucional, uma vez que a rede passou a ser a própria unidade organizacional. O argumento sustentando é que através das TICs tornou-se possível criar e sustentar estruturas organizativas nas quais os integrantes são reconhecidos como tomadores de decisão estratégicas e executores das ações táticas. Elas favorecem que se partilhe o exercício do poder colectividualmente.

O estabelecimento de relações produtoras de autonomia tem como pressuposto o reconhecimento das singularidades dos entes em relação e a aposta na potencialização mútua dessas singularidades através de arranjos organizativos que ampliam o poder de agir dos sujeitos. Dito de outra forma, a produção de autonomia através das relações reconhece que “todas as pessoas

7 O termo vem sendo usado genericamente para descrever o uso das tecnologias de

comunicação e informação e comunicação como instrumento de luta política e tem ganhado maior relevância ao longo do ciclo de protesto iniciado em 2013 (MACIEL, 2012).

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importam e fazem a diferença no mundo das práticas comuns e partilhadas” (STETSENKO, 2018a, p. 368). Tal compreensão informa o modo como sujeitos usando a estratégia ativista manejam o conflito intra grupo.

Entes relacionando-se com vista ao aumento mútuo da sua autonomia partilham valores que os orientam em suas decisões singulares. Cada participante reconhece o outro membro do seu coletivo como apto a tomar decisões, orientado pelos princípios e diretrizes partilhados. As disputas entre os ativistas tendem a se concentrar em torno da construção dos valores comuns que orientam as ações e nos efeitos decorrentes das decisões tomadas. A competência dos sujeitos para participar de processos decisivos não é questionada, e as práticas de governo dentro dos coletivos ativistas podem ser exercidas de formas partilhadas em diferentes graus e de diversas formas. Há uma compreensão partilhada de que todos os sujeitos são potenciais tomadores de decisões, por isso as infindáveis e intermináveis assembleias são fundamentais, por representarem um momento de construção e aprendizagem dos valores e diretrizes a serem usadas no momento das decisões singulares (MAL EDUCADO, 2015; POLLETTA, 2002). A adoção de um modelo organizacional em rede e o seu uso deliberado para ampliação da autonomia dos ativistas brasileiros seria mais difícil na ausência das TICs.

A concepção de poder exercido em rede é o que move a racionalidade de ação conectiva conceituada por Bennett e Segerberg (2013). Partindo de uma descrença nas instituições da democracia representativa e apostando na capacidade de agência individual e disponibilidade de tecnologias de comunicação e informação para promover mudanças sociais, a ação conectiva é produzida através de redes nas quais cada indivíduo se conecta com outros, usando formas de expressão pessoalizadas e singularizadas. Ela é executada através de redes temporárias nas quais cada um dos indivíduos, expressando suas crenças, valores, ideias e estilo de vida, constitui um ponto crucial para sustentação da ação e da rede. “Nessa lógica conectiva engajar-se em uma ação pública, contribuir para a conquista de um bem comum se torna um ato de expressão pessoal, reconhecimento ou auto-validação” (BENNETT; SEGERBERG, 2012, p. 752).

O trabalho de Sousa (1999, 2014) já havia sublinhado o desejo dos jovens militantes brasileiros da década de noventa do século passado de aproximarem suas necessidades cotidianas e individuais das suas práticas políticas. Ação política era entendida entre os jovens estudados como uma das formas de expressar a individualidade. O grupo, o coletivo, ou qualquer que fosse o arranjo organizativo empregado para agir, deveria dar continência a essa necessidade de expressão. As TICs criaram as condições para fazer deste desejo uma

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realidade organizacional, na medida em possibilitaram que a ação conectiva seja disparada através da “partilha automotivada (ainda que não necessariamente autocentrada) de ideias anteriormente internalizadas, de planos, imagens e recursos com redes de outros sujeitos” (BENNETT; SEGERBERG, 2012, p. 753).

É no contexto de grande expansão do acesso e da personalização das formas de uso das TICs8, e no momento em que a lógica das ações coletivas começam a conviver com lógicas de ações conectivas (BENNETT; SEGERBERG, 2013) que grande parte daqueles que integraram as ações coletivas nos últimos anos no Brasil recusaram os termo militante e militância. Eles fazem isso como forma de afirmar em cena pública um outro modo preferencial de agir em conjunto.

A familiaridade com a tecnologia fez com que ativistas brasileiros pudessem dar consistência organizacional às inquietações dos movimentos sociais surgidos nos anos sessenta do século vinte. Isso pois ambos: a) não compreendem classe social como eixo primeiro e essencial produtor de todas as formas de opressão; b) recusam verdades inabaláveis e concepções totalizantes sobre mudança social; c) apregoam a indissociabilidade e coerência entre as mudanças desejadas e os meios através dos quais será possível alcançá-las (DAY, 2004).

Cabe aos cientistas do presente refinar suas teorias-ferramentas para compreender formas insurgentes de ação em prol da transformação social que já não apostam na revolução através do sistema de Estados Nacionais e corporações, e nem em reformas que aumentem, ou recuperem, a eficiência do sistema hegemônico de exercício de poder (DAY, 2005). Nesse artigo, escrutinamos palavras e afiamos conceitos para focar em elementos importantes nas ações que têm apostado “nas possibilidades oferecidas pelo deslocamento desse sistema” (DAY, 2004, p. 719).

6. Autonomia na clave da agência colectividual

Quando analisamos os sentidos de autonomia presentes nos materiais coletados para realização da investigação do ativismo brasileiro contemporâneo (SALES, 2019), sobressaem-se três eixos de sentido: a) independência dos Partidos Políticos, sindicatos demais organizações representativas clássicas; b)

8 A pesquisa ‘TIC Kids Online Brasil’, desenvolvida pelo Centro Regional de Estudos para o

Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) entre 2012 e 2015 evidencia esse aumento. Os indicadores analisados estão disponíveis em: https://goo.gl/i1TXq4 e foram acessados em 17 de outubro de 2020.

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assunção das necessidades singulares e imediatas dos sujeitos como ponto de partida das ações; c) ferramenta para construção aqui e agora de modos ainda não vistos de governar e ser governado.

Tais achados são congruentes com a compreensão feita por Anna Cecília Dinerstein (2015) da autonomia como traço distintivo dos movimentos de esperança (DINERSTEIN; DENEULIN, 2012). Segundo ela, autonomia nomeia um processo multifacetado envolvendo: a) atos de negação do status quo e o reconhecimento de que a realidade material é um processo constante de vir a ser; b) o uso da imaginação política para criação de novas formas de vida e atualização de utopias concretas; c) o manejo das contradições surgidas no processo de tentar se posicionar com, contra e para além das formas de vida e de governo vigentes; e, d) um excesso (surplus), fruto do reconhecimento de que a realidade comporta dimensões não atualizadas ainda (the not yet) (DINERSTEIN, 2015).

O espanto causado pelo afastamento e negação dos partidos políticos e das organizações tradicionais do campo progressista brasileiro (GONH, 2016, 2018), presente nos gritos de “ninguém nos representa” nas ruas e nas redes brasileiras desde junho de 2013, levou os estudiosos a destacar a dimensão negativa das práticas autonomistas. É preciso seguir investigando os sentidos da autonomia que permitem compreender como “organizações autônomas mobilizam algo que ainda não existe, mas que, mesmo assim, ocupa um lugar central nas políticas dos movimentos” (DINERSTEIN, 2015, p. 233).

Em estudos anteriores (SALES, 2019; SALES et al., 2020), atentos à “tensão antagonista entre forças positivas de criação e a negação dialética desafiadora envolvida na ideia de autonomia” (BÖHM; DINERSTEIN; SPICER, 2010, p. 27), evidenciamos as práticas prefigurativas no ativismo brasileiro. Fizemos isso debatendo o efeito produtivo dessas (MAECKELBERGH, 2011) tanto sobre a estratégia ativista (SALES; FONTES; YASUI, no prelo), quanto sobre a capacidade dos integrantes dos coletivos ativistas assumirem uma postura pró-ativa e transformadora em relação a si mesmos e suas comunidades (SALES et al., 2020). Naquela ocasião, tangenciamos a discussão das relações entre autonomia e agência colectividual. Traremos agora esse debate para o primeiro plano.

Muito dos participantes de ações coletivas e movimentos sociais contemporâneos são movidos pela possibilidade de criar ativamente normas sociais, e formas de exercício de poder, distintas daquelas que organizam o status quo vigente. Eles juntam esforços para “antecipar, imperfeitamente, realidades alternativas que emergem das brechas da realidade presente” (DINERSTEIN; DENEULIN, 2012, p. 585). Isso os faz particularmente

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interessados em aumentar sua capacidade de exercer “a função de formação do mundo e construção da história” (STETSENKO, 2020a, p. 7). Não por acaso, o debate sobre autonomia enquanto estratégia para contestação pública sublinha “implícita ou explicitamente – a relevância de práticas comunitárias de democracia direta organizadas localmente, formas anti-burocráticas de auto-gestão, e a rejeição do Estado como o lócus principal da mudança política” (DINERSTEIN, 2015, p. 233).

As articulações e mobilização dos ativistas brasileiros estão enraizadas “na vida cotidiana, no corpo, nas relações e nas práticas comunais. Essas lutas por formas alternativas de reprodução social são pré-figurativas porque elas desafiam o que é real na realidade e se ligam àquilo da realidade que ainda não está lá” (DINERSTEIN, 2017). Entender como os humanos constroem ativamente Futuros, através dos seus compromissos e ações no tempo Presente demanda reconhecer a inseparabilidade ontológica da criação e reprodução das práticas sociais e do desenvolvimento humano (STETSENKO, 2008; SALES et al., 2020). Isso é possível quando se abandona concepções mentalistas, biologicistas e reducionistas da subjetividade humana e se abraça uma compreensão desta enquanto “processo implicado no, produzido por, e derivado (ou inventado) das atividades mundanas, práticas e cheias de sentido das pessoas que juntas transformam seu mundo e são transformadas por ele” (STETSENKO, 2008, p. 474).

Anna Stetsenko desenvolveu sua obra em bases inegavelmente marxistas (STETSENKO, 2020b). Contudo, ela o fez tendo como estratégia metodológica, a premissa que: “aqueles que desejam trabalhar com ideias de outros, precisam estar dispostos a batalhar com esses outros” (STETSENKO, 2020a, p. 8). A autora tem recuperado a dimensão de transformação radical presente no projeto de Vygotsky (STETSENKO, ARIEVITCH, 2004; STETSENKO, 2020b) procurando aproximá-lo de formulações contemporâneas como “teoria crítica racial, pedagogia crítica, feminismo radical, entre outras perspectivas unidas na convicção de que a sociedade ocidental é completamente racista, sexista e opressiva” (STETSENKO, 2020c, p. 5). A forma aguerrida como Stetsenko se relaciona com a tradição do campo, e a diligência com que suas ideias trazem para o primeiro plano a ética de equidade sustentando a Psicologia Sócio-Histórica, a fazem evitar uma compreensão da realidade material focada prioritariamente nos “limites e [n]as dificuldades, e com isso, minorando a importância daquilo que é novidade, das formas como a luta de classes é constantemente reconfigurada” (BARKER et al., 2014, p. 15-16). Não por acaso, sua teoria de desenvolvimento humano e aprendizagem tem como título: “Posição Ativista Transformadora” (STETSENKO, 2017).

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Trabalhando na integração de conceitos e teorias de base sócio-cultural, a obra dela tem o objetivo de suplantar “dialeticamente a noção de relacionalidade com a noção de que a transformação intencional colaborativa do mundo é o cerne da natureza humana e o princípio de base para o desenvolvimento e a aprendizagem” (STETSENKO, 2008, p. 471-472). Revisando detalhadamente as premissas histórico filosóficas fundadoras do trabalho de Vygotsky, ela destaca o caráter constitutivo desempenhado pelas relações na produção da realidade material e subjetiva. “São as relações entre os organismos e o mundo (…) que ocupam a posição primária, campo fundacional no qual, e através do qual, o desenvolvimento humano emerge e acontece” (STETSENKO, 2017, p. 124).

Explorando as implicações de adotar o fluxo de relações como o sustentáculo da produção material, principalmente naquilo que ela permite superar antinomias como social-individual, inato-adquirido, mente-corpo, e até mesmo realidade objetiva e realidade subjetiva, ela propõe o neologismo colectividual, algo necessária e simultaneamente coletivo e individual, para nomear o terreno ontológico dinâmico, processual e dialético no qual, e através do qual, humanidade e realidade material se produzem mútua e continuamente por meio de atos intencionais dos humanos. Tal entendimento permite afirmar (STETSENKO, 2019) uma perspectiva ativa, intencional e transformadora como modo prioritário de relação, e de produção, dos humanos e do mundo. Fazer isso é desafiar as abordagens que compreendem a relação dos humanos com o mundo como consequência da adaptação a uma realidade dada e também aquelas que concebem a ação no mundo como marcada por reações semi automáticas aos estímulos externos.

A Posição Ativista Transformadora nos convida a compreender “as pessoas não como ‘sujeitos’ que adquirem conhecimento ou simplesmente participam nos contextos sociais, mas como agentes que produzem mudanças na ordem social vigente” (BIDEL, 2017, p. 57). A passividade, adaptação e conformismo são deslocados e, entram em cena “pessoas transformando colaborativamente seus mundos de acordo com seus objetivos e propósitos - um processo através do qual as pessoas passam a conhecer a si mesmas e ao mundo” (STETSENKO, 2008, p. 474). O giro conceitual trazido por essas postulações carrega consigo “a problematização da noção de realidade ‘como ela é’ no seu status quo, permitindo que ela seja substituída pela noção de realidade como o terreno das lutas e esforços daquilo que está por vir” (STETSENKO, 2018b, p. 441).

As práxis relacionadas à autonomia - negar, criar, contradizer, exceder - demandam que os ativistas reconheçam a dimensão inacabada disso que

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concebemos como realidade; alinhem esforços para imaginar e experimentar concretamente no presente, formas de vidas que antecipem os projetos de futuro com os quais eles estão comprometidos; naveguem por entre as contradições decorrentes das necessidades de “agir em conjunto, negociar, cooperar, confrontar e antagonizar” (DINERSTEIN, 2015, p. 255) tanto com o Estado, quanto como Mercado, e ainda gerenciem as tensões decorrentes do fato de que o excesso produzido por seus atos será disputado tanto pelo Estado quanto pelo mercado para produzir valor. Por isso, a estratégia ativista investe em arranjos organizacionais capazes de potencializar “agência pessoal, comprometimento e responsabilidade” (SALES et al., 2020, p. 281).

A concepção de autonomia informando a estratégia ativista não apenas pressupõe o exercício da agência dos participantes, como também o procura cultivar, se valendo, para tanto, das Tecnologias de Informação e Comunicação e da forma de organização em rede. Ativistas brasileiros aproximam os instrumentos e os arranjos organizacionais usados para prefigurar os mundos que desejam produzir, e, com isso, conjugam transformações pessoais e sociais (SALES; FONTES; YASUI, no prelo).

Práticas autonomistas põem a funcionar ciclos recursivos nos quais: a) condições organizacionais auxiliam as pessoas a reconhecerem a própria agência; b) nessa posição agentiva, os sujeitos conseguem se “engajar em práticas inovativas coletivas e individuais, as quais anunciam a realidade do porvir (not-yet-become)” (DINERSTEIN; DENEULIN, 2012, p. 594); c) a experiência vivencial de tomar parte naquilo que ainda não existe reforça o senso de agência colectividual potencializado pelas condições organizacionais; d) a relevância dos arranjos organizacionais e da forma de uso dos instrumentos de luta são reconhecidos como fundamentais aos exercícios de construção de realidade, sendo defendida enfaticamente pelos participantes.

A “virada transformativa na teoria sociocultural” (BIDEL, 2017) proposta por Stetsenko informa nossa compreensão de que a agência é um efeito necessário da posição ativa e transformadora que caracteriza o relacionamento dos humanos com o mundo. Por isso, ela é um elemento primordial para o exercício de autonomia enquanto “hipótese de resistência que carrega consigo o delineamento de novos horizontes para além daquilo que está dado como verdade” (DINERSTEIN, 2015, p. 2). Recursivamente, a autonomia, naquilo que ela permite aos humanos se comprometerem com as dimensões ainda não atualizadas da realidade e engajar-se colectividualmente na produção desse not yet, convoca/convida a reconhecer e amplificar sua própria agência colectividual, em um contexto marcado por ideologias de conformismo, neutralidade e imutabilidade desenhado pela afirmação imortalizada por Margareth Thatcher de

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Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade Brazilian Journal of Socio-Historical-Cultural Theory and Activity Research que “não há alternativa” ao paradigma de desenvolvimento do Capitalismo.

Na chave de leitura colectividual, autonomia pode ser pensada como a capacidade do sujeito em reconhecer sua dependência do mundo e dos Outros para suprir, colaborativamente, suas necessidades e expressar suas potencialidades, sem perder de vista a necessidade singular que o move, e o seu compromisso com a construção de uma dimensão da realidade que ainda não está aqui. Assim, autonomia e agência estão localizadas “na interseção dos planos individuais e coletivos, dentro do cenário dialético unificado da práxis humanas” (STETSENKO, 2020a, p. 10). Tal especificidade ressalta o caráter colectividual da estratégia ativista de transformação social descrita aqui e anteriormente debatida em outros produtos de nossas investigações (SALES; FONTES; YASUI, 2019; LEITE, 2020).

7. Considerações finais: afiando ferramentas para entender a invenção do futuro

A gramática usada nos protestos articulados pelos ativistas, e o compromisso radical de usar suas necessidades singulares e seu desenvolvimento pessoal como ponto de partida para a transformação social provocam vertigens e demandaram uma reimaginação do que era possível (MENDES, 2018). A rápida expansão de sentimentos de medo e desesperança provocado por mudanças significativas no curso político-institucional-econômico do Brasil dificultou a apreensão das dimensões afirmativas, criativas e imaginativas postas em cena por inúmeros cidadãos brasileiros construindo a, e sendo construídos pela, estratégia ativista. A forma como ativistas entre 2013 e 2018 trouxeram Futuros impossíveis para um Presente esterilizado por austeridades das mais diversas ordens afirma para aqueles que os assistem na sala de jantar a potência da esperança como alternativa ao medo (DINERSTEIN, 2019; LEITE, 2020).

A afirmação ativista nos convoca, enquanto comunidade científica, a ampliar nossos modelos teóricos (SALES et al., 2019), recolocar problemas (SALES, FONTES, YASUI, 2018) e refinar nossas ferramentas conceituais (TISCHLER, 2019) para navegar entre as tensões, paradoxos e contradições envoltos na construção de outros Futuros possíveis com, contra e para além de um Presente que, muitas vezes, nos impede de respirar. A trajetória por entre novidades não inéditas, modelos organizacionais, dispositivos tecnológicos contemporâneas e concepções ontológicas transformativas é tanto nossa resposta à demanda dos ativistas, quanto um convite.

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A inseparabilidade de meios e fins e a recusa em antagonizar desenvolvimento individual e social, estende a convocação dos ativistas para além dos Sociólogos, Cientistas Políticos e Antropólogos que tradicionalmente se ocupam do campo das ações intencionais para reescrever as normas do mundo. Pesquisadores interessados na renovação da Psicologia Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade, também são provocados a ingressar nesse debate, afinal, “entender que pessoas sempre contribuem para as práticas sociais (...) coloca [as] atividades que permitem os indivíduos transformar intencionalmente o mundo no centro do desenvolvimento do self” (STETSENKO; ARIEVITCH, 2004, p. 494). Seja você um ativista, um cientista ou observador, há uma mensagem importante: reconhecer que somos também participantes ativos nas relações que nos oprimem e tomar de volta a agência e o poder que geralmente sentimos ter nos sido roubado é possível e necessário. Nossos compromissos e atos no Presente são a arena na qual as batalhas pelo Futuro acontecem.

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Referências

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