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O telejornalismo como lugar de referência: a redução da complexidade nas sociedades contemporâneas

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O telejornalismo como lugar de referência:

a redução da complexidade nas sociedades contemporâneas

Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior1

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar um esboço de uma teoria do telejornalismo como um lugar

de referência. Entendemos que nas sociedades contemporâneas, em particular no Brasil, o jornalismo televisivo mais que o trabalho de mediação também desempenha a função de procurar esclarecer, explicar e orientar homens e mulheres sobre o mundo cada vez complexo que os cerca. Por isso, acreditamos que o telejornalismo desempenha hoje uma função no sentido de buscar tornar o mundo mais acessível, reduzindo a incerteza.

Palavras-chave: Telejornalismo - lugar de referência - redução da complexidade

1. Telejornalismo e cotidiano

Diariamente milhões de brasileiros e brasileiras sentam-se na sala, no quarto e na cozinha de suas casas, apartamento e casebre para assistirem aos telejornais nacionais no chamado horário nobre, em torno de oito horas da noite. A preocupação central é se informar sobre os fatos e acontecimentos do dia no Brasil e no mundo. Consideramos que se o objetivo básico da audiência ativa (BARKER, 2003) é informar-se, há outro não explícito, mas não menos relevante que é buscar compreender o mundo complexo em que vivemos.

Os estudos sobre esse fenômeno estão a exigir do mundo acadêmico, em particular, dos pesquisadores um olhar mais atento e maiores investigações sobre os telejornais que no dia a dia não só informam sobre o que está ocorrendo, mas cumprem funções jornalísticas que classificamos de exotérica, pedagógica e de familiarização que tem como preocupação tornar o cotidiano mais compreensível. Nesse sentido, os jornais televisivos cumprem um papel importante junto com

outras instituições na construção social da realidade

brasileira.(BERGER;LUCKMANN,1995 ).

Dentro desse contexto, o objetivo deste estudo é apresentar um esboço de uma teoria do telejornalismo como um lugar de referência. Como se trata de uma

1 Jornalista, doutor em Comunicação, professor e coord. do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade

do PPGCOM/UFPE. Prêmio Luiz Beltrão Liderança Emergente 2007. Autor de Decidindo o que é notícia : os bastidores do telejornalismo. (Porto Alegre: Edipucrs, 2005); O lado oculto do telejornalismo (Florianópolis : Calandra, 2005) e organizador de Telejornalismo : a nova praça pública (Florianópolis: Insular/UFSC, 2006) e de Sociedade do Telejornalismo (Petrópolis: Vozes, 2008). E-mail:

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--- proposta inicial ainda há questões a serem respondidas, lacunas e uma longa caminhada para que possamos apresentar um trabalho mais acabado. No entanto, consideramos importante continuar avançando nas investigações, nas pesquisas e na teorização pois os estudos que estamos realizando apontam cada vez mais para o telejornalismo como um lugar de referência que teria como uma de suas preocupações centrais orientar homens e mulheres no cotidiano. (VIZEU, CORRÊIA, 2008)

Para dar conta desse esboço teórico o trabalho está dividido nos seguintes momentos: a construção social do real no telejornalismo, o conhecimento do telejornalismo, a redução da complexidade e as relações de confiança.

Na construção das notícias os jornalistas mobilizam uma série de enquadramentos no complexo processo de produção da notícia que envolve produção circulação e consumo. Esses recortes vão moldando os fatos dentro das regras e normas do campo jornalístico(SÁDABA,2008). Por exemplo, há uma agenda de notícias diária em que alguns acontecimentos são selecionados e outros na cobertura.

Há também toda uma operação de descontextualização/contextualização dos fatos. Um acidente de carro com vítimas que é registrado por uma equipe de reportagem ao chegar na redação do telejornal não mais pertence ao contexto social em que acontece, uma rua da cidade, e será editado para entrar no noticiário televisivo através de uma série de enquadramentos até ser apresentado no noticiário: algumas imagens serão selecionadas, a organização da notícia vai ser enquadrada dentro das regras do jornalismo e o fato entrará no telejornal associado a outras notícias que,necessariamente, não tem relação com o acidente.

Como bem observa Chandler (2005) os fatos que vão virar notícias não são só selecionados, mas ativamente construídos. Ele observa que ao fim de uma entrevista gravada são feitas imagens de detalhes da entrevista para serem utilizados na edição da fala do entrevistado. O objetivo é ocultar o processo de edição procurando dar um efeito de realidade para a matéria. Nos ajustes que os jornalistas fazem nas reportagens no momento da montagem da notícia, edição, há a preocupação de fazer com o velho e o banal parecerem novos. (HALL, 2005).

Tuchmann (1983) explica que os telejornais utilizam ângulos determinados na produção das reportagens com enquadramentos que buscam conferir

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--- significados sociais às relações espaciais. Uma imagem mais próxima procura enfatizar aspectos mais dramáticos da matéria, ocorrendo o contrário quando a imagem é mais geral o que procura transmitir uma espécie de reprodução da realidade, é como se essa estivesse sendo mostrada de uma forma objetiva tal como é, produzindo um efeito de real.

2. O conhecimento do Jornalismo

Se a notícia televisiva não se restringe simplesmente a apresentar, relatar e descrever fatos, mas pode contribuir para esclarecer e orientar o homem na contemporaneidade é possível afirmar-se que o Jornalismo produz conhecimento. A questão que se coloca é: que tipo de conhecimento? Faremos um breve mapeamento de alguns estudos do Jornalismo como forma de conhecimento para depois discutirmos o conhecimento do telejornalismo como um lugar de redução da complexidade.

Como afirma Van Dijk (2005, p.14): “Nada pode parecer tão trivial quanto a tese de que sem conhecimento não haveria notícia alguma”. A afirmação, aparentemente simples, revela a necessidade da discussão e da relevância do Jornalismo como uma forma de conhecimento.

Um dos primeiros pesquisadores a trabalhar essa perspectiva foi Park (1972). Com base no pensador William James, um dos principais representantes do pragmatismo, movimento filosófico que exerceu profunda influência no pensamento americano durante parte do século XX, existem dois tipos fundamentais de conhecimento: o conhecimento de e o conhecimento acerca de.

Grosso modo, o autor explica que o conhecimento de é uma espécie de conhecimento que adquirimos no curso dos nossos encontros pessoais em primeira mão do mundo que nos rodeia. Já o conhecimento acerca de é formal. É o conhecimento que atingiu um certo grau de precisão e exatidão substituindo a realidade concreta por idéias e as coisas por palavras.

Genro (1977) num interessante trabalho, fundamental para quem quer pensar o jornalismo como uma forma social de conhecimento, apesar de reconhecer a contribuição de Park, critica seus pressupostos teóricos afirmando que ele não vai além da função orgânica da notícia e da atividade jornalística. No entender dele, a postura assumida por Park é redutora porque supõe uma espécie de senso comum

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--- isento das contradições internas, cuja função seria somente reproduzir e reforçar as relações sociais vigentes, integrar os indivíduos na sociedade.

Com base no referencial teórico de Genro, Meditsch (1992) argumenta que o conhecimento do jornalismo é diferente do conhecimento da ciência. Enquanto o primeiro é o modo de conhecimento do mundo explicável, o segundo é o modo de conhecimento do mundo sensível. A Ciência trabalha com hipóteses, enquanto o Jornalismo trabalha com o universo das notícias que diz respeito às aparências do mundo.

A nível metodológico isso resulta em diferenças importantes. A hipótese está relacionada como a experimentação controlada. É um corte abstrato na realidade através do isolamento de variáveis que permita a obtenção de respostas a um questionamento baseado em conhecimento anterior. A teoria científica expõe uma relação entre fatos e a partir dela surgem novas deduções através da lógica (MEDITSCH, 1992).

De acordo com Meditsch, o Jornalismo, por sua vez, não parte de uma hipótese, mas de uma pauta (agenda de assuntos que podem virar notícia). A pauta, diferentemente da hipótese, não surge de um sistema teórico anterior, mas da observação não controlada (do ponto de vista da metodologia científica). Na pauta o isolamento das variáveis é substituído pelo ideal de aprender o fato dos mais diversos pontos de vista. Isso determina o limite da abstração possível no modo de conhecimento do Jornalismo e sua possibilidade de acumulação.O conhecimento produzido pelo jornalismo é de fundamental importância para a sociedade.

Consideramos que as notícias produzidas nas empresas de comunicação são relevantes para as audiências porque contribuem para entender o cotidiano cada vez mais complexo e de difícil acesso, bem como supõe efeitos concretos em relação com a percepção que elas estabelecem entre os temas da agenda e a construção do espaço público. A informação jornalística funciona então como uma ferramenta para a inserção na socialização cotidiana.

É nesse sentido que entendemos que o telejornalismo é uma forma de conhecimento que tem como preocupação a redução da complexidade nas

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--- sociedades contemporâneas. Quando nos referimos à complexidade não estamos tratando das teorias da complexidade e nem do pensamento complexo (MORIN, 2006), mas da origem etimológica da palavra do latim complexus; ou seja, algo confuso, complicado. Estamos nos referindo a um mundo que fragmentado, que não há mais valores em comum, em que a velocidade do crescimento populacional, da migração, do crescimento desordenado das cidades e da economia de mercado contribuem para desorientação de homens e mulheres na modernidade no que Berger e Luckman (2004) definiram de crise de sentido na modernidade.

Para Berger e Luckman, a mídia desempenha um papel-chave na orientação moderna de sentido, na comunicação de sentido:

“São intermediadoras entre a experiência coletiva e a individual, oferecem interpretações típicas para problemas definidos como típicos. Tudo o que as outras instituições produzem em matéria de interpretações

realidade, os meios de comunicação selecionam, organizam (empacotam), transformam, na maioria das vezes no curso desse processo, e decidem sobre a forma da sua difusão”.(BERGER, LUCKMAN, 2004)

Entendemos essa atividade informação, esclarecimento e explicação sobre o mundo que nos cerca é o que denominamos de redução da complexidade. O telejornalismo ao interpretar a realidade social contribuiria para tornar o mundo mais compreensível para homens e mulheres. No entanto, não podemos ser ingênuos em acreditar que essa seja a preocupação da maioria das empresas jornalísticas que trabalham dentro da lógica moderna. No entanto, isso não impede que reportagens veiculadas nos telejornais possam ter essa preocupação. Não compartilhamos da perspectiva conspiratória de que os jornais televisivos só reforçam o status quo. Com certeza tem um forte papel nesse sentido, mas defender uma onipotência do jornalismo que dominaria corações e mentes é, no nosso entendimento, reduzir o lugar de conflito e tensional do campo jornalístico bem como subestimar a audiência ativa que significa e ressignifica os conteúdos apresentados e não é uma caixa vazia.

3. A redução da complexidade e o cotidiano

Nessa perspectiva consideramos que a redução da complexidade tem como referência o cotidiano. O contexto teórico do conhecimento do Jornalismo é o

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--- contexto da práxis. O jornalismo precisa “molhar-se” pela realidade. Ou seja, não há contexto teórico verdadeiro a não ser na união dialética com a prática, com o contexto concreto. No contexto teórico buscamos “tomar distância” dos fatos; no prático, no concreto somos sujeitos e objetos em relação ao objeto (FREIRE, 1987). Nas práticas diárias de produção da notícia é esse procedimento que os jornalistas adotam o tempo todo, muitas vezes de forma inconsciente. No “contexto teórico” de elaboração da informação, o repórter e/ou o redator assumem o papel de sujeitos cognoscentes da relação sujeito-objeto que se dá no contexto concreto para, voltando a este, melhor atuar como sujeitos em relação ao objeto. Consideramos que essa relação teoria/prática faz parte do método de apuração de uma matéria, de edição e de apresentação. O método jornalístico tem que ser trabalhado com rigor (CORNU, 1999).

Por isso, que nas suas práticas diárias no processo de redução da complexidade a preocupação em buscar um jornalismo crítico deve ser uma preocupação constante dos jornalistas. No processo de produção das notícias as informações essenciais não podem ser suprimidas. As notícias devem trazer detalhes básicos para que possam ser compreendidas. As várias faces de um acontecimento devem ser apresentadas. Na construção da notícia é preciso estar sempre atento para que aspectos da realidade não sejam ocultados nem silenciados Os textos têm que buscar uma objetividade possível, tomando-se cuidado em não alterar textos e documentos.

A investigação é da essência do jornalismo porque diminui a possibilidade do erro e do equívoco. Caso isso ocorra, ainda dentro das práticas jornalísticas, faz-se necessário retificar a informação publicada que faz-se revela inexata. No entanto, uma das tarefas centrais do rigor do método, do conhecimento do Jornalismo, é evitar a ambigüidade na informação. Outro aspecto importante no atual processo de produção da notícia é sob a ditadura da audiência, da concorrência, precarizar a qualidade da informação noticiosa (CORNU, 1999).

Como alerta Freire (1987) - é importante nas práticas sociais do jornalismo -, precisamos ir além da mera captação dos fatos buscando não só a interdependência entre eles, mas também o que há entre as parcialidades constitutivas da totalidade de cada um. Nesse sentido, o jornalismo necessita estabelecer uma vigilância constante sobre a sua própria atividade.

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--- Ainda dentro da perspectiva de Freire (1997) consideramos que a comparação que o autor faz entre a ingenuidade e a criticidade pode contribuir para entendermos o Conhecimento do Jornalismo - que trata dos acontecimentos do mundo, dos diversos saberes, dos campos da experiência e do cotidiano. O autor esclarece que não há diferença e nem distância entre a ingenuidade e a criticidade. Para Freire, entre o saber da pura experiência e dos procedimentos metodicamente rigorosos ocorre uma superação.

Freire (1997) argumenta que não acontece uma ruptura porque a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, continuando a ser curiosidade se criticiza. Continuando a explicação diz que ao criticizar-se, tornando-se curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão. A curiosidade metodicamente rigorosa do método cognoscível se torna curiosidade epistemológica, mudando de qualidade, mas não na essência.

É dentro desse quadro que opera o conhecimento do jornalismo. Na produção da notícia o jornalista trabalha constantemente dentro dessa perspectiva de superação. Não é permitido ao jornalista que seja ingênuo na cobertura dos fatos. A tomada de consciência (FREIRE, 2003) é o ponto de partida da sua atividade. Como é possível dar conta da cobertura dos acontecimentos, da mediação entre eles e a sociedade, se antes de construir a informação não conheço o objeto?É tomando consciência dele que me dou conta do objeto, que é conhecido por mim.

A eficácia da atividade jornalística e o Conhecimento do Jornalismo estão intimamente ligados ao que Freire (1995) colocava como a capacidade de abrir a “alma” da cultura, de aprender a racionalidade da experiência por meio de caminhos múltiplos, deixando-se “molhar, ensopar” das águas culturais e históricas dos indivíduos envolvidos na experiência. É dimensão crítica do conhecimento jornalístico, num imbricamento entre teoria e prática.

Ainda dentro desse processo de redução da complexidade o Jornalismo mobiliza funções que são intrínsecas a sua atividade: a exotérica, a pedagógica e a de familiarização. A função exotérica é aquela que na produção da notícia o jornalista tem como preocupação tornar termos, expressões, linguagens, entre outros que são de uso mais específico de determinadas áreas e grupos em textos que sejam mais compreensíveis pela maioria das pessoas.

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--- Um exemplo disso é reportagem que saiu no Jornal Nacional, no dia nove de junho deste ano, sobre o pacote de medidas antiviolência. O repórter informa que uma das inovações do pacote é o fim do segundo julgamento automático para réus condenados há mais de vinte anos de prisão. Como se trata de uma linguagem do campo Jurídico logo depois o jornalista explica a medida com um exemplo prático. Ele esclarece que a medida vai evitar casos como o do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura acusado de ser o mandante do assassinato da freira Dorothy Stang. Ele foi condenado há 30 anos no primeiro julgamento e absolvido no segundo.(LULA SANCIONA, 2008)

A função pedagógica também é mobilizada pelos jornalistas nas notícias para reduzirem a complexidade. No dia 04 de abril, uma reportagem do Jornal Nacional explicou de uma forma bem didática que o comércio não estava cumprindo a determinação do Banco Central de informar ao comprador tudo o que ele teria para pagar uma conta a prazo. Na reportagem a repórter alerta os consumidores sobre seus direitos e que ao sentir-se prejudicado deve buscar a defesa do consumidor.(COMÉRCIO DESCUMPRE, 2008).

Finalmente, no que diz respeito à familiarização, a reportagem divulgada pelo Jornal Nacional, em 02 de julho, sobre a libertação de Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência da Colômbia seqüestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) procura mostrar toda a situação pela qual passou Betancourt até sua libertação bem como sua luta contra o narcotráfico familiarizando assim a audiência ativa com um tema que não faz parte do seu cotidiano.(TERMINA O SEQÜESTR0, 2008)

No processo de redução da complexidade os jornalistas também realizam enquadramentos dos acontecimentos(SÁDABA, 2008) mobilizam representações sociais com o objetivo de tornar o mundo mais compreensível para a audiência ativa. Grosso modo, teoria das Representações Sociais tem como preocupação responder por que realmente as pessoas fazem, o que fazem? Por que as pessoas compram, o que compram, votam, se reúnem? Por que as pessoas desempenham determinadas ações e não outras? Segundo a teoria por trás dessas ações, e fundamentando as razões pelas quais as pessoas tomam tais atitudes está uma representação do mundo que não é apenas racional, cognitiva, mas, muito mais do

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--- que isso é um conjunto amplo de sentidos criados e partilhados socialmente.(MOSCOVICI, 2003)

Na atividade de redução da complexidade os jornalistas mobilizam dois conceitos da teoria das representações sociais com o objetivo de tornar o mundo mais acessível às pessoas. O primeiro é ancoragem que é um processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma que nós pensamos ser apropriada.

Um exemplo é a representação de um acontecimento que demanda uma séria de explicações como a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o pagamento de propina a parlamentares para aprovarem projetos do Governo em CPI do Mensalão. A representação permite, facilita a compreensão do fato porque remete ao cotidiano das pessoas que no dia a dia estão envolvidas com o pagamento de mensalidades das mais diversas ordens e sabem o que isso representa. Ao caracterizar a CPI como um pagamento exagerado e muito alto, isso contribui para o entendimento do fato.

Um outro conceito que é mobilizado é a objetivação. Resumindo, é um processo pelo qual reproduzimos um conceito com uma imagem. Como explica Moscovici (2003) comparar já é representar, preencher o que está naturalmente vazio. É procuramos tornar algo invisível em visível através da representação. Por exemplo, ao associarmos a idéia de Deus a pai estamos tornando imediatamente visível em nossas mentes algo que antes não tínhamos idéia do que era. Um exemplo no jornalismo é transformarmos o vírus H5N1 na chamada gripe aviária ou do frango o que possibilita por parte da audiência materializar numa imagem algo que até então não conhecido e ter uma maior compreensão do que representa.

4. Relações de confiança

Esse lugar de referência do telejornalismo está intimamente ligado à audiência ativa. Um dos motivos principais do noticiário televisivo ocupar esse lugar é a necessidade de as pessoas terem uma segurança, uma referência diante de um mundo cada vez mais complexo. Com certeza outras instituições como a Religião, a Educação, a família, entre outros, também desempenham essa função, mas encontram-se cada vez mais fragilizadas diante de uma “descanonização” do

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--- mundo, refiro-me aqui a uma perda de sentido na modernidade.(BERGER, LUCKMANN, 2004).

A importância da televisão como um lugar que dá homens e mulheres o sentimento de segurança vêm sendo defendido por outros autores como Silverstone (1996) num estudo sobre a televisão e o cotidiano. Entendemos que essa luta pela segurança é uma das características do homem contemporâneo. Como argumenta Giddens (2003) as rotinas diárias desempenham um papel central na sociedade. Por isso defende que a confiança na continuidade do mundo objetivo e no tecido da atividade social depende de certas conexões especificáveis entre os indivíduos e os contextos dos quais se movimenta no cotidiano.

A seguridade ontológica mostra a fé que a maior partes dos seres humanos tem na continuidade de sua identidade própria e na “estabilidade” dos meios circundantes de ação social e material. A crença na fidelidade das pessoas e das coisas, essencial a noção de confiança, é fundamental para os sentimentos de segurança ontológica.No que diz respeito ao telejornalismo poderíamos dizer que a forma como os telejornais organizam o mundo procurando dar uma ordem o caos circundante torna-o mais que um lugar de segurança um lugar de referência que tem como preocupação a redução da complexidade.

Dentro desse contexto, é possível afirmar que as pessoas ao sentarem-se nos sofás de suas casas ao final de um dia de trabalho ao assistirem um telejornal procuram além de informar-se sobre o entorno buscam também compreender o

mundo lá fora, seus conflitos, suas tensões, a falta de emprego e a violência

buscando um sentido para o cotidiano fragmentado que a cerca. O noticiário televisivo desempenharia o papel de procurar organizar o caos e contribuir para dar um sentido a esse mundo tão complexo.

A audiência ativa estabeleceria então com os telejornais não um contrato de leitura como afirmam alguns autores (VERÓN 1980), mas uma relação de confiança.A confiança, a crença e a segurança são centrais para a sobrevivência do homem. Como observou Schutz (2003) ao falar da atitude natural dos homens e das mulheres com relação ao mundo da vida. No dia a dia adotamos uma postura de suspensão da dúvida em relação ao cotidiano. Ou seja, cremos que as coisas são

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--- como estão evidenciadas na realidade. Isso não pode nos levar a raciocínio contrário, que as pessoas não têm dúvidas com relação ao que observam e percebem no dia a dia. Como uma forma de sobrevivência, elas suspendem a dúvida.

Vejamos um exemplo para deixar isso mais claro. De manhã pego meu carro e vou para o trabalho. Ora, quando estou dirigindo não coloco em dúvida o tempo todo se alguém que vêm com outro carro na minha direção vai bater em mim, se um pedestre que está na calçada está com intenção vai se jogar na minha frente, etc. Ou seja, tenho confiança em que as coisas são como são. Isso me dá segurança.

Dentro desse contexto, minha atitude com relação aos telejornais não é diferente: a forma como ele é organizado, as notícias que se sucedem, o final com uma mensagem de esperança, ou com uma matéria para cima, para levantar o ânimo deixam-me mais confiante no mundo, mais informado sobre ele.

Consideramos que a participação das várias instituições que constituem a sociedade é central para a orientação do homem moderno em que ele se vê diante de uma crise de sentido. Como bem observam Berger e Luckmann:

‘Todas as sociedades estão envolvidas em processos de gerar sentido, mesmo que não tenham desenvolvido instituições especiais de produção de sentido. Em todos os casos controlam a recepção dos elementos de sentido pelos estoques sociais de conhecimento e organizam a intermediação dos elementos de sentido para os membros da sociedade para os membros da sociedade, adaptando-as às novas necessidades. Por meio de suas instituições as sociedades conservam as partes essenciais do sentido. Elas comunicam sentido ao indivíduo e às comunidades de vida em que o indivíduo cresce, trabalha e morre”. (BERGER, LUCKMANN, 2004,p.76)

A centralidade da confiança como mostra Luhmann (2005) é básica para a sobrevivência do homem na contemporaneidade. Segundo o autor, as pessoas de uma forma ou de outra devem assumir que a orientação do outro de alguma forma está relacionada com a verdade. A complexidade do mundo que vivemos e só podemos ter acesso a ela, compreende-la se for simplificada e reduzida. Ou seja,

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--- temos que ser capazes de entender e depender da informação de outras pessoas e instituições.

O exemplo de Luhmann(2005) sobre o tema é esclarecedor. Segundo o autor, os outros sabem como arrumar o motor do meu carro; tratar a minha gastrite, etc. Com relação aos noticiários, coloca uma questão interessante. De acordo com Luhmann(2005), pode desconfiar dos diários, mas confia que notícias ainda são notícias.Isso de certa forma explica esse lugar de referência do telejornalismo. Há uma relação de confiança. Com isso, não estamos dizendo que as pessoas se acomodam e concordam com tudo que ocorre num telejornal. Como todo o material apresentado é significado e ressignificado, toda a notícia que for de encontro ao ambiente social e cultural da audiência resultará num incômodo psicológico e/ou social que fará com que a pessoa não compartilhe com o que vai ao ar na televisão.

Outro aspecto importante lembrado por Luhmann(2005) é que a familiariedade é uma pré-condição para a confiança como também para a desconfiança. “Perspectivas perigosas como também propícias requerem uma certa familiariedade, um caráter típico construído socialmente de modo que seja possível

acomodar-se mesmo ao futuro de uma forma confiada ou

desconfiada”.(LUHMANN, 2005, p.32). A observação do autor é interessante pois nos permite chamar a atenção que quando tratamos o telejornalismo como um lugar de referência, consideramos que tanto a questão da segurança e da insegurança fazem parte desse lugar. O que o noticiário televisivo pode contribuir é no sentido de explicar, esclarecer e orientar diante da complexidade do mundo.

A questão que se coloca no final deste trabalho é como a audiência ativa se coloca com relação à televisão como um lugar de referência e de redução da complexidade. De uma maneira geral, os estudos sobre recepção apontam para essa centralidade da televisão no Brasil. Tomamos com base algumas investigações de pesquisadores que trabalharam com a recepção para tentar mostrar que as pesquisas apontam para o telejornalismo como um lugar de referência, apesar de não ser essa a preocupação dos autores. Num estudo sobre a recepção entre jovens universitários cariocas, Travancas (2007):

“Eu me perguntava, no início deste trabalho, se os jovens assistiam ao Jornal Nacional e o que eu

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faria durante a pesquisa, descobrisse que eles não vêem. Mas, aos poucos, não só fui confirmando o quanto o JN é uma referência também para eles, como é fonte de sentimos os mais variados, que vão do amor ao ódio, jamais da indiferença”. (p.88)

Travancas (2007) explica que na pesquisa constatou que o JN, como parte de um sistema mais amplo de comunicação, pode afetar e influenciar o conjunto de informações e conhecimentos que esses jovens adquirem, assim como seus projetos pessoais. Ou seja, o telejornal é um lugar de referência para esses jovens num mundo cada vez mais conturbado. Como acrescenta a autora: “Não é à toa que alguns comentavam que, embora o jornal mostrasse tragédias e notícias negativas, assistir ele dava uma sensação de tranqüilidade. E comentavam que viam o JN também para relaxar de suas rotinas estressantes e corridas de uma grande metrópole”.(TRAVANCAS, 2007, p.95-96)

No mundo do trabalho, a televisão também se coloca como um lugar de referência mesmo diante do olhar crítico dos trabalhadores. Num estudo de recepção, sobre o mundo do trabalho como mediação da comunicação, Paulino (2001) observou que o telejornal se destaca como a programação predileta do trabalhador. Ele se sente informado sobre o que acontece na sua cidade, no seu País e no mundo através do noticiário televisivo.

Como esclarece a autora, o anseio de estar bem informado extrapola o horizonte imediato, da realidade mais próxima. Na investigação ela identificou que para os trabalhadores pesquisados, estar bem informado significa saber das transformações que vão pelo mundo e pelo País. A experiência deles mostra que essas mudanças interferem na vida pessoal e no mundo do trabalho.

Esse lugar de referência da televisão, em particular do telejornalismo, como um espaço também educativo, diria pedagógico, também foi registrado na pesquisa realizada por Cogo e Gomes (2001) sobre televisão, escola e juventude:

“Embora contraditórias, as diferentes posturas diante da TV explicitadas pelos entrevistados revelam que pais e educadores, a exemplo do que foi observado entre os adolescentes, reconhecem o papel educativo exercido pela televisão. Esse reconhecimento torna-se evidente mesmo quando questionam a exagerada liberalidade que esse papel é exercido e o próprio risco que a autoridade dos pais e educadores e ao processo de reafirmação de determinados valores no

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processo educativos dos adolescentes”. (2001, p.94)

Por fim, esperamos ter contribuído de alguma forma para apresentar um primeiro esboço do telejornalismo como um lugar de referência e a redução da complexidade. Com certeza, ainda há muito a caminhar. Entre as preocupações que temos é procurar aproximar a pesquisa macro da micro. Ou seja, ver como esse lugar de referência se situa dentro do contexto das empresas jornalísticas, anunciantes e relações de poder. No entanto, isso vai depender também de conseguirmos estabelecer parcerias com outros pesquisadores para avançarmos nesse campo.

Outro aspecto a ser considerado é audiência ativa. Ainda temos muito poucos trabalhos não só no campo do Jornalismo como no da Comunicação sobre essa área. Entendemos que aqui também é preciso estabelecer parcerias com outros pesquisadores para tentarmos estabelecer como a audiência se vincula a esse lugar de referência, como ele contribui para ela pensar o mundo.

Acreditamos que o caminho está aberto para novos estudos. Uma pesquisa não é propriedade de um investigador, mas deve ser socializada, gerar novos estudos, outros olhares. Da nossa parte, a preocupação nos últimos anos têm sido entender esse lugar do telejornalismo. Não como um lugar de conspiratório, mas como um lugar de efeitos para o bem e para o mal. Com certeza, o telejornalismo contribui para reforçar o status quo, mas reduzir o noticiário televisivo só a isso é não compreender a sua dimensão como um fenômeno cultural central na sociedade brasileira.

Referências

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Referências

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