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PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
(artigo 16.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 2/2008, de 14/1)
Via académica
2.ª Chamada – 7 de abril de 2016
Grelha de Correção
Nota:
As indicações constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos consistentes.
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CASO I
Questão – Face aos dados indicados, pronuncie-se, de forma fundamentada, sobre a pretensão de Alda Almeida.
5 valores
Referência à procuração outorgada em 23 de dezembro de 2012, por Alda Almeida a favor de Bernardo Baião, centrando a análise do caso neste negócio, explicando em que consistem a procuração e o mandato.
Interpretação do texto da procuração em causa, com recurso às regras constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil (CC) e enquadramento no contexto fáctico descrito.
Concluir que o objeto da procuração em apreço radica na venda da fração nela identificada e nos atos necessários a efetuar tal negócio jurídico, esgotando-se aí os poderes conferidos pelo mandato. Assim, aquilo que Bernardo Baião recebesse a mais, como recebeu com a venda que realizou (40.000 €), constituiria receita sua, considerando o valor de venda acordado (25.000 €).
Análise da verificação do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, invocado por Alda Almeida ou do erro sobre os motivos, na modalidade de erro sobre a base do negócio, prevista no artigo 252.º do CC.
Requisitos do erro sobre o objeto do negócio.
Afastamento da aplicação do n.º 1 do art.º 252.º do CC.
Confronto do disposto no artigo 252.º, n.º 2, do CC com o preceituado no artigo 437.º n.º 1, do CC.
Concluir que, quer por força do disposto no artigo 252.º, n.º 2, do CC, com expressa remissão para o preceituado no artigo 437.º do Código Civil, quer por força da previsão direta deste último preceito, não se mostram preenchidos os pressupostos do alegado erro sobre o objeto, nem de uma eventual alteração das circunstâncias, improcedendo assim a pretensão de Alda Almeida.
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CASO II
Questão – Aprecie a pretensão de Alberto Abrantes, explicitando como poderá fazê-la valer e qual a sua viabilidade em face do regime legal aplicável.
5 valores
Alberto Abrantes, condómino da fração D e que votou contra a deliberação da Assembleia Geral de Condóminos - de aprovação de orçamento para realização de obras (a suportar pelo Condomínio no valor de 8.764,68 €, nos dois terraços descritos como partes integrantes das frações A e B) -, podia reagir solicitando a convocação de uma assembleia extraordinária ou intentando no competente Tribunal Judicial uma ação declarativa (constitutiva), com processo comum (artigos 10.º, n.º 3, al. c), e 548.º do CPC) pedindo a anulação da referida deliberação. – cf. artigo 1433.º do CC.
Análise da questão atinente à legitimidade processual passiva nas ações de impugnação da deliberação da assembleia de condóminos, considerando a divisão jurisprudencial a esse respeito.
Enquadramento jurídico da pretensão de Alberto Abrantes no plano do direito substantivo, designadamente a aplicação do disposto nos artigos 1418.º, 1421.º e 1424.º do CC.
Apreciação da questão de saber se os terraços em causa são (ou não) partes comuns do edifício, considerando que são terraços de cobertura das garagens das frações A, B e C, concluindo-se que, apesar do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio em apreço referir que os terraços são parte integrante das frações A e B, os mesmos, sendo de cobertura, são efetivamente partes comuns do edifício.
Analisar e decidir sobre quem recai o encargo adveniente das obras necessárias à impermeabilização dos terraços do prédio em questão: se recai sobre os condóminos proprietários das frações A e B, que têm o uso exclusivo de cada um dos terraços, ou se recai sobre todos os condóminos.
Considerar, para o efeito, que as reparações em causa não estão relacionadas com o uso normal e específico dos terraços partes comuns, uma vez que o rompimento da impermeabilização teve origem em movimentos de assentamento do prédio, não sendo devido a qualquer ação dos condóminos das frações A e B.
Concluir que as despesas com as obras a realizar nos terraços de cobertura, de uso exclusivo por parte dos condóminos das frações A e B, devem ser suportadas por todos os condóminos, na medida em que, e resumindo:
4 - Os terraços são terraços de cobertura;
- Os terraços são partes comuns do edifício;
- As obras de conservação dos terraços não estão relacionadas com o uso normal e exclusivo por parte dos condóminos das frações A e B.
Consequentemente, a deliberação da Assembleia Geral de Condóminos, de 28 de março de 2015, que aprovou um orçamento para realização de obras nos terraços em causa, a suportar pelo Condomínio, é conforme à lei, não procedendo a impugnação pretendida por Alberto Abrantes.
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CASO III
Questão – Pronuncie-se sobre a pretensão de Beatriz Barros e
indique contra quem poderá fazê-la valer. 5 valores
Indicação do fundamento da eventual responsabilidade civil do médico Francisco Frade - transferida para a “Medical Assurance, S.A.” - e da Clínica Cuidar da Saúde, Lda., com referência à natureza das relações jurídicas estabelecidas: (i) entre a paciente Beatriz Barros e a Clínica Cuidar da Saúde, Lda. Hospital; (ii) entre Beatriz Barros e o médico.
Considerando que Beatriz Barros escolheu pessoalmente o médico Francisco Frade, optando por ser consultada na Clínica Cuidar da Saúde, Lda., onde este exercia a sua atividade profissional, inferir que a relação entre a Clínica e Beatriz Barros tem a natureza de contrato de prestação de serviços médicos globais (enquadrando-se na noção do artigo 1154.º do CC), sem prejuízo de a relação entre o médico Francisco Frade e Beatriz Barros corresponder também a um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos (segundo o previsto no artigo 1154.º do CC).
Concluir que ambas as relações (clínica/paciente) e (médico/paciente) são de natureza contratual, tendo como objeto uma consulta de especialidade e o tratamento a uma otite.
Enquadramento do caso numa situação típica de cumprimento defeituoso dos contratos de prestação de serviços médico-cirúrgicos de que são devedores a Clínica e o médico, com referência à doutrina dos deveres acessórios da prestação (em especial os deveres de proteção da pessoa) - deveres fundados na exigência do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, consagrado no artigo 762.º, n.º 2, do CC -, sem prejuízo de se poder apelar à responsabilidade extracontratual, uma vez que foi violado o direito à integridade física de Beatriz Barros, direito absoluto tutelado pelo princípio geral de responsabilidade civil delitual do artigo 483.º, n.º 1, do CC.
Nesta situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, como ocorre frequentemente nas hipóteses de responsabilidade civil por atos médicos, a opção pelo regime da responsabilidade contratual é mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e, por regra, mais favorável ao lesado.
Referência ao artigo 800.º, n.º 1, do CC, na explanação do regime da responsabilidade civil dos hospitais ou clínicas (que não estejam no âmbito de aplicação do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12) pela conduta dos auxiliares (médicos, enfermeiros, e outros), sendo indiferente determinar qual o vínculo existente (em regra desconhecido do paciente) entre o
6 Hospital/a Clínica e o médico em causa porque, quer se trate de contratos de trabalho quer se trate de contratos de outra natureza, o regime de responsabilidade do Hospital/da Clínica é o mesmo.
Ressalvar a possibilidade de alegação e prova por parte da sociedade comercial “Cuidar da Saúde, Lda.” de factualidade excludente da sua responsabilidade, por exemplo, que não desenvolvia a atividade de prestação de cuidados médicos no espaço físico denominado Clínica, mas apenas a mera locação de espaços para o exercício dessa atividade por diversos médicos, entre os quais Francisco Frade, não sendo este um seu auxiliar ou colaborador.
Análise da verificação, in casu, dos pressupostos gerais da responsabilidade civil: facto ilícito, culpa, dano, e nexo de causalidade entre o facto e o dano, sendo que, atenta a natureza contratual da responsabilidade aqui em causa, a culpa se presume (artigo 799.º do CC), presunção que se pode estender também à ilicitude.
Ante a conclusão de que se verificam todos os pressupostos necessários para responsabilizar a Clínica e o médico, apreciar o problema da avaliação dos danos e da fixação da indemnização a Beatriz Barros, tendo designadamente em atenção o disposto nos artigos 562.º e 564.º do CC.
Identificação dos danos patrimoniais atinentes, pelo menos, às despesas em consultas, tratamentos e medicamentos prescritos no montante de 542 €, e dos danos não patrimoniais, tendo em atenção, quanto a estes últimos, o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do CC, considerando-se adequada uma indemnização entre 10.000€ a 15.000 €.
Concluir que Beatriz Barros tem direito a ser indemnizada pelas quantias acima indicadas, sendo civilmente responsáveis o médico Francisco Frade e a Clínica Cuidar da Saúde, Lda..
Referência à possibilidade de Beatriz Barros exigir o pagamento dessas importâncias à seguradora “Medical Assurance, S.A.”, a qual responderá solidariamente com o seu segurado Francisco Frade, até ao limite do capital seguro, mas descontando-se o valor da franquia de 200 €.
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CASO IV
Questão – Pronuncie-se, fundamentadamente, sobre as posições de Alice Alves e Belmira Brito, concluindo pela adequada solução jurídica do litígio que as opõe.
5 valores
Qualificação do contrato atípico que foi celebrado entre Alice Alves e a Beatriz Barros, o denominado “contrato de reserva”, com interpretação das declarações de vontade à luz das regras consagrados nos artigos 236.º e ss. do CC, considerando que se tratou de verdadeiro acordo contratual, uma convenção bilateral pela qual ambos os outorgantes se obrigaram a celebrar, no futuro, um contrato-promessa de compra e venda.
Possibilidade de questionar se foi a atuação da mediadora imobiliária que levou Belmira Brito a celebrar o contrato de reserva, cujos efeitos – atenta a sua baixa escolaridade e débil estado de saúde – não representou inteiramente, não se apercebendo que a declaração emitida apresentava um conteúdo divergente da sua vontade real, o que convoca a aplicação do regime legal do erro na declaração (artigos 247.º e 251.º do CC), que Belmira Brito teria de invocar, por se tratar de matéria que não é de conhecimento oficioso, concluindo-se por uma resposta negativa.
Qualificação jurídica da quantia de 2.500 € entregue a título de “reserva e princípio de pagamento do preço de compra do imóvel”, concluindo-se que Alice Alves e Belmira Brito celebraram, também, para além do referido contrato de reserva, uma convenção de sinal (artigos 440.º e 441.º do CC, por interpretação extensiva).
Questionar se a falta de cumprimento por parte de Belmira Brito da obrigação a que se vinculou, de celebração, no prazo máximo de três dias, de contrato-promessa, a faz incorrer na obrigação de pagamento a Alice Alves do sinal em dobro, por força do n.º 2 do art.º 442.º do CC, concluindo-se pela afirmativa, com explanação do regime deste normativo, designadamente do pressuposto do incumprimento definitivo, não sendo suficiente a mera mora (jurisprudência largamente maioritária) e tendo presente a interpelação escrita, feita por Alice Alves a Belmira Brito, solicitando a outorga do contrato-promessa no prazo de 8 dias, o que é suscetível de configurar uma intimação admonitória, para efeitos do artigo 808.º do CC.
Concluir que, não tendo sido o contrato-promessa celebrado por facto imputável a Belmira Brito, que desistiu da sua conclusão, esta ficou obrigada a entregar a Alice Alves o dobro do montante pela última entregue, a título de sinal, nos termos contratualmente estipulados.
8 Apreciação do comportamento contraditório de Alice Alves (ao obter a devolução do cheque em 30-05-20212, vindo, em 21-09-2012, interpelar Belmira Brito a celebrar o contrato-promessa e enviando, na mesma data, uma carta à Mediadora a solicitar a devolução do cheque de 10.000,00 €), decidindo se poderá consubstanciar abuso do direito, obstando à atendibilidade da sua pretensão.
Concluir que que a atuação de Alice Alves não pode ser interpretada, para efeitos do artigo 334.º do CC, como o exercício inadmissível de uma posição jurídica, por manifestamente violadora dos limites impostos pela boa-fé.
Por último, ponderar a circunstância de a quantia titulada pelo cheque no valor de 2.500 € nunca ter sido paga a Belmira Brito, que, aliás, nem chegou a ter em seu poder o dito cheque, já que este ficou em poder da Mediadora e foi devolvido, em 30-05-2012. Como Belmira Brito não chegou a fazer efetivamente sua a quantia titulada pelo cheque e este já foi devolvido, terá apenas que compensar Alice Alves pagando-lhe outro tanto, isto é, a quantia de 2.500 €, sem qualquer outro acréscimo indemnizatório, concluindo-se, assim, que assiste a Alice Alves o direito à quantia de 2.500 €, a título de compensação pelo incumprimento definitivo por parte de Belmira Brito do “contrato de reserva”, com sinal, que ambas celebraram.