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VISÕES E SENTIDOS DA PRÁTICA DO ENFERMEIRO NO ATENDIMENTO À DEMANDA ESPONTÂNEA EM EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

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VISÕES E SENTIDOS DA PRÁTICA DO ENFERMEIRO NO ATENDIMENTO À DEMANDA ESPONTÂNEA EM EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Visions and meanings of the nurse's practice in delivering day acess in primary care units in the city of Rio de Janeiro

Visiones y sentidos de la práctica del enfermero en la atención a la demanda espontánea en Equipos de Salud de la Familia en el Municipio de Río de Janeiro

RESUMO

Objetivo: Refletir sobre as visões e sentidos atribuídos pelos enfermeiros ao atendimento à demanda espontânea nas unidades de atenção primária à saúde do município do Rio de Janeiro. Método: Estudo qualitativo com vinte enfermeiros. As técnicas de coleta dos dados foram: observação simples e grupo focal. O tratamento dos dados foi realizado pela análise de conteúdo. Resultados: Identificaram-se diversas visões e sentidos atribuídos pelos enfermeiros ao atendimento à demanda espontânea, não havendo compreensão da sistematização da assistência de enfermagem neste contexto. O acolhimento foi compreendido como primeira escuta, prévio à consulta de enfermagem. Conclusão: A ampliação da prática clínica dos enfermeiros na ESF deve ser feita com a aplicação de métodos que respaldem científica e legalmente as mudanças nos marcos da profissão, de forma a permitir a consolidação de práticas profissionais já executadas no cotidiano do atendimento à demanda espontânea.

Descritores: Conhecimentos, atitudes e práticas em saúde. Enfermagem de atenção primária. Necessidades e Demandas de serviços de Saúde.

Key-words: Health Knowledge, Attitudes, Practice. Primary Care Nursing.Health Services Needs and Demand

Palabras claves: Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud. Enfermería de Atención Primaria Necesidades y Demandas de Servicios de Salud

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INTRODUÇÃO

Este artigo é um recorte da dissertação intitulada “Práticas dos Enfermeiros no atendimento à demanda espontânea em equipes de saúde da família no Município do Rio de Janeiro”. A escolha do objeto e realização do estudo ocorreram devido ao contexto da expansão da cobertura assistencial da Atenção Primária de 3,5% no ano de 2009 para 70% em 2017 no município do Rio de Janeiro (1).

Neste cenário, houve a indução, pela gestão municipal, para a ampliação da prática clínica do enfermeiro na perspectiva de ampliação do acesso e resolutividade através das equipes de Atenção Primária à Saúde (APS). Em 2012, foi publicado o Protocolo de Enfermagem da APS do município do Rio de Janeiro (RJ)(2). Os protocolos assistenciais são instrumentos de apoio aos enfermeiros, pois tendem a auxiliar na legitimação das práticas profissionais e nas dificuldades legais do exercício profissional na APS. Apesar de haver limitações no seu uso, garantem aos enfermeiros autonomia para tomada de decisão clínica e promovem maior segurança jurídica (3).

A ampliação da prática clínica do enfermeiro pode impactar na resolutividade do cuidado e auxiliar no fortalecimento da referência usuário-enfermeiro, construindo maior credibilidade com a população atendida (4). Cabe ressaltar que o aumento da autonomia clínica do enfermeiro não pressupõe a substituição do profissional médico pelo enfermeiro. Um modelo de atenção compartilhada entre enfermeiros e médicos de família tende a facilitar o acesso aos serviços e qualificar o cuidado dentro da especificidade de cada núcleo profissional(4). Reforça-se a importância da cooperação entre as categorias, tendo em vista a integralidade do cuidado. A colaboração interprofissional tem o objetivo de aumentar a abrangência da equipe para resolução dos problemas de saúde da população atendida (5).

As práticas de cuidado dos enfermeiros na Atenção Básica têm um significado importante, pois, neste campo, ocorre uma aproximação social e cultural com as necessidades da população, possibilitando a realização de práticas de cuidado mais coerentes e eficazes (6).

O atendimento à demanda espontânea pelo enfermeiro pode permitir a identificação de necessidades de saúde da população para além do modelo biomédico (7).

Com isso, este artigo tem como objetivo refletir sobre as visões e sentidos atribuídos pelos enfermeiros ao atendimento à demanda espontânea nas unidades de atenção primária à saúde (UAPS) do município do Rio de Janeiro.

MÉTODO

Este manuscrito busca apresentar os resultados parciais da dissertação cuja a temática foram as práticas dos enfermeiros no atendimento à demanda espontânea. Teve como objetivo analisar as práticas dos enfermeiros no atendimento à demanda espontânea em UAPS na Zona Oeste do

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Município do Rio de Janeiro. Estudo qualitativo, sendo utilizado como instrumento para coleta de dados a observação simples e o grupo focal com 20 enfermeiros.

Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro de uma equipe de ESF completa; estar vinculado a uma equipe há pelo menos seis meses; ser enfermeiro da equipe da sua UAPS com o maior número de famílias por equipe. Foram excluídos os enfermeiros que estavam sendo substituídos temporariamente por outro profissional, ou que estivessem em licença-saúde, de férias ou afastamento do trabalho no período da coleta dos dados. A coleta de dados ocorreu de maio a julho de 2018. Como técnica de análise dos dados utilizou-se a análise de conteúdo (8) , resultando em 3 categorias. A categoria: visões e sentidos da prática do enfermeiro no atendimento à demanda espontânea foi umas das categorias do estudo. A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) parecer n°2481797 e no CEP da Secretaria Municipal de Saúde do Município do Rio de Janeiro Parecer n°261693. Todos os participantes do estudo que participaram do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Esta categoria teve 62 Unidades de Registro (URs), representando 9,92% do total de URs do estudo. Nesta, buscou-se apresentar as visões e sentidos do atendimento da demanda espontânea para a prática dos enfermeiros nas UAPS estudadas.

O conceito de acolhimento é utilizado de forma polissêmica pelos entrevistados, sendo empregado como sinônimo de triagem, classificação de risco, primeira escuta e local onde é realizada a recepção dos usuários na unidade. Neste artigo, optou-se por usar o termo acolhimento no sentido de atitude e quando a palavra for mencionada nas falas dos enfermeiros com outro significado, será usado um marcador para identificação.

Para os enfermeiros participantes do estudo, o atendimento à demanda espontânea é caracterizado pela procura dos usuários por qualquer necessidade de saúde ao serviço de saúde. Percebem o atendimento à demanda espontânea como positivo pelo potencial de fortalecimento do vínculo, coordenação e a longitudinalidade do cuidado.

[...] Demanda espontânea é quando o paciente, por qualquer necessidade, procura o serviço de saúde para atendimento [GF2-Enf 4].

Isto se contrapõe à procura por atendimento através de linhas de cuidado bem estabelecidas, como pré-natal ou hiperdia. Para os participantes, a demanda espontânea é um princípio da Estratégia de Saúde da Família. Este discurso é consoante com as Diretrizes do Ministério da

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Saúde (9), definidas por serem, preferencialmente, a porta de entrada dos usuários, o centro de comunicação da rede assistencial com a APS, e como o ponto de contato prioritário do usuário com o serviço de saúde (10).

Nos dados coletados, pode-se perceber que os enfermeiros, muitas vezes, equiparam o atendimento à demanda espontânea à ação de acolher o usuário e classificar o seu grau de risco:

[...] Demanda espontânea é classificar risco [GF1-Enf 8]. [...] Demanda espontânea é acolher [GF1-Enf 10].

Nestas falas, o uso dos termos classificação de risco, acolhimento e atendimento à demanda espontânea têm significados bastante diversificados, por vezes diferentes dos sentidos apontados na literatura.

Nos estudos realizados por (7) e (11), foram encontrados achados semelhantes, em que os enfermeiros não possuem clareza da prática realizada no primeiro contato com o usuário, denominando as ações de maneira diversificada. Identificam a falta de um documento normatizador com critérios para organização do acesso no município estudado. Há portanto, uma variabilidade dos modos de fazer e denominar as ações desenvolvidas no âmbito atendimento dos usuários que buscam as UAPS por demanda espontânea.

No acompanhamento das consultas de enfermagem, não foi identificado o uso de um protocolo específico de classificação de risco. No entanto, os enfermeiros indicaram, nos grupos focais, a classificação de risco como uma ferramenta frequentemente utilizada. Isto sugere que, nas práticas dos enfermeiros no atendimento à demanda espontânea, existem ferramentas usadas para a classificação do risco de maneira implícita, ainda que não seja observada a existência de protocolos institucionalizados.

Segundo (12), a classificação de risco é uma metodologia para auxiliar na organização do tempo de espera dos usuários conforme a gravidade da situação de saúde. Existem algumas orientações para organizar as prioridades no atendimento à demanda espontânea na APS. A principal referência utilizada pelos enfermeiros, o Caderno de Atenção Básica 28, orienta o uso de critérios clínicos e sociais para a classificação de risco (13). No entanto, parece haver falta de clareza quanto ao uso deste método, o que pode reduzir a primeira escuta apenas à verificação de sinais clínicos de gravidade. Nas palavras de um enfermeiro:

[...] Demanda espontânea pode ser uma necessidade que não seja dor ou queixa orgânica [...] [GF1-Enf 13].

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De acordo com (14), é comumente empregado na APS o Protocolo de Triagem Manchester, que se mostrou insuficiente quando utilizado como única forma de resposta aos usuários que buscam atendimento por demanda espontânea. Tal protocolo não abrange aspectos sociais, culturais e subjetivos do processo do adoecimento e pode, por vezes, piorar o vínculo com a população devido à burocratização da porta de entrada. Para esta autora, quando o acesso é organizado pela lógica da classificação de risco , que determina a ordem de atendimento pela gravidade da situação clínica de saúde, podem ser criadas dificuldades e burocratizado o cuidado na atenção primária. A percepção de um dos enfermeiros corrobora esta crítica:

[...] Estamos fazendo classificação de risco de emergência e não é esta a mais adequada para a APS [...] [GF1-Enf 01].

Outro termo utilizado com frequência pelos participantes é acolhimento. Para eles, acolhimento tem um duplo sentido: trata-se de modos de se acolher a demanda espontânea e o local físico onde isto é feito nas UAPS. No curioso jogo de palavras de um enfermeiro:

[...] Estamos fazendo o acolhimento no acolhimento [...] [GF1-Enf 06].

Esta visão é encontrada com frequência na literatura: o termo acolhimento pode ser visto como momento e atitude na recepção das demandas e necessidades de saúde dos usuários que buscam atendimento nas unidades de atenção primária. Por outro lado, a Política Nacional de Humanização (PNH) propõe o acolhimento como prática de saúde e como valor para o fortalecimento do compromisso e do vínculo entre trabalhador e usuário(13) . Assim, é atribuído ao conceito de acolhimento um duplo significado: o aspecto organizativo de facilitar o acesso e o resgate ético da melhoria da relação profissional-usuário. A PNH busca induzir a reformulação da tradição burocrática e rígida dos serviços de saúde em todas as esferas (15).

Questões referentes à ambiência, à postura, à disponibilidade de recursos para a primeira escuta são levantadas pelos enfermeiros:

[...] Posso fazer o acolhimento no consultório, mas não posso fazer a minha consulta no acolhimento [..] [GF1-Enf 06].

Neste estudo pode-se identificar que o acolhimento entendido como primeira escuta, muitas vezes prévia à consulta de enfermagem, é uma das práticas do enfermeiro no atendimento à demanda espontânea. Estes achados são semelhantes aos de (7). Para estes autores, fica claro que os enfermeiros acreditam na potencialidade do acolhimento; porém, por questões organizacionais das unidades e pela incompreensão da plenitude do conceito do acolhimento, a implementação desta

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ferramenta de cuidado se torna prejudicada, dificultando o acesso de maneira solidária ao usuário do serviço de saúde.

Os enfermeiros entrevistados, com frequência, referem-se ao local onde é realizada a classificação de risco ou triagem como o “acolhimento”. Um risco desta concepção é reduzir e tecnificar a prática do acolhimento, corroborando critérios de classificação do sofrimento dos usuários pelo risco clínico para organizar a ordem de atendimento (11,16).

Outra prática identificada foi a ocorrência da primeira escuta realizada pelo enfermeiro aos usuários no início do expediente, na recepção da unidade, em geral, das 7h às 9h, horário preferencialmente organizado para atendimento à demanda espontânea de algumas equipes (Observação), como observado na fala:

[...] O acolhimento é feito das 7h às 9h. [GF1- Enf 8].

Nestas unidades, há uma priorização do atendimento à demanda espontânea no início da manhã, quando, geralmente, o enfermeiro realiza o acolhimento - primeira escuta - em conjunto com o Agente Comunitário de Saúde (ACS) na recepção da unidade. Após este horário, quando o volume de atendimentos tende a diminuir, o enfermeiro realiza a primeira escuta no consultório (Observação).

[...]A demanda que surge depois do horário do acolhimento é atendida no consultório. [GF1- Enf 8].

Já em outras unidades, o primeiro contato dos usuários ocorre sempre com o ACS, que faz a primeira escuta e direciona o usuário a partir do motivo da procura para o rol de serviços disponíveis na Unidade de Saúde. O atendimento com o enfermeiro ocorrerá caso o ACS não consiga direcionar a demanda do usuário ou se o motivo de procura tenha características clínicas ou psicossociais que necessitem de uma abordagem individual. Sendo assim, os ACS direcionam toda a procura de atendimento à demanda espontânea para o consultório do enfermeiro, que faz a avaliação da queixa do usuário. (Observação).

[...] Se o ACS não consegue sanar as dúvidas, passa para o enfermeiro acolher. [GF1- Enf 3].

Pode-se inferir que as características do atendimento à demanda espontânea variam conforme as unidades, tendo como semelhança a responsabilização da organização do acesso atribuída ao enfermeiro. Ressalta-se que a interação profissional estabelecida entre ACS e enfermeiro pode ser potente para a organização do acesso.

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O ACS, por fazer parte do mesmo universo sociocultural e linguístico dos usuários, tem a possibilidade de realizar a interlocução entre o usuário e o serviço de saúde (17).

[...] O ACS vai direcionar a queixa do usuário no acolhimento [GF2-Enf 2].

O acolhimento/primeira escuta e o atendimento à demanda espontânea são dispositivos que auxiliam na permeabilidade dos serviços de saúde para garantia do acesso e legitimação da APS como a porta de entrada preferencial e coordenadora de cuidados (17).

A prática do enfermeiro na organização do acesso à demanda espontânea foi uma atividade frequente nas unidades observadas tanto através da primeira escuta realizada na recepção da unidade em conjunto com o ACS quanto no consultório.

Estudos indicam que o enfermeiro é frequentemente reconhecido e designado pelos gestores como o principal profissional para a organização do acesso das unidades de saúde, por apresentar características e habilidades necessárias para esta atividade (7,11,12,15).

Estas habilidades dos enfermeiros são reconhecidas pelos gestores e podem estar relacionadas à atribuição histórica do enfermeiro de saúde pública na administração e coordenação dos serviços de saúde (18). Com a expansão e consolidação do Programa de Agentes Comunitários (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), os enfermeiros ganham protagonismo nas atividades administrativas - coordenação de equipe e organização das unidades de saúde - educação em saúde e atividades assistenciais (19), caracterizando um acúmulo de atribuições.

Outro aspecto importante relacionado ao atendimento à demanda espontânea encontrado foi o vínculo entre o enfermeiro e a população, percebido nos discursos dos enfermeiros:

[...] Nem sempre os usuários querem um atendimento de consulta de demanda espontânea, às vezes querem uma receita, uma orientação de vacina e passam direto com a enfermeira [...][GF2-Enf 2]

[...] A escuta é essencial; às vezes, o paciente vem com dor no peito, você pensa logo, hipertensão... descarta o infarto e quando o usuário entra na sala para atendimento conta que brigou com um parente e fala, fala e depois sai melhor [...] [GF2-Enf 6]

Em estudo realizado por (20), com usuários sobre as práticas dos enfermeiros na atenção primária, os autores identificaram a importância da valorização da dimensão subjetiva e relacional do cuidar como fortalecedor do vínculo entre o enfermeiro e o usuário.

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Na APS, o vínculo e a longitudinalidade são características fundamentais para o cuidado, de maneira que o tempo pode ser um fortalecedor do vínculo entre os profissionais e os usuários. Isto porque tende a estreitar os laços na identificação conjunta dos problemas e soluções, aproximando os profissionais do contexto de vida dos usuários, melhorando, assim, a confiança e a satisfação dos usuários com os profissionais e a adesão ao plano de cuidados (21).

Ao verificar o tempo de atuação nas equipes dos enfermeiros que participaram do estudo, encontrou-se uma média de cinco anos de atuação e permanência na mesma equipe.

O tempo de permanência dos enfermeiros nas equipes aproxima-se dos apresentados por (18), que utilizaram as informações do PMAQ AB. Tais autores demonstraram que a maioria dos enfermeiros em todas as regiões do país está entre um e menos de cinco anos exercendo suas funções nas equipes de saúde. Esses dados dialogam com (20) e (21), que relacionam o tempo de permanência dos profissionais nas mesmas equipes como fator positivo para a qualidade do cuidado e efetivação da longitudinalidade, como princípio da APS e de satisfação dos usuários.

Nesta perspectiva, os enfermeiros identificam que a demanda espontânea pode ser uma oportunidade de atender, em tempo hábil, às demandas ou necessidades dos usuários. Pode-se perceber, no relato a seguir, a diversidade dos tipos de demanda espontânea:

[...] na demanda espontânea, o enfermeiro irá ouvir a queixa do paciente e tentar sanar o problema dele. Seja um problema clínico, ou uma renovação de receita ou uma inserção de pedido no SISREG. [GF2-Enf 6].

[...] As necessidades dos usuários que procuram atendimento por demanda espontânea é diverso e complexo [GF2-Enf 4].

Na coleta de dados, a prática do enfermeiro na organização do acesso foi vista como ferramenta potente para o modo de cuidar e gerir as necessidades e demandas trazidas pela população que acessa espontaneamente às UAPS. Seja no espaço de acolhimento/recepção, seja no espaço da consulta de enfermagem à demanda espontânea, os enfermeiros se viram capazes de ter práticas de cuidado ampliadas:

Às vezes, o paciente nem é prioridade segundo a classificação de risco do protocolo, mas você quanto profissional conhece a população e sabe que aquela mãe não aguarda e que está com uma criança com baixo peso e com diarreia. [GF1- Enf 09].

No encontro clínico no atendimento à demanda espontânea, o enfermeiro poderá auxiliar o usuário na identificação e percepção das necessidades sentidas e percebidas, bem como na sua

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inter-relação com o seu contexto de vida. Desse modo, poderá estabelecer conjuntamente um plano de cuidados no sentido de alcançar as necessidades prioritárias elegidas pelos usuários(22).

Para esta autora, as necessidades em saúde dividem-se em: necessidade normativa, necessidade percebida ou sentida, necessidade expressada e necessidade comparativa. Para o que interessa neste manuscrito, necessidade percebida ou sentida é aquela que o indivíduo percebe como seus problemas de saúde. Já a necessidade expressada é quando a necessidade percebida ou sentida transforma-se no objeto da procura dos usuários aos serviços de saúde.

Os perfis de demanda espontânea que chegam nos serviços de saúde indicam as necessidades de saúde referidas a problemas já instalados. São, em geral, manifestados pelos usuários na busca dos serviços de saúde sob a forma de consumo de produtos ou práticas de saúde materializadas em medicamentos, exames, encaminhamentos, entre outros (23).

Com isso, o encontro entre o enfermeiro e usuários pode ser potente para a ampliação do olhar clínico para além da queixa orgânica, sendo o encontro terapêutico uma oportunidade de identificar, além das necessidades de saúde, o contexto social e familiar dos usuários (24).

[...] Eu sempre olho a última marcação dele, se ele faltou alguma marcação, pergunto a ele por que ele faltou, se eu posso marcar de novo. Claro que gestante e puericultura possuem uma atenção mais minuciosa em relação à falta, eu fico mais de olho, porque na correria do dia a dia o hipertenso ou o diabético que falta eu até aviso que teve falta, mas não é a minha preocupação porque hipertenso e o diabético, esses com certeza vão vir pedir uma nova marcação [GF2- Enf 5].

Como se percebe neste relato, os motivos de procura por demanda espontânea são diversos e não necessariamente necessitam de intervenção biomédica. É neste momento que os enfermeiros identificam a demanda espontânea como ferramenta para oportunizar o cuidado integral:

[...] O atendimento à demanda espontânea pelo enfermeiro é uma oportunidade de trabalhar a integralidade do cuidado [...] [GF2-Enf 4].

Nesta fala, pode-se analisar a valorização da demanda espontânea pelo enfermeiro, que avalia esse momento como uma oportunidade de trabalhar a integralidade do cuidado. Ao mesmo tempo, em outra fala, a enfermeira traz a demanda espontânea como uma ferramenta de vigilância em saúde, coordenação e longitudinalidade do cuidado.

De acordo com (25), a capilaridade da ESF privilegia o contato com os usuários e com os territórios de vida. A legitimidade dos serviços de saúde com a população ocorre pela resolutividade frente às situações de saúde apresentadas pela população adscrita.

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As citações acima dialogam com a dicotomia Epidemiologia e Clínica do modelo da Estratégia de Saúde da Família / APS, pois, no modelo tradicional de atenção (centro de saúde tradicional) no Brasil, historicamente houve uma priorização das ações programadas orientadas pelos grupos de risco e pouco espaço na organização do acesso para os usuários que apresentassem algum sofrimento agudo (26;27). De acordo com os relatos, a tensão cotidiana entre tradições de organização das práticas na APS e as necessidades de saúde dos usuários molda a prática e os sentidos que os enfermeiros atribuem ao atendimento da demanda espontânea.

Estes achados encontram-se no contexto da Reforma dos Cuidados da APS carioca, que teve como um dos principais eixos estruturantes a ampliação do acesso. Umas das medidas adotadas para o aumento da acessibilidade aos serviços nas UAPS foi a criação da carteira de serviços (28), documento que descreve todos os serviços e procedimentos que devem ser oferecidos em uma UAPS. Também foram adotados pela gestão indicadores de saúde que induziram um processo de trabalho das equipes que favoreceram o acesso à consulta. Os indicadores, por sua vez, induzem o processo de trabalho indiretamente, pois as equipes organizam o processo de trabalho para atingir os indicadores.

O indicador de saúde mais sensível a este objetivo foi a proporção de consultas por demanda não programada ou realizada sem agendamento prévio, em relação ao total de consultas realizadas (29). Entende-se que a indução do processo de trabalho pela SMS-RJ, com priorização do atributo do acesso, modificou a realização de práticas de saúde e a organização do processo de trabalho das equipes de saúde, em especial no que diz respeito ao atendimento à demanda espontânea pelo enfermeiro.

Portanto, ao analisarmos as falas dos enfermeiros no contexto de reestruturação da rede de APS, pode-se dizer que, para os enfermeiros, a demanda espontânea é uma oportunidade de contato com os usuários que procuram a UAPS, colocando em prática os atributos essenciais da APS. Ao valorizarem este encontro com o usuário, potencializam a formação e a manutenção do vínculo e ampliam a integralidade do cuidado à saúde, criando condições para superar antigas dicotomias do campo da Saúde Coletiva e da APS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se analisar as visões e sentidos atribuídos pelos enfermeiros ao atendimento à demanda espontânea nas UAPS do município do Rio de Janeiro.

A construção deste estudo foi motivada pela necessidade de compreender as práticas desenvolvidas pelos enfermeiros no atendimento à demanda espontânea na APS, induzida pela expansão da cobertura assistencial na cidade do Rio de Janeiro.

A pesquisa encontrou diversos sentidos atribuídos pelos enfermeiros para o atendimento à demanda espontânea. Na análise da categoria apresentada neste artigo encontrou-se como eixo

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relacionado ao atendimento do enfermeiro à demanda espontânea: a importância do enfermeiro para garantia do acesso e direito à saúde.

O estudo demonstrou o protagonismo do enfermeiro na organização do acesso e dos fluxos de atendimento nas UAPS estudadas, bem como a colaboração interprofissional com o ACS para a organização da porta de entrada da unidade. Ambas características mostraram-se potentes para a garantia do acesso da população na área pesquisada.

Outros aspectos potentes para a garantia do acesso foram: o tempo de permanência do enfermeiro na mesma equipe, o vínculo e o conhecimento do território como fatores que auxiliam na tomada de decisão em relação à organização da prioridade de atendimento.

O atendimento pelo enfermeiro à demanda espontânea indica um caminho para a garantia do acesso e da integralidade do cuidado, contribuindo para a consolidação do modelo da ESF. Ademais, é uma oportunidade de desconstrução da dicotomia entre demanda programada e demanda espontânea, favorecendo, assim, que a organização do serviço de saúde seja pautada nas necessidades de saúde dos usuários e não em grupos com maior risco de adoecimento.

A indefinição dos papéis dos profissionais na organização do acesso também foi um achado do estudo. Isto indica que o acesso deve ser tema das reuniões de equipe, para aprimorar e fortalecer práticas interdisciplinares fundamentais para lidar com a complexidade da temática pelas equipes de ESF.

Em vista do exposto, acredita-se que as práticas dos enfermeiros no atendimento à demanda espontânea necessitam estar interligadas ao processo de enfermagem, para que as práticas não tenham um fim nelas mesmas e possam ser um método de organização do trabalho do enfermeiro que busque atender às necessidades de saúde dos usuários.

Por fim, indica-se a necessidade da melhoria da formação clínica nas universidades e nos processos de educação permanente, com a incorporação de estudos e disciplinas que abordem a consulta de enfermagem e sua sistematização no cotidiano das equipes de atenção primária.

REFERÊNCIAS

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