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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310

INSTITUIÇÕES DE ENSINO E CLASSES SOCIAIS: a cada um segundo suas possibilidades

Ariadne Souza Teixeira1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

E-mail: ariadne_net@hotmail.com Resumo

O presente estudo tem por objetivo compreender a dualidade do sistema de ensino, que se exprime pela configuração de uma escola de excelência para as classes abastadas e uma escola mediana para as classes populares. Para tanto, intenta-se discutir a gênese das instituições de ensino e posterior diferenciação entre ensino público e privado, bem como compreender a relação das diferentes frações da sociedade com o sistema escolar, como valores e sentido da educação, expectativas e investimentos. Pretende-se realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema, com o escopo de responder as questões suscitadas por este estudo, bem como aprofundar o conhecimento da teoria operada na investigação, qual seja a teoria Bourdiesiana. Com este estudo foi possível compreender que a dualidade no ensino brasileiro é decorrente de um longo processo histórico do sistema educativo, marcado pela origem elitista das instituições e posterior massificação e diferenciação, que hodiernamente se configura por uma divisão qualitativa entre ensino público e privado. Além disso, as relações desenvolvidas pelas diferentes classes socais e a escola resultam das condições objetivas de existência de cada fração, a qual lhes conferem um habitus, distinto e específico, no qual está contido sua visão de mundo, expectativas e valores em relação a educação.

Palavras-chave: Dualidade do ensino. Instituições de ensino. Classes sociais. Introdução

A oferta escolar no Brasil é extremamente heterogênea e apresenta uma patente hierarquia de qualidade e valor social. Esta estratificação educacional tem sua gênese vinculada a um processo histórico do sistema educativo, marcado pela dualidade, pela elitização e pela restrição do acesso à educação a determinadas classes de agentes sociais, e hodiernamente se delineia pela configuração de duas redes de ensino que apresentam características distintas e antagônicas, em termos de qualidade.

Nesse sentido, as diferentes classes socias, providas de modo desigual em termos de capital econômico, capital cultural e capital social apropriam-se de maneira distinta dos recursos facultados pelo sistema escolar, experimentando trajetórias e processos de escolarização distintos, e por vezes, distintivos no caso das classes abastadas, que são marcados por investimentos, atribuições de valor, sentido e expectativas diferenciais. (BARBOSA, 2007).

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310

Este artigo tem como objetivo principal compreender a dualidade do sistema de ensino, que se exprime pela configuração de uma escola de excelência para as classes superiores e uma escola mediana para as classes populares, bem como as distintas relações desenvolvidas pelas diferentes classes sociais com a escola.

Para tanto, intenta-se discutir a gênese das instituições de ensino e a posterior diferenciação entre ensino público e privado, bem como compreender a relação das diferentes frações da sociedade com o sistema escolar, como valores e sentido da educação, expectativas e investimentos.

O presente artigo está organizado em dois tópicos. No primeiro tópico é realizada uma breve retomada do processo histórico educativo no Brasil, ressaltando os movimentos que trouxeram consequências importantes para o objetivo da análise em questão. No segundo tópico apresentamos, a partir de estudos cotejados na área da sociologia da educação, os diferentes sentido e expectativas e estratégias educativas acionadas pelas diferentes classes sociais.

1 INSTITUIÇÕES DE ENSINO E DUALIDADE

Segundo Alves (2005, p. 619), até o século XVI o processo educativo preservava suas características artesanais. O ensino era ministrado por preceptores aos quais cabia educar os filhos da burguesia e da nobreza feudal. Nesse sentido, o atendimento era realizado de forma individualizada, mesmo que o preceptor se ocupasse de dois ou mais discípulos, no interior ou exterior da residência dos discípulos ou do próprio preceptor.

Com a Reforma Protestante operou-se uma revolução na forma de conceber a educação. Esta preconizava a necessidade de todos terem acesso à leitura e à escrita, para assim, facultar-lhes a oportunidade de ler e interpretar livremente os livros sagrados. Assim, surgia a necessidade de se criar uma nova instituição social com o escopo de cuidar da educação de crianças e jovens.

Comenius foi o principal expoente desse movimento, em sua obra Didática Magna propôs a arte de ensinar tudo a todos, por meio da concepção e organização da nova instituição de ensino, bem como dos processos de ensino-aprendizagem. (COMÊNIO, 1957). Segundo Alves (2005, p. 620), Comenius “foi o educador que encarnou a posição de vanguarda da Reforma protestante [..] foi quem concebeu, de uma forma mais elaborada, orgânica e de conjunto, o projeto dessa instituição social, em meados do século XVII”.

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Este movimento desencadeou a reação católica por meio do Movimento da Contra Reforma, que pretendia defender a hegemonia católica contra o ideário da Reforma Protestante. O padre Santo Tomás de Aquino foi o grande expoente desse movimento, ao qual os padres jesuítas se reportavam fortemente. Assim, a educação revestiu-se de grande relevância como instrumento de conquista dos fiéis e de difusão da religião católica por todo o mundo através da Ordem jesuíta. (ALVES, 2005, p. 622)

O processo de escolarização no Brasil teve sua gênese associada a chegada da primeira expedição colonizadora enviada pela Coroa Portuguesa no ano de 1549. Com esta expedição desembarcaram em terras brasileiras colonos, artesãos, soldados e os primeiros padres jesuítas, que deram início ao processo de escolarização da Colônia, fundando escolas para os índios e colégios para a elite. (MESQUIDA, 2009, p. 8 apud AKKARI et al., 2011, p. 474).

Segundo Saviani (2008, p. 43), a educação jesuítica foi marcada, em sua fase inicial, pelo plano de instrução elaborado pelo Padre Manuel da Nóbrega, este previa o aprendizado do português e a catequização para os indígenas; e para os demais o aprendizado da doutrina cristã, a escola de ler e escrever; bem como, a formação profissional e agrícola para uns e, para aqueles que prosseguiriam os estudos superiores na Europa, o aprendizado da gramática latina.

Posteriormente, com a implantação do plano de instrução Ratio Studiorum a educação assumiu, definitivamente, um caráter universalista e elitista. Universalista, pois se tratava de um plano adotado indistintamente por todos os jesuítas em todos os lugares do mundo. E elitista, pois destinava-se aos filhos dos colonos, sendo os indígenas excluídos, o que tornou os colégios jesuítas no instrumento de formação da elite colonial. (SAVIANI, 2008, p. 56).

Em 1759 os jesuítas foram expulsos do Brasil por ato do Marquês de Pombal que determinou o fechamento de todos os colégios jesuítas, com a introdução das aulas régias a serem mantidas pela Coroa. Saviani (2008, p. 67) elucida que o conflito engendrado entre os colonos e o governo português e os jesuítas era “de caráter fundamentalmente econômico e, quando muito, apenas secundariamente, de ordem filosófica ou doutrinária”.

À época da expulsão dos jesuítas do Brasil, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas era insignificante, não atingia 0,1% da população brasileira, isto pois deles estavam excluídos os escravos, os negros livres, os pardos, os filhos ilegítimos, as crianças abandonadas e as mulheres. (SAVIANI, 2008, p. 443)

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Este fato perdurou durante o período do Império com as Reformas Pombalinas, empreendidas durante o fim do século XVIII e início do XIX, a qual realizou debates intensos acerca da instrução pública por meio da criação de projetos e propostas; mas manteve seu caráter elitista e dualista, por defender que à maioria da população, não era necessário aprender a ler e escrever, bastava a instrução dominical dos párocos; permanecendo a cobertura escolar em níveis exíguos.

Nota-se, desse modo, que a escolarização no Brasil, em sua origem apresentou um caráter elitista e dualista, pois aos jovens burgueses e nobres era assegurada uma sólida formação humanista com vistas a desenvolver as bases para a realização dos estudos superiores na Europa, enquanto ao restante da população era reservada apenas a instrução ministrada pelos párocos nas igrejas. Soma-se a isto, grande parcela da população não tinha acesso à escolarização, dentre eles mulheres, negros, pardos, escravos livres, entre outros.

O século XIX foi marcado pela tentativa de fazer medrar no país o ideário Iluminista, bem como por inúmeras reformas do ensino. A Independência do Brasil, em 1822, e o movimento Republicano, engendrado a partir de 1870, no contexto das ideias liberais vindas da França e dos Estados Unidos da América, “abriram as portas do país para intervenções educativas privadas, seja de leigos, seja de instituições de ensino confessionais, católicas e protestantes, em especial essas últimas”. (AKKARI, 2011, p. 245).

Assim, fomentado pelos ideais republicanos de ampliação e democratização escolar, ocorreu, no século XX, um salto significativo na expansão escolar. (SAVIANI, 2008, p. 444). No entanto, a educação permaneceu marcada pela dualidade e pelo elitismo, devido a linha divisória e decisória estabelecida entre o ensino primário e secundário, pelo exame de admissão, altamente seletivo e excludente. Bem como pela forma como se organizava o ensino secundário, sendo dividido em duas formações distintas, “uma destinada a elite com o ensino propedêutico, focando a formação o ensino superior, e outra para as classes populares com um ensino técnico-profissional (agrícola, comercial e industrial) ”. (BALDAN; OLIVEIRA, 2008, p. 91).

Somente na década de 1970, com a exigência do povo ao acesso à educação, tendo em vista a compreensão da educação como meio de mobilidade social, bem como pelas exigências de formação da população para o trabalho, o Estado se vê obrigado a ocupar-se da educação do povo. (BALDAN; OLIVEIRA, 2008).

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Desse modo, em 1971 é promulgada pela Lei nº 5692/1971, que instituiu as diretrizes e bases do ensino de primeiro e segundo grau, reformando o antigo ensino primário e médio. Esta lei previa a união entre “o ensino primário ao ensino ginasial, suprimindo o exame de admissão para formar o 1º grau de ensino, de 8 anos obrigatórios, dos 7 aos 14 anos de idade” (BALDAN; OLIVEIRA, 2008, p. 93), ficando a cargo dos municípios “promover, anualmente, o levantamento da população que alcance a idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula”. (ROSA; LOPES; CARBELLO, 2015, p. 168).

A referida reforma estimulou a expansão da educação primária no Brasil. No entanto, foi a partir da Constituição de 1988 que as políticas buscaram garantir o direito de todos à educação, o que engendrou “uma expansão considerável da educação básica no Brasil, tendo a taxa de atendimento a esse nível de ensino chegado a 97% no final dos anos 1990”. (ROSA; LOPES; CARBELLO, 2015, p. 170).

Com o processo de massificação do ensino ampliou-se o acesso à educação, entretanto, esta expansão foi marcada pela preocupação com a quantidade acima da qualidade. Para Libâneo (2012, p. 23), “as políticas de universalização do acesso acabam em prejuízo da qualidade do ensino, pois, enquanto se apregoam índices de acesso à escola, agravam-se as desigualdades sociais do acesso ao saber”.

Segundo o referido autor, a problemática se encontra no fato de que ocorreu uma distorção no objetivo da escola pública, cuja função de socialização passou a ter “o sentido de convivência, de compartilhamento cultural, de práticas de valores sociais, em detrimento do acesso à cultura e à ciência acumuladas pela humanidade”. (LIBÂNEO, 2012, p. 23).

Assim, as instituições públicas passaram a ter a função de acolhimento social das populações excluídas e marginalizadas, no qual o direito ao conhecimento e à aprendizagem foram substituídos pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência; enquanto, as instituições privadas, continuaram a oferecer um ensino de excelência condicionado às exigências dos diversos grupos das classes abastadas, grupos que detêm os meios e os recursos tanto econômicos quanto culturais, informacionais e sociais para se utilizarem da melhor forma dessas instituições e obter os melhores rendimentos.

Nogueira (2010) assevera que:

[...] nosso sistema de ensino tem um nítido caráter de classe [...]. Sua segmentação em duas redes (que comportam ambas uma estratificação interna) divide o público escolar entre o ensino privado, que recruta as categorias favorecidas da população, e a escola pública, que acolhe

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aqueles que não possuem os meios para pagar pelos estudos e que, de um modo geral, recebem, em contrapartida, um ensino de mais baixa qualidade. (NOGUEIRA, 2010, p. 224).

Nesse sentido, o campo escolar se delineia pela configuração de duas redes de ensino que apresentam características distintas e antagônicas, produto de um processo histórico do sistema educativo. De um lado, há uma rede pública marcada pela baixa qualidade do ensino ofertado, caracterizada pelo reducionismo dos saberes e aprendizagens escolares; de outro, há uma rede particular de ensino marcada pela alta qualidade e pela excelência do ensino, caracterizado por diferentes propostas pedagógicas que tem por escopo assegurar o sucesso escolar aos discentes.

Nesse sentido, “o estabelecimento de redes educacionais cada vez mais diferenciadas e hierarquizadas”, no qual os jovens são escolarizados de maneira desigual concorre para a reprodução e acirramento das desigualdades socias. Haja vista que os agentes das diferentes classes socias são providos de maneira desigual em termos de recursos e patrimônios – capital econômico, capital cultural, capital social, capital informacional, capital simbólico - capazes de serem mobilizados e investidos em prol da escolarização de seus filhos. (CHARLOT, 2005, p. 144 apud LIBÂNEO, 2012, p. 23).

CLASSES SOCIAS E ESCOLA

Segundo Bourdieu (2007), as diferenças primárias que estabelecem as distinções entre as diferentes classes de condições de existência têm sua origem no volume global de capital – capital econômico, capital cultural, capital social, capital simbólico – de que estas são detentoras. Assim, as classes socias distribuem-se desde as mais bem providas em capital econômico e cultural até as mais desprovidas nesses dois aspectos. (BOURDIEU, 2007, p. 107-108).

É a estrutura e volume de capitais que informam a posição ocupada pelos agentes ou grupo de agentes no espaço social. A cada posição corresponde um conjunto de condições e condicionamentos específicos, bem como um habitus. Bourdieu elucida que o habitus funciona como um “sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”. (BOURDIEU, 2005, p. 191).

Assim, é o habitus, produto da incorporação da estrutura objetiva do espaço social tal como ela se impõe, que engendrará a visão de mundo dos agentes ou grupos de agentes,

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e, portanto, comandará as representações, os valores, as expectativas e os sentidos atribuídos à educação e, consequentemente, as práticas e estratégias acionadas nesse campo. (BOURDIEU, 2007).

Desse modo, os membros das diferentes classes sociais apresentam posturas diferentes a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos, que é expressão do sistema de disposições e valores que devem à sua posição social.

[...] tudo se passa como se as atitudes dos pais em face da educação das crianças, [...] fossem, antes de tudo, a interiorização do destino objetivamente determinado (e medido em termos de probabilidades estatísticas) para o conjunto da categoria social à qual pertencem. Esse destino é continuamente lembrado pela experiência direta ou mediada pela estatística intuitiva das derrotas ou dos êxitos parciais das crianças do seu meio e também, mais indiretamente, pelas apreciações do professor [...]. (BOURDIEU, 2015, p. 52).

Nesse sentido, são as condições objetivas de existência, bem como as oportunidades objetivas apreendidas intuitivamente e interiorizadas pelo agente ou grupo de agentes que determinam as aspirações e expectativas em relação a educação, ou seja, que determinam aquilo que é passível ou não de concretização pela classe, excluindo a possibilidade de desejar o impossível.

Segundo Nogueira (2009), para as classes populares as aspirações educativas tencionam a possibilidade de evitar cargos degradantes e instáveis, que não assegurem uma vida com dignidade. Já para as classes médias estão relacionadas à reprodução ou ascensão social, exprimindo um intenso e sistemático investimento na escolarização dos filhos. E para as classes abastadas, têm por escopo assegurar a distinção e a raridade específica de sua classe, e possuem a tendência a investir tanto em educação quanto em práticas culturais diferenciadoras. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).

Segundo Bourdieu, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas e inconscientemente, um determinado ethos, ou seja, um sistema profundamente interiorizado de valores implícitos ou explícitos, que contribui, entre outras coisas, para definir, as atitudes em relação ao capital cultural e à escola. (BOURDIEU, 2015, p. 46).

É a combinação entre o ethos e o capital cultural que “[...] definem as atitudes dos pais e dominam as escolhas importantes da carreira escolar e regem também a atitude das crianças diante dessas mesmas escolhas e, consequentemente, toda sua atitude com relação à escola”. (BOURDIEU, 2015, p. 52).

Nesse sentido, as diferentes disposições das crianças das diferentes classes sociais face a escola são tributárias do contexto de socialização familiar, permeados por valores,

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e práticas familiares e escolares que podem contribuir ou não para a interiorização da importância da carreira escolar, como meio de mobilidade social ou preparação da vida futura. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012, p. 28).

As famílias engendram e condicionam as disposições e os desempenhos escolares dos filhos por meio da transmissão ou não transmissão de conhecimentos requeridos e valorizados pela escola, das fortes ou baixas expetativas neles depositadas em termos de trajetórias de sucesso, da adoção ou não de práticas educativas escolarmente rentáveis, bem como da presença ou ausência de acompanhamento da vida escolar. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012).

Segundo estudo realizado por Quaresma, Abrantes e Lopes (2012, p. 33), as famílias das classes populares apresentam baixas expectativas escolares. As carências de recursos básicos, cotidianos desestruturados e a premência do presente e das necessidades, acabam por limitar os horizontes do futuro escolar e a constituição de um projeto educativo de longo prazo.

Os autores ressaltam que existe uma adesão discursiva por parte das famílias populares aos valores da escola, no entanto, esta não coincide com as práticas adotadas nesse campo. Quanto às expectativas, há nas famílias o desejo de que os filhos realizem os estudos até onde puderem chegar, nesse sentido, a trajetória escolar dos filhos é relegada ao destino, não existe uma mobilização efetiva e sistematizada da família. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012, p. 34).

Somente uma minoria aspira prosseguir os estudos até o ensino superior, entretanto, essa aspiração permanece no plano dos sonhos, pois é marcada pela “dificuldade destes atores em compreender o próprio sistema de ensino secundário e superior, bem como a sua relação com o mercado de trabalho”. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012, p. 34).

Assim, as famílias populares constituem um “projeto socializador parcial, fruto de uma adesão distanciada aos valores escolares, assente numa relativa descrença, alimentada pelo desconhecimento das fileiras escolares, das opções vocacionais e dos trilhos de ingresso no mercado de trabalho”. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012, p. 39).

Nas famílias das classes médias os “valores educacionais são mais difundidos do que nas classes populares e os meios de atingirem suas metas são sistematicamente postos em práticas para o sucesso dos filhos”. (PASSOS; GOMES, 2012, p. 360). Nesse sentido,

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a escola se encontra fortemente integrada a uma estratégia de reprodução social, pois é à escola que devem sua posição social atual e futura. (NOGUEIRA, 2010).

Segundo Quaresma, Abrantes e Lopes (2012, p. 33), há uma confluência quanto às metas e expectativas acadêmicas e profissionais de pais e filhos, engendrada a partir da interiorização dos “valores do trabalho, da exigência, do rigor e da permanente busca de autossuperação que lhes permitirão concretizar as suas aspirações” no campo educativo e obter o sucesso almejado. (QUARESMA; ABRANTES; LOPES, 2012, p. 30).

Distinguindo-se, profundamente, das classes populares, as classes médias experimentam uma maior implicação educativa na planificação, preparação e acompanhamento do processo de escolarização dos filhos, que se configura como uma intensificação e refinamento das “estratégias educativas para tirar proveito dos recursos (culturais e econômicos) que possuem em prol da escolaridade dos filhos [...].” (NOGUEIRA, 2010, p. 219).

Assim, as classes médias aderem mais fortemente aos valores escolares, pois a escola se encontra estreitamente ligada aos projetos de reprodução social da classe. Nesse sentido, o amplo conhecimento de sistema de ensino e seu funcionamento, bem como a posse de recursos econômicos, culturais e informacionais vantajosos lhes facultam a possibilidade de assegurar longos percursos e trajetórias de sucesso escolar aos seus filhos.

As classes abastadas experimentam valores, expectativas e projetos de escolarização distintos a depender do capital predominante em sua estrutura patrimonial. Estudos recentes corroboram esta asserção e têm apontado “a necessidade de se diferenciarem grupos favorecidos culturalmente daqueles privilegiados economicamente, por apresentarem comportamentos sociais distintos” e, portanto, habitus e estratégias educativas distintas. (CATTANI; KIELING, 2007, p. 183).

Segundo Bourdieu, as frações mais ricas em capital cultural tendem a investir mais na educação de sua prole e, ao mesmo tempo, em práticas culturais próprias a manter e aumentar sua raridade específica. Já as frações mais ricas em capital econômico priorizam os investimentos econômicos ao invés de investimentos culturais e educativos, o que exprime a transferência da mesma preocupação pelo investimento racional tanto no plano econômico como no plano educacional. (BOURDIEU, 2007a, p.234).

As frações das classes abastadas mais ricas em capital cultural tendem a acreditar e investir mais na escola como meio de assegurar ou subverter sua posição social. Assim,

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propiciam um ambiente rico em acumulação transmissão dos capitais da família aos herdeiros, orientam suas escolhas no campo educacional a instituições de ensino de excelência, e investem em cursos extraescolares, organizando o tempo de seus filhos com atividades que aumentarão sua cultura.

Já as frações das classes abastadas mais ricas em capital econômico devotam menos crédito à escola e têm maior propensão a investir em estratégias propriamente econômicas e sociais para assegurar sua reprodução social. Estas famílias não acreditam no valor do diploma, não acreditam que o capital escolar possa assegurar a manutenção da sua posição no espaço social. Assim, a relação contraditória que as famílias têm com a educação não engendra nos filhos um sentimento de devotamento e valor da educação.

Assim, as classes abastadas apresentam diferenças significativas e até antagônicas em relação à escola e a educação, no qual as atitudes das diferentes frações são polarizadas entre um alto grau de adesão à escola e seus valores e um alto descrédito em relação ao seu papel na reprodução social das famílias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dualidade do sistema de ensino brasileiro recebeu contornos diferentes no transcurso dos tempos. Sua gênese se encontra associada à chegada dos Jesuítas e ao estabelecimento de colégios jesuíticos no Brasil, que ofereciam processos de escolarização distintos às diferentes parcelas da sociedade.

Ao longo dos séculos vindouros, a educação preservou seu caráter elitista e dualista. As Reformas Pombalinas, empreendidas durante o fim do século XVIII e início do XIX, mantiveram o caráter dual do ensino ao defender que à maioria da população, não era necessário aprender a ler e escrever, bastava a instrução dominical dos párocos nas igrejas.

Ainda no século XX, o ensino secundário estendeu a perniciosa configuração dual do nosso sistema de ensino, em primeiro lugar, por ser o ensino secundário altamente seletivo e excludente e por outro pela forma como se organizava, prevendo dois tipos de formação um destinado as classes abastadas, focando a formação o ensino superior, e outra para as classes populares com um ensino técnico-profissional.

Com a ampliação e massificação escolar, a oferta escolar obteve um salto significativo, no entanto, esta ampliação foi marcada pela quantidade em detrimento da qualidade. Nesse contexto, configurou-se, de um lado, uma rede pública marcada pela

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baixa qualidade do ensino e caracterizada pelo reducionismo dos saberes e aprendizagens escolares; e de outro, uma rede particular de ensino marcada pela alta qualidade e pela excelência do ensino, caracterizado por diferentes propostas pedagógicas condicionadas às exigências das diferentes frações das classes abastadas.

À oferta escolar desigual soma-se as oportunidades desiguais de acesso às distintas redes de ensino. Assim, as classes abastadas e médias, que detêm maiores recursos econômicos, culturais e informacionais, apropriam-se de maneira distinta e distintiva dos recursos educacionais, mobilizando-se, usufruindo e reconvertendo intensamente seus diferentes capitais de forma obter maiores rendimentos e ganhos educacionais para sua prole.

Já às classes populares restringe-se o acesso às oportunidades educacionais, devido aos parcos recursos tanto econômicos quanto culturais de que são detentoras. Assim, a rede pública se apresenta como a única alternativa passível de escolha. As condições objetivas de existência dos agentes desse grupo social, marcada pela premência do presente e das necessidades, acabam por limitar a constituição de expectativas em relação a educação e ao futuro por ela oferecido, bem como a construção de trajetórias escolares longas e de sucesso.

A educação é um vigoroso meio de obtenção de legitimidade e distinção pelas classes sociais. No entanto, os agentes das diferentes classes têm possibilidades distintas de fazer uso do sistema escolar, assim, a oferta e o acesso desigual à educação contribui para que o poder e a legitimidade sejam mantidos como privilégio de determinadas classes, operando no sentido de reproduzir as desigualdades sociais.

Referências

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