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Dinâmicas da matéria orgânica e do lençol freático suspenso: evolução geomorfológica de uma paisagem podzolizada Espinhaço Meridional MG.

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Dinâmicas da matéria orgânica e do lençol freático suspenso: evolução

geomorfológica de uma paisagem podzolizada – Espinhaço Meridional –

MG. Brasil*

Nádia Regina do Nascimento (1); Cristiane Michelon (1); Guilherme Taitson Bueno (2); Rosely Pacheco Dias (3); Aline de Aquino (1); Daniela Beato (3); Alisson Duarte

Diniz (1)

(1)Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Av. 24 A, no.1515,Rio Claro, SP, Brasil, (2) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, (3) Universidade de São

Paulo, SP, Brasil.*Financiamento: FAPESP

nascimr@rc.unesp.br; cristianemichelon@yahoo.com.br; gtaitson@ig.com.br; rpfdias@usp.br; beatodani@hotmail.com

Introdução

A acumulação das matérias orgânicas, em áreas naturais, depende da textura, vegetação e clima. A textura argilosa, por suas características, é importante, pois, protege a matéria orgânica do acesso dos micro-organismos decompositores, enquanto o clima, afeta as quantidades de carbono orgânico dos solos pela sua interferência na decomposição e no turnover de C. O clima está diretamente ligado com a topografia e os solos, que em conjunto, definem o comportamento hídrico dos solos. Em ambiente melhor drenado as matérias orgânicas são rapidamente decompostas e mineralizadas, enquanto nos ambientes hidromórficos a sua acumulação leva a altos estoques de matéria orgânica e conseqüentemente de C.

A dinâmica da matéria orgânica dos solos é fator importante na diferenciação dos horizontes. O processo de podzolização é um dos mais característicos em relação à essa dinâmica. Pela sua morfologia singular e forte contraste na diferenciação vertical de seus horizontes diagnósticos os podzóis são rapidamente reconhecidos. Os mecanismos, freqüentemente invocados, quando da podzolização (e.g. Gustafsson et

al, 1999; Lundström et al, 2000, van Hees & Lundström, 2000) são: 1) a produção de

compostos orgânicos ácidos e a alteração dos minerais; 2) a formação, a transferência e a acumulação de complexos organo-metálicos (principalmente Fe e Al) e, 3) na maior parte dos casos, a precipitação de fases inorgânicas fracamente cristalizadas (ferrohidrita e produtos alofânicos). Para que o processo de podzolização possa ser considerado os solos devem apresentar horizontes espódicos abaixo dos eluviais organo-minerais (A, AE), ou minerais (E), e mostrar evidências de acumulação de

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2 matéria orgânica e de metais (Lundström et al., 2000). Buurman & Jongmans (2005) e Bardy et al. (2008) mostram que evidências macro e micro-morfológicas podem ser indicadoras da transferência e deposição de matérias orgânicas. Nos horizontes eluviais os resíduos orgânicos estão nitidamente dissociados dos quartzos brancos, formando horizontes do tipo Mor, cujo aspecto resultante é como «pimenta e sal». Entretanto, nos horizontes espódicos, as substâncias orgânicas, sempre assimiladas aos humos de fraco ou alto peso molecular (ácidos fúlvicos, ácidos húmicos e humina), recobrem os grãos de quartzo. Os horizontes iluviais são ricos em humus e metais (Duchaufur, 1982; Petersen, 1984). Nos podzóis pouco evoluídos os horizontes organo-minerais (A, AE) estão diretamente assentados sobre os espódicos; são cripto-podzois (Duchaufour, 1972) ou podzóis húmicos (Thompson, 1992). Nos podzóis com lençol, a diferenciação de cor entre os horizontes é pequena. As condições redutoras, provocadas por um lençol de baixa profundidade, permitem uma grande mobilidade do Fe, seja na forma dissolvida, seja em associação com os compostos orgânicos, quando dos escoamentos hídricos laterais (Nascimento et al., 2004, 2008). Em função disto, as águas superficiais e dos lençóis que drenam as áreas podzolizadas são negras e atribuídas à presença de ácidos fúlvicos e colóides orgânicos em suspensão (FAO, 1998; Allard et al., 2004).

Neste trabalho combinaram-se investigações sobre a matéria orgânica, a morfologia, a mineralogia, dos solos e sedimentos recentes, com dados hidro-químicos para entender a diferenciação vertical e lateral dos solos dentro do contexto de uma evolução geomorfológica multi-temporal.

Sítio de Estudo

A Serra do Espinhaço Meridional faz parte de uma faixa orogênica pré-cambriana que se estende por cerca de 1200 Km na direção N-S, desde Minas Gerais à Bahia, compõe-se de rochas do paleo/-mesoproterozóico, e constitui um importante elemento de referência para o entendimento da evolução geológica e geomorfológica do sudeste e centro-leste do Brasil (Almeida-Abreu P. A. & Renger, F. E., 2002). Na área de estudo paisagens elevadas (até 1800 m de altitude), compostas por um conjunto de serras e superfícies aplainadas são balizadas por rochas do mesoproterozóico, metamorfizadas em baixo grau, predominantemente, quartzitos. O relevo tem superfícies escalonadas, sub-horizontais e conformam glacis com vertentes longas de baixa declividade, interrompidas por vales fluviais encaixados e por cristas quartzíticas que podem apresentar aspecto ruiniforme, e colinas. Aí distribuem solos rasos e profundos lateritizados, arenosos, podzolizados ou não.

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3 Nessa área um sítio, localizado na bacia do alto Rio Preto (7984 a 7996 KmN e 668 a 680 KmE), foi escolhido para o estudo. Devido às altitudes elevadas, as temperaturas são moderadas. As médias anuais variam entre 14,8 e 23,7°C, respectivamente, no inverno e no verão, e a precipitação pluviométrica média anual é de cerca de 1200 mm/ano (INMET, 2002). A bacia do alto Rio Preto faz parte de uma morfo-estrutura dobrada, metasedimentar, do mesoproterozóico, é constituída basicamente pela Formação Sopa- Brumadinho (Supergrupo Espinhaço) constituída por metarenitos, metaconglomerados polimíticos, metapelitos e localmente metabrechas quartzíticas de matriz pelítica, filitos hematíticos e xistos verdes, formados a partir da deposição de sedimentos continentais (Almeida-Abreu P. A. & Renger, F. E., 2002). Na alta bacia tal morfo-estrutura é formada por relevos residuais como inselbergues ou maciços rochosos, seguidos por amplos glacis levemente dissecados que se conformam em espigões entre as drenagens. Tais espigões perdem suas continuidades à medida que a dissecação aumenta na direção da jusante, dando lugar a relevos de colinas. Os inselbergues e maciços têm dois níveis altimétricos nítidos, um entre 1450 a aproximadamente 1700 m que pode ser traçado pela presença de remanescentes de uma couraça ferruginosa laterítica e outro acima de 1800 m. Os espigões apresentam altitudes entre 1300 a 1400 m e são capeados por solo residual, litodependentes das rochas aflorantes, entremeados por zonas deprimidas embrejadas contendo organossolos. As colinas, abaixo de 1300 m, são capeadas por materiais diversos desde solos desenvolvidos sobre materiais transportados a solos desenvolvidos sobre a rocha local. Uma topossequência de solos em uma colina “tipo” foi estudada em detalhe e constitui o modelo para o desenvolvimento das interpretações apresentadas neste artigo.

Materiais e Métodos

O estudo, realizado em topossequência, teve como base a Análise Estrutural dos Solos (Boulet et al. 1984). Acoplaram-se aos estudos morfológicos os dados da mineralogia dos solos e sedimentos e os de caracterização das matérias orgânicas. Tais dados foram obtidos por espectroscopia de infra-vermelho, com transformada de Fourrier (IRFT), usando de um aparelho Varian, 640-IR, FT-IR - spectrometer. O conteúdo de matéria orgânica foi determinado pelo método de Walkley-Black, segundo o procedimento usado no Laboratório de solos da Universidade Federal de Viçosa. O pH foi medido em KCl e em água.

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4 Água de tensão zero está sendo coletada, uma vez por mês no período de dois anos, usando de dispositivo (recipientes coletores de água) introduzido nos horizontes dos solos em uma topossequência paralela e localizada a 2 metros da estudada em detalhe. Estão sendo analisadas por ICP–AES, para dosagem dos elementos Al, Fe e Si.

Distribuição dos Solos na Vertente: complexidade dos materiais de origem; podzolização dos organossolos e dos solos lateritizados

A figura 1 representa a topossequência de solos estudada em uma vertente convexizada, na montante, e levemente côncava, na jusante. A legenda da figura trás os dados da descrição morfológica de campo.

Na montante da vertente, compartimento I, a sequência de horizontes, pelas suas características de campo, indica tratar-se de solos com características lateríticas, embora, o desenvolvimento dos perfis, à primeira vista, não seja revelador deste tipo de pedogênese. Tal compartimento revela uma complexidade quanto aos materiais de origem dos solos. Na base, dois tipos de rocha estão presentes: filito e metarenito. Tanto o filito como o metarenito têm material de alteração avermelhado indicando um ambiente oxidante. Os cascalhos que aparecem dentro desse nível de alteração fazem parte de um veio de quartzo, preservado em Tr1, mas, cujas faces dos blocos estão fortemente ferruginisadas. De montante para a direção da jusante do compartimento os cascalhos desse nível tornam-se cada vez mais finos, seja pela fragmentação do veio ou pela realimentação em fragmentos menores, quartzosos, de pequenos veios presentes no metarenito, até desaparecerem após Tr4. Trata-se, portanto, de uma relíquia de uma alteração ferruginisante importante, pelo menos, na montante do compartimento. Um segundo nível de cascalhos tem composição e tamanhos heterogêneos: quartzos ferruginisados, fragmentos de couraça ferruginosa, quartzos não ferruginisados, quartzito, revelando o caráter alóctone do material. Essa cascalheira assenta-se sobre o plano de alteração das duas litologias o que indica eventos de erosão, anterior, que cortou dois padrões litológicos e estruturais diferentes. Tal cascalheira aflora na superfície, entre T3 e T5, e desaparece antes de Tr4. Sobre a cascalheira um material de textura mais fina remete ao final da fase erosiva e de deposição. Todos esses materiais, tanto as rochas como os depósitos, constituem, então os materiais de origem para os solos do compartimento I. Em Tr3 horizontes eluviais (Ae) na superfície dos solos, e um Bhs em T11, anunciam o próximo compartimento.

O compartimento II inicia-se na Tr4 e segue até a Tr9. Trata-se de uma transição. Tem características de I e de III. A distribuição dos horizontes é peculiar. A descrição

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5 morfológica de campo, apresentada na figura 1, dá conta de uma sequência com características lateríticas, intercalados por horizontes com características espódicas, e ausência de eluviação entre os espódicos da base do compartimento. Na base a alteração do metarenito fornece um material variegado esbranquiçado e amarelado claro indicando hidromorfia; de fato, foi constatada a presença de lençol freático. Nesse nível, em Tr4, a matéria orgânica ocupa o espaço entre as bandas do material alterado. Na direção da jusante do compartimento, tal matéria orgânica impregna o material alterado adjacente constituindo uma sequência de horizontes CBh. Na direção do topo dos perfis, os fortemente impregnados pela matéria orgânica, são sucedidos por horizontes de alteração ou por B de características lateríticas, que, por sua vez, são sucedidos por Bh, B, Bhs e horizontes eluviais no topo dos solos. A distribuição da matéria orgânica é discordante das estruturas do solo com características lateríticas e os superimpõe. Na Tr6 o B assenta-se diretamente sobre o Bh2, o que traduz uma gênese um pouco mais complexa do Bh2 em relação ao Bhs localizado abaixo dos horizontes Ae da superfície. Não há horizonte “E”, indicação de processos eluviais intensos nos solos, acima de Bh2, como também, sobre os C/Bh. A sequência vertical de horizontes, marcada pela ausência de tal horizonte, permite afirmar que os solos são cripto-podzóis, no sentido de Duchaufour (1972), ou podzóis húmicos no sentido de Thompson (1992). Essa podzolização que se superimpõe aos solos com características lateríticas é, portanto, uma etapa inicial na formação e evolução dos solos podzóis. As matérias orgânicas que impregnam os horizontes têm aspectos diferenciados. Na parte superior dos perfis a matéria orgânica é do tipo mor e o horizonte tem aspecto pimenta e sal. Em C/Bh e Bh ela recobre os grãos de quartzo o que dá um aspecto maciço aos horizontes; tal característica morfológica é indicadora da eluviação e iluviação dos compostos orgâno-metálicos, humos de fraco ou alto peso molecular que recobrem os grãos de quartzo nos horizontes, tal como revelaram Buurman & Jongmans (2005) e Bardy et al. (2008). Entretanto, a ausência do horizonte eluvial introduz a questão sobre a origem dos horizontes impregnados de matéria orgânica (Bh2 e C/Bh) da base desse compartimento. A hipótese é que essa matéria orgânica tem sua origem por mobilização lateral.

O compartimento III representa um conjunto de Horizontes fortemente impregnados por matéria orgânica, intercalados por níveis eluviais, descontínuos. Diferentemente dos compartimentos anteriores os perfis de solo desse compartimento têm uma profundidade 268+cm, sublinhada por tronco de árvore (Tr8). Acima do tronco observa-se um horizonte C com estrutura bandada plano-paralela

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6 formado por uma série de bandas de material arenoso quartzoso lavado, e orgâno-mineral. O tronco e tal morfologia bandada não deixam dúvidas quanto à aloctonia do material de origem dos solos do compartimento. Entretanto, está em discordância sobre esse sedimento, e o impregna, material orgânico de cor preta (Bh3), com limite interdigitado com o depósito. O Bh3 tem distribuição de matéria orgânica recobrindo os grãos de quartzo, indicação de iluviação, o que dá ao horizonte aspecto maciço. A partir do horizonte IIIC/E, em direção do topo do perfil, sucede-se de maneira alternada, com horizontes álbicos descontínuos, dois horizontes espódicos (Bh1, Bh/Bhs). A distribuição da matéria orgânica nos horizontes álbicos tem aspecto “pimenta e sal”, enquanto no Bh1 e Bh/Bhs o aspecto é contínuo, a matéria orgânica forma película nos grãos de areia, mas tem grânulos de matéria orgânica como nos horizontes álbicos. O primeiro aspecto (pimenta e sal) reflete o caráter eluvial. O segundo (maciço com grânulos de matéria orgânica), reflete, por um lado, o caráter de dissolução e mobilidade (película nos grãos) e, de outra maneira, uma acumulação da matéria orgânica, seja aquela agregada ao sedimento de origem, ou, posteriormente, quando da pedogênese que deu origem aos solos. A água do lençol, de cor preta, reafirma a dissolução e mobilidade da matéria orgânica. A acumulação importante, dessa, ao longo de todo o compartimento; a eluviação incompleta (horizontes eluviais descontínuos), ratificada pelo caráter de transição do horizonte Bh/E, e a formação dos horizontes espódicos, revelam uma podzolização incipiente sobre organossolos. As características morfológicas do compartimento remetem, então, a três eventos principais para a sua gênese: 1) a sedimentação, provavelmente fluvial, que por si só agregou matéria orgânica ao depósito; 2) evento de acumulação de matéria orgânica sobre os sedimentos, e que deu origem ao organossolo e 3) podzolização incipiente, atual, sobre os organossolos.

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7 Figura 1. Morfologia da topossequência de solos – Bacia do Rio Preto - MG

Dados Analíticos de Laboratório: dissolução e mobilização de matéria orgânica, dissolução de caolinita e gbsita

A avaliação da mineralogia, obtida por espectrometria ao IR-FT, dos solos dos três compartimentos, apresentada na figura 2a, b, c, é simples: caolinita e gbisita. O que diferencia cada compartimento é a intensidade dos picos e a cristalização dos argilo-minerais.

Do compartimento III ao I há o incremento dos picos; naturalmente, está ligado ao maior conteúdo de argila dos perfis em direção da montante da topossequência. A configuração evidenciada na figura 2 está estreitamente ligada com a distribuição lateral dos horizontes na topossequência. No compartimento III os mineraris de argila (caolinita e traços de gbisita no horizonte superior, Fig. 2a) se apresentam em menor quantidade uma vez que o material original, sedimentos fluviais, de partida, já eram arenosos quartzosos e, praticamente, esvaziados de componentes finos de mineralogia diferente do quartzo (possivelmente caolinita). Os picos que representam as caolinitas variam, de menor a maior intensidade, segundo os horizontes, mas, a tendência geral é o incremento gradual, na direção do topo, significando que a pedogênese propiciou tal diferenciação vertical.

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8 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 3300 3400 3500 3600 3700 Compartimento III Wavenumber/cm-1 Ae2 (2-11cm) Bh1 (11-51cm) Bh/Bhs (73-128cm) Bh3 (183-189cm) IIC/E (189-215cm) 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 3300 3400 3500 3600 3700 Compartimento II Wavenumber/cm-1 Ae2 (0,4-14cm) Bhs (14-61cm) B1 e Bh2 (71-90cm) 2CBh (91-133cm) IIC (139+cm) 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 3300 3400 3500 3600 3700 B2 (43-51cm) Cascalho de Veio (51-63cm) IIC2 (66-85cm) IIC3 (1,06-1,22cm) Wavenumber/cm-1 Compartimento I

Figura 2. Espectros IR-FT dos perfis Tr4 (compartimento I); Tr6 (Compartimento II); Tr8 Compartimento III. K: caolinita; G: Gbisita

No compartimento II, o possível desenvolvimento dos solos a partir da alteração da rocha local que, embora arenosa, possui minerais micáceos na sua composição, permitiu a diferenciação dos horizontes e a formação de caolinita e gbisita. Os espectros mostram (Fig. 2b) que a intensidade dos picos e a cristalinidade da caolinita têm tendência a decrescer na direção do topo. Entretanto, as intensidades menores estão nos horizontes espódicos, indício de dissolução dos minerais argilosos. A gbisita que não existe na alteração da rocha, por ser um meio hidromórfico, incrementa-se na direção do topo e, como para a caolinita, nos horizontes espódicos tem picos menores, indicando dissolução.

O compartimento I tem uma seqüência de espectros cujos picos e cristalinidade da caolinita, diminuem da base, a partir do IIC2, para o topo do perfil (Fig. 2c). A gbsita aparece, apenas, a partir do horizonte com cascalhos, e se incrementa até o topo do perfil (Fig. 2c). A configuração dos espectros difere da dos compartimentos II e III o que revela diferença de pedogênese destes compartimentos. De fato, a configuração vista no compartimento I refere-se a uma pedogênese laterítica, enquanto nos demais a podzolização já é atuante e superimpõe às características lateríticas dos solos do compartimento II.

A análise da mineralogia permitiu, portanto, reafirmar dois tipos de pedogênese e mostrar que nos horizontes espódicos tanto a gbisita como a caolinita estão sendo dissolvidas.

Na figura 3 estão apresentados os teores de matéria orgânica dos solos. À exceção do perfil 1 no compartimento I, que tem distribuição de matéria orgânica decrescente

a: compartimento III IIIIIIcompartimen to III b: compartimento II c: compartimento I K K G K G

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9 na direção da profundidade, nos demais perfis do compartimentos II e III essa distribuição é irregular, indicando que a acumulação de matéria orgânica nos níveis menos superficiais dos solos já acontece a partir de Tr2. Em Tr2 e Tr4 ela ocorre nos níveis de cascalho e, em Tr4, inicia-se a acumulação nos horizontes de alteração que incrementa-se na direção de jusante até a Tr8, não só na alteração como também nos horizontes Bh. Como o aumento dos teores de matéria orgânica na direção de jusante e o fato de não haver horizontes álbicos sobrejacentes aos espódicos da base dos perfis, acredita-se que a mobilização de tal matéria orgânica se deu de jusante para a direção de montante da topossequência.

0 1 2 3 4 0 2 0 4 0 6 0 8 0 1 0 0 1 2 0 1 4 0 1 6 0 1 8 0 2 0 0 2 2 0 p r o f u n d i d a d e ( m ) m a r ia o r g â n ic a ( d a g /K g ) T r 1 T r 2 T r 4 T r 6 T r 9 T r 7 T r 8

Figura 3. Distribuição da matéria orgânica na topossequência

Comparando os teores de matéria orgânica dos solos com o conteúdo de Al nas águas dos solos e com o pH (Tabela 1) verifica-se uma relação positiva entre eles. Quanto mais ácido o ambiente do horizonte (pH do solo e da água) e maior o teor de matéria orgânica nos horizontes, maior é a concentração de Al na água. Essa relação confirma não só que há dissolução e mobilidade da matéria orgânica, mas também, que esta é suficientemente eficaz para atacar os minerais de argila, complexar os metais e mobilizá-los, como é o caso do Al. De fato, os espectros IR-FT mostram a diminuição maior dos picos de gbisita e de caolinita nos horizontes espódicos, em contraposição aos dos horizontes lateríticos, o que confirma a dissolução destes minerais em ambiente podzolizante.

A caracterização morfológica da topossequência revela que a cor dos horizontes A e Bh de superfície é diferente daquela dos horizontes espódicos de subsuperfície dos compartimentos I e II. Na superfície as cores são pretas acinzentadas e na subsuperfície a cor é predominantemente preta o que mostra diferenças entre as

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10 matérias orgânicas dos dois conjuntos de horizontes. Por outro lado, essa fase preta acinzentada é discordante sobre os horizontes espódicos da base da Tr9, indicando a anterioridade desta fase em relação à preta. Acredita-se, portanto, que houveram dois eventos de acumulação de matéria orgânica. A primeira que se restringia, apenas, ao compartimento III após a sedimentação, e uma fase posterior, mais abrangente, que atingiu todos os compartimentos a partir da Tr3 até a Tr8, responsável pela podzolização dos horizontes de superfície. Com os dados disponíveis não é possível precisar a qual fase de acumulação de matéria orgânica corresponde a mobilização lateral de matéria orgânica de jusante para a direção de montante, que impregnou a base dos perfis dos compartimentos I e II.

Conclusão: evolução de uma paisagem multitemporal

Os dados apresentados e as interpretaçãoes elaboradas dão conta de uma topossequência de solos com uma gênese complexa. Tal complexidade está ligada: 1) aos materiais de origem diferenciados ao longo da vertente que denotam processos erosivos sobre a paisagem anterior à elaboração da vertente, como ela se apresenta no presente; 2) aos três tipos de pedogênese ao longo do tempo, sendo que a última (podzolização) se superimpõe às duas anteriores (lateritização e formação dos organossolos do compartimento III); 3) à dinâmica, complexa, da matéria orgânica ligada a ambientes confinados, anteriores à instalação da drenagem atual. Todos esses fatores deram forma à vertente representada na figura 1.

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11 Tabela 1. Matéria orgânica nos solos, Al dissolvido na água e pH

Trincheiras, horizontes dos solos, profundidade Matéria Orgânica (dag/Kg) Al (mg/l) na H2O 26/1/01 0 Al (mg/l) na H2O; 27/1/010 Al (mg/l) na H2O; 28/1/010 Al (mg/l) na H2O; 29/1/010 Al (mg/l) na H2O; 30/1/010 pH dos solos (KCl) pH das águas coleta de água profundidade (m) Tr4-IIC2-Bh (66-85) 0,26 4,25 Tr4- IIC3-Bh (85-129) 0,38 4,69 0,03 0,03 0,03 0,01 5,48 GD115 – Tr4 Tr6-Bh2 (80-90) 0,52 4,33 Tr6-IIC/B (90-109) 0,39 4,34 Tr6-IIC/Bh (109-133) 0,90 4,14 Tr6-Bh/IIC (!33-139) 0,13 4,16 Tr6-IIC (139-146) 0,13 4,59 0,09 0,04 0,06 0,03 5,24 GC188 – Tr6 Tr7-E (106-117) 0,52 4,40 Tr7-Bhs (117-149) 1,81 4,28 Tr7-Bh3 (149-165) 2,58 4,08 Tr7- Bh/E (165+) 1,03 4,28 0,06 0,09 0,08 0,07 0,08 4,96 GB182 –TR7 Tr8-Bh1 (150-158 1,16 4,05 Tr8-Bh/E (158-183) 0,90 4,04 Tr8-Bh3 (183-189) 2,45 3,94 Tr8-IIIC/E (189-268+ 0,26 4,32 0,09 0,09 0,09 0,09 0,09 4,88 GA276 – Tr8

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