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A função do intelectual em relação ao movimento de ativismo do outro : diálogo com o movimento surdo brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DANILO ALTENFELDER COLUSSI GALLO

A FUNÇÃO DO INTELECTUAL EM RELAÇÃO AO

MOVIMENTO DE ATIVISMO DO OUTRO:

DIÁLOGO COM O MOVIMENTO SURDO

BRASILEIRO

CAMPINAS

2016

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DANILO ALTENFELDER COLUSSI GALLO

“A FUNÇÃO DO INTELECTUAL EM RELAÇÃO AO

MOVIMENTO DE ATIVISMO DO OUTRO:

DIÁLOGO COM O MOVIMENTO SURDO

BRASILEIRO”

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Regina Maria de Souza

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO

DANILO ALTENFELDER COLUSSI GALLO,

ORIENTADA PELA PROFA. DRA. REGINA MARIA DE SOUZA

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A FUNÇÃO DO INTELECTUAL EM RELAÇÃO AO

MOVIMENTO DE ATIVISMO DO OUTRO:

DIÁLOGO COM O MOVIMENTO SURDO

BRASILEIIRO

Autor : Danilo Altenfelder Colussi Gallo

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Regina Maria de Souza

Prof. Dr. Silvio Donizetti de Oliveira Gallo

Prof. Dr. César Donizetti Pereira Leite

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Às mulheres da minha vida, Renata, Rafaela e Isabela, por me ensinarem tudo o que sei e por proporcionarem tudo que valeu e vale a pena na minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio e amor incondicional;

a Rafa, que me ensinou, com exemplos, o significado de maturidade e de conquistas através do árduo trabalho;

a Isa, por mostrar, a cada dia, a curiosidade, a vivacidade e o amor incondicional necessários para crescer e se desenvolver;

a Rê, pelo apoio, compreensão, paciência e por me fazer querer lutar e melhorar sempre;

ao professor Silvio Donizetti de Oliveira Gallo e ao professor César Donizetti Pereira Leite pelos comentários e sugestões tão preciosos nos momentos de qualificação e defesa desta dissertação;

à professora Regina Maria de Souza, orientadora desta dissertação, que me acolheu durante estes três anos de trabalho.

à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da bolsa durante a realização deste mestrado.

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RESUMO

Assumiu-se, nesta dissertação, como objeto de pesquisa, o trabalho e a função do intelectual em relação ao movimento surdo. A metodologia utilizada consistiu, primeiramente, em um estudo breve acerca da história e das particularidades do movimento surdo, tal qual consta no relatório anual da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS, 1993), bem como uma leitura de obras que versam acerca da história dos intelectuais. Posteriormente, empreendeu-se um estudo teórico sobre a função dessa figura, a partir das teorias de Sigmund Freud e Slavoj Žižek, entretanto outros pensadores foram trazidos para o texto ao longo do debate. Em um terceiro momento, após a descrição das particularidades da FENEIS, do movimento surdo e da compreensão da figura do intelectual, realizou-se um diálogo entre a função deste e sua relação com o movimento de militância surdo. Para concluir, buscou-se uma definição da função do intelectual no movimento de ativismo do outro, bem como a descrição das consequências advindas de uma possível definição dessa figura. Ademais, conclui-se que uma das funções do intelectual, diante das demandas da contemporaneidade, reside no paralelo da função deste com a do analista.

Palavras-chave: Intelectual. Movimento Surdo. Ativismo. Sigmund Freud. Slavoj Žižek.

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ABSTRACT

The aim of this study is to analyze the work and the function of the intellectual in relation to the deaf movement.The methodology used was a brief study about the history and the particularities of the deaf movement, as stated in the annual report of the Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS, 1993) as well as were read some literature about the history of the intellectuals. In a second moment, a theoretical study of the function of the intellectual was made, based on the theories of Sigmund Freud and Slavoj Žižek, however other authors were used to help us throughout the debate.In a third moment, after describing the FENEIS’ particularities, the deaf movement and the understanding of the intellectual figure, a relation was made between the function of the intellectual and his relationship with the deaf movement.To conclude this study,the function of the intellectual in the activism movement of the other was defined, as well as a description of the consequences of a possible definition of this figure.In addition, it is concluded that one of the functions of the intellectual, in the contemporaneity, consists in a connection of his function and the analyst function.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ______________________________________________10

2. CAPÍTULO I – Mapeamento da história e da função dos intelectuais____16

3. CAPÍTULO II – Sobre o movimento surdo_________________________38

2.1. Os surdos e a história de suas instituições. __________________________39

2.2. Sobre a cultura surda ___________________________________________42

2.3. Os surdos e a questão da educação _______________________________50

4. CAPÍTULO III – Direitos humanos e violência, contribuições da teoria de Freud e Žižek_____________________________________________________61

3.1. Direitos Humanos______________________________________________61

3.2. Sobre Freud e suas contribuições_________________________________72 3.3. Žižek e o conceito de violência____________________________________83

5. CONCLUSÃO_______________________________________________96

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INTRODUÇÃO

Impossível não começar essa dissertação sem resgatar o ano de 2012, ou mesmo, um período anterior a este, data esta em que o estudo se inicia direta ou indiretamente. Nessa época, quase que a totalidade de meus afazeres profissionais - sou formado em psicologia – residia na clínica psicanalítica, onde recebo meus pacientes e me dedico cotidianamente. Foi exatamente essa característica que gerava em mim uma falta, a qual que me fez buscar a academia: tinha uma formação cuja tônica eram os estudos teóricos e a prática clínica, mas a pesquisa acadêmica formal acabou por ser muito negligenciada. Este fato me incomodou de forma crescente e injustificada, principalmente, por residir em uma cidade que possui uma grande universidade pública, a UNICAMP.

Por intuição e seguindo alguns conselhos de um grande colega, comecei a procurar institutos e disciplinas que se conectassem aos meus desejos. A primeira disciplina que frequentei – como ouvinte – chamava-se “Biopoder e direitos humanos”, ministrada pela professora Regina Maria de Souza, quem me acompanha e me orienta até a presente data. Eu tinha uma ampla gama de temas a serem discutidos e relacionados, entre eles: eugenia, surdez, linguística, filosofia, política, psicanálise, militância, ativismo, racismo, todas elas orientadas a partir dos Direitos Humanos e do Biopoder.

Talvez, este tenha sido o primeiro momento acadêmico ao qual pude me dedicar e exercitar as reflexões e o diálogo entre diversos campos de saber, tentando encontrar pontos de encontro ou sínteses entre saberes aparentemente díspares e contraditórios. Objetivamente, posso dizer que muitas das reflexões dessa época foram importantes para as quais desenvolvi em minha dissertação. Entretanto não posso ignorar outras tentativas importantes de diálogo já preexistentes nesse primeiro momento, as quais se mostraram inférteis ou impossíveis, mas foi esse “caldo intelectual” que me impulsionou a seguir adiante.

Essa disciplina serviu de guia e inspiração para aquelas nas quais me matriculei no ano seguinte, em 2013. Ministrada pela Regina, cursei, dessa vez, uma disciplina sobre o livro de Focault “A hermenêutica do sujeito” (2004) e, posteriormente, um curso sobre o tema da Eugenia. Pode parecer óbvio, neste momento, mas foi através dessas disciplinas que construí minha relação com a Regina e foi por meio de nossas discussões que surgiu o convite, por parte dela, que eu colaborasse com as reflexões e com a redação de um texto sobre as

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indagações oriundas de nossas conversas acerca de temas de interesse comum: movimentos sociais, militância, ativismo, o intelectual e suas diversas faces, etc.

Este convite evoluiu e se tornou um artigo intitulado “O lugar do intelectual ouvinte no Movimento Surdo Brasileiro: reflexões a partir de uma experiência singular” (SOUZA & GALLO, 2013), que foi apresentado em congresso internacional e terminou por se tornar capítulo do livro deste mesmo congresso. Foi durante o processo de redação deste e a partir das inquietações que dele surgiram que elaborei grande parte dos questionamentos que sintetizaram certa demanda de pesquisa associada ao meu desejo. Neste momento, pude identificar os elementos para que pensasse, de fato, um projeto de pesquisa, pois algo havia me interpelado e gerado o questionamento necessário para uma pesquisa consoante aos meus interesses.

Vale ressaltar que o artigo citado foi escrito de forma colaborativa, em que os autores se interpelavam a cada nova leitura, assim como submetíamos o texto a pesquisadoras surdas ativistas do movimento surdo, mais especificamente, Patrícia Luiza Rezende, doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e Gladis Perlin, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, reconhecida por sua competência dentro e fora do Brasil, ou seja, tal artigo foi redigido por muitas mãos.

Em um primeiro momento, discutimos a leitura que os ativistas do movimento, do povo surdo, suas produções e cultura, seus desejos e os limites impostos por nossa sociedade à realização das demandas deste movimento.

Os autores dos artigos supracitados optaram pelo termo “ativismo” em detrimento da palavra “militância”, pois concordaram, à época, com a diferenciação feita por Veiga-Neto entre os dois termos. Para este autor,

Enquanto a militância é necessariamente coletiva, o ativismo é acentuadamente individual. [...].

Não cabe aos militantes ficarem questionando continuamente o ideário que norteia suas ações; eles devem é seguir, junto com seus pares, as ações e os preceitos já desenhados por alguns poucos. [...]

No ativismo, a situação é diferente: trata-se também de um conjunto de ações, mas agora não é a dimensão coletiva que interessa em primeiro lugar; antes do agir coletivo, o que mais conta para o ativista é o seu compromisso ético com os outros e consigo mesmo. Tal compromisso ético do ativista implica tanto uma atitude de verdade e coerência consigo mesmo e nas relações que mantém com os outros, quanto a sua permanente reflexão e contínuos reajustamentos que devem

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proceder em razão de um ininterrupto cotejamento entre os seus pensamentos e suas ações (VEIGA-NETO, 2012, p. 273).

O debate realizado por Veiga-Neto não está presente nesta dissertação, pois admitir um dos termos em detrimento de outro é assumir a polarização que sustenta a denominada crise dos intelectuais, a qual será descrita no primeiro capítulo deste trabalho.

O segundo momento, consistiu em trazer ao debate autores de referência em suas áreas de conhecimento (psicanálise, crítica social e filosofia, entre outras) e suas posições acerca de qual seria a participação do intelectual nos movimentos sociais. Terminado o texto, o submetemos a Gladis para que ela nos auxiliasse a partir de seu lugar, o de intelectual ativista e surda. Suas considerações nos feriram narcisicamente ao afirmar que caberia ao intelectual ouvinte apenas a solidariedade, nada mais do que isso (SOUZA & GALLO, 2013), abrindo, assim, a ferida narcísica que me impulsionou, junto a Regina, a refletir acerca da função do intelectual diante do outro. Senti-me compelido a avançar neste tema e comecei a hipotetizar um projeto de pesquisa que me permitisse responder a essas novas indagações.

No mesmo período que formatava e formalizava a escrita de um projeto de pesquisa, surgiu o convite e a redação de um segundo texto, cuja pretensão era dar seguimento a questões levantadas e não respondidas no primeiro, o qual se concretizou e foi intitulado “O desejo do intelectual ouvinte em relação ao movimento surdo brasileiro”. O texto (SOUZA & GALLO, 2014) seguiu o mesmo formato do primeiro e, novamente, foi pensado conjuntamente entre mim e a Regina, além das já citadas outras mãos, e buscou refletir acerca de como seria o apoio que o intelectual ouvinte poderia dar ao movimento político de uma comunidade da qual não faz parte, levando em consideração ser ele, o intelectual ouvinte, um sujeito desejante. Explanando, aqui, de forma bem generalizada, por mais que as diferenças sejam marcadas e as fronteiras bem delimitadas, chegamos a algumas reflexões e conclusões instigantes e apontamos, na conclusão do texto, que os espaços de diálogos são férteis e o apoio pode ser essencial para que a voz do outro se faça ouvir e penetre locais de não escuta ou em instituições.

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Dois artigos depois e muitas questões levantadas – nem tantas respondidas –, a pesquisa que meu desejo e minha demanda impulsionou foi ganhando contornos mais definidos. A função do intelectual, o ativismo e a política rondavam minhas reflexões obsessivamente, bem como as reflexões desses temas à luz da psicanálise, sendo assim, comecei a escrever o texto da presente pesquisa. O movimento surdo tornou-se objetivo de pesquisa, pois tem entre suas principais características uma militância organizada, uma política muito forte em sua resistência ao outro e tem como bandeira primeira a reafirmação de identidade e cultura próprias e não a hegemônica (ouvinte e falante).

Mesmo que as pesquisas e o caminhar deste projeto tornem questionável a discussão apenas do movimento surdo e não de todo e qualquer movimento social, foi este movimento que me interpelou e que possui características próprias, como a radicalidade em se definir como outro e em resistir enquanto grupo diferente ao fazer da luta política sua causa maior. Essas questões me auxiliaram e contribuíram aos estudos e às conclusões a que esta dissertação se permitiu. Entendo que o movimento surdo brasileiro radicaliza demandas e desejos presentes em outros movimentos sociais, sendo identificáveis quando se analisa com mais atenção e profundidade. Claro que reconheço que a leitura e as consequências práticas, assim como as políticas empregadas a partir dessas demandas, sejam diferentes, há algo de comum a todos esses movimentos - e é sobre esses fatores anteriores às manifestações políticas atuais de cada movimento - que detive minha atenção, afinal, como e o que fazer é algo que difere em cada singularidade, seja individual ou coletiva.

Sem a arrogância de se crer sabedor, pois somos constantemente atingidos pelos nossos saberes e pelos nossos pontos cegos, bem como e, principalmente, pelo inconsciente, que definitivamente, abala a ideia de que o homem é dono de si e do seu conhecimento, faz-se necessário que se reflita a partir de temas que atingem e englobam os personagens dessa relação - o intelectual e o outro -. É pelos temas e nos temas que se pode pensar o papel do intelectual, em primeiro lugar, porque é dessa forma que os temas específicos se conectam e podem se potencializar para, efetivamente, abalar o poder ou o sistema que lhes atingem e, em segundo lugar, porque é pelos temas e nos temas que podemos pensar o papel e a relação do intelectual e do movimento, visto que há pontos cegos. Freud comprova que não somos senhores de si em função do inconsciente, Žižek corrobora e leva o problema para além e nos abala com o

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insight de que não somos senhores nem do nosso olhar, nem da nossa compreensão, pois há a ideologia, a paralaxe, a posição subjetiva, etc.

O trabalho e a função do intelectual em relação com o movimento surdo é o objeto desta dissertação que busca correr o risco de escrever sobre o que está em movimento, sobre o que acontece e nos atinge agora, sem a proteção assegurada pelo distanciamento histórico. Busca-se, neste trabalho, sair do conforto dos feudos intelectuais e enfrentar o debate público, com suas dúvidas, com um outro que não necessariamente lhe reconhece, com seu inconsciente e com a ideologia que nos turva o olhar. É este o caminho desta dissertação: o caminho que começa com os intelectuais, caminha com os surdos, retorna aos intelectuais buscando e definindo temas- aqui a questões dos direitos humanos e da violência - que os atingem e com estes considerem os atravessamentos e o turvamento do olhar via inconsciente, identificações, ideologias, saberes, dentre outros para olhar e refletir as particularidades e os traços identificatórios que caracterizam as estruturas hegemônicas dominantes em nossa sociedade, mas que também podem nos dar chaves para se pensar mudanças. Ao final dessa dissertação, busca-se uma reflexão acerca do motivo de vivemos inseridos em uma sociedade com menos direitos humanos e mais violência, busca-se, também, uma análise acerca do papel daqueles que lutam e pensam nas formas e estratégias de mudança real visando mais direitos e menos violência.

A metodologia deste trabalho consiste, primeiramente, em um estudo breve acerca da história e das particularidades do movimento surdo tal qual consta no relatório anual da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS, 1993). Posteriormente, foi empreendido um estudo teórico da função do intelectual, principalmente, em Sigmund Freud e Slavoj Žižek. Outros pensadores foram trazidos ao longo do debate. Em um terceiro momento, após a descrição das particularidades da FENEIS, do movimento surdo e da compreensão da figura do intelectual nos pensadores citados, realizou-se um diálogo entre a função do intelectual.

Para tal, reside no primeiro capítulo uma investigação acerca da história e das discussões de intelectuais sobre o seu papel. Sem pretender esgotar o tema, foi feito um levantamento bibliográfico entre os diferentes modos de pensar e de atuar dessas figuras. O segundo capítulo pesquisa versa acerca da história e das particularidades do movimento surdo, tal qual consta em seus anais. O foco

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desse estudo foi a história e atuação da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos). Em tal capítulo, foi empreendida uma breve descrição do movimento surdo, o seu surgimento, as suas lutas, as suas reivindicações, os movimentos que o compõem, dentre outros aspectos. No terceiro capítulo, fez-se um estudo teórico da ideia da figura do intelectual, cujos interlocutores teóricos são, principalmente, Sigmund Freud e Slavoj Žižek, e empreendeu-se um diálogo entre o papel do intelectual no movimento de militância do grupo dos surdos e o entrecruzamento entre as ideias de tais pensadores. Na conclusão, pretendeu-se descrever a definição da função do intelectual no movimento de militância do outro, bem como as consequências advindas de uma possível definição dessa figura.

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CAPÍTULO I

Mapeamento da história e da função dos intelectuais

A partir do instante em que a filosofia não é capaz de viver o que ela diz senão de modo hipócrita, é preciso insolência para dizer o que se vive. Numa cultura em que os idealismos empedernidos fazem da mentira a forma de vida, o processo da verdade depende da existência de pessoas suficientemente agressivas e livres (“descaradas”) para dizer a verdade (SLOTERDIJK, 2012, p.155).

Em locais onde a desigualdade e a segregação se fazem presentes no cotidiano de boa parte da população, é natural que movimentos sociais e ativistas que lutam por mais direitos humanos e por mais igualdade socioeconômica existam e lutem para que a sociedade marche em direção a uma condição social mais justa ou, senão, menos desigual. Nesse contexto, é de suma importância a existência de intelectuais que debatam, critiquem e militem em nome das mais diversas causas, sejam elas específicas, ou generalistas. Há intelectuais que assumem um ativismo relacionado a causas que lhe atingem diretamente e há aqueles que lutam por um grupo que sofre de males advindos da sociedade ou do país em que vivem. Os intelectuais, ao agirem em prol de uma causa, o fazem por meio de diversas estratégias, como a produção de conhecimento sobre temas relacionados ao seu ativismo, que pode se dar através da promoção de debates ou, até mesmo, por meio de uma produção literária.

Todas essas lutas e suas mais diversas faces sofrem resistência e os ativistas são alvos da violência por parte do sistema em que estão submetidos. Tal violência pode se dar visivelmente, por meio de uma segregação manifesta ou de modo latente, em que a violência opera no interior da sociedade em que tais sujeitos seguem inseridos. É comum que os membros dos movimentos sociais exijam de seus pares uma atitude crítica e uma vigilância constante para que não sejam condenados a sua condição vigente, para que não sejam derrotados e para que não tenham seus movimentos implodidos.

Os intelectuais podem ser reconhecidos em diversos momentos da história e foram estudados por muitos autores, de modo que a bibliografia sobre o tema pode ser facilmente encontrada. A definição do termo abrange uma

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diversidade de interpretações e carrega em si uma oscilação mais proeminente, que, segundo Dosse, em seu livro "La marcha de las ideias" (2007), consiste em um grupo que define os intelectuais como um grupo social particular, que possuem uma função que pode ser exercida por qualquer um, e o grupo que os define a partir de um registro cultural que limita os intelectuais a uma elite criativa. O que se pode afirmar é que essa figura se inscreve em toda a história da humanidade, mesmo antes do termo existir, e de acordo com diferentes momentos, sua função e as concepções de acordo com o período em que se encontra. Dosse (2007) descreve diferentes períodos históricos e nos mostra, em cada um deles, como a figura do chamado intelectual era entendida.

O primeiro período descrito por este autor é o da Grécia Antiga. Nele, não havia a identificação de categorias sociais específicas, mas de figuras com funções intelectuais, cujo ofício permanecia encerrado nos limites do saber-fazer prático da época. Os poetas, adivinhos, heróis, sábios, sofistas, filósofos-médicos assumiam uma função voltada para a tekhnê, ou seja, para o saber-fazer prático. Aristóteles viria a desconstruir essa limitação, porém, durante essa espera, o sábio ou o intelectual, segundo Dosse (2007), assumiu a função de manejo do universo, de modo que o seu papel consistia em mirar a universalidade com a tarefa de proporcionar o saber. Em outras palavras, produzir saber era similar a compreender e explicar o universo e seu funcionamento.

Já nos séculos XI a XIII, momento denominado Período Medieval, há uma intensa urbanização e um crescente surgimento de universidades, de modo que emergira um espaço de maior autonomia em relação ao espaço monástico predominante. Desse modo, os intelectuais se redefiniram pelo imperativo da transmissão, ou seja, o papel destes passou a ser definido pelo que o autor chama de professor universitário, aumentando o espaço de separação entre as chamadas escolas urbanas - voltadas prioritariamente aos laicos e à transmissão de saber - e as escolas monásticas - voltadas à formação de monges e ao manejo da universalidade e totalidade do conhecimento humano. A noção do intelectual, nesse período, se voltou aos que tinham alguma relação com a inteligência e com o sentido do conhecimento e do entendimento.

Com a crise e o fim do apogeu medieval, nos séculos XIV e XV, e em oposição à escolástica medieval, um novo momento se firmou: o período dos humanistas ou dos homens da ciência, em que se pensava o intelectual a partir de

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um elitismo aristocrático em nome de um renascimento da cultura. Esse período foi caracterizado por uma intensa fragmentação da igreja, que perdeu o domínio sobre a universalidade e a totalidade do conhecimento humano. Viu-se, assim, uma aceleração do processo de secularização da sociedade e a emergência de um espaço maior e mais autônomo de circulação das ideias. Neste período, pode-se destacar o surgimento da imprensa, a difusão de livros, os descobrimentos de Copérnico e Galileu, a descentralização do planeta Terra, assim como o descobrimento do chamado Novo Mundo. Ocorreu, ainda, a consequente ampliação do universo conhecido, o que impulsionou a exaltação das potencialidades humanas, o domínio do homem sobre a cultura e a releitura crítica da tradição. Os intelectuais, aqui, se encontravam na órbita de um poder político.

No século XVII, se manifestou um grave desequilíbrio entre o número crescente de intelectuais e o número limitado de cargos e de postos sociais oferecidos a estes, mas este quadro se reverteu a partir do aumento de efetivos nas academias e a partir do aumento do público que consumia obras científicas e literárias, portanto, estes foram cada vez mais se afirmando e aumentando sua influência fora das igrejas e dentro do campo político e social. Entretanto, foi no século XVIII que se cristalizou e que se consolidou a figura do intelectual, principalmente com Voltaire e Rousseau, de modo que o papel deste se fez presente no campo da política, como afirma Dosse (2007). É neste âmbito que a ação do intelectual predomina até os dias de hoje, sendo possível observar entre os estudiosos, principalmente entre os historiadores, uma onda crescente que tem se voltado ao estudo dos intelectuais e de seu papel na sociedade, no intuito de entenderem quem foram, como agiram e qual o seu papel nos mais diversos processos históricos, políticos, acadêmicos, sociais, etc.

Zanotto (2008) afirma que foi Émile Zola quem inaugurou ou, pelo menos, sistematizou a definição da figura do intelectual engajado no campo político. Tal acontecimento se deu na publicação do texto “Eu acuso!” (ZOLA, 2007), uma crítica ao caso Dreyfus1 e à sua condenação. O conteúdo do texto

1

O chamado caso Dreyfus é um dos mais conhecidos erros judiciais da era moderna. A partir da interceptação de uma carta, em setembro de 1894, cujo conteúdo teria segredos estratégicos, o Estado-Maior francês saiu em busca de um culpado. Depois de breves investigações, chegou ao capitão Alfred Dreyfus, acusado, aparentemente, segundo algumas evidências grafológicas, elas mesmas duvidosas e, no final daquele mesmo ano, um conselho de guerra o obrigou ao degredo na ilha do Diabo, além de expulsá-lo do Exército, como um ato de humilhação pública. O julgamento chamou a atenção de intelectuais de todo o mundo: como as provas eram secretas, o advogado de Dreyfus sequer sabia do que, exatamente, deveria defender seu cliente. Apenas os juízes tiveram acesso a um “documento” que traria provas irrefutáveis contra o capitão. As

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teve uma enorme repercussão e rendeu, como consequência, um processo e uma multa que levaram o autor a se mudar para a Inglaterra, fugido da prisão, onde pode manter a carreira de escritor. A repercussão de “Eu acuso!” movimentou uma série de intelectuais em torno do caso, o que repercutiu na revisão do caso Dreyfus. Onze meses após o exílio e em função dessa revisão, Zola retornou à França e, um mês depois, o próprio capitão Dreyfus retornou ao seu país. A participação de Zola no caso nunca foi completamente aceita pela sociedade francesa. Enquanto uns o aplaudiram pela bravura e dignidade, atribuindo-lhe a alcunha de “intelectual verdadeiro”, outros o trataram como um traidor, forma corrente de caracterizar aqueles que ousaram defender Dreyfus no calor dos acontecimentos da época. O que se pode afirmar é que sua ação como intelectual mobilizou um grupo de pessoas a mudar os rumos do caso, inaugurando, segundo Zanotto (2008), o papel do intelectual moderno, o que, consequentemente, repercutiu nos estudos acerca do intelectual em si e de seu papel.

Esses estudos se intensificaram a partir dos anos 70, muito em função da intensa renovação da produção de saberes sobre história política, como descrito na importante coletânea de textos “Por uma história política” (2003a), organizada por René Rémond, e considerada uma obra importante acerca das transformações realizadas neste campo de pesquisa. Há uma multiplicidade de razões que permitiram que a renovação e posterior ascensão dessa “nova” história política voltasse a ocupar as reflexões e os estudos dos mais diversos intelectuais e pesquisadores. É exatamente essa “nova” história que possibilitou o advento de novas áreas de estudo até então pouco exploradas, e aqui se insere o estudo sobre os intelectuais.

Jean-François Sirinelli (2003b), com o intuito de defender um estatuto próprio deste campo, destaca, em um dos textos que compõe a coletânea de Rémond, algumas das especificidades da história dos intelectuais. Primeiramente, são enfatizadas as principais interpelações que ameaçavam a legitimidade deste campo de saber e, logo após, são expostas as transformações que permitiram que

irregularidades do processo, porém, não permitiriam que o assunto deixasse os jornais e, aos poucos, nomes ilustres começam a aparecer entre os “dreyfusards”, como ficaram conhecidos aqueles que se dedicaram à defesa do capitão. Zola, Anatole France e Marcel Proust figuram entre os escritores que assinaram manifestos, escreveram artigos ou fizeram da causa de Dreyfus uma espécie de ideal ético.

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as pesquisas sobre os intelectuais pudessem ser alinhadas aos pressupostos científicos compartilhados com essa renovação da história política.

Para Sirinelli (2003b), algumas mudanças de cunho epistemológico foram necessárias para que a pesquisa histórica acerca dos intelectuais encontrasse condições para a sua emergência, destaca-se: o ressurgimento da história política, tal qual descrito por Rémond (2003a), e a redefinição do conceito de História, baseada no retorno do acontecimento e no horizonte de leitura do historiador. Assim, estudar um grupo social limitado estatisticamente, cuja atuação se restringe ao curto período do acontecimento, pode tornar-se um campo efetivo de saber acadêmico. Para se pesquisar uma história enveredada nos limites do acontecimento, como a dos intelectuais, é imperioso que sejam pensadas as relações do pesquisador com seu objeto de estudo. Determinadas escolhas por parte do intelectual podem refletir uma suposta falta de neutralidade, entretanto, isso não significa que a história recente possa se perder em uma trama subjetiva ou em um álibi ideológico. Trata-se, segundo Sirinelli (2003b), muito mais de uma reflexão endógena e de um ponto de partida necessário e fundamental desse campo. As escolhas do pesquisador não devem ser eliminadas, mas assumidas, pois acarretam um determinado modo de ação sobre o presente.

Resta contudo o sentido comum e, nesse registro, sem dúvida alguma, simpatias nascem, antipatias crescem, o todo acompanhando as curvas da evolução eventual do pesquisador. Mais do que ocultar o fenômeno, sem dúvida é preciso tomar plena consciência dele, assumi-lo de algum modo, a fim de avaliá-lo (SIRINELLI, 2003b, p.239).

Seguindo o Sirinelli (2003b), podemos dizer, ainda, que o essencial não estaria apenas nessas modificações epistêmicas que ocorreram na história política e, consequentemente, na história dos intelectuais. O ponto nevrálgico da questão residiria nas transformações que sofreram os próprios intelectuais. Este grupo se ampliou ao longo das últimas décadas e, segundo Sirinelli, passou por um processo de mudança - em meados dos anos 70 - no que diz respeito às representações sociais coletivas, permitindo ao autor teorizar acerca de uma suposta crise ou de um desaparecimento dos intelectuais, pois as grandes correntes de engajamento eram, até então, organizadas a partir de uma polarização dos debates ideológicos entre esquerda e direita.

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No Período Entreguerras, as questões do fascismo e do comunismo estruturavam o debate e o posicionamento dos intelectuais acerca de diversas questões que se impunham no momento, de modo que a luta antifascista era apoiada pelos intelectuais do campo à esquerda e a anticomunista daqueles que compunham o campo à direita. Após a Segunda Guerra, com a derrota do fascismo, o centro norteador do campo da luta dos intelectuais volta-se à atração ideológica do comunismo. Dessa forma, o engajamento do intelectual localizado no campo da esquerda buscava um projeto de emancipação política em nome da verdade e da justiça, ou seja, teria este que assumir a função de consciência esclarecida de um proletariado pouco consciente de si. Já o denominado intelectual de direita, associado ao campo do fascismo/nazismo, tinha caído em desgraça diante da opinião e da representação social.

Essa figura do intelectual de características universalizantes, em meados dos anos 70, de acordo com Sirinelli (2013), começa a entrar em crise, principalmente em função dos estudos que se dedicaram mais atentamente a alguns acontecimentos chave, dentre estes: 1) a publicação do livro “Arquipélago Gulag” (1973), de Alexander Soljenítsin, 2) a morte do líder da revolução cultural chinesa, Mao-Tsé Tung e 3) os acontecimentos no Vietnã e no Camboja.

Em “Arquipélago Gulag” (1973), Soljenítsin descreve o funcionamento dos Gulags, que consistiam em campos de concentração e de trabalhos forçados mantidos durante o regime soviético. A existência destes levou a um amplo processo de questionamentos ideológicos sobre o marxismo (comunismo, socialismo real), não só pela denominada direita, que se preparava para atacar a União Soviética, mas, também, por parte da esquerda, que começava rever e repensar alguns de seus pressupostos, principalmente à luz de reflexões contra o totalitarismo. Com a morte de Mao-Tsé Tung, líder da revolução cultural chinesa, a população e a intelectualidade foram levadas a uma intensa reavaliação da imagem de seu país, o que ocasionou profundas críticas e questionamentos sobre a revolução Maoísta e o seu sistema de funcionamento. Por fim, o último acontecimento sobre o qual os intelectuais da década de 70 se debruçaram foi o triunfo comunista no Vietnã e no Camboja, que levou os intelectuais a considerarem-no um progresso, entretanto, tal feito revelou uma ditadura que matou mais de 1,5 milhão de pessoas. São estes os três acontecimentos que Sirinelli (2013) descreve para sustentar sua tese de que havia se instalado uma crise no papel dos intelectuais. De maneira mais genérica, a queda do socialismo

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real, assim como a das grandes utopias revolucionárias do século XX, as quais trouxeram junto de si a perda das perspectivas utópicas nos debates intelectuais políticos e sociais, marca a contemporaneidade e o modo de pensar e de agir dos diversos pensadores atuais. Sendo assim, o autor afirma que vivemos uma época em que os atos políticos propriamente ditos, pelo menos momentaneamente, vivem um estado de hibernação.

Diversos autores e intelectuais brasileiros discutem essa chamada crise, de modo que o ministério da cultura realizou em agosto de 2005 um seminário internacional, intitulado “O silêncio dos intelectuais”, em diferentes capitais brasileiras – Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador – com transmissão ao vivo para todo o Brasil, na forma de videoconferência. Este reuniu diversos intelectuais, das mais diferentes correntes teóricas, os quais tiveram suas falas compiladas em um livro com o mesmo título do seminário e publicado no ano seguinte.

Nessa publicação, Sergio Paulo Rouanet (ROUANET, 2006) diz que as condições sociais, que sustentavam o prestígio do intelectual, haviam mudado, o que, de certo modo, contribuiu para a crise dessa figura. Primeiramente, eles eram vistos como guias espirituais, sábios, intérpretes do seu povo ou conselheiros. Essa aura, quase profética, que denunciava a origem religiosa de sua casta extinguiu-se. A crescente profissionalização do trabalho intelectual também tem a ver com a crise de seu papel. Atualmente, a figura do intelectual generalista e sem vínculo universitário está desaparecendo, dando lugar àqueles ligados às academias. O desenvolvimento acelerado da cultura de massas também é um fator que agudiza a crise do papel do intelectual, visto que as massas julgam já possuir o saber que necessitam, não se dispondo a ouvir vozes que venham a perturbar sua consciência. Além da mudança das condições sociais, o declínio da perspectiva universalista contribuiu para a crise dos intelectuais, pois este grupo deve a sua existência a tal perspectiva.

Para Rouanet (2006), os intelectuais entraram em crise porque os universais também entraram, de modo que vivemos uma época em que se nega a existência de uma natureza humana comum a todos. O universalismo ético é tratado com desprezo pelos que negam a existência de normas e valores de validade transcendental. Para o autor, o intelectual está em baixa, visto que:

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Ele não se vê nem é mais visto como ventríloquo de Deus, funcionário do absoluto, ou guardião das chaves da história. Mas, como se todas as humilhações não bastassem, teria ele sido, também, reduzido à mudez? (ROUANET, 2006, p. 78)

Novaes (2006), em seu artigo “Intelectuais em tempos de incerteza”, nos traz outras questões importantes. Em meio às inúmeras discussões sobre o silêncio dos intelectuais, algumas discussões insinuaram covardia, cumplicidade política e desinteresse, mas a situação se radicalizou a medida que valores universais, como liberdade, justiça, razão e verdade - os quais são matérias do intelectual- perderam a legitimidade e o valor. O autor ainda afirma que os intelectuais, nos tempos atuais, não sabem mais responder às velhas questões colocadas pelo Iluminismo: Onde estamos? Para onde vamos? Sendo assim, nota-se uma dificuldade em representar o mundo atual, o que nos leva, portanto, ao tempo de silêncio e reflexão. Para Novaes (2006), o silêncio acerca dessas questões representa uma crise e levanta questionamentos que precisariam ser compreendidos para e em função dessa crise: Quem é o intelectual? Os novos tempos decretam o fim do intelectual engajado? Pode este sobreviver sem utopias? Na era do predomínio do relativismo, perde essa figura a matéria de seu trabalho, isto é, os ideais universais de liberdade, justiça, razão e verdade? Se assistimos, hoje, ao esgarçamento do espaço público, de que maneira e a quem dirigir a fala? Que tipo de novo intelectual pode surgir a partir da grande revolução tecnocientífica?

Que os intelectuais fossem os vigilantes, que alertassem, que interviessem no fórum era fundamental nas sociedades dos séculos XVIII e XIX, quando o fórum era muito pequeno, quando a liberdade de imprensa era reduzida. Voltaire tomar a palavra era decisivo. Quando o sufrágio universal não se realizava, que um escritor de renome falasse em nome dos esquecidos, dos sem-voz era decisivo; [hoje] existem muitos grupos que tomam a palavra. Não há déficit de tomada da palavra em nossa sociedade. Existe, sim, déficit de compreensão. Ora, a vida intelectual concebe-se sempre como se ela fosse definida pela função de resistência, de tomada da palavra, de alerta. Mas ela se esquece de que seu verdadeiro trabalho é o trabalho de análise, de compreensão da realidade (NOVAES, 2006, p. 11).

Para Novaes (2006) é preciso, primeiramente, repensar e redefinir o que é o intelectual, para, em um segundo momento, esboçar estratégias de revitalização de seu papel. Afirma o autor que não existe a figura do intelectual em tempo integral, para nele transformar-se, o ser deve desdobrar-se e acumular momentaneamente, outras funções. Deve, ainda, deixar de lado os saberes

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particulares para se dedicar à crítica e à luta em prol dos ideais universalizantes, tais como razão, justiça, liberdade e verdade. Desse modo, o intelectual se caracterizará pelo desvio de todo determinismo e por lidar com potências indeterminadas. Ele não é o teórico, muito menos o homem da vida prática e do saber objetivo; pode-se dizer, mais precisamente, que ele é aquele que assume o papel de crítico, capaz de refletir e repensar, ao mesmo tempo, o passado e construir idealmente o futuro.

É o intelectual quem deve criar seu espaço, marcar sua diferença e estabelecer novos vínculos políticos com a comunidade. Para tal, precisa pensar nas distorções, alienações e na ideologia subjacente às práticas cotidianas. Para Novaes (2006), o trabalhador intelectual se difere do manual pela maior educação formal, pelos títulos acadêmicos e pela posição nas divisões de classe, do trabalho e/ou hierárquicas. Todos aqueles que não dominam a totalidade do assunto sobre o qual versam – trabalhadores intelectuais e trabalhadores manuais - são denominados de especialistas e, para Novaes (2006), este são diferentes dos intelectuais. A função de um intelectual seria aquele de tentar compreender e fazer relações entre diferentes áreas de atividades, de conhecimento e da existência humana. Ele busca compreender a totalidade das relações, seus pressupostos, seu conjunto de saberes, etc.

A partir dessa definição de intelectual e da sua função, Novaes (2006) diz que se sua situação hoje é complicada, se ela está em xeque, também o está devido a escolhas que conduziram este grupo a sua condição atual. Entre estas, cita o fato que, ao pensar a revolução, os intelectuais contemporâneos erraram o alvo, pois ela estava sendo conduzida não pelo proletariado, mas pela técnica, gerando um espaço nas revoluções políticas, o qual foi ocupado pelas revoluções técnicas e mentais, causando, obrigatoriamente, o fim do papel clássico do intelectual. Outro motivo responsável pela sua complicada situação foi à posição assumida por este grupo diante dos meios de comunicação de massa e da mídia, relação esta que, em si, não é o problema, mas que se transforma nele quando o intelectual se submete à lógica desses meios, traindo os princípios universais de luta da razão, da liberdade, da justiça e da felicidade ao se comprometer com as demandas desses meios, os quais seguem seus interesses particulares. Por último, temos a instauração, nas palavras do autor, do reino do relativismo, que consiste em certa tendência estruturalista da década de 70 que levou a

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desqualificar, em nome de poderes anônimos, todo o trabalho intelectual que buscasse certa universalidade.

Chauí (2006), por sua vez, afirma em seu texto intitulado “Intelectual engajado: uma figura em extinção?” que, balizados pela afirmação da autonomia, os intelectuais assumem dois traços principais: a defesa das causas universais, isto é, daquelas distantes de interesses particulares, e a crítica e transgressão em relação à ordem vigente. Por um lado, o intelectual deveria pensar e lutar por cenários mais abrangentes e universais e, por outro, seria sua função fazer a crítica ao modelo político, econômico e social ao qual está subsumido.

A independência conquistada a duras penas pela racionalidade moderna transformou-se em um fantasma poderoso: a crença de que as ideias determinam o movimento da história ou são o seu motor, ocultando a determinação histórica do saber. As ideias, assim, se tornaram representações universais abstratas, imagens que as classes dominantes possuem de si mesma e que se estendem para todas as classes sociais e para todas as épocas.

A partir da noção de engajamento como tomada de posição no interior da luta de classes, como negação interna das formas de exploração e dominação vigentes em nome da emancipação ou da autonomia em todas as esferas da vida econômica, social, política e cultural, Chauí (2006) afirma que podemos diferenciar o intelectual do ideólogo. Este, inserido no mercado, fala a favor da ordem vigente, justificando-a e legitimando-a; já o intelectual fala contra essa mesma ordem. Para a autora, há uma diferença importante entre o intelectual e os artistas, cientistas, técnicos, filósofos, juristas. Essa distinção reside no fato de que o intelectual é o artista ou o cientista, o técnico, o filósofo ou o jurista quando estes intervêm criticamente no espaço público, falando nesses espaços. Quando em silêncio, o artista ou o pensador deixam de ser intelectuais. Diante do silêncio e da possível extinção do intelectual engajado nos tempos modernos, pode ser constatada uma crise no papel do intelectual.

De acordo com Chauí (2006), a primeira dessas causas consiste no amargo abandono das utopias revolucionárias, na rejeição e na demonização da política e em um ceticismo desencantado generalizado. A segunda causa deve-se ao encolhimento do espaço público e ao alargamento do espaço privado sob os imperativos da nova forma de acumulação do capital, conhecida como neoliberalismo. A terceira causa reside na nova forma de inserção do saber e da

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tecnologia no modo de produção capitalista, o que fez com que os intelectuais se tornassem forças produtivas, deixando de ser meros suportes do capital para se converterem em agentes de sua acumulação. Consequentemente, mudou o modo de inserção dos pensadores e técnicos na sociedade porque se tornaram agentes econômicos diretos, e a força e o poder capitalista encontra-se, hoje, no monopólio dos conhecimentos e da informação.

Nesse novo contexto, como se falar em autonomia racional? Se as artes já haviam sido devoradas pela indústria cultural, agora são as ciências e as técnicas que se encontram submetidas à lógica empresarial (CHAUÍ, 2006. p. 32).

(...)

A autonomia racional era a condição tanto da qualidade do saber como da autoridade do intelectual engajado. Perdida a autonomia, que resta a este último senão o silêncio? O que resta senão a crise? (CHAUÍ, 2006. p. 33).

Nesta mesma publicação – “O silêncio dos intelectuais” -, Francis Wolff (2006) afirma em seu artigo intitulado “Dilemas dos intelectuais” que o intelectual parece estar sempre diante de uma alternativa: fingir ser Sócrates ou passar por um sofista, o que causa o surgimento de três dilemas trágicos. O primeiro deles consiste em decidir se o seu papel é o de intelectual específico ou total. Existe, neste dilema, a retomada de uma alternativa que remonta a controvérsia de Sócrates e dos sofistas, mas, ao mesmo tempo, há nestas duas concepções de luta política. Para os sofistas, assim como para Sartre, representante desta concepção de luta política na modernidade, esta é essencialmente uma questão global, isto é, uma questão de estado, o poder é essencialmente o poder do estado. Para Sócrates, assim como para Foucault, o representante deste lado denominado socrático da luta política na modernidade, o poder está em toda parte e apenas secundariamente no aparelho do estado, o poder é antes de tudo local e não global, trata-se de micropoderes, cada um deles específico, próprio a cada instituição, família, escola, fábrica, asilo, e mesmo o próprio a todas as formas de saberes e de crenças.

O segundo dilema é o de assumir o papel de portador do saber do poder ou de denunciar o poder do saber. O intelectual parece estar preso numa armadilha, seja quanto à finalidade ou quanto aos meios de sua ação. Quanto à finalidade, ele deve, ao mesmo tempo, exercer seu poder crítico e denunciar essa crítica como um novo poder. O que ele deve fazer? Em certo sentido, é preciso

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que ele se faça ouvir e, portanto, deve ter acesso à cena pública ou midiática, mas, em outro sentido, ele busca atacar essa mesma cena pública, esse mesmo teatro da mídia, esse mesmo poder que ele exerce, muito embora afirme atacá-lo.

O terceiro dilema citado por Francis Wolff (2006) em seu artigo “Dilema dos intelectuais” reside em uma ética da convicção ou da responsabilidade. De um lado, deve o intelectual se manter sempre crítico, como Sócrates, se manter às margens da vida pública e ter posição constantemente crítica ao funcionamento do regime ou uma posição mais alinhada à dos sofistas, tentando fazer realizar as ideias que defende, mesmo que para isso aceite fazer parte do regime ou do poder político.

Para Wolff (2006), o lugar dos intelectuais é o da crítica das realidades em nome dos ideais da racionalidade. Esses valores devem ser defendidos em sua essência mesma de valor, independentemente das realidades com as quais são confrontados. O papel de uma ideia, de uma ideia política, não é se preservar em sua pureza, mas tender-se à realização.

O intelectual, tendo atravessado o século XX, tem consciência desses dilemas, afirma Wolf (2006). Eles se recusam a decidir se são Sócrates ou sofistas, o que se dá, em primeiro lugar, pois o intelectual total já teve seu tempo e, em segundo, porque o intelectual específico se confunde com a função de um especialista, aquele que, de vez em quando, é consultado. Essa figura também aprendeu a desconfiar de todos os poderes, inclusive do seu, mas é o terceiro dilema, que os condena ao silêncio e determina a existência de uma crise.

Foi Foucault (2012a), provavelmente, o intelectual que melhor sintetizou este momento bem como foi ele o pensador que refletiu sobre a figura do intelectual de modo antitético ao universalista, cujo principal representante é Antonio Gramsci (1999). Este, em sua obra “Cadernos do Cárcere Volume 1”, defende que há uma estrita relação entre os intelectuais, a política e as classes sociais. Para ele, a compreensão das contradições entre as classes se dá por meio da inserção dos intelectuais nos embates hegemônicos, de modo que a filosofia deveria se tornar práxis política em um amplo processo de educação cultural.

Para Gramsci (1999), o intelectual é ligado a um grupo social, portanto, está associado a um determinado modo de produção. Todo grupo social cria seus

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intelectuais, que são chamados orgânicos, estes dão a um grupo a consciência de sua homogeneidade e a consciência de sua função enquanto grupo. O autor combate as noções abstratas, restritas e específicas do intelectual e afirma que todos, a rigor, são intelectuais, pois não existe atividade humana da qual se possa excluir alguma intervenção intelectual. Portanto, não há monopólio de alguém ou de determinado grupo, o papel do intelectual pertence à coletividade, rompendo, assim, com a concepção do intelectual enquanto ser superior e separado, detentor da verdade, guia da pólis.

O desafio, segundo Gramsci (1999), já que todos somos intelectuais - uma vez que todos temos capacidade racional e reflexiva - é tornar a filosofia e o trabalho intelectual acessível sem perder sua profundidade. Gramsci aproxima a filosofia ao senso comum, em função desta não poder estar distante da realidade cotidiana de qualquer indivíduo e afirma que a filosofia está presente na linguagem do senso, no senso comum, no bom senso e na religião. Entretanto, faz uma distinção entre o senso comum e o bom senso, dizendo que o primeiro contenta-se com argumentos superficiais e, muitas vezes, inconscientes e contraditórios, assimilando-os sem maiores questionamentos e o bom senso coincide com a filosofia, uma vez que ele se contrapõe ao senso comum, pois se propõe a refletir, a pensar de forma crítica, a tomar consciência e a agir coerentemente. É nesse sentido que se pode dizer que todos os homens são intelectuais.

Gramsci (2000), em seu livro “Cadernos do Cárcere Volume 2”, divide os intelectuais em tradicionais e orgânicos. Os primeiros se caracterizam por ser de origem burguesa, por não ter compromissos políticos com a filosofia da práxis, por não atuarem em movimentos políticos, por não possuírem identidade com a classe que representam e, fundamentalmente, por serem ou estarem intimamente ligados a homens do poder, ou seja, aos proprietários de terra. Já os intelectuais orgânicos têm como principais características fazerem parte de um organismo vivo, pois estão entrelaçados às relações sociais de uma classe, estão conectados ao mundo do trabalho, às organizações políticas e culturais mais avançadas que seu grupo social desenvolve e são responsáveis por construir o projeto de sua classe. Eles são organicamente ligados a uma classe, são habilitados a exercer funções culturais, educativas e organizativas para garantir e assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam.

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Uma classe deve ter seus intelectuais nascidos dentro dela mesma, pois, para Gramsci (2000), somente um intelectual operário ou camponês pode representar verdadeiramente os interesses dessas classes. Tanto os intelectuais tradicionais como os orgânicos são entendidos pelo autor dentro da luta de classes e do embate hegemônico. Por mais que se afirme que nenhuma atividade humana exista sem atividade intelectual e que todos os homens são intelectuais, nem sempre estes têm essa função na sociedade. Eles só a exercem quando são colocados nesta função dentro da luta de classes, portanto nunca é alguém que se debruça sobre causas específicas, mas sim sobre causas universalistas buscando o embate das classes sociais buscando o poder hegemônico. Para o autor, qualquer atividade fora da luta de classes e/ou restrita a questões específicas não são suficientes para configurar a função de um intelectual, mas, sim, de um especialista, de um técnico, de um burocrata, de modo que estes pouco ou nada teriam a contribuir com os operários, os camponeses, os trabalhadores, as classes sociais e com quem realmente precisa do intelectual. O especialista funcionaria, somente, para legitimar a classe hegemônica.

O intelectual orgânico luta para que sua classe se expanda, luta esta que acontece ligada a luta de classes e contra o poder hegemônico. Em contrapartida, os intelectuais atualmente, via de regra, provêm da tradição cultural hegemônica e representam a continuidade das formas sociais e políticas desta mesma cultura. Em resumo, o primeiro luta para interromper e modificar a cultura hegemônica exercida pelo grupo dominante, o segundo luta para garantir e dar legitimidade a esta. Como a função do intelectual, assim como a leitura de mundo de Gramsci se dá a partir da luta de classes e da práxis social, não faz sentido para este o debate ou a função do intelectual de forma específica ou fragmentada, Gramsci, desta forma, é um defensor e representante do intelectual universalista.

Foucault (2012a), em seu livro intitulado “Microfísica do poder” em contrapartida, em contrapartida, afirma que durante muito tempo, foi a figura do intelectual de esquerda que tomou a palavra e teve o seu direito de falar enquanto portador de uma verdade e justiça reconhecido pelas pessoas, portanto, ser intelectual era ser uma espécie de consciência de todos, ou seja, ver e dizer a verdade àqueles que não a conseguiam ver e nem a podiam falar. Para Foucault (2012a), essa ideia de um intelectual que guia as massas foi fruto de um momento particular em que sua presença era eficiente e efetiva, no entanto, a sua função passou a ocupar outro lugar, principalmente, e, simbolicamente, após o evento de

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Maio de 68, assumindo, assim, o chamado intelectual particular, ocasionando uma mudança na forma de relacionar teoria e prática assumida pelos intelectuais, de modo que o campo de ação destes já não residia mais no âmbito da universalidade. Segundo Foucault:

[...] o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem (FOUCAULT, 2012a, p. 131).

É diante de tal descoberta e frente ao novo papel que os intelectuais assumem - os problemas particulares e específicos, ou seja, a adesão de causas sociais, como movimentos de minorias- que este grupo passará a pensar e a agir, segundo Foucault (2012a). Mesmo que passem a travar suas batalhas em espaços particulares, isso não quer dizer que suas lutas sejam outras, mas, na maior parte das vezes, ela é contra os mesmos inimigos de outrora: a hierarquia patriarcal contra a qual o feminismo luta, a exclusão do sujeito não produtivo, chave para a compreensão dos internamentos, a desigualdade, a segregação e a falta de acesso a direitos básicos, etc.

Para Foucault (2012a), é nas lutas específicas que se enfrenta o imediato das situações ao alcance de todo cidadão. Consequentemente, a função do intelectual não seria mais o de guiar as massas, apontando problemas e soluções para suas questões. As massas sabem o que estão vivendo, entendem seus problemas e o que necessitam para se sentirem parte de um todo em sua heterogeneidade. Cabe, assim, ao intelectual específico, tentar movimentar poder junto às massas, de modo que resta a eles assumir para si outra função. Diferente dos intelectuais universais, que prezam por uma nova filosofia, por uma nova visão do mundo, os específicos cumprem outro papel político. O que eles pretendem é modificar o regime de produção do saber, de maneira específica e com participação política ativa. Foucault (2012a) frisa que são estes intelectuais que vão além das produções teóricas e assumem posições práticas.

A chamada crise dos intelectuais tem alguns pontos característicos, como o de serem eles próprios os responsáveis pela perda de seus principais pontos de referência. O esvaziamento de sua influência e o desmoronamento de sua imagem diante das representações sociais gerou a eles uma crise de identidade e uma crise político ideológica, de modo que esta é vista por Sirinelli

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(2009), justamente, como o processo que levou, praticamente, ao fim o intelectual de características universalizantes e tutor da sociedade, o qual gerava as condições para a emergência de uma história desse grupo.

A historicidade dos intelectuais, após a Segunda Guerra Mundial, é destacada e demarcada por Sirinelli (2009) e abre portas para as reflexões do presente. É a partir deste momento de crise e de demarcação das diferenças temporais da função do intelectual, que o pesquisador deve dar início às suas reflexões, pois, afinal, como é que estes intelectuais, hoje, influenciam a vida da sociedade, uma vez que o debate polarizado que norteou suas ações ao longo do século XX esmaeceu-se? Quais seriam os novos e possíveis engajamentos dessa figura? E o que seria e qual seria a extensão do termo intelectual?

Slavoj Žižek, filósofo esloveno, afirma que é a partir desse ponto de intersecção - o fim iminente deste intelectual e o vazio deixado por esta situação - que o filósofo, hoje, pode e deve agir. Para ele, um dos principais papéis do intelectual contemporâneo é resgatar as perspectivais históricas e os atos políticos, resgatando, na sociedade, o potencial radical que pode, efetivamente, modificar as forças produtivas e a lógica da sociedade, que, hoje, repousa em uma hegemonia do discurso capitalista, o qual se vende natural.

Em seu livro “Alguém disse totalitarismo? Cinco intervenções no (mau) uso de uma noção” (2013), Žižek sinaliza para algumas mudanças na forma de ver e na ideia daquilo que se definiria pela figura do intelectual, principalmente, no que tange à sua figura pública. Diz ele que, por volta da década de 40 e 50, a figura do intelectual público se identificava à do acadêmico, à do sujeito versado em ciências humanas ou sociais, os quais tratavam, principalmente, de questões de interesses comuns, assumindo, por sua vez, posições relativas aos assuntos sociais em voga, de modo a desencadear e a participar de debates públicos importantes e acalorados.

Em função das condições descritas por Sirinelli (2003) e das questões citadas acima, somado ao que Žižek (2011), em sua obra “Em defesa das Causas Perdidas”, chamou de ataque das teorias francesas desconstrutivistas pós-moderna, ocorre uma morte simbólica dessa geração de pensadores públicos e surgem, em seu lugar, os acadêmicos exangues, ou seja, cientistas e pensadores culturais cuja posição “pseudo radical” contra o poder ou contra o discurso

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hegemônico, envolve, na verdade, o fim acelerado do engajamento político efetivo fora dos estreitos confins da academia. Este ponto é fundamental para o filósofo esloveno, pois ele enxerga neste refúgio e neste esvaziamento do engajamento do intelectual um problema a ser repensado.

Para Žižek (2011), felizmente, essa retirada do intelectual público começou a ser parcialmente neutralizada em razão do que chamou de terceira cultura, ou seja, do surgimento de um novo tipo de intelectual público, o qual, aos olhos do público em geral, representa, cada vez mais, o “sujeito suposto saber” 2·, aquele de quem se esperam revelações das chaves para os grandes segredos que nos preocupam. Nestes, repousaria, para Žižek, a ideia de certo hibridismo entre o homem das ciências e o excesso espiritual tão em voga na sociedade atual.

Seguindo na contramão de nossa condição social, Žižek (2011) postula que é nos momentos de crise e incertezas que os intelectuais são, praticamente, convocados a dizer algo ou a se colocarem, a respeito do momento que se manifesta, seja para versarem sobre os pressupostos ou sobre as implicações desses momentos conflituosos, ou, para se colocarem acerca do aumento da violência que emana em cada protesto ou grito de indignação, violência esta que também pode estar tanto na fala quanto no silêncio desse intelectual quando convocado.

Žižek (2011) acredita que compete ao chamado intelectual ser um agitador da cultura, fazendo da sua atividade intelectual e filosófica uma atividade de proposição, criação e provocação, agindo não como alguém que detém e tenta dizer a verdade e dar as soluções mágicas aos impasses sociais e políticos, mas como alguém que o faz porque acredita que seja fundamental fazê-lo, principalmente, em momentos e em situações de impasse e de crise. Por essa via, torna-se possível a superação de uma filosofia e de uma política estéril ou atonal (pretensamente neutra):

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Sujeito suposto saber é uma definição postulada pelo psicanalista francês Jaques Lacan, em seu livro intitulado “O Seminário, livro 8: A Transferência” (1992), e versa sobre o lugar do analista na relação com o paciente e ao fato de não ser este, mais do que ocupante de um lugar de suposição, o lugar daquele que o paciente crê deter o saber. Essa suposição só é desfeita quando o analista interprete uma informação que toque subjetivamente o paciente e este questione o seu papel nessa relação e não o papel do outro, o analista.

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A característica básica de nosso mundo “pós-moderno” é que ele tenta dispensar a agência do Significante Mestre: a “complexidade” do mundo deveria ser afirmada de maneira incondicional, todo Significante-Mestre

que se dispusesse a impor-lhe alguma ordem deveria ser

“desconstruído”, dispersado, “disseminado”: “A desculpa moderna da ‘complexidade’ do mundo (...) na verdade não passa de um desejo generalizado de atonalidade” (ŽIŽEK, 2011, p. 48).

Alain Badiou, filósofo francês, desenvolveu a noção de mundo atonal em seu livro “Lógica de lós mundos” (2008). Ele afirma que este é um mundo em que falta um ponto ou significante mestre que imponha um princípio de ordenamento, um ponto ou uma ordenação de uma decisão simples entre o sim e o não em uma circunstância em que a confusa multiplicidade é violentamente reduzida a uma diferença mínima. Se a luta ou militância contra determinada organização social e de mundo ou contra qualquer sistema de opressão e de segregação procede pelo solapamento de seus pressupostos, de suas práticas e das características que o fazem uma totalidade “relativamente” estável, o que poderia o intelectual e o militante fazer em um mundo estéril e atonal? Ou, nas palavras de Žižek (2011), em um mundo de multiplicidades em uma tonalidade determinada? Uma resposta a tal indagação seria uma atitude ativa de oposição e de denúncia em que se desnudassem seus pressupostos e obrigasse esse mundo estéril e atonal a tonalizar-se ou, pelo menos, que este mundo assumisse abertamente os tons secretos que sustentam essa suposta atonalidade.

Por exemplo, quando se enfrenta um mundo que se mostra tolerante e pluralista, disseminado, sem centro, é preciso atacar o princípio estruturador subjacente que sustenta essa atonalidade, digamos, as restrições secretas da “tolerância” que excluem como “intolerantes” algumas questões importantes, ou as qualificações secretas que excluem como uma “ameaça a liberdade” as questões relativas aos limites da liberdade existentes (ŽIŽEK, 2011, p. 50).

A função do amor, da tolerância, da atonalidade e da pluralidade pode ganhar contornos puramente ideológicos e disfarçar e domesticar as relações humanas e suas tensões entre si e com sua cultura, tornando tolerável o confronto real e violento com um sistema ou com um conjunto de políticas e práticas que excluem, oprimem e segregam. Claramente, a radicalidade da crítica e do ato ganham força para Žižek no combate e no ativismo. A violência está aí, a opressão, o jogo de forças e a segregação são parte de um sistema cultural que

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