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LÍNGUAS AFRICANAS: A INFLUÊNCIA DAS LÍNGUAS AFRICANAS NO IDIOMA BRASILEIRO

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Academic year: 2021

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Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 1 | Nº. 2 | Ano 2015

Gláucia Quênia B. de Lima

LÍNGUAS AFRICANAS: A INFLUÊNCIA

DAS LÍNGUAS AFRICANAS NO

IDIOMA BRASILEIRO

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RESUMO

A influência das línguas africanas se fez presente no português do Brasil a partir do século XVI. Os portugueses trouxeram para o Brasil Colônia milhares de negros africanos para serem escravizados na agricultura e serviços domésticos. Vieram pessoas de várias regiões da África, mas Angola dominou a quantidade na embarcação transatlântica; o povo que se concentrou nela foi o bantu. Eles são divididos em grupos étnicos com 500 línguas semelhantes, em média. Porém, as de mais influência no português do Brasil são quimbundo, umbundo e quicongo em razão da escravidão. Devido às aulas que os jesuítas davam aos escravos, eles tiveram que aprender o quimbundo para se comunicarem. Nos dias atuais ainda há, no Brasil, cidades com pequenas comunidades bantu.

Palavras-chaves: Línguas Africanas. Angola. Bantu.

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ABSTRACT

The African languages influences over the Portuguese idiom spoken in Brazil began on the 16th century, when the Portuguese government brought thousands of black people as slave workforce in agriculture and char. Although these slaves came from many places over Africa, Angolan people from Bantu ancestry were the majority. They are divided in ethnic groups with 500 languages average. However Quimbundo, Umbundo and Quicongo are the ones which held more influence over the Portuguese idiom, as a consequence of slavery. Quimbundo, by the way, was learned by Jesuits in order to enable them to communicate and teach the slaves. Nowadays, small Bantu communities are still found in some Brazilian cities.

Keywords: African Languages. Angola. Bantu. Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br

capoeira.revista@gmail.com Editores

Marcos Carvalho Lopes

marcosclopes@unilab.edu.br

Pedro Acosta-Leyva

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LÍNGUAS AFRICANAS: A INFLUÊNCIA DAS LÍNGUAS

AFRICANAS NO IDIOMA BRASILEIRO

Gláucia Quênia Bezerra de Lima

Introdução

Este estudo tem como objetivo apresentar a importância que as línguas africanas tiveram na formação do português falado no Brasil já que, na escravidão, os negros foram trazidos e doutrinados nas terras brasileiras pelos portugueses.

Os africanos vieram no navio negreiro em péssimas condições de acomodação. Os colonizadores da África buscaram negros de várias regiões do continente africano – especificamente África Negra –, cada grupo de um local. Porém foi o povo bantu que prevaleceu nesse tráfico negreiro. O total de línguas semelhantes do povo bantu é em torno de 500, mas, com a mistura deles durante a viagem, um aprendeu com o outro para estabelecer uma comunicação eficaz porque naquele momento eles poderiam formar uma comunidade entre si por estarem na mesma situação. Das centenas de línguas semelhantes que fazem parte do bantu, apenas três se fixaram aqui no Brasil: quimbundo, umbundo e quicongo. A primeira foi a que prevaleceu na comunicação dos escravos e também para a comunicação dos jesuítas com os traficados.

Hoje, há muitos vocábulos usados diariamente pelos brasileiros e poucos sabem de suas origens. Alguns léxicos têm o mesmo sentido aqui no Brasil e na África; outros, sentidos diferentes. Este trabalho científico vai analisar como as línguas africanas, em especial o quimbundo, de origem bantu, são presentes no dia a dia dos falantes da língua portuguesa no Brasil.

Primeiramente, é discutida a presença de Angola na escravidão. Os escravos eram da re-gião subsaariana do continente africano. Os negros que chegaram ao Brasil eram em sua maioria de origem bantu, povo que compreende um grupo de 500 línguas parecidas e faladas em 21 paí-ses especificamente. Porém, as línguas bantu que se destacaram no Brasil foram o quimbundo, umbundo e quicongo.

Em seguida, é apresentado o meio pelo qual as línguas africanas chegaram ao Novo Mundo. O fato ocorreu entre os séculos XVI e XIX, quando o navio negreiro trouxe os africanos

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em cativeiro para servirem aos senhores. A partir de então, as línguas africanas passaram a fazer parte, automaticamente, da comunicação diária para viabilizar a relação entre os portugueses e os escravos.

Além disso, há uma seção dedica às línguas africanas influentes no português do Brasil: quimbundo, umbundo e quicongo. Elas têm origem africana; em terras brasileiras, foram as de maior número de falantes por conta dos escravos que, mesmo em terras alheias a eles, usavam suas línguas maternas para se comunicarem entre si. Serão comentadas, ainda, as regiões que até hoje procuram manter suas tradições bantu dentro das suas comunidades em questão. Os léxicos usados no Brasil e Angola passarão por uma breve análise para que se verifique a maneira como são usados em cada país. É possível que eles tenham o mesmo valor semântico nos dois países ou que façam parte do vocabulário de ambos, mas com sentidos distintos.

E, para finalizar, dedicamos a análise para a relação do quimbundo com a língua portu-guesa. O estudo sobre o quimbundo será abordado através das bibliografias pesquisadas da Profa. Margarida Maria Taddoni Petter, da Universidade de São Paulo, a fim de registrar a maneira co-mo os jesuítas fizeram para catequizar os africanos por meio do quimbundo, pois assim foi a úni-ca estratégia que encontraram para que pudessem se comuniúni-car. Outra informação pertinente pa-ra este artigo é a criação de uma gpa-ramática do quimbundo publicada em Lisboa pelo padre Pedro Dias. Até hoje são usados vocábulos trazidos pelos escravos que são do quimbundo e que se tor-naram usuais na língua portuguesa falada no Brasil, e poucas pessoas têm ciência da origem.

A presença de Angola na escravidão1

Do século XVI ao século XIX, o Brasil passou por momentos marcantes em sua história em razão da chegada dos escravos, principalmente angolanos, importados pelos portugueses. A escravidão começou em Portugal com a substituição dos mouros2 pelos negros da África no século XV. No século XVI, Portugal já possuía uma porcentagem significativa de pessoas escravizadas de Angola.

Mesmo com o descobrimento do Brasil, os africanos ainda não começariam a fazer parte da história do Novo Mundo, porque a intenção da coroa portuguesa era utilizar da mão de obra

1 CARVALHO, Filipe Nunes de. Aspectos do Tráfico de Escravos de Angola para o Brasil no Século XVII: 1.

Prolegómenos do Inferno, p. 233-242.

2População denominada pelos romanos por habitarem a Mauritânia, noroeste da África, região do deserto do Saara.

Pertencentes a grupo étnico maior, berberes, posteriormente adotaram esta religião, muitos dos quais adotando mesmo a língua árabe, além do idioma nativo. O grupo “mauri” (mouros) é chamado também de civilização moura ou mourisca, que floresceu na Idade Média, predominantemente a árabe. Disponível em

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escrava dos índios. Portugal chegou a pensar que jamais encontraria dificuldade em ter pessoas como suas empregadas ao se mudarem definitivamente para o Brasil, mas os índios foram muito mais resistentes do que imaginaram, pois a população ameríndia não se renderia a um tipo de trabalho que fosse de encontro aos seus hábitos ancestrais e à sua psicologia. Essa resistência dos índios serviu como motivação dos missionários e demais europeus para unirem-se em favor da importação dos negros africanos para a América. Ao mesmo tempo em que os eclesiásticos eram opostos à escravidão dos índios, eles foram a favor da dos angolanos incentivando a prática.

Todo o processo de captura dos negros africanos envolvia interesses tanto dos governantes de Angola quanto do Brasil. Os negros dispunham de boas condições físicas e acesso à tecnologia superior aos naturais do Brasil, por isso foram importados em massa da Angola para as novas terras. Apesar das condições que os africanos estavam submetidos, a herança cultural permaneceu e pode ser percebida até hoje no Brasil.

Em seu artigo, intitulado Aspectos do Tráfico de Escravos de Angola para o Brasil no Século XVII: I. Prolegómenos do Inferno, Carvalho ainda constata que a escravidão na Angola antecedeu à chegada dos europeus e essa prática desde os tempos medievais serviu como justificativa para os navios negreiros. Ainda,

Em 1594, um texto de origem jesuítica dava conta do grande número de escravos levados de Angola para o Brasil, para as Índias de Castela e ainda para o reino de Portugal. Nele se afirma, também, ser a quantidade de cativos obtida por meio da Guerra insignificante quando comparada com a conseguida nas feiras, por transacções com os autóctones. Estas feiras podiam ser alvo de pilhagens, como informa o padre Diogo da Costa, em 1585, ao descrever que numa única feira lograram os portugueses capturar mais de quinhentas peças. (CARVALHO, Filipe Nunes de, Aspectos do Tráfico de Escravos de Angola para o Brasil no Século XVII: 1. Prolegómenos do Inferno, p. 234)

Era nas feiras de Angola ou pumbos que acontecia o resgate dos negros. As pessoas que viviam nos pumbos eram vistos como diferentes por serem mulatos ou brancos cativos. Eles moravam em cortes de autoridades africanas, tinham liberdade para viverem com mais conforto que os negros e ainda eram responsáveis pela venda de escravos.

Os brancos eram proibidos de visitarem os pumbos; essa ordem foi imposta na condição de lei criada pela Angola, mas as infrações se tornaram frequentes e numerosas. Não satisfeitos com a situação, os oficiais da câmara de Luanda enviaram uma carta ao monarca sobre as dificuldades financeiras dos poucos moradores da região; e consideravam a presença dos brancos nas feiras e pumbos a principal causa pelo momento que estavam passando, pois resultava em resgate de todas as peças.

Os africanos estiveram por muito tempo sob o domínio de negociantes de escravos da Angola para o Brasil. O fato estendeu-se, inclusive para o domínio holandês, fazendo com que a

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influência dos navios negreiros impossibilitasse o povo de Luanda a mandar embarcações para a compra de escravos nos portos da costa do Loango, como faziam anteriormente com a licença dos contratadores/governantes de Angola, que permitiam a comercialização de negros com o Brasil.

Línguas africanas no Brasil

Como se pode perceber pelos fatos apresentados na seção anterior, a grande maioria dos negros africanos era de origem angolana. O navio negreiro trouxe em cativeiro milhões de falantes africanos. Diferente do que os europeus pensavam, nas regiões de captura dos negros “haviam homens e mulheres ocupados com as mais diversas atividades. Lá viviam alfaiates, pescadores, ceramistas, músicos, contadores de histórias, apenas para citar alguns dos seus ofícios”, segundo Araújo (2007, p. 10). Os negros viajaram em condições precárias até o Brasil, alguns não aguentavam a situação física e morriam durante a viagem, tendo seus corpos jogados em alto-mar. Porém, mesmo com toda a precariedade do navio, os negros cativos, que seriam transformados em mercadorias e posteriormente vendidos como escravos, eram homens e mulheres esforçados para encontrar um jeito individual de reagir à vida, principalmente no Novo Mundo que os aguardava. Nos porões dos navios negreiros, os africanos trouxeram com eles a cultura particular das suas terras, como a maneira de falar, rir, contar histórias, outros ritmos, etc.

Os escravos vinham da região ocidental da África – Costa de Angola –, principal localidade na qual era praticado o tráfico de escravos. Atualmente, nessa região estão localizados Guiné-Equatorial, o Galão, o Congo-Brazzaville, o Congo-Kinshasa e Angola. Os africanos foram direcionados a vários lugares do Brasil, mas

após uma epidemia de varíola3 na Costa de Angola, que causou uma importante perda populacional na região, o tráfico concentrou-se na chamada Costa da Mina, assim denominada porque ali os portugueses fundaram, no ano de 1482, uma fortaleza com o nome de São Jorge da Mina. (ARAÚJO, Kelly Cristina, Áfricas no Brasil, 2007, p. 11-12)

Apesar de os africanos serem de diversas partes da África, foi da Costa de Angola que os europeus trouxeram mais para o Brasil; e ao desembarcarem, os negros escravizados eram trocados pela gerebita, “uma cachaça que funcionava como principal moeda de troca no tráfico com Angola” (ARAÚJO, 2007, p. 12).

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Nas embarcações, os escravos eram divididos de acordo com o tipo de tráfico. Foi criada uma estratégia geográfica da origem dos africanos para a coordenação desses grupos culturais africanos. Antes de saírem da África em direção à América, eles eram organizados, aprisionados e embarcados em grupos que os diferenciavam entre bantu (povos que viviam ao sul do Saara) e sudaneses (os que ficavam ao norte dessa região), já que havia escravos de toda parte do continente africano. Araújo (2007, p. 14) afirma que “os bantus – africanos trazidos da região de Congo e de Angola – foram os primeiros a serem feitos cativos na África e embarcados para servir como escravos no Brasil, ainda no início da colonização”.

Por serem os primeiros a viajarem no tráfico transatlântico, os negros se relacionavam entre si e adquiriam muita facilidade em aprender a língua bunda (quimbundo) mais do que qualquer outra. Ao chegarem ao destino de exportação, após longa viagem, todos os escravos que se encontravam para embarcarem no navio negreiro já sabiam falar a mesma língua e assim desenvolviam, entre si, perfeita comunicação.

As aparências, no entanto, enganam. Na verdade, Rugendas não apenas desenhava pai-sagens e tipos humanos no Brasil, mas entrevistava escravos, coletava informações so-bre vocabulários de línguas africanas, e chegou a identificar algumas etnias específicas, baseando-se em depoimentos dos próprios cativos. E teve o cuidado, sim, de registrar as origens de seus modelos moçambicanos. (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngoma Vem!: África Coberta e Descoberta do Brasil, 2010, p. 49)

Segundo Slenes (2010, Revista USP), a origem específica dos africanos não pode ser confirmada naquela época. O pintor europeu Johan Moritz Rugendas foi contratado para que pudesse estudar as etnias e concretizar a origem dos africanos. Para que seu trabalho fosse eficaz, Rugendas entrevistou os escravos e registrava seus vocábulos. E nessa pesquisa foi que pode detectar que alguns dos negros eram de origem moçambicana também.

Rugendas voltou à Europa com os dados coletados e a partir de então confirmou-se uma unidade linguística da África Central e Austral.

Décadas depois, com o acúmulo de mais informações e com as contribuições de outros linguistas, a hipótese conquistaria a plena aceitação da comunidade científica, e a nova família receberia o nome de bantu. (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngo-ma Vem!: África Coberta e Descoberta do Brasil, 2010, p. 49)

Rugendas, então, pode nomear a comunidade estudada como bantu, já que as informações de anos de estudo sobre os escravos africanos instalados no Brasil e suas origens puderam ser reconhecidas cientificamente. A partir daí, a Europa reconheceu a existência de uma África no Brasil e, consequentemente, as línguas africanas que já estavam começando a fazer parte da formação da língua portuguesa falada aqui.

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Segundo Slenes, as pesquisas de Rugendas ajudaram os próprios escravos a descobrirem a África no Brasil. Porém, para os brancos, essa informação ainda era escondida pelos próprios escravos. Desta maneira, eles podiam se defender de seus “donos”.

Por sua vez, os grupos dominantes não mostraram um interesse descompromissado em desvendá-la, não apreciando as culturas africanas entre si. (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngoma Vem!: África Coberta e Descoberta do Brasil, 2010, p. 49)

Os senhores nada se interessaram em interagir com os escravos para conhecerem a cultura africana, então eles ficavam alheios aos costumes e aprendizado da língua de seus empregados. O máximo de contato que tinham era quando surgia o interesse em visitar as escravas para contatos íntimos. Do vocabulário africano aprenderam apenas o suficiente para se comunicarem, sem muito aprofundamento.

O tráfico africano no Brasil estende-se, principalmente, em São Paulo e Rio de Janeiro, na primeira metade do século XIX. Os dois Estados foram bem favoráveis ao surgimento de comunidades bantu no Brasil pelo contexto histórico político da época. Havia grande preocupação entre os governantes influentes dessas duas regiões, especialmente com a segurança e também com a construção da nação brasileira.

No Rio, esse influxo populacional incidiu numa região que, no início do período em questão, era relativamente pouco povoada; como resultado, mesmo com uma intensa migração para a província de pessoas livres, a presença africana logo atingiu e manteve níveis altos... Nas regiões de grande lavoura, sobretudo nos municípios de café, o impac-to do tráfico foi ainda maior; em Vassouras, por exemplo, em 1850, 72% dos escravos, 60% do total de pretos e pardos e 49% de toda a população eram africanas. (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngoma Vem!: África Coberta e Descoberta do Bra-sil, 2010, p. 55)

Em São Paulo, o tráfico afetou menos a população total e a de negros e mulatos, mas deixou a população escrava, sobretudo nas regiões de grande lavoura, predominante-mente “estrangeira”. Em 1829, em treze localidades paulistas de economias variadas, 54% dos escravos eram africanos. Já em Bananal e Campinas, produtores importantes de café e açúcar, respectivamente 78% e 69% dos escravos nesse ano eram africanos. . (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngoma Vem!: África Coberta e Desco-berta do Brasil, 2010, p. 55)

Já no final do século XVIII e 1850, a quantidade de africanos trazidos para o Brasil cresceu em grande proporção. Além de São Paulo e Rio de Janeiro, Minas Gerais também foi outro Estado que o tráfico direcionou para a instalação de novos escravos.

Surpreendentemente, a mesma conclusão parece ser válida para Minas Gerais, ou pelo menos para suas regiões mais dinâmicas. Nesta província, as proporções de africanos entre escravos, entre negros e mulatos, e na população total, eram menores que em São Paulo e no Rio, devido a seu povoamento mais antigo e a um intenso tráfico de escravos

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ao longo do século XVIII, que deixou como saldo uma população crioula significativa. (SLENES, Robert W., Revista USP, Malangu, Ngoma Vem!: África Coberta e Desco-berta do Brasil, 2010, p. 55)

Segundo Robert W. Slenes – da Revista USP, que escreveu o artigo Malangu, ngoma vem!: África coberta e descoberta do Brasil –, predominava o povo bantu na escravidão no Brasil, negros trazidos de Angola – Luanda e Benguela, respectivamente. Os estudos indicam que os africanos, ao chegarem ao Brasil, eram discriminados como “africanos” e “bantu”. Os senhores das grandes lavouras repudiavam os africanos e tinham preferência pelos crioulos nas tarefas domésticas.

O tráfico transatlântico não se resumiu apenas na África ocidental. Entre 1820 e 1850, a África oriental também teve uma participação significativa em números de negros exportados. A partir daí a mistura de negros de origens distintas intensificou-se, porém a do povo bantu predominou na vinda para a América concluindo que a Angola teve influência significativa na formação da língua portuguesa falada no Brasil.

Bantu: Quimbundo, Quicongo e Umbundo

Como foi comentado no capítulo anterior, o povo bantu é o de influência linguística instalada no português. Em média, são 500 grupos similares que fazem parte desse povo, consequentemente a mesma quantidade de línguas. Eles fazem parte, em sua maioria, do litoral africano.

O nome bantu não se refere a uma unidade racial. A sua formação e migração originou uma enorme variedade de cruzamentos. Existem, aproximadamente, 500 povos bantu. Assim, não podemos falar de uma raça bantu, mas sim de povo bantu, isto significa uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. (NZO TUMBANSI: UMA CASA DE TRADIÇÃO E CULTURA CONGO-ANGOLA (BANTU))

A palavra bantu é compreendida como forma de distinguir esse povo na África. Seu sentido está ligado ao ser humano. A estrutura formológica do vocábulo permite o entendimento da seguinte maneira: o radical ntu significa homem, ser humano; e a partícula ba é indicação de plural, ou seja, homens, seres humanos. Além da semelhança linguística entre os grupos, os costumes, rituais e crenças também são características similares entre eles. Segundo Nzo Tumbansi: uma casa de tradição e cultura Congo-Angola (Bantu), “as línguas faladas hoje em Angola são por ordem de antiguidade: Bochiman, Bantu e Português. Das três só o Português tem uma forma escrita. As línguas bantu apresentam uma unidade genealógica”. Os nove grupos bantus são divididos em: Quicongo, Quimbundo, Luanda-Quioco (Tchôkwe), Mbundo,

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Ganguela, Nhaneca-Humbe, Ambó, Herero e Xindonga; e ainda subdivididos em 100 subgrupos/tribos em média.

A Angola tem quatro grupos étnicos principais, que são côkwe, quimbundo, quicongo e umbundo. Há poucos materiais de fácil acesso para falar minuciosamente de três delas – côkwe, quicongo e umbundo. Apenas o quimbundo, por ser a língua influente na formação do português falado no Brasil é que se pode encontrar mais materiais informativos e pesquisas realizadas pelos estudiosos do idioma.

Apesar de serem quatro línguas destaques em Angola, apenas três fazem parte da história da escavidão Angola-Brasil. Desconsiderando a ordem numérica de falantes, o umbundo é a língua do grupo étnico Ovimbundu. A localização desse grupo é no centro-sul e litoral a oeste angolano. A língua quicongo é da região norte da Angola, onde está concentrado o grupo étnico Bakongo. Em razão da guerra, os refugiados foram para a República Democrática do Congo, mas após a independência alguns voltaram para as terras de origem e outros se instalaram em Luanda. Por isso, o quicongo é falado em boa parte da Angola. A terceira língua, quimbundo, é do grupo Ambundo, instalados no centro-norte do país. O quimbundo tem um número significativo de falantes e um grau relevante de importância por ser a língua tradicional da capital. O idioma “emprestou” muitos vocábulos para a língua portuguesa na formação do idioma e vice-versa.

O povo bantu teve relevante participação no Brasil em meados do século XVII. No ano de 16974 foi publicada pelo padre Pedro Dias, em Lisboa, uma gramática bantu. Foi escrita na Bahia especialmente para o uso dos jesuítas. Eles precisavam desse material para se comunicar com os 25.000 negros angolanos nas aulas de doutrina. Muitos vocábulos bantu são substituídos por algum outro semelhante em português: xingar por insultar; cochilar por dormitar; caçula por benjamim; bunda por nádegas; marimbondo por vespa; cachaça por aguardente e muitos outros.

O quimbundo e a língua portuguesa

A estrutura do português antigo com os falares africanos é semelhante pelo fato de as duas comporem suas sílabas sempre com consoante e vogal, respectivamente. Mas é no português brasileiro que está mais visível. No Português de Portugal essa observação torna-se mais distante em razão da pronúncia voltada mais para o consonantal. Assim nos diz mais objetivamente Yeda Pessoa de Castro,

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CASTRO, Yeda Pessoa de. A Influência das Línguas Africanas no Idioma Brasileiro – Disponível em

http://brasiliano.wordpress.com/2008/07/09/influencia-das-linguas-africanas-no-idioma-portugues-brasileiro/. A-cesso em 23/11/2011.

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Depois de quatro séculos de contato direto e permanente de falantes africanos com a língua portuguesa no Brasil, esse processo de interação lingüística, apoiada por fatores favoráveis de ordem sócio-histórica e cultural, foi provavelmente facilitado pela proximidade relativa da estrutura lingüística do português europeu antigo e regional com as línguas negro-africanas que o mestiçaram. Entre essas semelhanças, o sistema de sete vogais orais (a, e, ê, i, o ê, u) e a estrutura silábica ideal (CV.CV) (consoante vogal.consoante vogal), onde se observa a conservação do centro vocálico de cada sílaba e não há sílabas terminadas em consoante. Essa semelhança estrutural

provavelmente precipitou o desenvolvimento interno da língua portuguesa e possibilitou a continuidade da pronúncia vocalizada do português antigo na modalidade brasileira (onde as vogais átonas também são pronunciadas), afastando-a, portanto, do português de Portugal, de pronúncia muito consonantal, o que dificulta o seu entendimento por parte do ouvinte brasileiro, fazendo-lhe parecer tratar-se de outra língua que não a portuguesa. (CASTRO, Yeda Pessoa de.

Influência das línguas africanas no idioma brasileiro, Brasiliano, 2008)

Como já citado neste artigo, o Padre Pedro Dias publicou uma gramática da língua quimbundo para a comunicação entre os jesuítas e os escravos angolanos que estavam vivendo em Salvador. Essa obra é importante tanto para a África quanto para o Brasil. Ela foi a primeira gramática sistemática do quimbundo. Hoje, ainda é pertinente porque o idioma é totalmente africano e sua estrutura ainda está próxima do que se fala em Angola. A gramática foi redigida em 1697, data próxima à destruição de Palmares, que foi em 1695. Estudiosos que se dedicaram e ainda dedicam pesquisas específicas a esse povo acreditam que o quimbundo pode ter sido a língua falada pelos negros fugitivos daquela comunidade.

O quimbundo ainda está vivo no Brasil, apesar da passagem dos séculos. O idioma é considerado como língua secreta em algumas cidades brasileiras (Cafundó e Tabatinga), onde têm comunidades isoladas rurais que se comunicam em situações que julgam necessárias. Em São Paulo, na cidade de Salto de Pirapora, há um bairro chamado Cafundó. Nele, ainda vivem descendentes africanos que mantêm o uso de um léxico de base bantu. Segundo Petter, “a fala do Cafundó é uma variedade do português regional, um dialeto rural, caracterizada por um léxico reduzido de origem bantu (quimbundo, em particular), com estrutura morfossintática do português”. Os descendentes que vivem em Cafundó apresentam uma necessidade de falar em quimbundo como forma de manter suas origens mesmo que a fonologia, morfologia e sintaxe sejam da base do português. Isso está acontecendo pelo fato de os jovens empregarem o português com frequência ao se comunicarem, pois eles desconhecem dos muitos termos africanos.

As comparações realizadas a seguir comparam algumas estruturas que fazem parte das duas línguas:

- vocábulos iniciados com ba, ca, cu, ma, fu, um e qui: candango, quitanda, quitandeira, fubá, etc.;

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- grupos consonantais: mb, nd, ng, etc. no interior das palavras: sunga, catinga, bunda, mucambas, quilombo;

- terminadas em aça, ila, ixe, ute, uca, etc.: cafute, bazuca.

Brasil e Angola ainda partilham termos com formas e sentidos semelhantes. Os exemplos a seguir são apenas dos alguns vocábulos dicionarizados que têm os mesmos significados. Assim sendo, seguem-nos separados por classes gramaticais: temos os verbos cochilar dormitar; cutucar tocar ligeiramente e xingar insultar com palavras; substantivos caçula filho mais novo; cafuné ato de coçar levemente a cabeça de alguém; cazumbi zumbi, alma do outro mundo; dendê fruto do dendezeiro; falação discurso; fula mestiço negro e mulato, pardo; liamba maconha; muxoxo estalo com a língua e o céu da boca para indicar desprezo; pirão papa grossa; quilombo esconderijo, aldeia; quitanda loja, mercearia, tenda; quitute petisco; sobrado casa de dois ou mais pavimentos; tocaia emboscada; xará que tem o mesmo nome. As duas nações partilham também vocábulos que têm a mesma forma na grafia, mas distintos semanticamente. Nessa situação, temos os termos: calundu, que em Angola significa espírito de antepassado, ilundu e, no Brasil, hoje, é sinônimo de mau humor, amuo; cambuta é, em Angola, baixo/pequeno e, no Brasil, pessoa enfezada, raquítica; camundongo é ratinho no Brasil e habitante de Luanda em Angola; pemba (caulim com que o quimbanda risca algo para afastar maus espíritos) tem o significado de feitço em Angola, enquanto no Brasil quer dizer giz misturado com cola para riscar pontos; quizomba em português angolano significa uma dança muito movimentada, tanto é que é o nome de um ritmo musical em Angola e, no Brasil, na linguagem de rituais afro-brasileiros tem o sentido de festa, celebração.

Os pronomes pessoais são os mesmos. Há algumas variações em casos como tu/você e nós/a gente, mas a base de estudo é a mesma. No Brasil, predomina o uso de nós e a gente; em Angola, tu e você. No caso de O advérbio muito, por exemplo, tem sinônimos regionais: em Angola é usado o termo bué; no Brasil, o léxico concorrente é o advérbio de intensidade bastante e, em expressões populares, à beça e às pampas. Os substantivos homem, mulher, criança, velho e jovem apresentam variações totalmente distintas entre Brasil e Angola. Em Angola esses termos são usados da seguinte forma: para criança/criancinha usa-se o vocábulo mona/monandeque/candengue; velho usado de uma forma respeitosa é designado como cota. No Brasil, esses termos dependem da região do país. As palavras preto/negro em Angola remetem ao período colonial, enquanto no Brasil o sentido é próprio do vocabulário.

Como se pode perceber, muitas das palavras pertencentes aos dicionários da língua portuguesa são de origem africana. Todos os termos citados são usados tanto em Angola quanto

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no Brasil, afirmando assim que muitos dos léxicos básicos dos dois países são compartilhados entre si.

Conclusão

Quando aprofundamos nossos estudos sobre como foi realmente a chegada dos africanos aqui no Brasil, num primeiro momento, conseguimos apenas sentir dó. Ao iniciar as leituras para o nascimento deste artigo, o meu sentimento de pena em razão ao quanto os africanos foram maltratados transformou-se para admiração e gratidão. Com eles trouxeram várias culturas, costumes, a música e um jeito de ser ímpar, próprio de África. Além disso, vieram com eles a maneira de falar, palavras conhecidas só por eles e até mesmo palavras que um foi aprendendo com o outro na travessia do Atlântico para que pudessem estabelecer uma comunicação entre si, já que cada um vinha de uma região, de um povo. Mas, com base em pesquisas de renomados estudiosos do assunto, o povo banto quem predominou aqui e, dele, fixaram-se três línguas: quimbundo, umbundo e quicongo. Neste artigo, procurei focar o quanto o léxico africano é presente no dia a dia do brasileiro e poucas pessoas ignoram essa informação. Ao assumir a posição de, junto com outros estudiosos, tentar provar que temos uma África no Brasil percebi que, independentemente dos anos que se passaram após o fim da escravidão, a presença das línguas africanas se fortalece a cada dia em nosso vocabulário. Dedicar meus estudos para a criação deste artigo me incentivou a pensar que a língua portuguesa possa ter ganhado variações linguísticas em razão das misturas entre o português de Portugal, mais as línguas africanas, mais as línguas indígenas, que seriam nomeadas como variações brasileira e mestiça.

REFERÊNCIAS

a) Livros

ARAÚJO, Kelly Cristina. Áfricas no Brasil. São Paulo: Scipione, 2007.

SLENES, Robert W. “Malungu, ngoma vem!”: África coberta e descoberta do Brasil. São Pau-lo: Revista USP, 12, 12/1991 e 2/1992.

b) Internet

CARVALHO, Filipe Nunes de. Aspectos do Tráfico de Escravos de Angola para o Brasil no

século XVII – Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/3180.pdf. Acesso em 22/11/2011.

CASTRO, Yeda Pessoa de. A Influência das Línguas Africanas no Idioma Brasileiro – Dis-ponível em http://brasiliano.wordpress.com/2008/07/09/influencia-das-linguas-africanas-no-idioma-portugues-brasileiro/. Acesso em 23/11/2011.

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Culturas africanas influenciaram nosso idioma – Disponível em

http://educacao.uol.com.br/cultura-brasileira/vocabulario-brasileiro-culturas-africanas-influenciaram-nosso-idioma.jhtm. Acesso em 23/11/2011.

Nzo Tumbansi: uma casa de tradição e cultura Congo-Angola (Bantu). Disponível em

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Gláucia Quênia Bezerra de Lima

Revisora de Textos - Agência de Publicidade Etco Ogilvy A WPP Company. Especialista em Linguística com ênfase em Revisão de Textos. Universidade Grande Fortaleza

Referências

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