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Fala rimada, rima legendada: a legendagem e a acessibilidade com humor

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Língua, Literatura e Ensino, Dezembro/2014 – Vol. XI

Fala rimada, rima legendada: a legendagem e a acessibilidade com humor

Caroline Rodovalho BORIOLO Orientadora: Profa. Dra. Maria Viviane do Amaral Veras

resumo: Este trabalho se insere no campo da Tradução Audiovisual e tem como foco a tradução de fãs – fansubbings – e as formas de acessibilidade que alcança. Essa modalidade de tradução vem crescendo cada vez mais em decorrência dos trabalhos de tradução colaborativa e da rapidez que o mundo globalizado demanda hoje. Como ponto de partida para as reflexões que serão desenvolvidas, propomo-nos a analisar as legendas de um episódio do seriado de comédia norte-americano How I Met Your Mother, no qual o humor é mais um obstáculo no caminho do tradutor. Além do domínio da língua inglesa; do domínio da língua portuguesa; das limitações de tempo e espaço da legenda e do tipo de seriado (que precisa fazer rir), o tradutor deve ainda possuir um domínio na arte de rimar, uma vez que esse episódio – Bedtime Stories, 11º Episódio da 9ª Temporada – é inteiro rimado em seu áudio original, e a rima é parte fundamental para a compreensão.

Palavras-chave: Linguística Aplicada; tradução; acessibilidade; fansubbing; tradução audiovisual; legendagem; 1. uma entrada via legendas

Qualquer tradução, por mais simples e despretenciosa que seja, traz consigo as marcas de sua realização; o tempo, a história, as circunstâncias, os objetivos e as perspectivas de seu realizador. Qualquer tradução denuncia sua origem numa interpretação, ainda que seu realizador não a assuma como tal. Nenhuma traduçao será, portanto, “neutra” ou “literal”: será sempre uma leitura.

Rosemary Arrojo (1992, p. 78)

Na sociedade globalizada de hoje, a palavra de ordem é acessibilidade (Franco, 2006), mas essa acessibilidade não diz respeito apenas a necessidades especiais, sejam elas visuais, auditivas, motoras ou cognitivas, significa também que os serviços estejam disponíveis e que as informações sejam amplamente distribuídas e fáceis de entender. A acessibilidade tem sido, por muitos anos, um problema técnico em muitos países e, mais recentemente, tornou-se também um importante problema para a indústria dos computadores e de telecomunicações, implicando que os produtos e serviços audiovisuais e eletrônicos sejam postos à disposição de todos os usuários, não importando o lugar em que resida, seu nível de experiência, sua capacidade física e mental ou a configuração de seu computador (GAMBIER, 2006). Antigamente, ter acesso a livros significava possuir acesso ao conhecimento; hoje, esse acesso parte, principalmente, da TV e da internet (DIAZ-CINTAS).

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Para a tradução audiovisual, que segundo Lucia Joia (2004) pode ser definida como a passagem da tradução escrita para meios audiovisuais realizada em legendagem e dublagem, aliada também a elementos não-verbais. Essa acessibilidade implica rapidez, uma vez que graças à evolução tecnológica a forma como acessamos e consumimos obras audiovisuais está mudando rapidamente. Com a chamada “pirataria” na internet, com o “tráfico” de séries e filmes, hoje a programação chega mais rápido ao consumidor (MARTINEZ, 2011).

Neste mundo da globalização, da velocidade e da cultura participatória, os fãs e consumidores não são mais receptores passivos de produtos e serviços em geral, mas sim prosumers1. Agora é possível que esses fãs se comuniquem, troquem ideias

e opiniões, e até criem legendas para suas séries preferidas antes de estas ganharem uma tradução oficial e irem para a TV – esse processo é chamado de fansubbing. Os fãs não estão mais dispostos a apenas sentar e esperar os distribuidores e produtores, que podem levar semanas, e até mesmo meses, para disponibilizar uma tradução profissional. E é aqui então que os prosumers entram, com a tecnologia e a internet a seu lado, torna-se possível realizar um serviço rápido e disponibilizá-lo para todos, em qualquer lugar do mundo em que haja acesso a internet. Como a tradução profissional, o motivo principal do fansubbing é ajudar aqueles que não possuem domínio da língua a acessarem vídeos nessa língua, mas a tradução dos fãs também se dá devido ao que hoje consideram atraso na produção e comercialização de uma tradução oficial (BOLD, 2011).

Para realizarmos uma tradução é necessário que tenhamos domínio da língua de origem, como também da língua para a qual se está traduzindo, mas apenas esse domínio não é suficiente, precisamos também conhecer os objetivos de cada tarefa tradutória: a quem ela é destinada, que tipo de tradução é requerida – por exemplo, se se trata da tradução de um livro, de uma notícia, de uma entrevista, ou da legenda de um filme, entre outros –, como também precisamos levar em conta nossas próprias experiências, nossa interpretação, uma vez que, como afirma Arrojo em epígrafe a esta introdução, há sempre uma leitura por trás, ou seja, a leitura do tradutor, a que a empresa (se houver) tem em vista, a que o cliente demanda. Tradução é um processo complexo que envolve operações linguísticas, cognitivas e mercadológicas, além de um conhecimento único e específico de cada pessoa que traduz. Como afirma a legendista e tradutora Carolina Alfaro de Carvalho (2005, p.14) “o tradutor passou a ser visto por muitos como intéprete e criador, e entende-se que seus textos são informados por seu contexto histórico, seu meio social, sua ideologia, seu inconsciente.”

No caso da legendagem de filmes e séries, a tradução é basicamente um processo de transmissão de um texto falado para um texto escrito, de forma a tornar esse texto falado acessível àqueles que não falam a língua em questão (em nosso caso, falamos de legendas do inglês norteamericano para o português do Brasil). Nesse contexto, podemos afirmar que há maiores dificuldades para o tradutor, porque não se trata de 1 Prosumer: pessoa que cria coisas, serviços ou experiências para seu próprio uso e satisfação (BOLD, 2011).

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transcrever em português um texto escrito/falado2 antes em inglês (no caso das línguas

que abordamos), mas de ter de também levar em conta as limitações de tempo e espaço que uma legenda demanda.

No caso que constitui o cerne deste trabalho, a tradução de séries, o tradutor se vê obrigado a adaptar, condensar e até suprimir a fala original, visto que a legenda tem de ser a mais curta possível (de acordo com cálculos do tempo necessário para leitura, e que variam de acordo com o hábito de ler legendas ou de só assistir a filmes e seriados dublados – a média é 5 a 6 segundos para ler de 60 a 70 caracteres) e, ao mesmo tempo, passar o maior número de informações relevantes para proporcionar um bom entendimento (a condensação dos caracteres em duas linhas no máximo precisa estar em harmonia com as imagens e a trilha sonora; em outras palavras, o tradutor também precisa estar familiarizado com a linguagem cinematográfica).

Araújo define o processo de legendagem como “interpretação condensada ou não das falas de um filme ou programa de televisão” (2006, p.156). Ao considerar a tradução por meio de legendas como uma “interpretação condensada”, a autora permite refletir sobre o fato de que, na legendagem, as escolhas feitas pelo tradutor envolvem uma interpretação prévia do objeto traduzido, que é limitada de diversas maneiras.

Como se não bastassem as dificuldades apontadas, o tradutor precisa ainda considerar que tipo de legenda lhe está sendo solicitada, que tipo de áudio está traduzindo e para que espectadores. Todos esses aspectos permitem interessantes reflexões acerca dos problemas e dificuldades com que se depara um legendista.

Nossa proposta é estudar o trabalho de legendagem de um seriado de comédia norte-americano, no qual o humor é mais um obstáculo no caminho do tradutor. No caso em questão, vamos analisar um episódio do seriado How I Met Your Mother, no qual, além do domínio da língua inglesa; do domínio da língua portuguesa – a língua para a qual se está traduzindo; das limitações de tempo e espaço da legenda; do tipo de seriado – do gênero comédia, o tradutor deve ainda possuir um domínio na arte de rimar, uma vez que o episódio que escolhemos para analisar – Bedtime Stories, 11º Episódio da 9ª Temporada – é inteiro rimado em seu áudio original, e essa rima é parte fundamental para a compreensão.

2. entre a “mensagem” o humor e a rima: o que legendar?

Para uma boa tradução, é necessário que o tradutor saiba adaptar o texto original ao contexto ao qual a tradução é dirigida. O tradutor precisa ainda, segundo Paulo Rónai (1976, p.9), conhecer as minúcias da língua do texto original, “a fim de captar, além do conteúdo estritamente lógico, o tom exato, os efeitos indiretos, as intenções ocultas 2 Um exemplo desse texto falado é o caso das conferências do site TED: ideas Worth spreading, disponíveis em <https://www.ted.com/> Acesso em 10 de março de 2014. Nesse caso, as legendas são traduções da conferência completa, e o texto vai passando em uma única linha. O site trabalha com voluntários, e há conferências como The danger of a single story, por Chimamanda Adichie, com legendas em 40 línguas. Nesse caso, como também no caso de entrevistas legendadas em canais de televisão, a legenda deve trazer a tradução de tudo o que foi dito, mesmo que o espectador tenha alguma dificuldade em acompanhar.

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do autor.” Assim, o tradutor deve procurar fazer escolhas para que se mantenham, no texto traduzido, os sentidos atingidos na leitura do texto original, o que acaba levando o tradutor a valer-se de equivalências para determinadas expressões que produzam aproximadamente os mesmos sentidos nos leitores do texto traduzido.

Na legendagem, contudo, não prevalece essa exigência de uma busca dos “mesmos” sentidos. É senso comum que o padrão requerido de um legendador não é tão elevado, e há mesmo certa visão preconceituosa desse trabalho – especialmente quando a língua legendada é o inglês. Na verdade, a legendagem exige atividades cognitivas múltiplas (ler as imagens, ler a legenda, ouvir a trilha sonora, complementar uma informação com as outras) tanto do tradutor quanto do leitor, e as adaptações e equivalências que o tradutor procura para realizar seu trabalho são ainda em maior quantidade, pois tem de levar em consideração que não há espaço nem tempo para uma tradução que capte literalmente tudo que é falado. Enfim, precisa limitar-se a passar a “mensagem”, mesmo que seja necessário omitir partes dela – desde que essa omissão não afete o entendimento. No caso do fansubbing, entretanto, há uma diferença, pois sendo os legendistas seus próprios “patrões”, os fãs gozam de maior liberdade, o que pode resultar tanto em legendas consideradas geniais como de menor qualidade.

No episódio que pretendemos analisar, é possível perceber grandes adaptações na tradução para a legenda, pois, como já foi dito, o episódio é todo construído com falas rimadas que são parte importante do contexto e que, mesmo condensadas nas legendas, precisariam ser mantidas na tradução. O que despertou nosso interesse para com esse episódio foi o fato de a tradução ser de um grupo de fãs, e de estes terem conseguido manter a rima nas legendas, a despeito de todas as dificuldades geralmente apontadas pelos legendadores. Não nos esquecemos, no entanto, de que os tradutores não-oficiais, não remunerados, colaboradores ou, simplesmente, fãs, não têm atrás de si as exigências e prazos das empresas de tradução, embora trabalhem com os prazos dos outros fãs, que tende a ser ainda mais curto que o de uma empresa (menos de 24h).

Estudaremos, então, algumas cenas do episódio, em especial aquelas nas quais é possível perceber que a rima se manteve, mas em que às vezes o humor não teve lugar, ou até mesmo quando o sentido foi alterado para que a rima permanecesse (será que o desafio maior foi a rima?). A partir dessas análises, refletiremos sobre as técnicas de tradução que foram utilizadas e ofereceremos também alternativas para alguns problemas nas legendas.

O estudo do trabalho dos legendadores serve-nos ainda de ponto de partida para reflexões sobre a tradução audiovisual em geral, a legendagem em particular, a acessibilidade, a rapidez e a qualidade, buscando responder a questões como: O que é mais importante nesse tipo de tradução: manter o sentido, o humor, ou a rima? O que é mais relevante para o entendimento do espectador? A ascensão do fansubbing pode prejudicar a tradução profissional? A acessibilidade é realmente contemplada?

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3. as estratégias dos legendistas Fãs

Como metolodogia de pesquisa, de ordem qualitativa, estamos transcrevendo, primeiramente, o corpus, que se constitui das falas e legendas do 11º episódio da 9ª temporada do seriado norte-americano How I Met Your Mother, retiradas de um website (ver referências), para então selecionarmos as cenas que pretendemos analisar com base em parâmetros técnicos (número de caracteres, linhas, etc.); para a análise, consideraremos as estratégias de segmentação segundo critérios linguísticos e visuais;

com base nessa análise, refletiremos sobre as questões apontadas nos objetivos, sobre acessibilidade, rapidez e qualidade das legendas feitas por fansubbing.

4. lendo e comentando as legendas de Fãs

Como o trabalho ainda está em andamento, não possuimos resultados, mas algumas análises que já podem ser discutidas. No quadro abaixo, encontram-se a transcrição do áudio original, da legenda e algumas observações acerca:

Áudio legenda observações

Life sent him a yummy A vida lhe mandou uma delicia Aqui, tanto o sentido quanto o riso permanecem

A physics prof name Lisa Uma professora de física

chamada Lisa O mesmo ocorre

Who Just moved here from

Miami Que se mudara em uma época propicia O sentido não é mais o mesmo, o que prevalece é a rima

But when I teach magnetic forces I just see eyeballs glazing

Mas quando ensino magnetismo,

as pessoas começam a bocejar Pelo contexto, percebemos que “eyeballs glazing” seria uma expressão para quando as pessoas estão entediadas com algo, o que foi muito bem trocado por “bocejar”, que passa a mesma ideia I asked around and people say

your lectures are amazing E ao perguntar por ai, ouvi que suas aulas são de invejar Aqui houve a troca de um adjetivo por um verbo, para manter a rima com o verso anterior, mas não perdendo o real sentido

Oh God! That could be true Ele pode ter acertado Também prevalece a rima, havendo uma alteração, mas nada que prejudique o sentido But how many times do I

come home to find that my balls were blue?

Quantas noites na mão havia

ficado? No original, há uma expressão, que se perdeu na tradução

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While Barney made some

gestures that were rather rude Enquanto Barney gesticulava como uma criança pentelha Aqui, o sentido não é nem um pouco o mesmo, mas isso ocorreu para que este verso rimasse com o de baixo Ted left to go met Lisa in a

rather puzzled mode Ted foi encontrar Lisa com uma pulga atrás da orelha Neste verso houve uma troca por uma expressão em português que transmite o mesmo sentido desejado, da pessoa estar desconfiada, confusa

O trabalho ainda está em andamento, o que significa que ainda estamos buscando respostas para questões como: O que é mais importante nesse tipo de tradução: manter o sentido, o humor, ou a rima? O que é mais relevante para o entendimento do espectador? A ascensão do fansubbing pode prejudicar a tradução profissional? A acessibilidade é realmente contemplada?

reFerências

ARAÚJO, V. L. S. O processo de legendagem no Brasil. Revista do GELNE, Fortaleza, v. 1/2, n. 1, p. 156-159, 2006.

ARROJO, Rosemary. O signo desconstruído. Implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas: Pontes, 1992, p. 78.

BOLD, Bianca. The power of fans communities: an overview of fansubbing in Brazil. In: Tradução em Revista, v. 11, 2011/2. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/trad_em_revista. php?strSecao=input0. Acessado em: 6 de Abril de 2014.

CARVALHO, Carolina Alfaro de. A tradução para legendas: dos polissistemas à singularidade do autor. Tese de mestrado. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Letras, 2005.

DIAZ CINTAS, Jorge. La accesibilidad a los medios de comunicación audiovisual a través del subtitulado y de la audiodescripción. In: Cooperación y diálogo. P. 157 – 180. Disponível em: http://cvc.cervantes.es/ lengua/esletra/pdf/04/020_diaz.pdf. Acessado em: 6 de Abril de 2014.

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GAMBIER, Yves. Multimodality and Audiovisual Translation, 2006. Disponível em: http://www.euroconferences. info/proceedings/2006_Proceedings/2006_Gambier_Yves.pdf. Acessado em: 6 de Abril de 2014. JOIA, Lúcia. A tradução audiovisual e a voz do tradutor. Tradução em Revista. Rio de Janeiro: Papel Virtual

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MARTINEZ, Sabrina. Teconologia digital, acessibilidade e novos mercados para o tradutor audiovisual. In: Tradução em revista, v. 11, 2011/2. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/trad_em_ revista.php?strSecao=input0. Acessado em: 6 de Abril de 2014.

Referências

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