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A eterna permanência

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Academic year: 2021

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DANILO ROBERTO PERILLO

A ETERNA PERMANÊNCIA

CAMPINAS 2019

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DANILO ROBERTO PERILLO

A ETERNA PERMANÊNCIA

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Artes Visuais

CAMPINAS 2019 Orientadora: Profa. Dra. Luise Weiss

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO

ALUNO DANILO ROBERTO PERILLO, E ORIENTADO PELA PROFA. DRA. LUISE WEISS.

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Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Perillo, Danilo Roberto,

1975-P418e PerA eterna permanência / Danilo Roberto Perillo. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

PerOrientador: Luise Weiss.

PerTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Per1. Memória na arte. 2. Pintura. 3. Gravura. 4. Artes gráficas. I. Weiss, Luise, 1953-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The eternal permanence Palavras-chave em inglês:

Memory in art Painting Engraving Graphic arts

Área de concentração: Artes Visuais Titulação: Doutor em Artes Visuais Banca examinadora:

Luise Weiss [Orientador]

Paula Cristina Somenzari Almozara Klara Anna Maria Kaiser Mori Sérgio Niculitcheff

Edson do Prado Pfützenreuter

Data de defesa: 25-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais

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DANILO ROBERTO PERILLO

ORIENTADOR(A): Profa. Dra. Luise Weiss

MEMBROS:

1. PROF(A). DR(A). LUISE WEISS

2. PROF(A). DR(A). PAULA CRISTINA SOMENZARI ALMOZARA 3. PROF(A). DR(A). KLARA ANNA MARIA KAISER MORI

4. PROF(A). DR(A). SÉRGIO NICULITCHEFF

5. PROF(A). DR(A). EDSON DO PRADO PFUTZENREUTER

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

à Profa. Dra. Luise Weiss pelo acolhimento e por orientar esta pesquisa.

aos membros da banca de qualificação: Profa. Dra. Paula Almozara, Prof. Dr.

Edson do Prado Pfützenreuter, Profa. Dra. Lúcia Fonseca e Prof. Dr. Sérgio Niculitchef.

aos colegas de trabalho pelo apoio nesta dura jornada de estudante e funcionário.

ao Depto. de Artes Plásticas por apoiar a realização deste doutorado.

a Paulo Cavazin e família pela contribuição fundamental nesta pesquisa, com informações, documentos e fotografias.

a João Paulo Berta pela disponibilidade, informações e contatos.

ao Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho.

à Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção - Limeira (SP).

aos estudantes, pela compreensão nas minhas ausências no Laboratório de

Gravura.

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RESUMO

Esta pesquisa traz a relação entre dois artistas, separados por mais de 80 anos, e que, através de seus trabalhos estabelecem uma conexão. Uma pintura de 1937 de Angelo Perillo é o elo que o liga ao seu bisneto, Danilo Perillo. Mais do que acessar uma memória familiar distante, a pesquisa trouxe a possibilidade de que este retorno ao passado se desse através de uma experiência exclusivamente visual, num diálogo entre uma pintura e artes gráficas.

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ABSTRACT

This research brings the relationship between two artists, separated by more than 80 years, who through their work establish a connection. A 1937 painting by Angelo Perillo is the link that links him to his great-grandson, Danilo Perillo. More than accessing a distant family memory, the research has brought the possibility that this return to the past was through an exclusively visual experience, in a dialogue between a painting and graphic arts.

(8)

1. introdução | o fio de prata……….…..09

2. lembrança presente das coisas passadas………..14

3. visão presente das coisas presentes………24

4. esperança presente das coisas futuras………31

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1. INTRODUÇÃO | o fio de prata

Ter uma referência que de alguma forma te afeta, te inspira, ou até te incomoda, faz parte da realidade de praticamente todo artista. Tentar entender como uma obra, visual, literária, musical, ou de qualquer outra natureza, reverbera mais em um artista do que em outro, talvez só seja possível penetrando no

processo criativo e na história de cada um individualmente. Com todas as

incertezas de que irá alcançar alguma “resposta”, cada um vai estabelecer um tipo de relação com estas referências, como escreve Simon Grant no livro Pontos de

Vista ao se referir ao artista e seus referenciais:

São obras que os inspiraram ou que desencadearam suas memórias, obras que eles consideram belas, que ressoam em suas próprias práticas artísticas ou simplesmente difíceis de esquecer(GRANT, 2014: p. 8).

Como estas imagens nos tocam, artistas ou não, faz parte de um sistema tão individual como o DNA ou a impressão digital de uma pessoa. A lógica contida nestas aproximações se constroem numa relação de difícil classificação, porque se dá a partir de uma visão que é única, pessoal e intransferível, e qualquer tentativa de classificá-la é correr o risco de uma generalização.

Estabelecer estas afinidades podem parecer extremamente óbvias em alguns casos. As aproximações entre os trabalhos de um artista e outro se

estabelecem de uma maneira mais evidente e perceptível para um observador mais atento. Mas isto não é regra, certas afinidades se dão pelas mais variadas razões e os interesses não se definem por um gosto entrelaçado e perceptível apenas com o repertório visual produzido pelo artista.

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Edward Ruscha (EUA 1937), para citar 1

um exemplo, mostra como estas afinidades seguem por caminhos que nem sempre são tão evidentes, ou perceptíveis em um primeiro olhar. Ruscha aponta a pintura pré-rafaelita Ofélia (Fig. 1) de John Everett Millais 2

(Inglatera 1829 - 1896) como uma

inspiração para o que faz. Diz que “Ofélia

tornou-se um gatilho para minha arte, uma inspiração para o que faço” (GRANT, 2014: p. 10).

O artista também relaciona seus trabalhos, como a pintura Country Museum de Los Angeles em chamas (Fig. 2), como “crias” da pintura de Millais. Ruscha diz ter desenvolvido um interesse por todo tipo de imagem pré-rafaelita, quando do seu primeiro contato com Ofélia em 1961, em Londres. Porém o próprio

Edward Ruscha Joseph IV nasceu em 1937, em Omaha, Nebraska. É um artista americano ligado ao movimento da Pop Art.

1

Em 1966, mudou-se para Los Angeles, onde cursou o Chouinard Art Institute. O trabalho de Ruscha é marcado pela combinação da paisagem urbana e uma linguagem própria para comunicar uma determinada experiência urbana. Através da pintura, do desenho, da fotografia e livros de artista, o trabalho de Ruscha enfrenta a banalidade da vida urbana e alfineta a mídia de massa, que nos confronta diariamente com uma enxurrada de imagens. Ruscha vive e trabalha em Culver City, Califórnia.

Sir John Everett Millais nasceu em Southampton - Inglaterra em 8 de junho de 1829. Considerado uma criança prodígio, em

2

1840, ele foi admitido nas Escolas da Royal Academy como seu aluno mais jovem. Na Royal Academy, ele se tornou amigo do colega William Holman Hunt e contribuiu com Hunt e Dante Gabriel Rossetti para a Cyclographic Society. Em 1848, os três ajudaram a formar a Irmandade Pré-Rafaelita. Entre 1855 e 1864, Millais fez ilustrações para numerosas publicações. Millais foi nomeado membro associado da Royal Academy em 1853 e membro efetivo em 1863. Em 1885 foi condecorado como barão e em 1896 foi eleito Presidente da Royal Academy, mas morreu pouco depois em Londres.

Fig. 1

John Everett Millais (Reino Unido 1829 - 1896).

Ofélia, 1851/52, óleo sobre tela, 76,2 x111,8 cm, Tate Britain,

Inglaterra.

Fig. 2

Ed Ruscha (EUA 1937)

Country Museum de Los angeles em chamas, 1968, óleo sobre tela, 135,9 x 339,1 cm, Hirshhorn Museum and

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artista declara que logo deixou este interesse inicial de lado, mas a relação com a pintura de Millais permaneceu: uma relação que se estabeleceu exclusivamente com aquela pintura, pois nenhuma outra pintura de Millais provocou nele a mesma reação. Ruscha diz que sua obra e a pintura de Millais “são como irmão e

irmã” (Idem, 2014), e completa dizendo que sente “como se houvesse um fio de prata

ligando estas pinturas” (Ibidem, 2014).

Explicar o “fio de prata” que liga os trabalhos de dois artistas pode ser desafiador. O gatilho para relacionar estas escolhas pode se dar no primeiro

contato com uma imagem, ou não. Por vezes, o próprio olhar do artista precisa dos filtros necessários, algo que será possibilitado somente com a maturidade e com a construção de uma pesquisa e de um repertório que lhe dará as condições de

perceber algo distinto num objeto até então indiferente. Uma conexão se estabelece - e me parece que nunca de maneira unilateral - e a tensão se estabelece

justamente no fio de prata, e não em uma ponta ou outra desta relação: ela se configura no entre, e aí “talvez a distância das obras no tempo não seja assim tão

grande” (Ibidem, 2014) como afirma Ruscha. Talvez, fazendo uma leitura mais poética, nem distância haja realmente; como defendem as Hipóteses Pirrônicas : se “nem o3

presente, nem o passado, nem o futuro existem, o tempo tampouco existe, pois o que é formado pela combinação de coisas irreais é irreal” (SCHÖPKE, 2009: p. 176). O

fio de prata elimina a distância de tempo entre as obras, de certa maneira como

defende o artista Nuno Ramos (Brasil, 1960) ao se referir à sua experiência com um auto-retrato de Rembrandt (Holanda, 1606 - 1669), pertencente ao Louvre. Ele diz que

o auto-retrato de Rembrandt foi pintado hoje, pra mim, e de alguma forma esse holandês do século XVII sabia que um brasileiro ia até Paris pra olhar aquele auto-retrato dele... quer dizer, ele é

contemporâneo meu... eu me dirijo àquilo como alguma coisa atual e de igual(RAMOS, 2018)4.

Pirronismo, também conhecido como ceticismo pirrônico, foi uma tradição da corrente filosófica do ceticismo fundada por

3

Enesidemo de Cnossos no século I d.C. Seu nome vem de Pirro de Élis, um cético que viveu cerca de 360 a 270 a.C. Os céticos pirrônicos negam assentimento a proposições não imediatamente evidentes e permanecem num estado de inquirição perpétua, afirmando que uma falta de provas não constitui prova do oposto, e que a falta de crença é profundamente diferente de uma descrença ativa.

O artista visual e escritor Nuno Ramos apresentou esta sua experiência com o auto-retrato de Rembrandt durante uma

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Neste relato de Ramos, à sua maneira, ele traz onde o seu fio de prata se ligou e como esta esta relação quebra todas as distâncias possíveis, em que “todo

ato de apreciação da Arte ele é um ato que traz o passado à vida” (Idem, 2018). Esta pesquisa, A Eterna Permanência, é justamente o desafio de tentar entender em que momento uma imagem que faz parte da sua rotina, altera o seu status de banal para especial. Tal como qualquer artista, sempre tive minhas referências, meus interesses, porém nunca me tomou a atenção as pinturas colocadas nas paredes das casas em que morei; eram objetos de decoração, em sua maioria todas pinturas, e do mesmo autor: Angelo Perillo (1890 - 1976), meu bisavô, alguém que só conheci através daquelas pinturas. É curioso como uma espécie de cortina de fumaça foi se dissipando em relação à uma pintura específica dele, na medida que eu revia mais atentamente meu próprio trabalho. Buscando refletir sobre meus processos e minha história como artista, esta pintura do meu bisavô foi sendo revelada de certa maneira em mim e no meu trabalho. O resgate desta pintura, que por anos permaneceu em estado de latência, já com as marcas do tempo se revelando, veio de encontro às minhas pesquisas sobre a

representação do corpo humano, e justamente no momento em que sua história parecia estar chegando ao fim, com camadas de tinta, àquela altura já opacas e desbotadas, descascando. Perder seu lugar de destaque na parede, que por anos a colocou em evidência, para outra imagem era questão de tempo. Sua remoção finalmente aconteceu por volta de 2011. Foi neste momento que o fio de prata tensionou e esta imagem invadiu meu universo afetando minhas referências, meus afetos e meus projetos - justamente no momento em que ela era condenada à escuridão de um porão.

A pesquisa está longe de ser um levantamento histórico sobre a pintura ou sobre Angelo Perillo. O maior desafio talvez seja refletir como uma pintura em avançado estado de decomposição pode garantir sua permanência à extinção (sem qualquer intervenção físico/química de restauro) através do trabalho de outro artista, outro tempo, outra/mesma história, mesmo sangue. E aqui, a distância de tempo

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entre nós será desconstruída e reconstruída o tempo todo, tal qual Cronos , que a 5

tudo devora e recria, num movimento de eterno retorno em que cada fragmento da 6 pintura de Angelo Perillo que descama e cai, ressurge em um novo trabalho meu. Sem querer entrar em discussões físicas e filosóficas sobre o tempo, transitando neste território apenas como artista, o tempo será um elemento presente neste relacionamento e trabalhado e discutido de maneira poética. Tomo de Santo Agostinho (Numídia 354 d.C. - 430 d.C.) alguns de seus pensamentos sobre o tempo, pois ele talvez tenha sido quem pensou o tempo de forma mais poética, e lanço mão de suas ideias sobre o passado, o presente e o futuro - ou melhor, sobre a memória, o presente e a expectação - para abrir os capítulos desta pesquisa: 7

“lembrança presente das coisas passadas”, ideia que exploro para buscar as memórias da minha família através da história do meu bisavô; “visão presente das

coisas presentes”, ideia a partir da qual relato o meu contato com a pintura e

quando o fio de prata tensiona; e “esperança presente das coisas futuras” quando exploro como a pintura afetou meus trabalhos e como lança-se e preserva-se a memória daquela pintura para um futuro, seja ele qual for. E curiosamente, pelo menos para mim, na visão de Agostinho sobre o tempo, a ideia do fio de prata e a sua capacidade de quebrar a distância do tempo, apresenta-se na medida em que na impossibilidade de apreendermos o tempo fora de nós, é necessário que

tenhamos uma ideia de tempo em nós, e como é no presente que resgatamos o passado através da memória e expectamos o futuro. É nele, no presente, que encontro meu bisavô, através da sua pintura. Pintura que, seguindo o pensamento de Nuno Ramos, é contemporânea dos meus trabalhos, e foi feita, com a

exclusividade pretensiosa, para que eu a encontrasse somente agora, no meu presente.

Cronos na mitologia grega, é o mais jovem dos titãs, filho de Urano, o céu estrelado, e Gaia, a terra. Cronos era o rei dos

5

titãs e o grande deus do tempo, sobretudo quando este é visto em seu aspecto destrutivo, o tempo inexpugnável que rege os destinos e a tudo devora. A pedido de sua mãe se tornou senhor do céu, castrando o pai com um golpe de foice. Foi durante o reinado de Cronos que a humanidade (recém-nascida) viveu a sua “Idade de Ouro”. Como tinha medo de ser destronado por causa de uma maldição de um oráculo, Cronos engolia os filhos ao nascerem. Comeu todos, exceto Zeus, que Reia conseguiu salvar enganando Cronos ao enrolar uma pedra em um pano, a qual ele engoliu sem perceber a troca. Quando Zeus cresceu, resolveu vingar-se de seu pai, solicitando para esse feito o apoio de Métis - a Prudência - filha do titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção mágica, que o fez vomitar os filhos que tinha devorado. Então Zeus tornou-se senhor do céu e divindade suprema da terceira geração de deuses da mitologia grega, ao banir os titãs para o Tártaro e afastar o pai do trono.

Sobre a ideia de eterno retorno, do devir, o livro Matéria em Movimento: a ilusão do tempo e o eterno retorno, de Regina

6

Schöpke, busca a compreensão do conceito de tempo por meio do estudo de vários filósofos e também da física.

Santo Agostinho e a distentio animi, in: Matéria em Movimento: a ilusão do tempo e o eterno retorno, Martins Fontes, 2009,

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2. LEMBRANÇA PRESENTE DAS COISAS PASSADAS

Afinal quem foi Angelo Perillo, este tão presente desconhecido?

Desconhecido?! Sim, um desconhecido, pelo menos para o seu bisneto que, nos altos dos seus cerca de quarenta anos de idade, tinha estabelecido uma relação com uma pintura na parede, não com seu autor. Aquele objeto que teve seu status alterado, de objeto de decoração para uma referência visual, material de pesquisa e com uma tardia aproximação, precisava agora ter sua história construída. A

aproximação ocorrida, num primeiro momento, não foi entre bisavô e bisneto, mas entre um artista descobrindo outro. Eu, o artista mais jovem, na construção da minha história, cruzei com uma pintura que afetou meu caminho, e na tentativa de aprofundar minha relação com aquela obra, busquei informações de seu autor, e aqui não se trata de um resgate histórico de uma verdade ancestral perdida, até porque não há como perder o que não se tem; é na verdade a busca de vestígios e fragmentos deixados que agora organizo na construção de uma história, até então desconhecida para mim, que emerge em paralelo com a minha pesquisa,

influenciando de uma maneira definitiva o artista/bisneto. Em tudo o que pesquisei, foi possível perceber a riqueza da história de Angelo Perillo, especialmente da sua marcante passagem por Limeira - SP, cidade que o artista adotou como sua “terra”. Porém o que se segue aqui é justamente um pouco do que já coloquei neste início: a construção, a partir de todos os vestígios levantados, de uma história que se mistura com a pesquisa artística, uma construção genealógica que traz à tona uma biografia, porém, uma biografia, que, através desta pesquisa, concatena fatos reais com dados ficcionais.

Angelo nasce em 26 de fevereiro de 1890, em Vallo Della Lucania, comuna italiana da região da Campania, província de Salerno, na Itália. Filho de Francisco Savério Perillo, e Marianna Labruna Perillo; teve ainda três irmãos: Francisca, Pantalião e Marietta.

Francisco era ferreiro, e, quando ainda solteiro, já havia estado na América do Sul trabalhando na construção de ferrovias na Argentina. Quando Angelo tinha pouco mais de um ano, Francisco se encaminhou para a floresta na

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busca de lenha para alimentar a forja de sua pequena oficina, que ficava no pavimento inferior da residência da família; uma tempestade pegou Francisco de surpresa, que adoeceu e pouco tempo depois veio a falecer, vítima de uma pneumonia.

Marianna, a mãe de Angelo, precisou buscar recursos para sustentar a família, e passou a trabalhar na olaria da família Labruna, que era administrada pelo seu irmão, Francesco, e a esposa, Rosina. Apesar de trabalhar em uma empresa da família, o trabalho era duro e mal pago, e Marianna criava os filhos com muito esforço. Neste período, Francisca foi morar com um tio em Montano, enquanto Marietta, com cerca de onze anos, cuidava dos dois irmãos mais novos. No verão, Marietta e os irmãos acompanhavam a mãe ao trabalho e ficavam brincando com argila na olaria. Angelo era muito novo e arteiro, o que irritava a tia Rosina, que implicava muito com ele, alegando que ele tirava a atenção dos trabalhadores e da mãe. Com um ambiente de trabalho difícil, apesar das ligações familiares, e com a necessidade de melhorar os rendimentos da família, Marianna decidiu deixar o emprego na olaria. Tendo Marianna fama de boa cozinheira, o Juiz Victor de

Mercúrio, um velho conhecido de seu marido, decide contratá-la para ser cozinheira da família.

A infância pobre não permitiu que Angelo tivesse acesso a muitas coisas, dentre elas, material de desenho à disposição. Isto tornava as visitas do jovem Angelo, com cerca de cinco anos, à loja de um tio, em momentos de profunda alegria, segundo relatos do próprio Angelo, momentos nos quais a prima Giovanina Botti lhe oferecia papel e lápis de cor para desenhar, atividade que ele fazia com imenso prazer e que sempre lhe rendia muitos elogios.

Marianna se correspondia com parentes que viviam no Brasil, em Araraquara - SP, que sempre relatavam as boas condições de vida que tinham no Brasil, enquanto na Itália Marianna encontrava muita dificuldade para cuidar dos filhos sozinha. E a situação só piorava: as filas dos necessitados que buscavam ajuda nas igrejas só aumentavam, e, temendo pelo futuro dos filhos, Marianna decidiu emigrar para a América do Sul.

Em 30 de junho de 1901, Angelo, a mãe e os irmãos, imigraram para o Brasil no vapor Minas, saindo de Gênova, na Itália, rumo a América do Sul. Ainda sem um destino completamente definido, Marianna não sabia se ficava no Brasil, ou

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se seguia para a Argentina com parte da família Labruna. Na passagem pelo Rio de Janeiro, veio o primeiro impacto positivo do Brasil: ao ver muitos italianos

aportando lá ao perceber a abundância de bananas, os imigrantes pensaram que neste país ninguém passaria fome. Chegando a Santos, Marianna seguiu outros italianos, que desembarcam na nova terra, seduzidos ao saber que por aqui não nevava e ninguém correria o risco de morrer de frio. A família embarcou no trem para São Paulo, e, na hospedaria da Imigração, Marianna, que já havia sido

orientada pelos parentes de Araraquara, fugiu do insistente assédio dos donos de terra que buscavam trabalhadores para a lavoura, afirmando aos recrutadores dos fazendeiros que já tinha trabalho acertado na capital.

Marianna passou a trabalhar como cozinheira para a família Matarazzo. Pantalião havia aprendido o ofício de sapateiro em São Paulo e abriu uma pequena oficina de consertos na Rua Caetano Pinto, no Brás. Angelo estudava no bairro da Luz, e quando não estava na escola, ajudava o irmão na oficina. Para o ofício de sapateiro Angelo não apresentava muita habilidade, o que fez com que ele ajudasse o irmão com as entregas. Circulando curioso pelo centro de São Paulo durante as entregas, Angelo se depara com artistas italianos que trabalhavam nas pinturas decorativas de igrejas do Brás e da Mooca, que o fascinaram imediatamente. Ele ficava por horas observando o trabalho de pintura das igrejas, e por vezes até ajudava os artistas italianos, que o acolheram. Sempre que sobrava, ele ganhava os restos de tinta, que ele usou para fazer suas primeiras pinturas. Mas estas

escapadas durante as entregas chegaram aos ouvidos de seu irmão Pantalião, que ficou muito irritado e teve uma áspera briga com ele. Indignado com a reação do irmão mais velho, Angelo deixou o emprego.

Angelo começa a trabalhar com um letrista de cartazes conhecido como “Beppo Pintor”. Angelo contava que ganhou a confiança do letrista após um

episódio em que Beppo deveria fazer um cartaz para uma loja de calçados e não conseguiu fazer o desenho de um sapato. Angelo então desenhou os sapatos e Beppo decidiu que Angelo seria o responsável pelos desenhos e ele pelas letras. Para complementar a renda, também trabalhava na farmácia de um cunhado. Pouco depois, tornou-se sócio de Miguel Barbato, que também trabalhava com cartazes publicitários na época (Fig. 3), sendo que um dos primeiros trabalhos encomendados foi para o Guaraná Espumante, produzido pela empresa Lacta.

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Casou-se com Seria Terribeli, a Dona Célia, em dezembro de 1914. O casal teve quatro filhos, Maria, Norma, Pantaleão e Marianna. Dona Célia estimulava Angelo a trabalhar como empreiteiro de decoração. Angelo decidiu então montar uma equipe com pintores (Fig. 4), que eram

responsáveis pela pintura preparatória, chamada lisa, na qual Angelo vinha por cima com o

desenho e com a pintura decorativa. Decorou muitos palacetes em São Paulo, e sempre alimentou o sonho de pintar uma igreja, assim como os conterrâneos que acompanhou na sua juventude pelo Brás e pela Mooca.

Na década de 20, ele foi contratado para fazer a decoração do palacete da família Faraoni, em Vila Americana . Durante este 8

período, ele também teve um pequeno armazém de secos e molhados, e como em Vila Americana havia uma grande produção de melancias, Angelo ainda ajudava a

intermediar a compra das melancias para o cunhado Mateo Volpi , que cuidava do9

armazém da família Volpi, no Mercado Municipal de São Paulo.

As pinturas em Vila Americana fizeram sucesso, e o fazendeiro limeirense Tomáz de Lucca o contratou para decorar a fazenda e demais

propriedades da família. Em Limeira, Angelo realizou vários trabalhos e recebeu então o convite para fazer as pinturas internas da Igreja de Nossa

Vila Americana foi distrito de Campinas até 1924, quando emancipa-se, em 1938, e passa a chamar-se apenas Americana;

8

sendo um dos municípios da região de Campinas, no estado de São Paulo.

Mateo Volpi era irmão de Alfredo Volpi (1896-1990) e foi casado com Francisca, irmã de Angelo Perillo.

9

Fig. 3

Propaganda da empresa Barbato & Perillo.

Fig. 4

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Senhora da Boa Morte e Assunção . Angelo foi responsável pela pintura decorativa 10

do interior da Igreja, bem como pela Imagem de Nossa Senhora da Assunção no teto (Fig. 5), cópia de uma pintura (Fig. 6) de Bartolomé Esteban Murillo (1617 - 11

1682). O trabalho, iniciado em 1927, levou cerca de seis anos para ser concluído, e muito do trabalho de Angelo ainda se encontra na Igreja até os dias de hoje; porém, a igreja passou por algumas restaurações e parte da pintura original sofreu uma simplificação, não chegando a descaracterizar o trabalho completamente, mas em alguns casos a qualidade dos restauros comprometeram a beleza do trabalho original de Angelo Perillo.

A Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção é uma igreja situada no centro da cidade de Limeira - SP, construida

10

entre 1858 e 1867.

Bartolomé Esteban Murillo (Sevilla - Espanha, 1618 - 1682). Murillo produziu uma quantidade considerável de obras de

11

caráter religioso, com muitas imagens da Imaculada Conceição. A imagem que Angelo Perillo se baseia foi feita para o Hospital dos Veneráveis Sacerdotes de Sevilla, na Espanha.

Fig. 5

Angelo Perillo. Nossa Senhora da Assunção c. 1927. Óleo sobre tela. Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção - Limeira SP.

Fig. 6

Bartolomé Esteban Murillo (Sevilha 1617 - 1682).

La Inmaculada Concepción de los Venerables (detalhe), c. 1678. Óleo sobre

tela, 274 x190 cm. Museu do Prado - Espanha.

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Fixado em Limeira, Angelo retratou a Limeira e seu povo em várias pinturas. Em 1933, fundou a Escola de Pintura Santa Maria, que segundo o próprio Angelo, era a primeira escola deste tipo no interior

paulista.

Nos anos 40, Angelo ainda administrou um café que funcionava num espaço conhecido como Gruta da Paz , na Praça Toledo de 12

Barros, no centro de Limeira.

Em dezembro de 1963, Angelo sofre uma de suas maiores desilusões, com a morte de Seria Terribile, a Dona Célia.

Profundamente triste, após o velório, Angelo se trancou em casa e por cerca de 5 horas ficou incomunicável. A preocupação tomou a família, que de todas as formas tentou fazer com que ele os atendesse, porém sem resultado. Pensando no pior, pensaram até em arrombar a porta da casa, mas eis que Angelo abriu a porta, e diante da preocupação de todos e das indagações sobre estas horas de silêncio, ele respondeu: estava concentrado pintando. A pintura (Fig. 7) retratava uma árvore caída e outra de pé, o que representaria o casal Angelo e Dona Célia, e que ele gostaria que fosse enterrada com ele, quando

morresse.

Nos anos 70, através do prefeito de Limeira à época, Paulo D’Andrea, o Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho adquiriu um conjunto de obras de Angelo, que recebeu a justa homenagem de ter o seu nome atribuído a uma sala no museu, que até hoje possuí boa parte da obra do artista em seu acervo.

Em 11 de outubro de 1975, eu, seu bisneto, nasci em Ourinhos - SP, a cerca de 300 km de Limeira.

Localizada na Praça Toledo Barros, no centro de Limeira - SP, a Gruta da Paz foi construida para ser inicialmente um

12

coreto, tendo sido construída à época da 1ª Guerra Mundial como monumento à paz. Foi inaugurada em meados de 1920. Fig. 7

Angelo Perillo, sem título, 1963. Óleo sobre tela, 41 x 30,25 cm. Coleção particular.

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Três meses depois, em 11 de janeiro de 1976, Angelo Perillo faleceu aos 86 anos. Angelo foi personalidade marcante em Limeira, o que levou o município a decretar luto oficial de três dias. Alguns meses depois, em outubro, a memória de Angelo foi homenageada com o decreto municipal que deu a uma rua da cidade o nome de Angelo Perillo.

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Angelo Perillo. Moinho Manso. 1921. Óleo sobre tela. 53 x 65 cm. Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho - Limeira SP.

Angelo Perillo. Ribeirão Tatu. s.d. Óleo sobre duratex. 49 x 61,5 cm. Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho - Limeira

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Angelo Perillo

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Angelo Perillo. Zé Sessenta. 1965. Óleo sobre duratex. 66 x 52 cm. Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho - Limeira SP.

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3. VISÃO PRESENTE DAS COISAS PRESENTES

A obra de Angelo Perillo que nos conectou é uma pintura a óleo sobre tela (Fig. 8) datada de 10 de fevereiro de 1937, com uma paleta de cores terrosa e bastante escura, passando pelos marrons, ocres, beges, vermelhos e um pouco de verde. Hoje, esta obra está em

processo de deterioração, com marcas esbranquiçadas do que pode ser a ação da umidade ou do ressecamento das camadas de tinta, que acabaram craquelando e descascando a pintura, expondo o fundo da tela em vários pontos. No momento em que a pintura parecia se despedir da parede que a acolheu por anos, e que seu estado de decomposição começava a

demonstrar que a memória desta pintura talvez fosse a única coisa que iria restar dentro de pouco tempo, meu trabalho me revelou a sua existência para além de um objeto decorativo deixado por um antepassado que eu pouco eu conhecia; uma pintura que já estava esquecida num canto qualquer, longe das paredes que sempre lhe deram destaque, conectou e criou um diálogo, no presente, entre nossos

trabalhos.

A imagem representada nesta pintura é a figura de uma mulher, sentada em uma elevação do terreno, sob o que parece ser uma árvore, em uma paisagem que vai dos tons marrons aos vermelhos. A figura feminina está nua, sentada, com o tronco e a cabeça inclinados sobre as pernas e o braço direito parece estar

segurando os cabelos e ao mesmo tempo “escondendo” a lateral direita do rosto.

Fig. 8

Angelo Perillo. Eva arrependida, 1937, óleo sobre tela, 75 x 95,5 cm. Coleção particular.

(25)

Na minha primeira aproximação da pintura, busco o que ela era na sua essência ao existir: a representação de uma figura feminina sentada sob uma árvore. Porém, a partir deste signo reconhecido, iniciar a busca por interpretações possíveis, e neste caso, as minhas pesquisas artísticas, acompanhado por referências que de alguma maneira me interessam, me

aproximavam cada vez mais da pintura, tornando este exercício de investigação desafiador. Sem mais informações sobre a imagem, apenas com aquilo que a pintura trazia, a primeira hipótese era de que se tratava da representação de Eva. E neste momento era apenas o que eu tinha para trabalhar, uma hipótese; não conheci meu bisavô, meu avô já era falecido a esta altura e meu pai não conhecia os detalhes da história desta pintura.

Trabalhando com a representação da figura feminina já há muitos anos, seria natural encontrar na pintura de meu bisavô um referencial importante em minhas pesquisa; mas não foi bem assim que me aproximei desta pintura. Após rever minha produção com mais atenção durante o meu mestrado, pude perceber algumas conexões, que iam além do fato de estarmos tratando da representação de um nu feminino.

Na série toda vez que olho para ela…(Fig. 9), eu já começava a trabalhar partes do corpo feminino, mostrando fragmentos do corpo da modelo, ainda permitindo, na maior parte das vezes, a leitura clara de uma figura feminina, apontando para o que seriam os trabalhos seguintes, em que a insinuação de um corpo que estava paulatinamente desaparecendo em meus trabalhos, era cada vez mais presente na minha pesquisa, e os primeiros trabalhos produzidos com estas características traziam como objeto de representação uma personagem que talvez fosse a mais forte ligação do meu trabalho com a pintura do meu bisavô: Eva.

Na série visões de um corpo não visto (Fig. 10), o único elemento que resta da figura feminina é a sua insinuação e a pesquisa seguiu com a apropriação de outras figuras femininas ligadas à mitologia; porém foi com Eva que a ideia de

Fig. 9

Danilo Perillo

sem título (da série toda vez que olho para ela...), 2002, gravura em metal, 14 x 12,5 cm.

(26)

representar uma mulher apenas com o uso de um elemento alusivo ao personagem começa ser explorado por mim.

Em pecado original (Fig. 11), a representação de Eva é novamente explorada, porém com uma diferença fundamental. É a partir deste trabalho que o fio de prata me conecta com a pintura do meu bisavô. Apesar de explorar a figura de Eva em muitos de meus trabalhos anteriores, é somente neste momento que percebo naquela pintura do meu bisavô, já abandonada, um encanto que até então não havia percebido. Neste trabalho, uma série de gravuras em metal feitas em água forte pelo processo de matriz perdida, uma narrativa se apresentou: da criação da mulher no Paraíso à Queda. A história contada naquela sequência de seis gravuras, me trouxe pela primeira vez a possibilidade de que aquela figura na pintura poderia ser Eva, até porque foi neste momento que "olhei pela primeira vez" para a pintura. Isto de certa maneira mostra como ao longo dos anos a tensão do fio de prata sempre foi frouxa, e que eu nunca havia olhado para a pintura ou cogitado quem seria esta figura. E não precisaria ser artista e trabalhar com a referência de Eva para propor esta hipótese: qualquer

criança catequizada talvez conseguisse fazer esta associação; a realidade é que nunca reparei com a devida atenção para aquela pintura - ela era um mero objeto de decoração, tal como o vaso que

ficava na mesa de canto.

A iconografia ligada a Eva permite fazer muitas conexões com a pintura, não somente à figura

Fig. 10

Danilo Perillo

Eva, 2010, tranferência sobre papel, 100 x 50

cm. Coleção particular.

Fig. 11

Danilo Perillo

pecado original (versão 6), 2012, gravura em

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feminina, mas também ao cenário. Muitas

representações do arrependimento de Eva após o banimento do Paraíso mostram a imagem de uma mulher que sofre com a situação em que colocou a si e a seu companheiro, num cenário que em nada tem de edênico. Em Eve (Fig. 12), de Ernest

Dagonet (França 1856 - 1926), por exemplo, a figura de Eva está em uma posição parecida com a pintura de Angelo Perillo, mas traz um elemento a mais para a representação da Queda: o fruto proibido na mão. A posição em que a figura é representada também poderia ser alguma alegoria à melancolia, desligada da relação com a “primeira mulher”. No desenho

Crouching seated nude facing right (Fig. 13), Gustav Klimt (Viena 1862 - 1918)

representa uma figura feminina numa posição parecida com a pintura de Angelo Perillo, no que seria um desenho preparatório para a pintura Death an Life (1910/15). Na pintura Iracema (Fig. 14), Antonio Parreiras (Brasil 1860 - 1937) representa a personagem do romance homônimo de José de Alencar (1829 - 1877), escrito em

1865, sofrendo ao ser abandonada por seu amante europeu. Diferentemente da pintura de Angelo Perillo, Parreiras concentra a tristeza na posição da personagem. Angelo ainda lança mão de um cenário sombrio, que reforça este sentimento; como Jean Starobinski diz em seu livro A tinta da melancolia, 13

“o veneno da melancolia é um fogo escuro” (STAROBINSKI, 2016, n.p).

Na verdade é possível encontrar representações ligadas à Queda ou à Melancolia, na arte, na

literatura e no conhecimento popular, e estabelecer relações com a pintura de Angelo Perillo, seja para associar a imagem à Queda, à Melancolia, ou à ambas. Porém, a busca pela precisão na

Jean Starobinsk (Suiça, 1920) in: A Tinta da Melancolia: uma história cultural da tristeza, Companhia das letras, 2016.

13 Fig. 12 Ernest Dagonet. Eve, 1895, escultura, 90 x 88 x 75 cm. Museu de Luxemburgo. Fig. 13

Gustav Klimt (Viena 1862 - 1918).

Crouching seated nude facing right (detalhe),

1845, desenho sobre papel, 56,5 x 37,3 cm. Galerie Auktionshaus Hassfurther - Viena.

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aproximação da pintura do meu bisavô, baseada na imagem e no tipo de representação, foi se tornando cada vez mais estéril. Quanto mais eu me conectava com a pintura, menos me interessava uma construção histórica rigorosa a respeito da pintura, e mais uma construção imaginária. No fundo o que eu queria ver ali naquela imagem sempre foi a figura de Eva, com a anuência do meu bisavô, ou não. Em 2016, iniciei o trabalho com a “certeza” de Eva em página de um livro não impresso. Neste

ponto, a busca de neutralidade na pesquisa, ou seja, fazer uma leitura imparcial e não tendenciosa da pintura, não combinava com a relação que eu estava

estabelecendo com meu bisavô e sua pintura. Assim como postula a

autoenografia , “não existe neutralidade quando escrevemos algo, assim como14

quando lemos nós trazemos todas as nossas relações para a página” (MOTTA; BARROS, 2015).

Apesar de tudo isto, o encontro com meu primo em segundo grau, Paulo Cavazin , em Limeira, em meados de 2018, esclareceu a história da pintura. Ele 15

não somente reconheceu a pintura, como trouxe um novo elemento para a minha pesquisa: o nome da pintura, que, segundo Paulo, era Eva Arrependida; e, também, que com frequência, Angelo Perillo alterava suas pinturas. Nesta não havia sido diferente: houve a exclusão de um vaso quebrado e uma serpente.

As “escavações”, cada vez mais profundas, foram revelando novas obras de Angelo Perillo, e, numa fotografia de 1973, uma nova pintura de uma provável Eva aparece (Fig. 15). Nesta versão, ao contrário da versão que pesquiso, em que a serpente foi eliminada da versão final e a melancolia da cena é marcante, nesta

A autoetnografia é uma abordagem metodológica, que procura na experiência individual com a experiência coletiva um

14

mecanismo de pesquisa que não exclui a subjetividade do autor. Ao investigar estas relações, o método autoetnográfico funde a narrativa pessoal com a exploração sociocultural.

Paulo Cavazin (1944, Limeira - SP), filho de Mariana Perillo e Sylvio Cavazin e neto materno de Angelo Perillo, foi um dos

15

grandes colaboradores desta pesquisa. Fig. 14

Antonio Parreiras (Niterói, Brasil, 1860 - 1937).

(29)

fotografia encontrada, a serpente foi mantida, no que deve ser a versão final da pintura pelo fato de já apresentar uma moldura, além de apresentar uma Eva muito mais erotizada, num momento que deve anteceder a Queda, em que pela interferência/sedução da serpente a verdade é revelada para Eva. Nesta pintura, o expectador, como se fosse Adão, é apresentado ao Fruto Proibido e

Fig. 15

Pintura de Angelo Perillo.

Fig. 16

(30)

à verdade, a nudez. “A nudez está ligada ao ato espiritual que a Sagrada Escritura

define como abertura dos olhos” (AGAMBEN, 2014, n.p).

Angelo Perillo por vezes se aventurava pela poesia, e fez uma poesia (Fig. 16) em que mais uma vez percorre o universo de Adão e Eva, numa melancólica composição, em que é possível fazer algumas conexões com a pintura Eva

Arrependida. Assim como a Queda é precedida por um momento de harmonia e

uma vida edênica “perfeita”; ao tratar do amor, Angelo Perillo traz uma paleta dramática para a dor do amor, assim como a paleta da sua pintura, que reforça o sofrimento da sua Eva.

Na poesia, na pintura, ou mesmo na história bíblica, independente de tomá-la como verdade teologal, ou uma fábula absurda, é em Eva que recai uma culpa, que construiu uma cultura religiosa que vem permeando as nossas vidas ao longo dos séculos. A este respeito, afirma Greenblatt (2018) que

Esse conto tem sido tanto liberador como destrutivo, um hino à responsabilidade humana e uma fábula sombria sobre a desventura humana, uma celebração da ousadia e uma incitação à misoginia violenta(GREENBLATT, 2018, n.p).

Eva tem sido o símbolo deste presente de Deus ao homem ( e nunca o contrário ) que levará, em função da sua fraqueza, o casal a derrocada e expulsão do Paraíso. Angelo Perillo traz esta culpa no seu poema; o amor é belo, mas é triste, traz alegria e depois tristeza, luz e depois escuridão. Eva Arrependida é a

representação desta tristeza e escuridão, o lamento já fora dos domínios do Jardim do Éden, a culpa melancólica que a posição demonstra, reforçada pela cenário.

Independentemente da história bíblica, e a forma como ela “plasmou a

maneira como pensamos em crime e castigo, responsabilidade moral, morte, dor, trabalho, lazer, companheirismo, casamento, gênero, curiosidade, sexualidade e em nossa natureza humana” (GREENBLATT, 2018, n.p), a beleza da pintura, para mim, é uma figura que se esconde, sem mostrar seu rosto, e de certa maneira seu corpo, sem revelar todos os seus segredos; a exclusão da serpente da pintura trouxe a esta Eva a possibilidade mundana de ser também uma mulher comum.

(31)

4. ESPERANÇA PRESENTE DAS COISAS FUTURAS

Em um mundo marcado pela finitude das coisas, da matéria, da vida, talvez do próprio planeta, pretender a eternidade é apenas um desejo utópico do homem.

Nas artes, este desejo pela eternidade também é real, e em alguns casos, como por exemplo na pintura, na tentativa de tornar uma obra durável, lança-se mão dos mais variados recursos, como controlar a luz, a temperatura e a umidade para que a obra resista ao tempo. Esta falsa impressão de paralisar o tempo, pode permitir a permanência de um objeto não somente pela preservação de sua

memória, mas fisicamente, permitindo que uma informação, um contato real com um objeto possa acontecer entre gerações que nunca conviveram, gerações

separadas pelo tempo. Porém em situações em que não há este controle artificial, o tempo, tal qual Cronos, mostra-se implacável e devora tudo que se apresenta no seu caminho, e num movimento constante promovendo o eterno retorno,

sobrepondo temporalidades, histórias e nossos próprios trabalhos, resgatando do passado e do esquecimento, uma pintura em decomposição, e a lançando, no presente, com vistas a algum futuro, através do trabalho de outro artista. Este resgate que não será feito pela restauração da pintura, nem por uma retrospectiva de Angelo Perillo com destaque para aquela obra, nem pela publicação da história do artista, mas sim pela apropriação daquela imagem em meus trabalhos. Angelo deixou seu legado, a pintura durou o que talvez ela tivesse que durar, aquela mulher representou o papel dela ali, e agora ela se levantou e vem me acompanhar para o que será a continuação desta história, que não é a minha história, nem a história do Angelo: é a nossa história.

Na pintura de Angelo Perillo, as marcas do tempo já vem há algum tempo marcando a proximidade do seu fim. Mas afinal, fim do quê? Se a matéria se deteriora, a memória registrada em documentos, e a memória preservada pela

“Se o artista é consciente do tempo, da efêmera duração que é a vida, pode pretender a eternidade na permanência da sua arte, pois nisto reside a maior contradição humana: o de saber-se efêmero, porém de perpetuar um objeto por ele criado.” Paulo Reis

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experiência vivida ainda permanecerão por mais algum tempo; pouco tempo, muito tempo, a eternidade, enfim, talvez o “tamanho” deste tempo não possa ser

controlado ou respondido objetivamente, até porque não viveremos para saber até onde chegará o que deixaremos como herança. Em culturas guerreiras primitivas, havia a crença de que ao deglutir seus inimigos seria possível adquirir seus

poderes. Como estes guerreiros, eu estou absorvendo o que ainda resta desta pintura, destas camadas que estão se desgastando e de posse deste poder estou resgatando esta pintura, e a história do meu bisavô, e a lançando para um futuro, seja ele qual for, através do meu trabalho. É como se estas camadas da pintura que estão caindo estivessem sendo preenchidas agora através do meu trabalho e assim a sua permanência fosse assegurada por mais algum tempo.

Meu primeiro diálogo com a pintura do meu bisavô aconteceu em 2013, quando me apropriei de um fragmento da pintura e explorei processos gráficos que já vinha utilizando em meus trabalhos anteriores. Fazendo uma referência à

distância que nos separa, e neste caso a distância é medida pelo tempo, tempo que não volta fisicamente, mas que tento representar através da serigrafia a eterna

permanência (Fig. 17), resgato a pintura

do meu bisavô através do meu trabalho, no qual o recurso da retícula, tão comum em artes gráficas, traz a relação com a distância presente através da maior ou menor proximidade com a imagem. Neste processo, quanto mais eu me aproximava da pintura e do que mais está relacionado a ela, mais turva a minha visão ficava, mais a imagem se desconstruia e perdia o sentido, só sendo possível recuperá-la ao se afastar, criando uma distância capaz de tornar a imagem mais nítida; nitidez possível por este intervalo entre dois corpos que,

Fig. 17

Danilo Perillo

a eterna permanência, 2013, serigrafia e livro de artista.

(33)

mais do que uma relação métrica, era uma relação marcada por décadas de distância, ou seja, é como se a distância temporal pudesse ser transposta e representada espacialmente.

Este trabalho se desdobrou em um livro de artista (Fig. 17), de mesmo nome, onde esta relação é marcada através do passar das páginas do livro. Neste livro de artista, eu divido a autoria, ainda que à revelia de meu bisavô, com ele; e estabeleço a distância da nossa relação, e de que forma a minha aproximação da pintura foi possível. Abro o livro com a frase “quanto mais me aproximo, mais

distante fico”, e fecho com “quanto mais me distancio, mais próximo fico”. No livro,

ainda trazia a cada página uma pequena anotação de uma cor existente na pintura. Uma lembrança desta transposição da pintura para as artes gráficas, do Angelo para o Danilo.

Esta relação entre próximo e distante, visível e não visível, explicita, para mim, como esta pintura, que não passava de um objeto de decoração na parede, fruto de um antepassado do qual a minha única relação era estabelecida por esta pintura, era a única memória preservada que me tocava diariamente. De certa maneira, quando o artista tcheco

Dominik Lang (Praga, 1980), ao falar do 16

seu trabalho The Sleeping City (Fig. 18), diz querer “revelar o que não é visto, mesmo que esteja diante de nossos

olhos” (LANG, 2011). Reconheço nesta frase um pouco do sentimento que me toma ao trazer a pintura do meu bisavô no meu trabalho, revelando aquilo que esteve diante dos meus olhos por anos, e ainda assim não era visto. Em The Sleeping City, Lang recupera uma série de esculturas do pai, Jiri Lang (1927-1996), um artista que nunca teve o reconhecimento em vida por não corresponder ao realismo exigido

Dominik Lang (Praga, 1980) herdeiro de um legado artístico fundado na oposição ideológica entre figuração e abstração,

16

pertence à geração de jovens artistas do Leste Europeu que começou a atuar após o fim da Guerra Fria. Suas primeiras obras são intervenções efêmeras que alteram a percepção do espaço expositivo e instalações onde se entrelaçam, de maneira poética, passado e presente. Em Sleeping City [A cidade adormecida, 2011], apresentada na 54ª Bienal de Veneza, o artista resgatou uma série de esculturas de seu pai, o escultor modernista Jirí Lang (1927-1996), ativo na década de 1950 e morto quando o artista ainda era adolescente. Lang estabelece ligações conceituais e históricas que remetem à produção que permaneceu à margem do circuito artístico oficial, levando ao anonimato dos artistas hostis ao realismo socialista adotado pelas ditaduras comunistas.

Fig. 18

Dominik Lang

(34)

pelo Partido Comunista na antiga República Tcheca, e dispõe as esculturas do pai, algumas em pedaços, e cria uma ocupação no espaço com o uso de um mobiliário composto por vitrines e estruturas de ferro, criando uma cenografia para trazer novamente a luz sobre o trabalho do pai, através da sua visão, discutindo a visibilidade e o destino da arte.

Se o resgate da história do meu bisavô, por um lado, não esclareceu alguns fatos que pudessem trazer uma nova luz sobre a pintura, por outro lado permitiu que, com o que eu tinha em mãos, pudesse deixar a pintura falar, e me apropriar de uma memória que não era documental ou oral. A interlocução com a pintura não teve a mediação do autor, e é neste sentido, partindo do que escreve Jorge Coli em a A Obra Ausente, que “a arte não produz objetos, produz sujeitos”. Ficou mais claro para mim que, apesar de toda pesquisa genealógica, este

levantamento histórico sobre Angelo Perillo, por mais que tenha contagiado este percurso da pesquisa, ela aconteceria apesar dele; “se partirmos da ideia que a

obra de arte pensa”, segundo Coli, “somos conduzidos a deduzir que esse

pensamento não é o pensamento do artista, é o pensamento da obra” (COLI, 2010). A falta de certezas sobre a história da imagem da pintura permitiu que toda e qualquer incerteza se tornasse um lugar para que eu penetrasse com a minha história, o meu trabalho, os meu desejos, num diálogo sem filtros externos.

Transformar a figura representada na pintura em Eva, não apenas porque aquele signo permite esta dedução, mas especialmente porque isto me

interessava por se conectar com o meu próprio trabalho, foi a forma encontrada para que a relação se construísse através dos nossos trabalhos antes mesmo da pesquisa me levar a confirmar que a identidade daquela mulher era realmente Eva.

Fig. 19

Danilo Perillo

página de um livro nunca impresso, 2017, tipografia e clichê

(35)

E foi a partir desta apropriação, em que tomo minhas referências para conectar o meu trabalho com o do meu bisavô, que em 2016 levo a ideia de uma memória inventada à um novo nível. De posse de uma pequena

coleção de História da Arte de Sheldon Cheney, que pertenceu a meu avô Pantaleão Perillo , criei uma página 17

ficcional de um suposto livro de História da Arte a partir de um

fragmento do texto original de Cheney, em que alterei apenas as informações sobre o artista tratado no livro para as informações do meu bisavô. Nesta página de livro, insiro uma reprodução da pintura, cujo provável título era, àquela altura, “sem título”. Combinei, então, com o que eu imaginava como um provável título, que era Eva, e desta forma criei o que chamei de página de um livro nunca impresso (Fig. 19). Nesta página de um livro

imaginário, uma memória inventada, em que minhas referências aparecem em citações de trabalhos anteriores à página do livro envelhecida, como se traças tivessem atacado a página, deixando marcas de um passado mais recente, marcas referentes aos trabalhos visões de

um corpo não visto - Daphne#08 (Fig. 20)

e fragmentos de um discurso amoroso -

Marilyn I (Fig. 21), reforçando uma ligação

entre os artistas, e como suas histórias estão se cruzando, e como aquelas

camadas de tinta, que estão descascando

Pantaleão Perillo (1919, Limeira/SP - 1999, Piracicaba/SP), radialista e escritor, foi filho de Angelo Perillo.

17

Fig. 21

Danilo Perillo

fragmentos de um discurso amoroso - Marilyn I , 2009,

impressão digital sobre papel, 8 x 8 cm. Coleção particular.

Fig. 20

Danilo Perillo

visões de um corpo não visto - Daphne#8 (detalhe), 2010,

(36)

e caindo da pintura, não estão decretando o fim da imagem, mas a transformação da matéria em movimento de retorno. A imagem não acaba, se transforma, “quanto

mais aprofundarmos a natureza do tempo, melhor compreenderemos que duração significa invenção, criação de formas, elaboração contínua do absolutamente novo” (BERGSON, 1999, p. 241). A permanência é garantida, não através de uma restauração da pintura, mas sim através do novo, da apropriação e sobreposição dos nossos trabalhos e de nossas histórias. Uma transposição no tempo e na matéria, da pintura com tinta à óleo, para os processos fotográficos, e finalmente para as artes gráficas.

Em página de um livro nunca impresso, o tempo, ou a sua ideia, é manipulado ao ponto de o que é verdade histórica e fantasia se confundam. O passado, a memória do meu bisavô através da sua pintura é colocada lado a lado com uma memória inventada, tendo como ponto de partida um livro e parte de seu texto, que traz uma verdade ancestral, segundo seu autor, e que tomo para intervir e materializar uma ficção, para que Angelo Perillo tenha seu nome colocado na

História da Arte Universal, ainda que através de uma única página de livro que nunca foi verdadeiramente impresso. Tomo o cuidado para que a página do livro transmita minimamente a idéia de tempo passado, e para isto todo o processo de impressão da época do livro original é respeitada. A imagem da pintura é

reproduzida com um clichê de metal e o texto é composto em tipografia em um papel que é artificialmente envelhecido.

Do livro original removo um fragmento do texto da página 285 do volume IV, entendendo que aquele era o mais adequado para a pintura do meu bisavô, apesar de originalmente se referir ao escultor Alexander Archipenko :18

Alexander Archipenko nasceu em 30 de maio de 1887, em Kiev. Em 1902, ele entrou na Escola de Arte de Kiev, onde

18

estudou pintura e escultura até 1905. Depois de uma estada em Moscou, Archipenko mudou-se para Paris em 1908. Em 1912, Archipenko fez sua primeira exposição individual na Alemanha no Museu Folkwang Hagen. Nesse mesmo ano, em Paris, abriu a primeira de suas muitas escolas de arte, juntou-se ao grupo Section d’Or, que incluía Georges Braque, Marcel Duchamp, Fernand Léger e Pablo Picasso, entre outros, e produziu seus primeiros relevos pintados, os Sculpto-Peintures. Durante os anos de guerra , o artista residia em Cimiez, um subúrbio de Nice. De 1919 a 1921, ele viajou para Genebra, Zurique, Paris, Londres, Bruxelas, Atenas e outras cidades européias para expor seu trabalho. Em 1923, mudou-se de Berlim para os Estados Unidos, onde ao longo dos anos abriu escolas de arte nas cidades de Nova York, Woodstock, Los Angeles, e Chicago. Nos 30 anos seguintes, ele ensinou nos Estados Unidos em escolas de arte e universidades.. Tornou-se cidadão dos Estados Unidos em 1928. Archipenko morreu em 25 de fevereiro de 1964, em Nova York.

(37)

Na direção mais radical e conhecido pelo mundo como um inovador, está Alexandre Archipenko, um ucraniano que foi figura notável na Alemanha antes de sua ida para os Estados Unidos em 1924. Introduziu mais novidades radicais na escultura do que qualquer outro moderno. Seus resultados mais felizes devem estar na espécie quase abstrata de composição derivada da figura humana, manipulada do ponto de vista das relações de massa embora com uma formosa capitalização de harmonias lineares e valores sensuais de superfície, metais ou barro vidrado. (CHENEY, 1953, p. 285).

Altero algumas palavras deste trecho e trago Angelo Perillo para o texto:

Na direção mais radical e conhecido pelo mundo como um inovador, está Angelo Perillo, um italiano que foi figura notável na Itália antes de sua ida para o Brasil. Perillo introduziu mais novidades radicais na pintura do que qualquer outro moderno. Seus resultados mais felizes devem estar na espécie quase abstrata de composição derivada da figura humana, manipulada do ponto de vista das relações de massa embora com uma formosa capitalização de harmonias e valores sensuais de linhas, pincelada ou textura

(PERILLO, 2016).

A apropriação deste fragmento, com algumas pequenas alterações, tornou-se, ao meu ver, o texto ideal para a pintura do meu bisavô, nesta que se configurou como uma página perdida de um livro que nunca existiu de fato, mas que ganha uma existência possível a partir deste trabalho, na dimensão da ficção. Um pedaço de um livro, que sobreviveu ao tempo, com o papel amarelado e com as marcas do que poderiam ser ataques feitos por traças, que deixaram a marca do devir, de quem foi Angelo Perillo e de quem sou eu.

Trabalhando diariamente imerso no universo das artes gráficas, a cor, se não era um elemento completamente ausente, era muito pouco explorada em meus trabalhos mais recentes. Isto estava longe de ser um problema, mas ao mesmo tempo era um elemento importante na pintura de Angelo Perillo, que reforçava o momento da expulsão do Paraíso e o arrependimento. Porém, a figura de Eva e a posição em que foi representada demonstrava um estado de melancolia, que talvez

(38)

persistisse, com ou apesar da cor na pintura. Explorar o papel da cor na pintura era um desafio que me instigava, desejava explorar bem mais do que as pequenas anotações de cor que havia feito no livro de artista a eterna permanência. Iniciei, então, uma pesquisa para fazer uma serigrafia em

quadricromia , reproduzindo um 19

fragmento da pintura, assim como na serigrafia a eterna permanência de 2013, porém nesta nova

serigrafia, chamada a paleta

presente, trabalho com as cores de

escala para reproduzir este

fragmento da pintura com as suas cores (Fig. 22). A preparação da imagem passou por sua edição num software, que separa os quatro canais de cor, o ciano, o magenta, o amarelo e o preto. As imagens, preparadas no software são impressas, gerando os fotolitos das quatro cores, e então reveladas na tela de serigrafia. Neste processo não há perda de informações significativas nas imagens durante estas transposições da imagem de um meio para outro. Já no momento da impressão, se a cor da tinta usada não corresponder ao que era visto na tela do computador, a imagem final sofrerá

algumas mudanças no seu resultado final. A tinta que escolhi para a impressão foi a tinta off-set, e não a serigráfica, já que por estar trabalhando sozinho, sem um

assistente, precisava de uma tinta de secagem lenta, o que a tinta serigráfica que eu tinha não oferecia. A preparação da tinta foi uma etapa que trouxe um elemento

O termo quadricromia refere-se comumente ao processo de impressão que emprega o sistema CMYK para reproduzir uma

19

gama variada de cores a partir de quatro cores básicas. Um impresso em quatro cores reproduz todo um espectro de cores a partir da decomposição de todas elas nas três cores primárias subtrativas mais o preto, ou seja, o ciano (Cian), magenta (Magenta), amarelo (Yellow) e preto (Key), daí o termo CMYK ou policromia. Teoricamente falando, os pigmentos ciano, magenta e amarelo seriam suficientes para produzir toda a gama cromática esperada. Na prática, porém, por peculiaridades químicas e físicas dos pigmentos, o preto deve ser agregado ao sistema para que a mistura das outras três produza um tom preto puro ou para que a tinta não sature o suporte de impressão nos tons mais escuros.

Fig. 22

Danilo Perillo

A paleta presente , 2018, serigrafia sobre papel, 70 x 50,5 cm.

(39)

para o trabalho que não tinha se apresentado durante a edição da imagem no computador: eu deveria manter a cor que a pintura apresenta hoje, desbotada e opaca, e que era a única referência que eu tinha? A decisão foi que não, a ideia não seria reproduzir, pura e simplesmente, um fragmento da pintura. Desta maneira, no momento de preparar as cores com as tintas off-set, que para a impressão

serigráfica são muito mais intensas, seria necessário acrescentar transparência em cada cor para se chegar na cor CMYK real. A cor real traduzida pelo software para o CMYK não me interessava e então trabalhei com uma carga de transparência menor nas tintas, e assim todas as cores ficaram mais intensas, numa construção

imaginária das cores que a pintura teria quando foi feita, antes que a ação do tempo tivesse devastado sua vibração.

Tendo a imagem impressa com as quatro cores de escala, acrescentei ainda mais uma camada de cor e uma tela serigráfica para a impressão do branco. Aqui, a minha relação com o universo das artes gráficas e um certo fetiche pelas retículas, trouxe então esta nova camada de impressão para o trabalho, e, assim como houve uma mudança no percurso ao decidir trabalhar com cores mais vibrantes do que as cores originais da pintura, neste momento decidi que a sua reprodução fotográfica através do processo serigráfico também não me interessava, pois a imagem precisa trazer mais do meu universo na sua construção. É curioso que o trabalho foi se alterando ao longo do processo, o que não é uma

exclusividade deste trabalho. Isto até que acontece com alguma frequência, mas neste trabalho ocorreu de maneira mais intensa, chegando a alterar o resultado final do trabalho em relação ao que havia projetado inicialmente.

Trabalhar com a cor nesta serigrafia, me fez perceber que a cor tem uma importância em como Eva arrependida transmite tristeza e arrependimento de forma muito marcante, e como a cor não somente reforça este clima melancólico, como também nos ajuda a confirmar em que trecho da história - e principalmente que local - Eva se encontra, ou seja, após o pecado e fora do Jardim do Éden. Mas é possível afirmar que, em função da pose que ela se apresenta, que esta

representação traria a mesma carga de abatimento de Eva mesmo com a ausência da cor.

O papel dramático da cor na pintura é inegável, porém decidi num próximo trabalho excluir a paleta de cores do meu bisavô e lançar mão apenas do

(40)

desenho, curiosamente logo após ter feito um trabalho em que uma das questões era a cor. Produzi a gravura a

paleta ausente (Fig. 23), em que trabalho

com o desenho da Eva e da paisagem da pintura, onde somente as linhas da água-forte estruturam a imagem. A forma se impõe e a força da imagem se mantem, ao meu ver, com uma Eva melancólica, solitária em seu sofrimento, numa paisagem desértica e estéril que pode dispensar a cor. A ideia com esta gravura não é propor, como Gabriel Blanchard (1630-1704) e Charles Le Brun (1619-1690) , que entre tantos outros, já discutiram acerca da forma e da cor e da 20

supremacia de uma sobre a outra, até porque a pintura não é uma prática que exercito. A cor aqui se mostrou como um importante instrumento - apesar de excluído - para que, neste movimento de eterno retorno, meu último trabalho realizado durante esta pesquisa retornasse à técnica que ainda não havia

trabalhado durante esta pesquisa, e que marcou o inicio minha carreira com minha primeira exposição: uma série de gravuras em água-forte , com um desenho limpo, 21

delicado, representando um corpo feminino, anônimo, que nunca apresentava um rosto. Um retorno que não representa necessariamente uma volta nostálgica ao passado, longe disto, mas a uma linguagem há muito explorada e que traria a resposta para o que buscava neste trabalho: a potência contida nesta figura feminina representada pelo meu bisavô, com ou apesar da cor.

Passado, presente e futuro, ou como prefere Santo Agostinho, memória, presente e expectação são formas de tratar e tentar organizar o que eu entendo por tempo, esta “substância” que fora de mim é inapreensível. De alguma forma eu carrego uma ideia de tempo e talvez, a partir destas categorias propostas por Santo Agostinho, ele se “materialize” em mim. Pelo menos é a forma como tenho lidado

Gabriel Blanchard (1630-1704) Conferência sobre o mérito da cor, e Charles Le Brun (1619-1690) Opinião sobre o discurso

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do mérito da cor pelo Sr. Blanchard in: A pintura: vol. 9, editora 34, 2006.

as gravuras em questão, são da série toda vez que olho para ela..., que é apresentada na página 8 em uma de suas

21

versões. Fig. 23

Danilo Perillo

a paleta ausente, 2018, gravura em metal, 70 x 50,5 cm.

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com esta relação, esta busca através de um objeto do passado, uma pintura, uma imagem, que se sobrepôs ao seu autor inicialmente. Como afirma Jorge Coli em A Obra Ausente , “a obra é independente do artista […] deixa de ser objeto, torna-se 22

sujeito, sujeito pensante”. Na relação com a obra de meu bisavô, um momento

inesperado tensionou o fio de prata e proporcionou um diálogo. Fica claro que foi com a pintura que me conectei inicialmente; obviamente que esta pintura permitiu que eu entrasse em contato com uma história e afetos que transcendem esta

pesquisa e afetaram minha vida. Não é possível desconectar completamente isto de como a pesquisa se desenvolveu, artista e bisneto são a mesma pessoa, mas esta relação foi mediada, do início ao fim, por esta Eva, melancólica e arrependida.

Este encontro, que aconteceu há muitos anos, quando ainda era uma criança, aconteceu quase como quando esbarramos com estranho na rua e seguimos a diante. No entanto, como afirma Samain (2012)

Ela parte. Ela se dissolverá talvez ou será esquecida, dentro de seu tempo histórico. Nunca todavia, se perderá. Quando a

reencontrarmos, dez ou mil anos mais tarde, quando ela se

reapresentará a outros olhares, a imagem não será mais a mesma. Sob outra forma, carregará, no entanto, a memória de um passado que a atualizará e ritualizará novamente (SAMAIN, 2012, p. 33).

Por maior que seja a distância temporal separando a mim e a meu

bisavô, nossos trabalhos promovem um encontro num lugar que não é determinado pelo tempo, que embaralha passado, presente e futuro, num lugar em que os

nossos trabalhos se tangenciam, estabelecendo um diálogo nas nossas afinidades e diferenças, revelando que o lugar deste encontro só poderia ser através da Arte.

Trazer a pintura de Angelo Perillo de volta, quando já condenada ao esquecimento, trouxe a ela uma oportunidade de afetar o meu trabalho e assim também ser afetada, não somente ganhando visibilidade, mas mais do que isto, coexistindo com os trabalhos do seu bisneto anos depois.

Jorge Coli, A Obra Ausente, in: Como pensam as imagens, Editora da Unicamp, 2012, p. 41.

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Danilo Perillo

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Danilo Perillo

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Danilo Perillo

página de um livro nunca impresso, 2017, tipografia e clichê sobre papel,

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Danilo Perillo

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Danilo Perillo

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Referências

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