• Nenhum resultado encontrado

Teoria crítico-emancipatória e educação física na escola: diferentes enfoques sobre a capoeira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Teoria crítico-emancipatória e educação física na escola: diferentes enfoques sobre a capoeira"

Copied!
76
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADE E EDUCAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

GUILHERME XAVIER BAZANA

TEORIA CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA E EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: DIFERENTES ENFOQUES SOBRE A CAPOEIRA.

Ijuí – RS 2016

(2)

TEORIA CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA E EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: DIFERENTES ENFOQUES SOBRE A CAPOEIRA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Educação Física, Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de licenciado em Educação Física. Orientador: Professor Dr. Paulo Carlan

Ijuí – RS 2016

(3)

A AÇÃO CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA DA CAPOEIRA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR.

elaborado por

GUILHERME XAVIER BAZANA

como requisito parcial para obtenção do título de

Licenciado em Educação Física.

Ijuí (RS), 04 de fevereiro de 2016.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Professor Dr. Paulo Carlan (Orientador)

_______________________________________________________ Professor Dr. Sidinei Pithan da Silva (Examinador Titular)

(4)

DEDICATÓRIA:

Dedico este trabalho a todas as pessoas que me apoiaram em toda trajetória acadêmica na Universidade e na vida.

(5)

Agradeço a meus pais, minha tia e avó por me proporcionarem uma boa educação, por me motivarem a continuar estudando e por seus esforços para que não desistisse deste caminho.

À Capoeira por permitir que fizesse parte de uma família onde encontrei meu caminho profissional e meu amor.

À universidade e seus professores que ampliaram minha percepção sobre o mundo, sobre docência e sobre meu papel social assim como permitiram meu desenvolvimento intelectual.

Meu muito obrigado à minha namorada que me apoia e me conforta sempre que o desânimo me atinge e que foi decisiva para a conclusão desta etapa de minha vida.

(6)

Ao longo dos anos, a educação têm sofrido transformações. Atualmente, o que mais se busca com os métodos inovadores de escolarização é a formação de cidadãos críticos e emancipados capazes de protagonizar ações no mundo do qual fazem parte. A Educação Física Escolar não foge a esta ideia de educar. Nesse sentido, a Educação Física, enquanto disciplina curricular, também tem a função de agir como fomentadora da criticidade e da emancipação dos indivíduos. Dentre as teorias que defendem a premissa anteriormente citada, escolheu-se como objeto de estudo a teoria crítico-emancipatória. No sentido de inovação, acredita-se que novas práticas escolares, como a capoeira (aqui abordada com mais profundidade no decorrer do trabalho) possuem características que facilitam a aplicação de teorias educacionais que estimulam o ser crítico e emancipado. Estas práticas reúnem historicidade, musicalidade, interação social, emancipação, criticidade, raciocínio lógico, coordenação motora e propagam a ideia de interdependência entre as pessoas no sentido de que não há como praticá-las isoladamente, pois elas funcionam como uma rede onde a ação de uma influencia na consequência que outra conhecerá. Nesse sentido, objetivou-se ao longo do presente estudo compreender como a prática da capoeira na Educação Física Escolar pode contribuir para a promoção da ação crítico-emancipatória.

(7)

INTRODUÇÃO ... 7

1 REFERENCIAL TEÓRICO... 11

1.1 Capoeira: cultura, arte e Memória... 11

1.1.1 Um breve histórico da capoeira... 13

1.1.2 O que é cultura corporal de movimento?...18

1.2 A Pesquisa e Suas Potencialidades ...19

1.2.1 O que é conteúdo?...19

1.2.2 O que é conteúdo escolar? ... 25

1.2.3 O que é unidade didática?... 26

1.2.4 Função da Escola...28

1.3 Educação: Esporte e Cidadania ... 30

1.4 A Redescoberta do Mundo...32

1.4.1 Função da Educação Física Escolar...34

1.5 E a Ação Crítico-Emancipatória?...36

1.5.1 O que é a proposta crítico-emancipatória?...39

2 METODOLOGIA...50

2.1 Tipo de pesquisa ... 50

2.2 Procedimentos de Pesquisa ... 51

2.3 Coleta de dados ... 52

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...53

3.1 Análise...53

3.1.1 Objetivos...53

3.1.2 Conteúdos...56

3.1.3 Metodologia...59

3.1.4 Relação Teoria-prática...59

3.2 Discussão dos Resultados...66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 68

REFERÊNCIAS ... 72

(8)

INTRODUÇÃO

A capoeira ajudou a formar a identidade do pesquisador que vos escreve. Fui uma criança que sofri desde os seis meses de vida com patologias respiratórias e inflamatórias, asma, bronquite, sinusite e renite. Em consequência disto sempre tive problemas para praticar qualquer atividade física. Esta situação me levou a ser excluído muitas vezes por não poder acompanhar as outras crianças em atividades que premiavam aqueles de melhor qualidade física. Eu não era rápido ou forte e estava acima do peso. Durante todo este período tentei por muitas vezes participar de escolinhas de futebol, porém além de ser pouco habilidoso também não conseguia entender os mecanismos do jogo sofrendo assim muitas derrotas pessoais às quais me levaram com tempo a desistir de qualquer vínculo com esse esporte. Após muitas pesquisas e diferentes opiniões médicas fui diagnosticado com pouca tolerância a lactose. Ao evitar produtos oriundos do leite consegui respirar melhor, esta descoberta foi próxima a minha fase de maturação o que rapidamente possibilitou-me estar com um peso normal e visualmente mais magro. Neste período comecei a socializar com um novo grupo de pessoas. Ali alguns praticavam basquete e outros, capoeira. Através desta socialização tornei a praticar esportes e por meio destas pessoas fui inserido no mundo capoeira. Esta nunca foi uma prática fácil para mim, pois por ter tido pouco sucesso de estímulos físicos até minha pré-adolescência e quase nenhuma instrução. Força, coordenação, equilíbrio e resistência não eram capacidades físicas das quais eu dispunha naquele momento. Acredito que principalmente por ter amigos naquele espaço a capoeira se tornou parte de minha vida e apesar de ser colocada em segundo plano em alguns momentos, nunca deixou de fazer parte de mim.

Após anos de prática, ela foi um estímulo a entrar no curso de Licenciatura em Educação Física que, por sua vez, apresentou a este pesquisador um novo mundo de possibilidades. Ao longo do curso, da caminhada como capoeirista e após alguns estudos foi possível perceber que há uma necessidade latente em abordar a capoeira através de diferentes formas de ensino que possibilitem àquele que aprende não apenas reproduzir o sistema pelo qual aprende, mas também criar e recriar possibilidades de ação, ou seja, agir com autonomia. A teoria critico-emancipatória mostrou-se bastante interessante para este fim. Na maioria dos cursos de capoeira, aulas e vivências o método utilizado para ensinar a capoeira foi o do exemplo e cópia. Nesse contexto, os alunos eram estimulados a repetir e reproduzir os movimentos exatamente da forma como aprendiam, ou seja, a serem meros reprodutores do sistema. Este método mostrou-se bastante excludente para os praticantes que não possuíam as

(9)

mesmas características daqueles que orientavam, pois em sua postura de abordagem tradicional e conservadora apresentava-se um sistema que apenas motivava a repetição e a reprodução e não estimulava o aluno a ter uma postura crítica ou emancipada e nem mesmo interagir e comunicar-se com outras situações diferentes a fim de formular as suas próprias percepções e ações. Acredita-se que um número maior de pessoas possa usufruir melhor desta prática se o método de ensino possibilitar a elas desenvolver-se dentro de suas capacidades e competências que poderão ser auxiliares ou determinantes em diversos aspectos de sua vida. Nesse sentido, a escola é o local em que as pessoas devem interagir com uma variada gama de estímulos e os quais precisam e devem prepará-las para a vida em sociedade. Principalmente na sociedade brasileira, onde foi desenvolvida, a capoeira se mostra como um instrumento que possui esta pluralidade de estímulos sejam eles motores, rítmicos, sociais, históricos, etc. A teoria critico-emancipatória potencializa o desenvolvimento do sujeito capaz de pensar criticamente sobre suas escolhas, tornando-se emancipado socialmente, ela poderá ajudar a escola dentro das aulas de Educação Física a atingir seus objetivos.

A Educação contemporânea fomenta a ideia de que educar é promover a criticidade do indivíduo. O papel que se estende à educação como um todo também abraça a Educação Física Escolar. Nesse sentido, novas ideias, leis e reflexões propõem que novas atividades sejam incorporadas nesse contexto como promotoras da criticidade e do aprendizado como algo que está na história, na cultura, no corpo, na dança, nos escritos, na musicalização, no canto, no discurso, na compreensão do meio e dos fins. Para tanto, o estudo da Teoria Crítico Emancipatória aliado a estas novas atividades dentro do contexto da Educação Física Escolar faz-se necessário para fomentar um trabalho de formação crítica e cidadã. A capoeira é um exemplo de atividade que é nova dentro da escola, mas que contempla esta necessidade.

Esta pesquisa tem como tema a prática da capoeira na Educação Física Escolar como promoção da Ação Crítico-Emancipatória. Para tanto, desenvolveu-se um estudo acerca de conceitos considerados importantes para se compreender esta relação entre a Educação Física Escolar, a Capoeira e a Ação Crítico-Emancipatória e pesquisou-se cinco trabalhos acadêmicos que tratam da capoeira na Escola como uma possibilidade de promover uma educação com caráter crítico e emancipatório. São eles: “Estruturação da Capoeira como conteúdo da Educação Física no Ensino Fundamental e Médio” de Sérgio Augusto Rosa de Souza e Amauri A. Bássoli de Oliveira, “A Capoeira na Escola: Perspectivas para a Educação Física Escolar – Uma abordagem teórica e prática” de José Eduardo Segala de Medeiros e Luís Sérgio Peres, “O Jogo da Capoeira na Prática Pedagógica” de Cecília de Vasconcelos Martins, Fernanda Karin Barbosa da Silva, Prof.º Mdo. Henrique Gerson Kohl e Prof.ª Dra.

(10)

Tereza Luiza de França, “Proposições Teórico-Metodológicas para o Trabalho com a Capoeira no Contexto do PIBID/UNEB-Educação Física” de Gleisiane de S. Almeida Silva, Márcio dos Santos Pereira e Nívia de Morais Bispo e “Possibilidades de organização do conteúdo capoeira na Educação Física Escolar” de Luchi Bernardes e Renato Lóss de Freitas. Todos os trabalhos escolhidos tem uma proposta de ação ou refletem a ação pedagógica da capoeira como conteúdo. Alguns elaboraram propostas de ensino para a capoeira e outro reflete a dificuldade do profissional da Educação Física em trazer a capoeira como conteúdo para suas aulas. Nenhum dos artigos estudados pelo presente trabalho são elaborados sobre uma abordagem crítico-emancipatória, mas em seu decorrer deixam explicitas competências e objetivos que remontam à teoria-crítico emancipatória e, por isso, estão aqui inclusos.

A pergunta que se desejou responder com este estudo é: Como os diferentes estudos contemplam a teoria crítico-emancipatória?

Este trabalho optou pela pesquisa bibliográfica, no sentido de que pesquisas já realizadas possuem resultados que ajudam a responder o problema que anteriormente foi apresentado nesta introdução. A análise de resultados apresentada neste trabalho visa apontar situações das pesquisas e trabalhos acadêmicos revisados em que a capoeira é praticada em meio escolar.

O objetivo geral deste estudo é observar as formas como a prática da capoeira na Educação Física Escolar pode promover a Ação Crítico-Emancipatória. Os objetivos específicos, por sua vez, são: pesquisar e aprimorar conhecimentos teóricos e práticos acerca da Ação Crítico-Emancipatória do aprendizado da capoeira dentro da Educação Física escolar; revisar trabalhos acadêmicos sobre o assunto estudado a fim de melhor compreender a capoeira na Educação Física Escolar como promotora da Ação Crítico-Emancipatória, assim como suas motivações, suas ações e seus desdobramentos no melhoramento do cotidiano escolar; conhecer melhor os estudos já apresentados acerca da capoeira na Educação Física Escolar, numa perspectiva crítico emancipatória e promover um estudo comparativo e reflexivo dos trabalhos já existentes.

Optou-se por utilizar no desenvolvimento deste projeto uma pesquisa básica (em sua natureza), qualitativa (em sua abordagem), acadêmica e exploratória (quanto a seus objetivos), bibliográfica (quanto a seus procedimentos técnicos). Foram pesquisados cinco trabalhos acadêmicos que abordam a temática da Capoeira na Educação Física Escolar cujos títulos e autores foram anteriormente citados. Estes trabalhos foram estudados em conjunto com a teoria crítico emancipatória e a história da capoeira e sua importância como meio de promoção da educação no ambiente escolar. Por fim, após o estudo, produziu-se uma breve

(11)

análise do objetivo, conteúdo, metodologia e relação teoria-prática de cada trabalho e um apontamento das características que cada trabalho apresenta a respeito da capoeira na Educação Física Escolar e suas aproximações com a Teoria Crítico Emancipatória.

Para melhor organização do trabalho optou-se por dividi-lo em três capítulos: o Referencial Teórico (reúne todos os conceitos que embasaram o estudo dos artigos revisados por este trabalho); os Procedimentos Metodológicos e a Análise e Discussão dos Resultados.

(12)

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1Capoeira: Cultura, Arte e Memória

Em se tratando da ação proposta em questão, que é a capoeira, é sabido que a mesma durante muito tempo foi um movimento crítico e uma ação social de um conjunto cultural que o poder tentou sufocar. Nela, homens e mulheres expressam seus movimentos corporais com liberdade de escolha. É preciso raciocinar, escolher, decidir, agir. A cultura de um povo é excelente elemento de formação emancipatória, mas muitas vezes acaba sendo utilizada de outras formas. Segundo o que nos apresenta Bourdieu (apud GOMES, 2011, p.82):

A dominação dos símbolos culturais, na ação de legitimação e naturalização da ordem de exclusão e perpetuação da lógica dos dominados e dominadores, faz o uso da cultura, como elemento de dominação estrutural, que possui uma ação organizadora estruturando-se dentro de uma ordem estabelecida como natural.

Por conta deste domínio do poder sobre os elementos culturais ou desta frequente tentativa de manipulação destes elementos, durante muito tempo a capoeira teve uma visão distorcida dentro da própria sociedade brasileira, seu berço cultural. Na atualidade, a capoeira, assim como outras lutas tem se tornado uma forma de trabalho social e funcionado em projetos alternativos como oficina, mas não como parte efetiva do currículo. Enquanto luta e parte importante da cultura afro-brasileira esta história tem tido seu rumo transformado nos últimos anos, na medida em que leis, documentos, estudos e ideias são partilhadas, refletidas e auxiliam numa mudança de postura e de olhar da sociedade sobre a importância cultural, esportiva e educacional da capoeira. Ainda assim, esta é uma batalha que está sendo lutada diariamente.

Não há dúvida que ainda existe algum preconceito em relação à capoeira e ao capoeirista. Nossa luta vem trilhando, há quase um século, um caminho de reconhecimento pelas instituições, pela sociedade em geral pelo Estado brasileiro. (...) o fato é que, embora muitos não reconheçam, o preconceito racial ainda é muito forte entre nós, e a capoeira, como símbolo da ancestralidade afro-brasileira, é também objeto dessa discriminação (VIEIRA apud GOMES, 2011, p.82).

É possível encontrar com frequência certo desconhecimento dos próprios brasileiros em relação a esta arte genuinamente brasileira que é a capoeira. Mesmo os estudiosos vêm buscando ao longo das décadas entender a origem desta luta, arte, dança, jogo, esporte que

(13)

tem mudado a vida de tantos jovens e que tem difundido a língua portuguesa pelo mundo com tanta competência. A origem do próprio termo “capoeira” é objeto de muita polêmica e dúvida. Rego (1968, p. 19), ao fazer um apanhado geral sobre as várias versões etimológicas do termo, sugere três principais:

Capoeira ou caá-puêra significa mato virgem que já não é, que foi botado abaixo, e

em seu lugar nasceu mato fino e raso. Tão defeituosa definição que prova que o Sr. Dr. Macedo Soares ainda não compreendeu bem o sentido genuíno do adjetivo puêra. Puêra não pode significar ao mesmo tempo o que foi e o que é, o passado e o presente. Puêra é sempre a expressão do pretérito. E se

caá-puera significa mato que deixou de existir seria um verdadeiro contra-senso estender

semelhante significação a um acidente florestal que vive em plena atualidade, bem patente aos olhos e ao alcance de todos. Caá-puera não pode portanto ser a etimologia de capoeira. Outra devemos procurar, e a encontraremos, sem a menor dúvida, no vocábulo có-puera. Se no sentido de roça que deixou de existir tem esse vocábulo uma significação diversa daquela que ligamos acapoeira, é todavia fácil reconhecer o motivo da confusão.

Ecléa Bosi (1987 apud ABIB, 2004, p.61) sugere que “memória não é sonho, é trabalho. O passado tem que ser reconstruído e essa reconstrução feita coletivamente, não deve ser algo nostálgico, mas deve constituir-se num esforço em fortalecer os vínculos de relacionamento de um grupo”. Cada conjunto de grupos sociais que formam o organismo vivo a que chamamos sociedade fortalece sua memória através de vivência coletiva. A mesma é fruto de aprendizado e de ações que não podem prender-se apenas ao relembrar, mas, sim, a desenvolver representações e formas de reafirmar a identidade coletiva e suas múltiplas faces nascidas e fortalecidas ao longo da história. A memória possui, portanto, mais significados que aqueles limitados a uma visão individualista e passional. Ela é crucial para que os grupos sociais tenham uma consciência coletiva e fortaleçam a sua identidade cultural, enquanto grupos, isoladamente, e enquanto partes integrantes de um conjunto maior. Já para Lucília Neves (2000 apud ABIB, 2004, p.61):

O ato de relembrar insere-se nas possibilidades múltiplas de elaboração das representações e de reafirmação das identidades construídas na dinâmica da história, compreendendo, dessa forma, a função social da memória como sendo a de suporte da identidade coletiva.

Há, portanto, algo intrínseco na necessidade de fazer com que o indivíduo parta de sua subjetividade para ser um ser social, estudioso da cultura que o formou e das que permearam esta formação e que esta aprendizagem e construção de autonomia e senso crítico se dê através do âmbito escolar. No fortalecimento da figura do professor e na sapiência de sua ação mediadora. Em Romanelli (1985) tem-se a escola e a educação brasileira como elementos que

(14)

se desenvolvem e evoluem em acordo com os fatores históricos dados no nosso passado colonial e imperial. Assim, é possível entender a visão da sociedade com relação a alguns elementos culturais e é possível perceber a importância do elemento cultural e de sua vivência dentro da escola enquanto ação pedagógica e educadora.

Dentro da visão da mesma autora herança cultural, evolução econômica e estruturação do poder político caracterizam a particularidade de um povo (ROMANELLI, 1985). Portanto, para constituir uma formação crítica, uma evolução e um entendimento e postura política de cunho emancipatório e proativo é necessária uma intrínseca ligação entre o processo de desenvolvimento de ensino-aprendizagem de um sujeito e a cultura que fortalece a realidade em que o mesmo precisará agir e sobre a qual precisará tomar decisões e implementar ações.

Para Geertz (apud GOMES, 2011, p. 83) a cultura não deve ser vista apenas como

“complexos de padrões concretos de comportamento - costumes, usos, tradições, feixes de

hábitos – como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle - planos, receitas, regras e instruções” que controlam e governam o comportamento. De acordo com padrões sociais e históricos, a cultura dominante sempre foi reproduzida nos meios escolares e sociais produzindo mais do mesmo, na medida em que aquele que vive nesse meio apreende e reproduz os mesmo padrões aos quais foi condicionado pela sua educação. A mesma cultura, enquanto existente, mesmo que de forma diferente, em todas as populações do mundo é também uma fomentadora de ações emancipatórias. Se o homem conhece os elementos culturais que fazem parte de sua história e as situações pelas quais tais elementos se consolidaram e auxiliaram na formação de sua identidade poderá formular seus próprios discursos, fortalecendo sua capacidade crítica ao fazer escolhas e, por conseguinte, questionando a reprodução dos padrões dominantes, apenas pelo mero reproduzir.

A formação da cultura brasileira é resultante de relações sociais e culturais que reproduzem a valorização e a cultura de elite. No entanto, novas leis de reflexão acerca da questão cultural e educacional no Brasil e mesmo os recentes reconhecimentos a elementos culturais brasileiros em âmbito internacional vêm lançando um novo olhar e uma nova forma de pensar os elementos culturais, como a capoeira. Hoje ela está na escola, em projetos sociais e transformando padrões comportamentais dentro de áreas de risco social. Assim sendo, a capoeira ultrapassa o limite de ação cultural. Hoje ela é ferramenta educacional, cultural, artística e uma possibilidade educacional crítico-emancipatória de grande potencial.

(15)

A origem da capoeira é muito controversa. Segundo Barbosa et al. (2013, p.91) “há fontes que afirmam sua descendência de países da África, enquanto outras afirmam sua origem no Brasil”. Várias teorias circulam entre os historiadores, mas pouco se pode apresentar sobre elas em forma de provas escritas ou materiais, na medida em que pouco se possui de fato a respeito da história das culturas africanas no Brasil durante os primórdios de sua existência. Há quem acredite que a capoeira já circulava entre as tribos indígenas quando da chegada do europeu e, posteriormente, dos africanos. Há quem acredite que a capoeira tenha vindo com os primeiros negros africanos ao Brasil como componente de sua identidade cultural.

No entanto, a teoria mais aceita fala da capoeira como uma arte eminentemente brasileira, criada pelos negros africanos escravizados no Brasil. Teriam estes homens trazido consigo um conjunto de elementos culturais e, no entanto, nenhuma arma para se defender da escravidão e da violação sofrida por parte dos senhores de engenho. Sem ter como se defender com armas, os negros teriam descoberto no próprio corpo e nos elementos culturais trazidos consigo, através de seu instinto e inspirados em movimentos de animais, a arma de que precisavam para resistir as agressões, violências e explorações sofridas. Segundo Falcão (2014, p.100), “hoje é possível assegurar que se trata de uma manifestação cultural afro-brasileira que se expressa pela combinação de jogo, luta e dança, praticada ao som de instrumentos musicais, como berimbau, pandeiro, atabaque, agogô e reco-reco”.

O vocábulo capoeira, no entanto, faz referência a um termo em tupi-guarani cujo significado seria “mato ralo, cortado baixo”. Mas, também não há grandes certezas acerca dessa origem, posto que várias outras possibilidades já foram elencadas e defendidas por estudiosos. Rego (1968), ao fazer um apanhado geral sobre as várias versões etimológicas do termo, sugere três principais:

Afirma-se que vem do tupi-guarani caá-puêra, que significa mato que deixou de existir ou mato fino e ralo. Ou que seria o lugar onde os escravos praticavam essa luta-dança-jogo. Também era o nome dado um cesto de palha ou vime, que servia para carregar produtos vivos levados aos mercados pelos escravos que praticavam a capoeira nas e utilizavam o cesto como uma identificação. O termo capoeira seria também o nome de uma ave encontrada em várias regiões do país cujos movimentos utilizados em disputas entre os machos da espécie, se assemelham aos movimentos executados pelos capoeiras.

Ouvia-se falar em capoeira no século XVII, quando os holandeses chegaram e muitos negros escravos fugiram embrenhando-se nas matas e utilizando-se da capoeira para com essa fuga constituir espaços coletivos para os negros fugidos: os quilombos. No final do século

(16)

XIX, com a libertação dos escravos, os negros sofreram uma grande marginalização e com ela a capoeira, assim como outras práticas culturais de remanescência africana, passaram a ser considerados crimes com punição prevista no código penal. Segundo Capoeira (1998, p.34), “no Brasil, por volta de 1814, a capoeira e outras expressões culturais negras começaram a ser reprimidas e perseguidas pelos senhores brancos”. Ao que parece, os nobres temiam que tais manifestações culturais reforçassem a ideia de nacionalidade, dando mais confiança e agilidade aos praticantes e fortalecendo relações dentro dos pequenos grupos formados pela prática. Temia-se uma revolta dos negros ou mesmo que estes se ferissem e já não fossem tão úteis na lida braçal, como lhes exigia a condição de escravos perante o senhor branco. Há que se observar, no entanto, que a capoeira que se praticava no início do século XIX era muito diferente da praticada nos dias atuais. Não raros eram os momentos em que a luta tomava forma de violência desmedida e o uso de facas e outros elementos acabava por tomar parte na empreitada.

No Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, os golpes de corpo eram utilizados pelos grupos negros e de outras cores em suas correrias. Eram homens pobres, prostitutas e tantos outros que aliavam estes golpes de corpo a facas e navalhas. Mas, segundo Capoeira (1998):

Havia também homens que faziam parte da polícia que se utilizavam dos golpes de corpo da capoeira para aprisionar os negros praticantes das mais diversas manifestações da cultura e identidade negra. Apesar dos pesares, capoeira, nesse período, era coisa de negro e escravo e os grupos de capoeiristas que se moviam pela cidade costumavam dar dor de cabeça para os poderosos.

Na segunda metade do século XIX, a capoeira passou a fazer-se presente também entre grupos livres, imigrantes e chegou até a formar grupos políticos na luta que antecedeu a Abolição oficial dos Escravos e Proclamação oficial da República. “Na capoeira carioca do século passado, o canto era parte integrante da capoeiragem, o tambor, idem; mas o berimbau, não”. (CAPOEIRA, 1998, p. 43). Existia uma hierarquia. Os grupos de capoeiras se organizavam em maltas e nos feriados religiosos os homens que as compunham invadiam territórios hostis (comandados por outras maltas) e enfrentavam-se. Mas, para se chegar de moleque de rua a chefe de uma malta existiam rituais de passagem que deviam contar com o consentimento dos demais membros do grupo.

Nas primeiras três décadas do século XX, a capoeira baiana já se assemelhava ao que se conhece hoje: “o jogo no chão e o jogo em pé, alguns movimentos acrobáticos como o aú, o uso de berimbau comandando as rodas, o ritual etc.” (CAPOEIRA, 1998, p.47). Entre as

(17)

lendas advindas desse período, o lendário Besouro. No Recife, por sua vez, bandas se encontravam nas ruas durante os desfiles de carnaval e quando uma cruzava o caminho da outra era comum que os chamados ‘moleques de banda’, moços que vinham à frente dos desfiles, entrassem em disputas regadas à violência e derramamento de sangue. Alguns estudiosos acreditam que estes encontros e confrontos transformaram-se no que hoje seriam os passos efusivos que se apresenta ao som do frevo em festividades. E a lenda do recife era Nascimento Grande.

Ainda no início do século XX, um homem conhecido popularmente como Mestre Bimba, exímio praticante de capoeira, desenvolveu um método de ensino da capoeira diferenciado e fundou a primeira academia oficial de capoeira. Este homem tirou a capoeira da marginalidade e a levou para dentro das faculdades, com notoriedade para a faculdade de medicina, onde formou seus principais discípulos. Nessa mesma década, o reconhecimento ao trabalho de Mestre Bimba fez com que o governo deixasse de considerar a prática da capoeira criminosa. Mas, essa não foi a única inspiração e ideologia que a capoeira desenvolveu. De acordo com Falcão (2014, p.100):

No movimento de desenvolvimento dessa manifestação duas correntes se destacam: a Capoeira Angola, cujo principal representante foi Vicente Ferreira Pastinha – Mestre Pastinha (1889-1981) – e a Capoeira Regional, cujo criador foi Manoel dos Reis Machado – Mestre Bimba (1900-1974). Outras derivações ou inovações, entretanto, se fazem presentes atualmente nesse contexto, tais como: capoeira contemporânea, capojitsu, aerocapoeira, hidrocapoeira, capoeira-barravento, soma-capoeira, capoeira de Cristo, zen-soma-capoeira, capoeira-miudinha, capoeira-dancing, capoeira-gospel, capoeira-arte-luta, etc.

No Rio de Janeiro a lenda do fim do século XIX, sem dúvidas, foi (o tão cantado nas rodas de capoeira) Manduca da Praia. Além de Manduca da Praia, ficaria famoso o negro Ciríaco pelo feito de derrotar um campeão de jiu-jitsu da época com um só golpe. Mesmo com a perseguição militar do início do século XIX, a capoeira deixou para o início do século XX uma herança cultural. Uma herança que pode ser descrita pelas palavras de Capoeira (1998, p. 48): “o malandro carioca, com sua navalha, sua ginga, seu conhecimento de vida de rua, sua facilidade de ‘conversar’ e sua ‘psicologia’”.

De 1930 a 1950 surgiram as primeiras academias. Primeiro Mestre Bimba trouxe um método de ensino para a capoeira e a capoeira para dentro das instituições. Era bom pra ele, como difusor da capoeira e bom para o governo da época que viu uma possibilidade de utilizar a capoeira como um subsídio para a ideia de educação que defendia. Alguns anos depois, Mestre Pastinha abriu a sua própria academia pautada no ensino da capoeira

(18)

tradicional. Enquanto Bimba era homem que gozava de boa altura e porte físico e exímio lutador, Pastinha era pequenino, mas sábio. Ao longo da vida fez muitos amigos por ser pessoa simples e de bondade e caráter ímpares. No entanto, a velhice não foi boa cama para nenhum dos dois mestres. Bimba mudou-se da Bahia, mas não encontrou igual aconchego em outras terras e tendo adoecido, faleceu sem ter a adequada assistência. De Pastinha tomaram a academia com o pretexto de reformar e o mesmo passou seus últimos dias em um quartinho, tendo como única lembrança da antiga academia, um banco de madeira onde sentavam os tocadores de berimbau (CAPOEIRA, 1998).

Entre 1950 e 1970, muitos capoeiristas baianos migraram para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de boas condições de vida e consigo levaram a capoeira e a popularizaram. Na década de 60, a diferença na organização fez com que começasse a se pensar em campeonatos e formação de federações. O golpe de 64 trouxe o uso de uniforme e os treinos mais sistemáticos transformaram a ideia de capoeira. Nessa época, os grupos que conseguiram executar com sucesso essa combinação acabaram por se tornar famosos e ter sucesso em termos de números de alunos. “Nas décadas de 1970 e 1980, a capoeira se espalhou por todo o Brasil e começou a se instalar na Europa e nos Estados Unidos. Salvador perdeu a hegemonia; ou melhor; passou a dividí-la com Rio e São Paulo [...]” (CAPOEIRA, 1998, p.61).

O falecimento de Bimba na década de 70 e de Pastinha na década de 80 deixou uma herança de outros mestres maduros na Bahia. Mas, estes mestres tinham forte relação com a capoeira tradicional de Pastinha, enquanto o modismo caminhava para o estilo regional treinado em São Paulo e Rio de Janeiro. Há que se observar que foi o método sistemático da regional que expandiu a prática da capoeira por todo o Brasil. Em meados da década de 80, houve um ressurgir da capoeira angola tradicional. Por mais eficiente que fosse a capoeira regional, era formada por uma gama de jovens, a experiência dos velhos mestres era característica da capoeira angola. Na década de 90, ambos os estilos dividiam espaços e a capoeira passou a ter muitas outras ramificações classificadas como capoeira contemporânea. Alguns grupos cresceram tanto que passaram a receber a titulação de megagrupos. Em algumas regiões baianas a capoeira passou a aliar-se ao reggae e a mentalidade rastafári, aumentou o interesse dos intelectuais pelos estudos da capoeira e as escolas abriram as portas para a prática da capoeira como um subsídio (CAPOEIRA, 1998).

Em se tratando do Rio Grande do Sul, estado em que reside este que vos escreve, nas palavras de Dornelles (2011, p.35):

(19)

É possível dizer que a capoeira gaúcha iniciou na década de 1970, através das camadas mais abastadas da época (brancas), que procuravam as academias de artes marciais para treinar lutas, com exceção de Mestre Churrasco, que pagava sua mensalidade com seu soldo de engraxate. A capoeira contou com quatro nomes que fomentaram a arte no solo gaúcho, dois cariocas e dois baianos, são eles: o baiano Vadinho, alagbê de candomblé; o carioca Cal, com seu lado mais folclorista; Mestre Monsueto também carioca, o qual iniciou o processo de desportivização da mesmo no Sul, e Mestre Índio, soteropolitano, que divulgou a capoeira em todo o estado gaúcho através de suas apresentações. Esses quatro nomes juntos, são responsáveis por todos os praticantes de capoeira do Rio Grande do Sul que vem após os mesmos. Ou seja, são realmente os grandes responsáveis pela implantação da arte capoeira no Estado gaúcho.

Hoje, a capoeira pode ser praticada amplamente em todo território brasileiro e já se expande por 150 países. Cogita-se a capoeira como uma modalidade olímpica. Capoeira esteve em filmes e chamou a atenção do mundo para a complexidade de situações que o seu ensino envolve. Mas, mesmo assim, esta arte transformadora ainda sofre por conta das ações influenciadas pelas chamadas culturas dominantes.

Em 2008, a capoeira passou a ser considerada como Patrimônio Cultural Brasileiro e registrada como Bem Cultural de Natureza Imaterial. Em 2014, a roda de capoeira recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

1.1.2 O que é cultura corporal de movimento?

A cultura corporal de movimento é constituída por todos os movimentos que se tornam a identidade de um determinado grupo social. O movimento, muito além de uma consciência coletiva, origina-se de algo subjetivo e, em determinado sentido, biológico. Mas, na medida em que os grupos sociais se organizaram, alguns movimentos ou conjuntos de movimentos passaram a constituir identidades culturais.

De acordo com Pich (2014):

O conceito de cultura corporal de movimento na Educação Física brasileira tem duas raízes. A primeira seria reproduzida pelo conceito de cultura física e por outro lado haveria uma corrente progressista com conceitos de cultura corporal. A primeira vertente cunharia a tradição soviética e a segunda, desenvolvida a partir do marxismo e da fenomenologia procuraria a relação da constituição do movimento com a estrutura social, os significados, os valores e os papéis sociais de cada indivíduo, bem como identificar a produção de redes simbólicas vivificadas pela linguagem corporal na forma de uma identidade cultural como já citamos em parágrafo anterior.

Nesse sentido, vários povos desenvolveram danças de guerra ou de adoração a deuses e celebrações que utilizam conjuntos de movimentos característicos que os identificam. A

(20)

capoeira, por exemplo, desenvolve um conjunto de movimentos característicos que identificam o movimento de resistência dos remanescentes africanos em terras brasileiras. Ela pode também ser compreendida de uma forma mais abrangente como a relação entre o movimento e a postura social, humana, econômica e histórica vivenciada por aquele que o pratica.

1.2 A Pesquisa e suas Potencialidades

A pesquisa que aqui se apresenta tem por intuito esmiuçar as possibilidades de se inserir a capoeira na realidade da Educação Física Escolar contemplando com a mesma uma Ação Crítico-Emancipatória. Para tanto, entende-se que o sujeito participante desse processo é um ser cultural, político, sentimental, psicológico e social e que este mesmo sujeito deveria encontrar no processo educacional que rege a sua aprendizagem um fomentador de seu desenvolvimento crítico-emancipatório, a fim de possibilitar ao mesmo a capacidade de tomar decisões, formular discursos, entender a realidade e interagir com a mesma de forma consciente. Nesse mesmo contexto, entende-se que a capoeira como conteúdo em conjunto com a Educação Física podem ser ótimos agentes catalisadores desse processo de emancipação, partindo da consciência corporal do indivíduo para o aprendizado de um conhecimento científico a esta consciência corporal relacionado, “partindo sempre do ponto de que não estamos com a verdade absoluta” (GOMES, 2011, p. 94) e que, portanto, somente o estudo e a experimentação é que comprovarão a eficácia de cada teoria.

Dentre as possibilidades de se fomentar o desenvolvimento crítico-emancipatório do discente está a própria educação, como um todo, desde o contexto familiar até as questões culturais, políticas e as relações de poder. Acredita-se que um ensino crítico-emancipatório possa auxiliar o indivíduo a ter uma visão crítica de sua realidade, assim podendo agir em favor de transformações. A escola, por sua vez, organizando seu conteúdo em unidades didáticas que promovam tais intenções, pode ter ação crucial sobre o desenvolvimento de tais aptidões tão necessárias ao seu cidadão em dias atuais.

1.2.1 O que é conteúdo?

O conteúdo de um objeto é dado pelos elementos que o compõem. No caso de um diálogo, por exemplo, o que temos é uma matriz inicial de assunto. Ele é um elemento em aberto que pode seguir por várias linhas de raciocínio e abordagem na medida em que aqueles

(21)

que dialogam assim o propuserem. Isso perfaz ambientes e conjunturas sociais e ultrapassa espaços, mas permanece com este sentido pleno. Para Rozengardt (2014, p.145) conteúdo é tudo o que:

Em uma perspectiva dialética pode-se distinguir, para todo objeto real, o conteúdo da forma. O conteúdo é a unidade de todos os elementos integrantes do objeto, de suas propriedades, processos, nexos, contradições, tendências internas, movimentos. É ele o elemento mais dinâmico. [...] No caso das práticas sociais, sua definição é um assunto sempre em aberto; a perspectiva a partir da qual são apreciadas, até certo ponto determina o que elas são. [...] A Educação Física como estrutura tem conteúdo(s) e é em cada caso a forma de organização ou de manifestação do(s) conteúdo(s). Entre eles alguns são fundamentais, aqueles que perfazem sua identidade.

Em se tratando da Educação Física, portanto, elemento abordado na pesquisa que aqui se desenvolve, pode-se perceber que embora a mesma possa ser considerada uma ocupação de um conjunto de pessoas, uma disciplina de caráter curricular ou uma combinação de práticas vivificadas no interior de instituições, há ainda uma característica comum a todas estas aplicações. O que mantém estas situações com características comuns é o seu conteúdo, a sua base, aquilo que norteia suas ações. Não importa em que abordagem de sua aplicabilidade, a Educação Física sempre levará consigo as práticas de cultura corporal de movimentos. Este viés principal seria, portanto, o seu conteúdo. No caso da Educação Física como disciplina curricular “seu conteúdo se prescreve em documentos curriculares de diferentes níveis, desde as políticas estatais até a programação docente” (ROZENGARDT, 2014, p.146). Nesse sentido, o conteúdo registrado nos papéis e documentos oficiais das instituições de ensino estabelece aquilo que deve ser ensinado de acordo com os interesses de outras instituições como a militar, a Medicina, o esporte e suas tendências e valores sociais dominantes.

Na prática, a Educação Física se desenvolve com base num conteúdo de ensino que é real, baseado em práticas reais, respaldadas por relações, erros, acertos, diálogos, imprevistos e outros. Para Rozengardt (2014) é preciso uma perspectiva interpretativa para apreciar o conteúdo real da Educação Física nos seus diferentes âmbitos de aplicação. O conteúdo da prática é o que se põe em jogo na relação entre os diferentes grupos que participam desse processo, as prescrições curriculares, os significados que se constroem no dia a dia. Este conteúdo está nas tarefas, nas palavras, nos gestos, nos valores expressados, no sentido, na avaliação, nas respostas às necessidades dos alunos, nos cenários e nas trocas de ideia, no uso do tempo e do espaço, nos valores e nas funções atribuídas a cada indivíduo, na cidadania idealizada e vivenciada, nas competências e na colaboração, na protagonização do aluno e na valorização de seus saberes prévios.

(22)

A Educação Física, no entanto, possui certa dificuldade em ser vista como lugar de ensino, pois não se identifica com clareza os seus objetos de conhecimento. Grande parte dessa dificuldade é construída nas práticas pouco esclarecidas ou engessadas em que ainda se dá a estrutura curricular que embasa a Educação Física como prática. Segundo Rozengardt (2014, p.147), “o conteúdo da prática é o que realmente ocorre nela. Se não existem processos conscientes de ensino, serão simplesmente atividades que se realizam”. Frequentes são os questionamentos sobre a sua real função enquanto disciplina componente curricular e sobre a real função de seus conteúdos escolares.

Ensinar requer que aquele que ensina, enquanto professor ou instituição questione-se acerca do que ensinar. A Educação Física precisa ir além da prática dos diferentes esportes. Isso não seria suficiente para que o aluno conheça o esporte. Nesse sentido, esporte, enquanto fenômeno social, para Bracht e González (2012) possui vários aspectos e características. Estes apresentam em comum uma lógica interna e uma lógica externa. Na primeira, está tudo o que é peculiar a uma determinada modalidade e, na segunda, estão os significados e contextos sociais, históricos e culturais em que a prática esportiva se desenvolve. “O conhecimento da lógica interna permite aos professores fazerem a leitura das características de diversas modalidades esportivas existentes com base nos desafios motores impostos aos participantes”. (BRACHT & GONZÁLEZ, 2012, p.19). Entre estas categorias que auxiliam na leitura da lógica interna dos esportes estão:

As relações de colaboração (que dividem os esportes em coletivos e individuais); as relações de oposição (que levam em conta a forma como os adversários se enfrentam e se há interação ou não entre os mesmos); os tipos de esporte (sem interação entre adversários- esportes de marca, esportes técnico-combinatórios, esportes de precisão; com interação entre adversários – esportes de combate, esportes de campo e taco, esportes com rede divisória ou parede de rebote, esportes de invasão) (BRACHT & GONZÁLEZ, 2012).

Em se tratando da relação da ação motora e das práticas esportivas, genericamente, as teorias descrevem três mecanismos que são: “mecanismo perceptivos, mecanismo da tomada de decisão e mecanismo de execução” (BRACHT & GONZÁLEZ, 2012, p.28). Os primeiros seriam os responsáveis por receber as informações, filtrá-las e decodificá-las; os segundos, responsáveis pela escolha em função dos objetivos e das alternativas; e os terceiros, os responsáveis pela execução da tarefa de acordo com os objetivos e a informação recebida. Bracht & González (2012, p. 34) utilizam:

(23)

Sete conceitos para descrever os elementos de desempenho esportivo. Quatro são de caráter individual: técnica, tática individual, capacidade física e capacidade volitiva; e dois coletivos: tática de grupo (combinações táticas) e tática coletiva (sistemas de jogo); e um que pode ser individual e coletivo simultaneamente (a estratégia de jogo).

Ainda em se tratando do que ensinar é preciso que se aprofundem alguns conceitos. São eles: o elemento técnico e o elemento tático. É possível entender o conceito de elemento técnico entendendo a técnica esportiva e a habilidade técnica (motora) e a relação existente entre ambos os conceitos. No caso do conceito de elemento tático é preciso entender a intenção tática ou regras de ação, a tática individual e a relação entre ambos os conceitos. Há que se saber, contudo que existem elementos comuns entre os diferentes tipos de esportes coletivos com interação entre adversários.

A lógica externa dos esportes é um tanto mais complexa que a lógica interna, pois o esporte enquanto fenômeno social abrange uma gama de situações e ações. Para Bracht e González (2012, p.49) “o esporte não é um fenômeno isolado ou isolável socialmente, ele é influenciado (e influencia) pelos processos sociais e, assim, para compreender plenamente seu desenvolvimento, é preciso compreender como ele está relacionado ao contexto”. Essa é a percepção que a escola e o professor devem estimular em seus alunos. Onde o esporte seja visto como uma ação social, crítica, cultural que vai muito além do que está em sua lógica interna.

Toda esta radiografia do esporte anteriormente apresentada precisa de uma melhor organização para poder se tornar conteúdo da Educação Física Escolar. Nesse sentido, o esporte como objeto de ensino precisa passar pelos saberes corporais do esporte de invasão (tática individual, habilidades técnicas, combinações táticas e sistemas de jogo), pelos saberes conceituais dos esportes de invasão (conhecimentos conceituais técnicos e críticos) e pelos saberes atitudinais (pautados em atitudes, valores e normas que se está ajudando a construir com o ensino da Educação Física).

Uma vez determinado o que se deve ensinar na Educação Física Escolar e resumido previamente nos parágrafos acima há que se fazer outra pergunta: quando ensinar cada um desses assuntos? O esporte é um dos temas mais presentes nas aulas de Educação Física, mas com frequência não se apresenta propostas claras acerca de sua organização e sequencia de conhecimentos ensinados. É imprescindível que haja avanços nesse quesito a fim de que as propostas de progressão curricular da disciplina de Educação Física se ajustem à realidade das escolas e dos alunos. Para tanto uma proposta curricular medianamente consistente deve levar em consideração características sociocognitivas, lógica interdisciplinar e características

(24)

socioculturais. As características sociocognitivas organizariam as competências numa linha de complexidade progressiva partindo do individual, passando pelas combinações e, num último estágio trabalhando sistemas de jogo. A lógica interdisciplinar está pautada no critério da anterioridade de que é necessário aprender certas coisas antes de outras e que estas são condições para que haja uma continuidade. As características socioculturais é um critério de progressão que leva em conta o contexto da instituição e a relação entre o tempo curricular e quais modalidades recebem maior ênfase.

Como não se trabalha só com esporte em Educação Física, mas também com outras manifestações da cultura corporal, é preciso distribuir o tempo da Educação Física em percentual de tempo previsto para a disciplina dedicar a cada tema. Segundo Bracht e González (2012 p. 65-66):

É necessário estimar o tempo disponível para a disciplina nas diferentes escolas. Relacionando a duração da aula, o número delas na semana e a quantidade de semanas letivas no ano, dá para ter uma ideia do tempo disponível (número de períodos de aula por semana x número de semanas no ano escolar x duração de cada período = estimativa do tempo disponível). Ainda devemos levar em conta que uma parte importante do tempo de aula termina sendo dedicada a outras atividades escolares (ventos, reuniões).

O desafio é decidir quanto tempo de aula será utilizado para tematizar o esporte. Nesse sentido, as modalidades a serem estudadas nas aulas de Educação Física estarão organizadas e dois subeixos. O primeiro, chamado de saber praticar, que deve dar subsídio para participar de forma proficiente e autônoma. Seria o caso dos esportes praticados com frequência por uma grande quantidade de pessoas fora do ambiente escolar, como é o caso do futebol, por exemplo. O segundo, chamado de praticar para conhecer, incluiria os esportes que não são com frequência praticados fora do ambiente escolar, mas que é importante conhecer. O tempo gasto com o primeiro eixo precisa ser bem maior, mas não necessariamente é o primeiro eixo o responsável pela democratização do envolvimento. Isso varia de acordo com a cultura de cada região.

Outra das perguntas cuja resposta é necessária para ensinar é: como ensinar? No caso do ensino dos saberes corporais, Bracht & González (2012) citam três métodos de ensino:

As tarefas (no caso do ensino de esportes: os exercícios, educativos, jogos, drilles propostos pelo professor), a intervenção do professor (comunicação verbal, gestos, posturas, tonicidade muscular – em, pelo menos, quatro dimensões: organizar o trabalho, motivar os alunos, disciplinar os alunos, instruir) e o papel do aluno.

(25)

O papel do aluno é algo a ser refletido. Às vezes, ele ocupa um papel passivo de reproduzir apenas o que o professor propõe. Às vezes, ele ocupa um papel ativo e como tal elabora respostas que fogem às características do modelo que lhe é colocado. Nesse sentido, o aluno aprende a buscar, experienciar, elaborar hipóteses e testar as mesmas, formular perguntas e buscar respostas para as mesmas assim como para as dificuldades que se apresentarem ao longo do caminho. Um aluno que apenas reproduz o que o sistema lhe apresenta terá uma menor possibilidade de escolha futura.

Além das três dimensões de uma aula existem os métodos propriamente ditos de ensino dos diferentes elementos do desempenho esportivo. Depois de muito estudo bibliográfico há pelo menos três dimensões em que os autores concordam em se tratando dos métodos de ensino das regras de ação:

O uso privilegiado de tarefas com interação entre adversários, o incentivo à reflexão e à verbalização dos alunos sobre o fazer e quando fazer o que se tem para fazer no jogo (intervenção que favorece a indagação), o protagonismo dos alunos na resolução dos desafios colocados pelo jogo, por meio da busca, negociação e testagem de hipóteses sobre as ações de jogo (papel ativo). (BRACHT & GONZÁLEZ, 2012)

Em se tratando de estratégias de ensino, é preciso desenvolver maneiras de lidar com as diferenças de desempenho, especialmente se se trata de atividades de interação entre adversários. A dificuldade deve estar compatível com as possibilidades dos alunos. Se estiver fácil ou difícil demais, a atividade acaba desmotivando os envolvidos. Utilizar grupos de trabalho é uma possibilidade de superar tal dificuldade.

Em se tratando das estratégias para o desenvolvimento de saberes conceituais, conteúdos cada vez mais desenvolvidos nas aulas de Educação Física, é preciso utilizar ações e reflexões que promovam dissonâncias e, portanto, gerem reflexão. As tarefas, por exemplo, devem ser pensadas com cuidado para que o aluno não seja levado a copiar apenas. O caderno para a disciplina de Educação Física pode levar a uma melhor organização na dinâmica das aulas. A produção de sínteses também funciona como uma forma de organização e desenvolvimento de unidades didáticas. As pesquisas sobre as práticas esportivas presentes no cotidiano do aluno podem levar o mesmo a ir a campo em busca de informações sobre o contexto social no qual está inserido. Os seminários sobre temas em estudo podem passar por momentos de síntese em grupo e por práticas, além da teoria verbalizada em uma apresentação, por exemplo. A exposição dos temas em estudo possui intenções e características parecidas com às do seminário. O tribunal, técnica que põe em julgamento e

(26)

discussão temas polêmicos, com base em dinâmica de grupo e confronta opiniões diversas, sistematizando argumentações entre um grupo de acusação e um de defesa desenvolvimento um conhecimento conceitual crítico. Em se tratando do registro das experiências corporais é interessante orientar para os aspectos a que se deve prestar mais atenção ou direcionar estes registros através de perguntas. A invenção e a reinvenção de práticas corporais é parte da autonomia e criticidade que a Educação Física objetiva na intenção de formar apenas indivíduos que reproduzam o que aprenderam, mas que repensem e recriem o que for necessário nas diferentes circunstâncias e realidades. Elaborar um mapa das características dos grupos sociais envolvidos com as modalidades esportivas estudadas permite reconhecer que o envolvimento com as práticas corporais não é homogêneo nos diferentes grupos sociais. Organizar ficha com a origem das modalidades esportivas estudadas é uma estratégia similar a anterior e permite conhecer a origem e a influência de determinados grupos na sociedade brasileira, por exemplo. Confeccionar um cadastro dos espaços públicos próximos ao local de residência dos alunos em que podem ser realizadas as práticas corporais em estudo permite valorizar as potencialidades e os limites que o contexto em que está inserido oferece ao aluno para a prática do esporte, exercício físico, dança, luta, ginástica, etc., e questionar-se sobre os elementos políticos, sociais, geográficos e econômicos que influenciam estes espaços. Confeccionar um quadro de classificação dos esportes permite que os alunos identifiquem os esportes que eles já conhecem dos que ainda falta conhecer e poder reconhecer as características comuns entre as modalidades estudadas.

Entre as formas de trabalhar o desenvolvimento de saberes atitudinais está a prática dos valores que se deseja ensinar no desenvolver das aulas e das práticas, nos jogos. Esta situação pode se dar com problematizações ao longo de ocorrências que são comuns nas aulas, como a escolha dos mais habilidosos fisicamente primeiro, colocando os demais e situação de esquecimento ou até constrangimento.

1.2.2 O que é conteúdo escolar?

O conteúdo escolar é uma combinação de um conjunto de valores, conhecimentos, habilidades e atitudes. Coll et al. (apud DARIDO, 2014, p.148) definem conteúdo como:

Uma seleção de formas ou saberes culturais, conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc., cuja assimilação é considerada essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada do aluno.

(27)

O professor, enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem deve ensinar esta combinação para garantir que haja o desenvolvimento e a socialização do indivíduo que se encontra na escola como estudante/aluno. Libâneo (apud DARIDO, 2014, p.148) entende que os conteúdos de ensino “são um conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social”. Nesse sentido, uma organização didática e pedagógica dá forma a estes elementos a fim de possibilitar uma assimilação ativa e uma aplicação no cotidiano dos alunos que os estudem ou vivenciem em ambiente escolar.

Pode-se classificar o conteúdo em: conceitual (na medida em que envolve a abordagem de conceitos, fatos e princípios), procedimental (na medida em que envolve a prática de como “saber fazer”) e atitudinal (na medida em que desenvolve a ideia do “saber ser”). Na escola o conteúdo frequentemente é organizado de acordo com a teoria educacional a ser seguida pela instituição. Às vezes, é o fazer que gera o saber e, em outras, é o saber que torna mais científico o fazer. Muitas vezes, na hora de organizar os conteúdos existe um critério comum a todas as áreas e em outras o conteúdo é organizado a partir da realidade daqueles que o estudarão como alunos. Segundo Libâneo (apud DARIDO, 2014, p.148) “é importante ressaltar que nem todos os saberes e formas culturais são suscetíveis de constarem como conteúdos curriculares, o que exige uma seleção rigorosa por parte da escola”.

De acordo com Darido (2014):

Existe uma tendência a englobar na ideia de conteúdo escolar tudo aquilo que se precisa aprender, mesmo que não esteja intrinsecamente relacionado as capacidades cognitivas, mas que esteja relacionado ao desenvolvimento de outras capacidades. Isso traria para o currículo explícito aquilo que tem permanecido no currículo oculto, salienta-se aqui que a Educação Física sempre esteve mais ligada ao saber fazer do que ao saber ser. Embora, a prática do estudo da cultura corporal sempre se desse, mesmo que de forma oculta.

Em suma, o conteúdo escolar é a base para o trabalho docente. O ponto de partida de um processo que visa lapidar aquele conhecimento científico de acordo com parâmetros que possam lapidar ou expandir o conhecimento prático dos alunos.

Nesse sentido, o conhecimento pode ser um contexto de processamento, um processo... Por sua vez, a apropriação do conteúdo a ensinar dar-se há através de uma unidade didática.

(28)

As unidades didáticas podem ser apresentadas de maneira simples ou em forma de projeto. A unidade didática é um recurso técnico para organizar o ensino. Kunz (2014), afirma que unidade, no sentido didático, consiste na apropriação do conteúdo a ensinar. Uma unidade didática é, nesse sentido, um conjunto ordenado de atividades que objetiva o ensino de um conteúdo concreto.

A ideia constitui-se basicamente em desenvolver cinco estágios no processo de ensino-aprendizagem a fim de que ao final destas cinco práticas o aluno consiga ter desenvolvido maior conhecimento acerca do conteúdo concreto objetivado pela unidade em questão. Nesse contexto, o professor deve partir da realidade do aluno e ao explorá-la propor a ele também um repensar desse mundo e um aprofundamento nestas reflexões. Posteriormente, o docente deve apresentar o conteúdo e ressaltar durante esta apresentação a importância do estudo e as contribuições que pode trazer e relações que o mesmo pode ter com a realidade do educando.

A etapa seguinte consistiria na assimilação do aluno, na medida em que o mesmo passasse a relacionar o conteúdo científico apresentado pelo professor ao conteúdo prático vivenciado em seu dia a dia. Num momento posterior, o aluno organizaria as ideias desenvolvidas pelo conteúdo apresentado pelo professor através de atividades que propiciassem sínteses e possibilitassem ao aluno apreender o que fora estudado anteriormente.

Para concluir o processo, os alunos reelaborariam o conteúdo apresentado pelo professor, relacionado com a sua realidade refletida e assimilado através de atividades que exercitem a reflexão e a síntese. Após a reelaboração do conteúdo, os alunos o apresentariam aos colegas e ao professor a fim de aperfeiçoar sua expressão oral e escrita e estimular suas habilidades para participar ativamente de futuras socializações, relatos de experiências, etc. É possível aqui ressaltar a importância dada por Kunz, em sua pedagogia crítico-emancipatória, ao desenvolvimento da competência comunicativa proporcionado por esta atividade em especial e embasado pelas atividades anteriores. Segundo Kunz (2014, p. 491):

Para o desenvolvimento da competência comunicativa, não se considera apenas a linguagem oral, mas, sobretudo a aprendizagem consciente da linguagem e da comunicação corporal e de movimentos. Saber se comunicar e entender a comunicação dos outros é um processo reflexivo e desencadeia iniciativas do pensamento crítico.

A unidade didática não se limita a um conjunto de atividades. Ela deve se materializar de forma a desenvolver estratégias e promover a emancipação do aluno e sua apropriação do conhecimento científico desenvolvido pelo conteúdo que se pretende desenvolver na aplicação da disciplina curricular.

(29)

1.2.4 Função da escola

A função da escola é promover o ensino científico dos conhecimentos necessários ao indivíduo para que o mesmo tenha as condições básicas para viver no mundo em que está inserido. De uma forma mais aprofundada, a escola é também um dos círculos sociais que fomentam a interação dos indivíduos e no desenvolvimento desse papel deve partir da realidade do aluno para aí desenvolver a sua cientifização do conhecimento. Segundo Gonzaléz & Fensterseifer (2009, p.13):

“as instituições nos ultrapassam” como indivíduos isolados. Elas são produto de uma espécie de “contrato social” que nos antecede (daí a noção de licenciado – que tem licença para atuar em nome de uma instituição – assumindo uma responsabilidade social). Logo, pensar a responsabilidade social da EF, que pedagogicamente ela deve responder, não pode ser algo desvinculado do caráter desta instituição, relativamente nova na história da humanidade, denominada escola e que tem uma contribuição específica nesta tarefa mais ampla que denominamos “educação”. Como instituição republicana, a razão de ser da escola está fora de si, e ela só se justifica quando essa máxima é reconhecida. O melhor que podemos fazer no seu interior não é independente do seu exterior, logo, não pode ser analisada fora do seu contexto.

É no ambiente escolar que o aluno desenvolve seu senso crítico e torna-se um sujeito emancipado capaz de promover questionamentos e tomar decisões diante das situações que permeiam seu dia a dia. Também é na escola que o indivíduo deve aprender a conhecer e reconhecer as diferentes realidades que compõem o mundo que o cerca do qual ele faz parte, bem como os mecanismos que levaram a sociedade a tal situação. No entanto, na medida em que a história humana foi passando por transformações e os papéis dos indivíduos na sociedade, bem como as concepções políticas e econômicas que a regiam, passaram por mudanças, também a escola passou a mudar a sua concepção básica. A instituição passou a assumir papéis que não lhe cabiam e ainda não lhe cabem e nesse contexto tornou-se e torna-se ainda mais difícil cumprir com plenitude e competência todas as funções e papéis atribuídos à escola e, por consequência, ao professor. Além de tudo isso, ainda passou-se por uma fase de reflexões ainda vigentes.

A escola é reprodutora da estrutura social na qual está inserida. Segundo Bourdieu (apud CARDOSO & LARA, 2009, p. 1314), o sistema escolar “é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. Nesse contexto, a escola contribui para a reprodução da “estrutura das relações de classe ao

(30)

reproduzir a desigual distribuição, entre as classes, do capital cultural” (BOURDIEU apud CARDOSO & LARA, 2009, p.1315). O papel da escola, de acordo com o mesmo pensador, está atrelado a sancionar as desigualdades ao reproduzir um discurso de igualdade “consegue tão mais facilmente convencer os deserdados que eles devem seu destino escolar e social à sua ausência de dons e de méritos” (BOURDIEU apud CARDOSO & LARA, 2009, p.1315). Assim sendo caberia à instituição “desenvolver em todos os membros da sociedade, sem distinção, a aptidão para práticas culturais que a sociedade considera como as mais nobres” (BOURDIEU apud CARDOSO & LARA, 2009, p. 1316).

O mundo também ensina. Para Gonzaléz & Fensterseifer (2009, p.21-22):

A escola tem entre suas funções a de introduzir os alunos no mundo sociocultural que a humanidade tem construído, com o objetivo de que eles possam incluir-se no projeto, sempre renovado, da reconstrução desse mundo. Eles precisam aprender que nesse processo de construção a humanidade tem criado formas de representar o mundo, provisoriamente, mais defensáveis (dado sua universalidade) que outras, e que por isso são privilegiadas no processo de conservação cultural. Também que a humanidade tem promovido formas de convívio social que são mais defensáveis por permitir, entre outras coisas, que as pessoas possam participar/influenciar no processo de tomada de decisão política sobre questões que dizem respeito a todos e, portanto, são mais dignas de serem estimuladas e compreendidas. Finalmente, que a humanidade tem construído maneiras de validar essas formas de conhecer e conviver e, portanto, que precisam ser entendidas para continuar perguntando-se sobre o seu valor. Algo como compreender as “regras do jogo” para podermos interrogar sua pertinência.

O objetivo maior da escola deve ser transformar o aluno em protagonista de sua própria história capaz de fazer escolhas e tomar decisões, pautado em conhecimento histórico e científico e dotado de criticidade. Para Carvalho (apud GONZALÉZ & FENSTERSEIFER, 2009, p.18), é papel da escola:

Conservar e transmitir os conteúdos culturais de uma civilização ou nação. Preparar a passagem do privado (família) para o público (política/cidadania), viabilizando sua inserção e sua ação no mundo, por meio da qualificação da capacidade de interlocução, colocando-se à altura dos problemas de seu tempo.

Kunz (2014) acredita que o ensino escolar precisa estar baseado em uma concepção crítica, na medida em que é através do questionamento dotado de criticidade que se chega à compreensão da estrutura autoritária dos processos institucionalizados. Dentro dessa percepção, a educação crítica precisa desenvolver condições para que as instituições autoritárias e a situação imposta por elas através de uma comunicação distorcida possam ser superadas por uma ação emancipadora e crítica da escola, dando ao aluno as possibilidades para agir de forma emancipada e através de suas ações expressar seus entendimentos e

Referências

Documentos relacionados

Dessa forma, recorremos à pedagogia dos multiletramentos para fundamentar a construção de conhecimentos sobre a referida língua e, alinhado a essa perspectiva,

Ainda não estão bem entendidos e compreendidos as consequências e os mecanismos responsáveis pelo aumento do risco de condições pulmonares não

Esse gerenciamento sociomédico (Machado, 2008a) ocorre na medida em que o discurso médico visualiza os corpos intersexuais como não inteligíveis, isto é, quando o

Ducto isolado ectasiado, com 2,0 cm de extensão, contendo nódulo hiperecogênico com 0,5 cm, às 6 horas da mama direita, justa-areolar BI-RADS 4.

Ao abrigo do disposto na alínea h) do artigo 2.º, na alínea d) do artigo 3.º, na alínea d) do artigo 12.º e no ar- tigo 17.º, todos do Decreto -Lei n.º 132/99, de 21 de Abril,

A idéia de trabalhar com a capoeira trazendo-a para o contexto escolar, como conteúdo nas aulas de educação física, representa uma grande possibilidade de exploração no contexto

Este estudo teve como objetivo analisar as contribuições da capoeira para as crianças participantes do Programa Mais Educação da Escola Municipal de Ensino Fundamental Frei

Para tanto, propõe-se como questão de pesquisa: Como os(as) educadores(as) do Programa de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida em Meio Aberto percebem o espaço onde atuam