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FORMALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS JUDICIAIS, OU INOVAÇÃO LEGISLATIVA? OBSERVAÇÕES SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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DIREITO

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FORMALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS JUDICIAIS, OU INOVAÇÃO

LEGISLATIVA? OBSERVAÇÕES SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO

PROCEDIMENTAL NA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL

Francis Noblat1

Sumário: 1 - Introdução; 2 - A Reforma do Código de Processo Civil e a

Flexibilização Procedimental; 3 - Adequação, adaptabilidade, e flexibilização no Processo Civil brasileiro; 4 - A realidade das práticas do sistema judicial brasileiro; 5 - Considerações Finais.

Resumo: O presente artigo propõe-se, dentro da lógica que acompanha a

atual reforma do Código de Processo Civil, lançar um olhar crítico sobre o instituto da Flexibilização Procedimental. O referido instituto, que privilegia o conteúdo em detrimento da forma, mostra-se como uma das alternativas a uma prestação jurisdicional mais efetiva — um dos objetivos precípuos da Reforma. Entretanto, convém ponderar-se em que ponto, a adoção da Flexibilização Procedimental mostrar-se-ia como uma inovação legislativa — como propugna a Comissão dos Juristas responsável pela edição do Anteprojeto do Código —, ou se, por sua vez, seria apenas uma formalização das práticas judiciais que permeiam a atividade jurisdicional.

Palavras-chave: Flexibilização Procedimental; reforma do Código de

Processo Civil; cultura jurídica.

Abstract: The present article proposes, within the logic accompanying the

current reform of the Code of Civil Procedure, to cast a critical look on the institute of the Proceeding Flexibility. The aforesaid institute, which emphasizes the content of the procedure rather than its form, was suggested as an alternative to a more effective jurisdictional provision — one of the prime objectives of the Reform. However, it is appropriate to consider if the

1 Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense, e bolsista em seu Programa de Iniciação

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2 adoption of the Proceeding Flexibility would be a legislative innovation — as advocates the Commission of Jurists responsible for the edition of the preliminary version of the Code — or, in turn, would be just a formalization of judicial practices which permeate the jurisdictional activity.

1 – Introdução

Com o auge das constantes reformas legislativas pelas quais passou, na última década, o Código de Processo Civil — Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 —, optou-se por dar um fim às microreformas pontuais, com uma nova macroestruturação: assim, com o Ato nº 379, de 2009, do Presidente do Senado Federal, de 30 de setembro de 2009, instituiu-se uma comissão de juristas, que instituiu-se tornou responsável pela reforma do Código de Processo Civil pátrio.

Buscando desenvolver, e preservar, em um Novo Código de Processo Civil, uma sistematicidade que simplificasse a complexidade gerada pelas sucessivas alterações realizadas no âmbito do atual diploma processual, a Comissão dos juristas responsável pela reforma pontuou cinco objetivos, os quais norteariam a edição do novo Codex, quais sejam,

1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. (BRASIL, 2010, p. 14).

Em breve síntese, cada um destes pontos traz uma justificativa em si, e em consonância com os demais, orientando e, concomitantemente, embasando a Exposição de Motivos, e a própria construção do Código2 per se. Neste sentido, pode-se citar, por exemplo, dentro do objetivo de ―estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal‖ (BRASIL, 2010a, p. 14), a adoção expressa de princípios

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Embora já chamado de ―Novo Código de Processo Civil‖ trata-se, na verdade, do Projeto de Lei do Senado, n.º 166/2010, aprovado em 15 de dezembro de 2010, e que agora tramita na Câmara dos Deputados, como o Projeto de Lei nº 8.046, de 2010, em fase de deliberação.

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constitucionais3, em sua vertente processual — estes que, por sua vez, em privilégio a uma sistematicidade, uma organicidade, que pretendeu a Comissão atribuir ao Anteprojeto como um todo, foram dispostos em uma recém criada Parte Geral, esta que inaugura o texto do Novo Código.

Neste ínterim, em sua meta de ―dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado‖ (BRASIL, 2010a, p. 14), sobrevém no Anteprojeto, dentre outras festejadas proposições, o instituto da Flexibilização Procedimental.

O supramencionado instituto, ―que privilegia o conteúdo em detrimento da forma, em consonância com o princípio da instrumentalidade‖ (BRASIL, 2010a, p. 23), surge como alternativa a criarem-se condições para que se possa proferir uma ―decisão de forma mais rente à realidade fática4 subjacente à causa‖ (BRASIL, 2010a, p. 14), atendendo a uma

necessidade de se imprimir funcionalidade ao processo.

Previsto, originalmente, nos artigos 1075; e 151, §1º6, do Anteprojeto Código de

Processo Civil, — artigos estes que acompanham a lógica que permeia recentes reformas

3 ―A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo de assegurar a conformação dos institutos de

direito processual e seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem constitucional. [...] O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o

microcosmos democrático do Estado de Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação

(contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade‖ DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p.27. Pertinente, igualmente, o comentário do autor em sua conclusão parcial, quando esboça que ―é licito concluir, ainda, que todo o direito

processual constitucional constitui uma postura instrumentalista – seja nessa instituição de remédios destinados

ao zelo pela ordem constitucional, seja na oferta de garantias aos princípios do processo, para que ele possa cumprir adequadamente a sua função e conduzir a resultados jurídico-substanciais desejados pela própria Constituição e pela lei ordinária (tutela constitucional do processo)‖. Idem, ibid. pp. 32/33.

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Neste sentido, pertinente a observação de Luiz Marcelo Cabral Tavares, quando cita: ―observando de forma despretensiosa, não se exige maior esforço para perceber que casos concretos, realidades locais exigem e exigirão soluções setorizadas, o que não afastaria, a priori, a segurança jurídica, mormente porque o Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil se preocupou em ‗sintonizar as regras legais com os princípios constitucionais, revelando a feição neoconstitucional do trabalho‘ e adotando a teoria do direito processual constitucional.‖(TAVARES, Luis Marcelo Cabral. Perspectivas da Flexibilização Procedimental na experiência brasileira em face do substitutivo do Senador Valter Pereira ao Projeto de Lei no Senado n. 166, de 2010. Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, ano 4, v. VII, p. 136/157, jan/jun, 2011. Disponível em: <http://www.redp. com.br/arquivos/redp_7a_edicao.pdf>. Acesso em: 15 set. 2011, p. 140)

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―Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa;‖ (BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília/DF, Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/ Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 15 set. 2011., p. 83).

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processuais alienígenas7 —, o aludido instituto processual, tem seu cerne na ampla

possibilidade de o magistrado, em cooperação com as partes — de modo que se respeitem o contraditório e a ampla defesa, princípios aos quais foi concedido igual préstimo na Reforma —, possa adequar as fases e atos processuais às especificações do conflito, a fim de ―atribuir-lhe alto grau de eficiência‖ (BRASIL, 2010a, p. 13).

Contudo, com o progresso do trâmite legislativo, o instituto da Flexibilização Procedimental foi — juntamente com outros ―pontos denominados de ‗polêmicos‘, isto é, naqueles cujas críticas se repetiram pelos diversos veículos disponibilizados pelo Senado Federal‖ (BRASIL, 2010b, p. 141) — mitigado, extenuado à simples possibilidade de o magistrado ―dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico‖ (BRASIL, 2010b, p. 278), conforme dispõe o atual art. 118, V, do Projeto de Lei nº. 8.046, de 2010, da Câmara dos Deputados; sendo excluída, igualmente, em seu então art. 168, a disposição referente à possibilidade de o magistrado, em comum acordo com as partes, adequar procedimentos inapropriados.8

Inobstante à opção legislativa de supressão do supracitado instituto, convém ponderar-se em que medida, a atribuição ao magistrado, no Anteprojeto, da atribuição de adaptar o procedimento às peculiaridades da causa, seria — como mesmo referenciado pela Comissão de juristas em sua Exposição de Motivos9 — uma inovação no ordenamento jurídico pátrio, ou se, por sua vez, representaria uma formalização das práticas judiciais que integram a cultura jurídica que permeia o cotidiano da atuação do campo.

6 ―Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei

expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. [...] § 1º Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.‖ (Idem, Ibid., p. 72).

7 Como mesmo citado na exposição de motivos do Anteprojeto Código de Processo Civil, em relação aos

poderes conferidos ao magistrado para adequar os atos e procedimentos às peculiaridades da causa, ―no processo civil inglês, há regra expressa a respeito dos ‗Case Management Powers‘. [...] Nestas regras de gestão de processos, inspirou-se a Comissão autora do Anteprojeto‖. (Idem, Ibid., p. 30). Podem-se citar, igualmente, em um rol não exaustivo, as Federal Rules of Civil Procedure, no âmbito das District Courts, nos Estados Unidos; e o princípio da Adequação das Formas, no Código de Processo Civil português.

8 Cf. n. 5 e 6.

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Convém, igualmente, questionarem-se as razões da extenuação do instituto quando do trâmite legislativo10, onde têm-se, por um lado, grande parte da doutrina reconhecendo e

privilegiando a existência dos princípios da adequação, e da adaptabilidade do

procedimento, como corolários da adequada prestação jurisdicional (DIDIER JÚNIOR, 2010,

p. 69); e, por outro, previsão legal em múltiplos diplomas legais, incluso o próprio atual Código de Processo Civil11, autorizando a variação procedimental.

2 - A reforma do Código de Processo Civil e a Flexibilização Procedimental

Sendo certo que ―um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito‖ (BRASIL, 2010a, pp. 11/12), como mesmo adverte a Comissão de Juristas na abertura da Exposição de Motivos do Anteprojeto, o instituto da Flexibilização Procedimental encontra sua legitimação dentro das matizes da ―processualística contemporânea, que privilegia o conteúdo em detrimento da forma12, em consonância com o

princípio da instrumentalidade‖ (BRASIL, 2010a, p. 13).

10 Grife-se, oportunamente, a crítica de Luís Marcelo Cabral Tavares, que pontua: ―entretanto, observa-se que

estudiosos e profissionais da área demonstram perplexidade acerca do sucesso e aceitação da implementação da flexibilização procedimental no ordenamento jurídico pátrio. Essa incerteza se confirmou com a modificação do Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil da Comissão de Juristas pelo Substitutivo do Senador Valter Pereira ao Projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010. [...] Naturalmente, qualquer mudança provoca hesitação e, no caso do Brasil, de tradição romano-germânica, o apego ao direito escrito faz com que a resistência às modificações recrudesça.‖ (TAVARES, Luis Marcelo Cabral. Op. cit., p. 139).

11 Cf. arts. 461, § 5º, e 461-A, º 3º, do Código de Processo Civil, sobre a atipicidade das medidas executivas nas

obrigações de fazer, não fazer, e dar coisa; igualmente, art. 1.109, do Diploma Processual, da desnecessidade de observância legal estrita nos procedimentos de jurisdição voluntária.

12 Indispensável, no que se refere a este ponto, a preleção de Humberto Theodoro Júnior, quando cita que ―para

se pensar numa ampla e verdadeira reforma de nosso processo civil urge, antes de tudo, mudar essa ótica deformadora do verdadeiro papel do processo civil. Urge, antes de tudo, mudar essa ótica deformadora do verdadeiro papel reservado à prestação jurisdicional. É preciso, urgentemente, substituí-la pela objetiva e singela busca da justa e adequada realização do direito material na solução do conflito deduzido em juízo. [...] Não é pela teoria científica que complica e tumultua o procedimento judicial, mas sim pelo espírito objetivo capaz de hierarquizar os valores constitucionais e processuais segundo escala de priorização dos resultados práticos delineados pela lei e, acima de tudo, pelos direitos e garantias fundamentais, que se pode imaginar a implantação bem sucedida do processo justo. O teorismo obstaculiza ou dificulta o acesso à justiça, enquanto o procedimentalismo despretensioso, prático e objetivo, o facilita e viabiliza. [...] O excesso de técnicas, na verdade, favorece muito mais a uma concepção pragmática do processo (isto é, aquela que não dispensa grande relevância ao seu resultado prático). No entanto, o enfoque objetivo centrado, sobretudo, nos efeitos concretos da tutela propiciada pelo processo aos direitos materiais ameaçados ou lesados, é o que, de forma programática, realmente se empenha, longe do teorismo estéril, na persecução dos fins sociais do processo justo. [...] É, destarte, uma regulamentação nova compromissada com a instrumentalidade adequada à realização plena e efetiva do direito material em jogo no litígio, singela, clara, transparente e segura quanto ao procedimento, o que se pode esperar de um novo Código. Que seja superior às vaidades do tecnicismo e que seja concebido com

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Neste sentido, a adoção da Flexibilização extravasa a coerência da feitura do Anteprojeto e, claramente, se insere em sua lógica orgânica de valorização principiológica, onde se busca uma adequação de processo às necessidades pragmáticas prementes de cada situação conflituosa, em si.

Contudo, a Flexibilização Procedimental não se apresenta estranha, no todo, ao direito processual civil brasileiro.

3 - Adequação, adaptabilidade, e flexibilização no Processo Civil brasileiro

Em que pesem as justificativas da comissão13, parte da doutrina já prelecionava a existência desta atribuição de flexibilização ao magistrado, como corolário da construção de um processo mais justo, da busca de uma tutela efetiva — atendendo ao comando constitucional da efetividade da tutela jurisdicional em sua potencialidade, e não apenas em um sentido formal —, como o princípio da adaptabilidade, elasticidade, ou adequação

formal do processo.

O princípio da adaptabilidade decorreria, por sua vez, do princípio da adequação, este como sendo informador da produção legislativa das regras processuais, onde a própria construção do procedimento deve ser feita tendo-se em vista a natureza e as peculiaridades do objeto do processo (DIDIER JÚNIOR, 2010, p. 68).

Estes princípios justificam-se dentro da lógica que permeia o direito processual contemporâneo, mesmo porque, a construção de um regramento processual obedece à preleção de normas abstratas, não cabendo propriamente a eleição de tantos procedimentos quanto imagináveis — posto que impossível, e, neste sentido, mesmo incabível à função legislativa —, desta forma, sendo reservado ao legislador um trabalho inicial, mais abstrato, de normatização de procedimentos genéricos, e, posteriormente, a tutela ao caso concreto cabendo ao magistrado, devendo este, dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos, firmeza, objetividade e coerência com o programa moderno do processo justo. Que, enfim, os órgãos encarregados da prestação jurisdicional se preparem, convenientemente, para pô-lo em prática, com fidelidade à letra, ao espírito e aos propósitos da reforma.‖ (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Um Novo Código de Processo Civil para o Brasil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Magister, 2004-, Ano VII, nº. 37, jul/ago 2010, p. 96/97).

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construir um encaminhamento que atenda às necessidades prementes do caso concreto — por exemplo, invertendo a ordem de produção de provas, garantindo o contraditório nos embargos declaratórios de efeitos infringentes, elegendo a medida mais adequada para o cumprimento das obrigações de fazer e dar, etc. (GAJARDONI, 2008, p. 136).

Outrossim, como mesmo enuncia Fredie Didier Jr. (2010, p. 71), nada impediria

que se possa previamente conferir ao magistrado, como direito do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir um direito fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado ex officio, como forma de efetivação desse direito fundamental). Eis que aparece o princípio da adaptabilidade, elasticidade, ou

adequação judicial do procedimento: cabe ao órgão jurisdicional prosseguir na

empresa da adequação do processo, iniciada pelo legislador, mas que, em razão da natural abstração do texto normativo, pode ignorar peculiaridades de situação concretas somente constatáveis caso a caso. (DIDIER JÚNIOR, 2010, p. 71). Dentro deste discurso, ―a flexibilidade do procedimento às exigências da causa é, então, fundamental para a melhor consecução dos fins do processo.‖ (DIDIER JÚNIOR, 2010, p. 72).

Contudo, como adverte Fernando da Fonseca Gajardoni (2008, pp. 137/138), a aplicação do principio da adaptabilidade, naturalmente, teria apenas natureza subsidiária, incidindo apenas em casos que o legislador não tenha criado especificamente um procedimento individualizado e adequado para a tutela, seja em razão do bem jurídico tutelado ou de uma condição das partes; neste sentido, caso o procedimento, em sua generalidade normativa, atenda às características do caso, não haveria necessidade para uma adaptação (GAJARDONI, 2008, p. 137)14 — ou, no caso, de flexibilização.

Não obstante,

a riqueza da práxis forense, todavia, bem tem demonstrado que o legislador é incapaz de modelar, com perfeição, procedimentos específicos para todas as

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Continua, ainda, o autor: ―Anote-se que nas situações em que é conferido ao juiz o poder de eleger o melhor procedimento para o caso, sua decisão deve ser pautada pela consciência e equidade, o que não significa que o juiz seja aqui livre para decidir segundo um seu capricho individual. A autorização é para que, em conjunto com as partes procure, caso a caso, a solução que corresponda melhor às concepções morais e econômicas vigentes ao seu tempo, adaptando o procedimento, assim, `s circunstâncias subjetivas ou objetivas da causa‖. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op. cit., p. 140.

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situações quotidianas. Sempre há de surgir um caso novo que, por força do direito debatido ou da qualidade de um dos litigantes, justifique uma calibração do procedimento às circunstâncias da causa, e, portanto, à aplicação do princípio da adaptabilidade. [...] A partir desta constatação pragmática, o operador jurídico deve buscar, a bem da funcionalidade do sistema, a construção de uma teoria plausível para justificar a adaptação, algo que só é possível [...] através da flexibilização das regras do procedimento. (GAJARDONI, 2008, pp. 137/138).15

Dessarte, a Flexibilização Procedimental, mormente a necessidade premente de se atender à tutela efetiva do caso concreto, justifica-se, igualmente, ante a uma oposição entre imprevisibilidade da realidade fática, e a abstração dos modelos legislativos.

4 - A realidade das práticas do sistema judicial brasileiro

Sem embargo da excelência das construções doutrinárias, mostra-se necessário considerar — ainda que se elenquem as contradições inerentes à própria discussão doutrinária — que o sistema jurídico, em certo sentido, independente desta contenda, funcionando por si só, de modo os institutos atuam à revelia de suas elaborações abstratas por excelência.

Neste sentido, poder-se-ia, por exemplo, citar a preleção de Fernanda Duarte (2010, p. 99), quando retrata a realidade da atuação dos magistrados na apreciação das exigências formais que permeiam os pressupostos processuais para o exercício do direito de ação — que, neste caso, seriam apenas uma mínima retratação do que perpassa o quotidiano dos Tribunais:

Na verdade, o sistema permite que o juiz escolha livremente, ao seu arbítrio, como conduzir esta varredura [das exigências formais que permeiam os pressupostos processuais para o exercício do direito de ação], entre três alternativas (todas elas com previsão legal), e assim, é legalmente possível que cada processo, receba do juiz uma condução diferente. São elas: a) efetuá-la logo de início e se detectada alguma inobservância, indeferir a inicial (art. 267, I, do Código de Processo Civil, CPC); b) efetuá-la logo de início, entretanto, se detectada alguma inobservância, determinar que a parte proceda às retificações necessária, em determinado prazo – fala-se aqui na emenda da inicial (art. 284 do CPC); c) postergar o exame para quando o processo estiver para ser julgado, por sentença; neste caso, se detectado algum desses vícios formais, todo o processamento já realizado, inclusive eventual

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Grife-se o, igualmente, comentário do autor, quando discorre sobre o sistema legal brasileiro: ―Por vinculado ao sistema da legalidade das formas, nosso pais se filiou, preponderantemente, ao primeiro regime de flexibilização procedimental [regido por força de lei], com ampla incidência do modelo legal de tramitações procedimentais alternativas em detrimento do modelo legal genérico de flexibilização. A regra de flexibilização do procedimento no Brasil é, portanto, a do estabelecimento legislativo de variantes rituais previamente imaginada pelo legislador, como nos arts. 330; 331, § 3º; 527, II; 557 e 557-A; todos do CPC. Só em algumas poucas e específicas hipóteses (lamentavelmente) o nosso legislador admitiu a flexibilização de maneira genérica, delegando ao juiz a adaptabilidade, como fez na última parte do art. 21 da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), ou no art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90)‖. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op. cit., p. 139.

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prova produzida, será desconsiderado (art. 267, IV e VI do CPC). (DUARTE, 2010, p. 99)

Os exemplos acima, por sua vez, não são exaustivos; eles se enunciam em cada fase da construção do processo16 — posto que, conforme aclarado anteriormente, o quotidiano engloba a infinidade das possibilidades da vida, às quais o Direito deve dar suas respostas, indistintamente.

Dessarte, pode-se observar que as práticas que circundam o cotidiano forense destoam, em certos matizes, do que é veiculado quando da construção normativa, e, igualmente, das construções doutrinárias, em sua grande maioria. Esta desvinculação, entretanto, não funciona à margem da lei: pelo contrário, o próprio sistema normativo processual concede estes espaços de manobra, que, no entanto, apesar de serem lugar-comum na prática judicial, fogem às vistas do legislador e da doutrina — ou, mesmo que não o faça, é repudiado.

Neste sentido, a Flexibilização Procedimental não destoaria — ou melhor, não seria estranha — à realidade dos Tribunais, e, igualmente, da ordem jurídica pátria, de modo que sua adoção, quando da reforma do Código de Processo Civil, não se mostraria, a priori, como uma grande inovação legislativa, como a Comissão de Juristas propugnou — e que, em fase posterior do trâmite legislativo do Projeto de Lei, foi suprimida, sob a pecha da insegurança jurídica —, mas, sim, como um reconhecimento de uma realidade inerente, e indissociável, às práticas judiciais.

5 - Considerações Finais

O instituto da Flexibilização Procedimental, como propugnado pela Comissão de

16 Como citado por Fredie Didier Jr., ―muitas vezes, há regras legais que autorizam essa adequação judicial do

procedimento. Podem ser citadas, como exemplos: a) possibilidade de inversão da regra do ônus da prova, em causas de consumo: a regra do procedimento é alterada no caso concreto, ope iudicis, preenchidos certos requisitos, de acordo com o art. 6º, VII, CDC; b) a possibilidade de conversão do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da prova técnica ou do valor da causa(art. 277, §º 4º e 5º, CPC); c) o julgamento antecipado da lide, em que se pode abreviar o rito, com a supressão de um de suas fases (art. 330, CPC); d) a determinação ou não de audiência preliminar, a depender da disponibilidade do direito em jogo (art. 331, CPC); e) as variantes procedimentais previstas na Lei de Ação Popular (Lei Federal n. 4.717/65, arts. 7º e segs.); f) a possibilidade de o relator da ação rescisória fixar o prazo de resposta, dentro de certos parâmetros (art. 491, CPC); g) as mutações permitidas ao agravo de instrumento do art. 544, CPC, previstas em seus parágrafos; h) adequação do processo em jurisdição voluntária (art. 1.109, CPC); etc.‖ DIDIER JÚNIOR, Fredie.

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Juristas responsável pela edição do Anteprojeto do novo Código, mostrava-se, dentro da lógica de construção da reforma, como uma alternativa, trazida de um sistema alienígena, à crise de efetividade que permeia o judiciário pátrio hodiernamente.

A adoção da Flexibilização Procedimental, neste sentido, traria consigo dentro deste movimento que perpassa não apenas a reforma do Código de Processo Civil, mas a construção do Direito contemporâneo como um todo, de que soluções abstratas para problemas individualizados não atendem as necessidades, e ferem propriamente o objetivo de construção e manutenção de uma Estado Democrático de Direito, em um de seus pilares, qual seja, a tutela efetiva dos jurisdicionados.

O repúdio ao dispositivo, quando do trâmite legislativo, aponta esta tendência de desvinculação entre a elaboração legislativa, aparentemente vinculada com um cego dever de zelo à estrita legalidade, e à regularidade formal do desenvolvimento da relação processual, ou mesmo, do processo em si.

Inobstante, a realidade da atuação do campo jurídico — onde efetivamente se manifestam as preleções do legislador e da doutrina —, por sua vez, abarca uma diversidade de práticas que operam, a seu turno, ao alvedrio do que propugnam os discursos oficiais. Dessarte, mostra-se imperioso ponderar acerca deste distanciamento entre discursos dogmáticos e a pragmática — no qual a Flexibilização Procedimental representa tão somente uma parte.

Por derradeiro, faz-se mister considerar, igualmente — para além do âmbito discursivo —, se sendo o instituto da Flexibilização Processual acatado como regramento explicito no novo Código de Processo Civil — ou mesmo que assim não se denomine —, se dará a este a utilidade que se pretende; ou se, a seu turno, se permanecer sua exclusão, se este será repudiado do quotidiano da atuação jurisdicional.

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Referências

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