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O ensino das texturas musicais : uma abordagem multissensorial

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Claudia Coutinho Liedke

O ENSINO DAS TEXTURAS MUSICAIS:

UMA ABORDAGEM MULTISSENSORIAL

Campinas

2015

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Claudia Coutinho Liedke

O ENSINO DAS TEXTURAS MUSICAIS:

UMA ABORDAGEM MULTISSENSORIAL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Música, na Área de Concentração: Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Gimenes

Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação defendida pela aluna Claudia Coutinho Liedke, e orientada pelo Prof. Dr. Marcelo Gimenes.

_________________________________

Campinas 2015

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Dedico este trabalho aos que foram meus alunos, pois despertaram em mim o desejo de buscar mais conhecimento. Desse desejo nasceu este projeto e a concretização do sonho desta pesquisa. E aos meus futuros alunos, pois certamente me presentearão com novos desafio

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, criador e mantenedor de todas as coisas, que permitiu que eu desse mais esse passo rumo ao crescimento;

Um agradecimento muito especial ao meu orientador, Prof. Dr. Marcelo Gimenes pelo suporte acadêmico e a confiança depositada em mim e em meu projeto. Seu apoio e ensinamentos foram essenciais neste processo de construção do conhecimento. Ao Instituto de Artes, na pessoa do Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Música Prof. Dr. Antônio Rafael Carvalho dos Santos, onde tive a oportunidade de dar um importante rumo ao crescimento científico e profissional. E um agradecimento também a figura do prof. Rafael pelo apoio e contribuições que me ofereceu durante essa etapa.

Aos professores Adriana Mendes, Jetro Meira de Oliveira, José Fornari e Keila Rocha Reis de Carvalho, que aceitaram fazer parte da banca e do processo de conclusão dessa etapa com grandes contribuições.

As professoras Ellen Stencel e Selma Fonseca pelas sugestões, ajudas e conselhos. Aos colegas Alexandre Henrique Santos, Sara Cesca e Paulo Signore pelas incontáveis ajudas, trocas de figurinhas e incentivos. Vocês foram muito importantes nesse processo.

A minha querida tia Miriam Cremonezi pela grande ajuda na parte de formatação, correções e pelo imenso carinho com que sempre cuida de mim.

A todos aqueles que de forma direta ou indireta me impulsionaram a vencer mais essa etapa.

E ao meu querido noivo Filipe Reis de Carvalho, por sempre me incentivar a crescer e me apoiar durante esses processos de crescimento.

E um agradecimento muito especial à minha família. Agradeço aos meus pais, Narcizo e Berenice, e minha irmã Susie, por serem sempre grandes exemplos na minha vida, me motivando a querer ser uma pessoa melhor.

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O que nós não nomeamos, ou foi contemplado como símbolo, escapou à nossa percepção. Wystan Hugh Auden (1907-1973)

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar na literatura se crianças com idades entre 7 e 10 anos teriam uma melhor compreensão das texturas musicais (monofonia, polifonia e homofonia), através de experiências multissensoriais, ou seja, experiências que envolvem mais de um órgão dos sentidos. Podemos observar nos métodos chamados “ativos” de ensino musical a presença de abordagens multissensoriais. Contudo, observa-se um enfoque nos aspectos ligados à duração, altura e intensidade do som em detrimento de outros aspectos musicais, tais como a textura. Entretanto, com as pedagogias mais modernas e a crescente valorização da composição, criação e produção musical coletiva, torna-se importante a compreensão de como os diversos sons podem ser organizados, especialmente num contexto coletivo. Com esse pensamento, essa pesquisa busca fazer um aprofundamento teórico sobre os principais pontos que estão relacionados à compreensão do tema escolhido. O estudo tem a sua construção sobre quatro pilares: os aspectos do desenvolvimento cognitivo infantil, a definição do termo textura, a educação musical e a multissensorialidade. Essa pesquisa tem o intuito de estimular a produção de processos de ensino das texturas através do corpo para que dessa forma os alunos possam ter mais ferramentas disponíveis para uma melhor apreciação e criação musical.

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ABSTRACT

This paper aims at investigating whether children between 7 and 10 year-old have a better understanding of musical textures (monophonic, polyphonic and homophonic), through multi-sensory experiences, that is, experiences that involve more than one sense. We observe multi-sensory approaches in "active" methods of musical education. However, generally speaking, there is a focus on aspects of duration, pitch, and loudness at the expense of other musical aspects such as texture. With modern teaching methods and the growing appreciation of composition, creation, and collective musical production, it is important to understand how various sound streams can be organized, especially in a collective context. Bearing this in mind, this research aims at deepening the main theoretical issues that are related to the understanding of the chosen subject. The study is based on four pillars: the aspects of child cognitive development; the definition of texture; music education; and multisensoriality. The aim of this research is to stimulate the production of educational processes of textures through the body and, as a result, increase the number of tools available for students' better appreciation and creation of music

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TABELA DE FIGURAS

Figura 1 - Elementos de reticulado (BOYLE, 1969, p. 56; BIAGGIO, 1975, p. 75) ... 22

Figura 2 - Textura ampla. Berlioz: Agnus Dei, Grande Messe des Morts (Requiem), op. 5, no 10 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 146). ... 32

Figura 3 - Textura estreita. Carter: Eight Etudes and a Fantasy for Woodwind Quartet, III (BENWARD & SAKER, 2009, p. 146). ... 33

Figura 4 - Textura rarefeita. Haydn: Sonata em Sol Maior, Hob. XVI:11, III (BENWARD & SAKER, 2009, p. 145). ... 33

Figura 5 - Textura densa. Taylor: Taylor Made Piano, p. 158, Exemplo B (BENWARD & SAKER, 2009, p. 146). ... 33

Figura 6 - Dobramento de oitava. Souza: Washington Post March (BENWARD & SAKER, 2009, P.147). ... 35

Figura 7 - Borodin: Sinfonia n. 2 (GAULDIN, 2004, p.68). ... 35

Figura 8 - Bach: Invenção n. 5 em Mi Bemol maior, BWV776 (BENWARD & SAKER, 2009, P.148) ... 36

Figura 9 - Bach: Invenção n. 4 em Re menor, BWV775 (BENWARD & SAKER, 2009, P.148) ... 37

Figura 10 - Scotland´s Burning – linha melódica (FINNEY, 1941, p. 55). ... 37

Figura 11 - Scotland´s Burning – tecido polifônico (FINNEY, 1941, p. 55). ... 38

Figura 12 - Sobreposição de canções (FINNEY, 1941, p. 55). ... 38

Figura 13 - Schumann: Scenes of Childhood op. 15 ... 39

Figura 14 - Caccini: Aria Terza, Ard'il mio Petto Misero (COPLAND, 1953, p. 61)... 40

Figura 15 - Mendelssohn: Songs Without Words op. 30, no. 6 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 149) ... 41

Figura 16 - Schumann: “Ich Grolle Nicht” (I Bear No Grudge”) de Dichterliebe, op.48, no. 7 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 149) ... 41

Figura 17 - Owens: “Freely, Freely” (BENWARD & SAKER, 2009, p. 150) ... 42

Figura 18 - Handel: And the Glory of the Lord (GAULDIN, 2004, p. 69) ... 42

Figura 19 - Sem agrupamento (WAGEMANS et a., 2012, p. 1180) ... 51

Figura 20 - Princípio de proximidade (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 51

Figura 21 - Princípio de similaridade por cor (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 52

Figura 22 - Princípio de similaridade por tamanho (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180)52 Figura 23 - Princípio de similaridade por orientação (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180)52 Figura 24 - Princípio de destino comum (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 52

Figura 25 - Princípio de simetria (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180)... 53

Figura 26 - Princípio de paralelismo (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 53

Figura 27 - Princípio de continuidade (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 53

Figura 28 - Princípio de fechamento (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 53

Figura 29 - Princípio de região comum (WAGEMANS et al, 2012, p. 1180) ... 54

Figura 30 - Agrupamento por proximidade em eventos sonoros ... 55

Figura 31 - Ilusão de escala (DEUTSCH, 1999, p. 322) ... 55

Figura 32 - Ilusão de escala (DEUTSCH, 1999, p. 322) ... 56

Figura 33 - Padrão tocado (DEUTSCH, 1999, p. 326) ... 56

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Figura 35 - Agrupamentos por similaridade em eventos sonoros sequenciais e simultâneos

(SNYDER, 2001, p. 40) ... 58

Figura 36 - Áreas com função multissensorial (CALVERT, 2001, p. 1112) ... 66

Figura 37 - Manossolfa (http://www.sing4me.ca/curwen.htm) ... 73

Figura 38 - Princípios pscicológicos de Willems (PAREJO, 2011, p. 93)... 75

Figura 39 - Forma da composição (NEWMAN, 1979, p. 274) ... 80

Figura 40 - Métrica da composição (NEWMAN, 1979, p. 274) ... 81

Figura 41 - Grafismo 1. (SCHAFER, 1991, p. 210) ... 82

Figura 42 - Grafismo 2. (SCHAFER, 1991, p. 211) ... 83

Figura 43 - Representação gráfica de textura. (NEWMAN, 1979, p. 111) ... 86

Figura 44 - Cânone de movimentos (FRAZEE, 2006, p. 168) ... 88

Figura 45 - Polifonia de movimentos (FRAZEE, 2006, p. 168) ... 88

Figura 46 - Textura em verso (FRAZEE, 2006, p.163) ... 89

Figura 47 - Textura em versos 2 (FRAZEE, 2006, p.163) ... 89

Figura 48 - Shimmy, Shimmy Pop (FRAZEE, 2006, p.163) ... 90

Figura 49 - Good News. (FRAZEE, 2006, p.170) ... 90

Figura 50 - Representações visuais das texturas musicais. (FRAZEE, 2006, p.171) ... 91

Figura 51 - (FRAZEE, 2006, p.171) ... 92

Figura 52 - Animação sobre a monofonia (https://www.youtube.com/watch?v=hdyg7nYiMJM) ... 93

Figura 53 - Animação sobre a homofonia (https://www.youtube.com/watch?v=xpscshv3Exk) ... 93

Figura 54 - Animação sobre a polifonia (https://www.youtube.com/watch?v=3jGkGvTJK7A) ... 94

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO INFANTIL ... 16

1.1. Aspectos do desenvolvimento de crianças entre 7 e 11 anos ... 16

1.1.1 – Estágio Operacional Concreto ... 17

1.2. Desenvolvimento Musical ... 28

TEXTURAS ... 32

2.1 Definição do Termo Textura ... 32

2.2 Monofonia ... 34 2.3 Polifonia... 35 2.4 Homofonia ... 39 MULTISSENSORIALIDADE ... 45 3.1 Sentidos ... 45 3.2 Percepção ... 49 3.3 Gestalt ... 50 3.4 Esquema ... 59 3.5 Memória ... 61 3.6 Multissensorialismo ... 64

EDUCAÇÃO MUSICAL E MULTISSENSORIALIDADE ... 69

4.1 Multissensorialidade na Educação Musical... 69

4.2 O Movimento ... 78

4.3 A Visão ... 80

4.4 O Tato ... 89

4.5 Olfato e o Paladar ... 85

4.6 A textura na educação musical. ... 86

CONCLUSÃO ... 95

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INTRODUÇÃO

No início do século XX, despontou nos campos da Filosofia, Psicologia, e Educação, a concepção de que os processos cognitivos estão enraizados de forma profunda nas interações do corpo com o mundo. Atualmente, este tipo de abordagem tem adquirido cada vez mais visibilidade nos estudos relacionados à cognição, realçando a ideia de que a mente deve ser compreendida dentro do contexto que envolve a relação do seu corpo físico, abrangendo todos os seus órgãos dos sentidos, com o mundo que o cerca.

Na educação musical podemos notar essa tendência em considerar a participação do corpo a partir do surgimento dos “métodos ativos”, em outras palavras, propostas pedagógicas que visam primeiramente uma experiência prática para então conduzir ao aprendizado teórico. Considerando o contexto histórico, nota-se uma priorização do ensino de conteúdos ligados à duração, altura e intensidade do som explorados por esse tipo de abordagem. Contudo, com o advento das pedagogias mais modernas onde há uma valorização da composição, criação e produção musical em grupo, torna-se importante a compreensão de como os diversos sons podem ser organizados, especialmente dentro de uma proposta de atividade coletiva.

Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo seguir na mesma direção proposta “pelos métodos ativos” e investigar se crianças com idades entre 7 e 10 anos teriam uma melhor compreensão das texturas musicais (monofonia, polifonia e homofonia), através de experiências multissensoriais, ou seja, experiências que envolvem mais de um órgão dos sentidos. O estudo será estabelecido sobre quatro pilares: os aspectos do desenvolvimento cognitivo infantil, a definição do termo textura, a educação musical e a multissensorialidade.

Essa problemática surgiu a partir de observações e constatações feitas durante minha prática profissional como professora de musicalização. Pude observar que embora os alunos possuíssem conhecimentos relacionados a ritmo e melodias capazes de dar suporte ao improviso solo, ou acompanhado pela professora, as criações coletivas normalmente se mostravam repetitivas, ou seja, sempre muito semelhantes. Além disso, as crianças demonstravam não notar a composição como um todo considerando a parte dos outros colegas. O que elas demonstravam na

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verdade era como se cada uma estivesse realizando um improviso solo concomitante aos colegas.

A partir dessas observações surgiu o desejo de me informar mais sobre como as crianças poderiam aprender a organizar o som coletivamente. Foi então que me deparei com uma discrepância entre o material produzido para o ensino de duração, melodia, andamento, entre outros parâmetros musicais, comparado ao material produzido objetivando a compreensão da textura musical. Esse fato aumentou ainda mais o desejo de buscar conhecimentos não só sobre o tema específico do ensino da textura, mas também de verificar na literatura se abordagens de ensino que utilizam o corpo como ferramenta de aprendizado seriam o melhor caminho, ou ainda, se a idade escolhida para essa pesquisa seria a mais propícia para a compreensão do conceito de textura musical.

O primeiro capítulo buscará na teoria de Jean Piaget o suporte para a compreensão das bases do desenvolvimento cognitivo da criança. Neste trabalho será apresentado um panorama dos principais pontos da teoria de Piaget. Um dos pilares dessa proposta é a concepção de “estágios” ou “períodos”, isto é, a ideia de que as crianças apresentam modos típicos de pensar e agir conforme a faixa etária em que se encontram.

De acordo com a descrição piagetiana, a faixa etária selecionada para essa pesquisa encontra-se no estágio de operações concretas. Mantendo a linha de Piaget, o capítulo também apresenta as características mais marcantes sobre as aquisições cognitivas no campo musical em crianças neste estágio. Busca-se responder às seguintes indagações: quais seriam as principais características do desenvolvimento cognitivo demonstradas por crianças com idades dentro da faixa escolhida para este estudo? A proposta desta pesquisa é adequada para esta faixa etária? Quais seriam as principais aquisições cognitivas de âmbito musical?

O segundo capítulo se propõe a determinar qual será a definição de textura musical que será usada como fundamento para este estudo, visto que existem definições variadas sobre este termo na literatura. Em seguida, o capítulo apresenta uma descrição acompanhada de exemplificações dos três tipos de textura que serão usados neste estudo: monofonia, polifonia e homofonia.

O terceiro capítulo se dedica a investigar o que a literatura tem apresentado sobre como o cérebro processa as informações vindas simultaneamente de diferentes vias sensoriais. Este processo, aliás, é responsável pela construção de uma

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representação interna do que é o “mundo” e a “realidade”. A parte inicial dessa construção ocorre quando os nossos receptores sensoriais são estimulados. Usualmente, é dito que se trata de cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Contudo, o nosso sistema sensorial é muito mais amplo e complexo e, dessa forma, viu-se a necessidade de uma breve exposição sobre os nossos sentidos e seus sistemas, tais como: sistema somestésico (tato, propriocepção, termossensibilidade e dor), sistemas auditivo e visual, os sentidos químicos (olfato e paladar) e a somestesia química.

Após a captação inicial de informações do ambiente, ocorrem a percepção, a formação de esquemas e memórias. Todos esses aspectos serão abordados nesse capítulo. Mas a parte final é reservada especificamente à pesquisa do que a literatura diz sobre o processo de união entre os sentidos, também chamada de “integração multissensorial” ou “multissensorialismo”.

O quarto capítulo apresenta um panorama histórico sobre a relação entre o corpo e a educação musical. Podemos observar que o multissensorialismo está presente em diversas propostas pedagógicas tanto na Educação como na Educação Musical. Este capítulo faz uma exposição das principais pedagogias musicais que se utilizam desse tipo de abordagem, destacando as propostas de Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), Carl Orff (1895 – 1982), Zoltán Kodaly (1882-1967) e Edgar Willems (1890 – 1978).

Podemos observar que a audição ocupa um lugar de destaque no processo de ensino-aprendizagem musical. Contudo, outros sentidos, como a visão, cinestesia, o tato, o paladar, também estão presentes. Em seguida, são apresentadas algumas propostas de atividades direcionadas ao desenvolvimento musical mas que exploram as principais vias sensoriais.

Por fim, é apresentado um levantamento de atividades com uma abordagem multissensorial que tem como objetivo a compreensão dos diferentes tipos de textura: monofonia, polifonia e homofonia.1

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO INFANTIL

1.1. Aspectos do desenvolvimento de crianças entre 7 e 11 anos

O suíço Jean Piaget, nascido em 1896, escreveu ao longo de 70 anos uma extensa obra composta por artigos, monografias e mais de 50 livros sobre os diversos aspectos do desenvolvimento cognitivo da criança. Seu estudo se concentra na natureza do desenvolvimento do conhecimento, em especial, do desenvolvimento intelectual da criança do nascimento até a adolescência (BIAGGIO, 1975; AULT, 1977; RAPPAPORT, 1981; FLAVELL, 1996).

Piaget apresentou uma visão interacionista. Mostrou a criança e o homem num processo ativo de contínua interação, procurando entender quais os mecanismos mentais que o sujeito usa nas diferentes etapas da vida para poder entender o mundo. Sim, pois para Piaget a adaptação à realidade externa depende basicamente do conhecimento (RAPPAPORT, 1981, p. 51).

A principal preocupação de Piaget, segundo Rappaport (1981), era a criação de uma teoria do conhecimento que pudesse explicar como o sujeito conhece o mundo, já que para Piaget existe uma realidade externa ao ser humano que vai atuando sobre ele. A finalidade não é gerar cópias internas da realidade externa, mas sim, de “produzir estruturas lógicas que permitam ao indivíduo atuar sobre o mundo de formas cada vez mais flexíveis e complexas” (Ibid. p. 52).

Vê a criança como que tentando descobrir o sentido do mundo, lidando ativamente com objetos e pessoas. A criança vai construir estruturas mentais e adquirir modos de funcionamento dessas estruturas em função de sua tentativa incessante de entender o mundo ao seu redor, compreender seus eventos e sistematizar suas ideias num todo coerente (RAPPAPORT, 1981, p. 51).

Rappaport (1981) aponta para o fato de Piaget, ao longo de sua vida, ter notado que a interação com o ambiente ocorria de formas distintas comparando faixas etárias

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diferentes. Segundo Ault (1977), embora a tendência de organizar e se adaptar ao ambiente esteja presente em pessoas de todas as idades, a organização e adaptação de um bebê ocorre de modo diferente de uma criança mais velha, um adolescente ou um adulto. Isso porque as formas de comportamento que uma pessoa demonstra num estágio de desenvolvimento se transformam em decorrência da maturação biológica e da experiência com o ambiente que a cerca. Dessa forma, na visão de Rappaport (1981), a criança irá construir a sua inteligência “à medida que amadurece física e psicologicamente, que é estimulada pelo ambiente físico e social” (RAPPAPORT, 1981, p. 63).

Sendo assim, na descrição piagetiana do desenvolvimento intelectual, determinados tipos de aquisições mentais e de organização dessas aquisições que pautam a atuação da criança sobre o ambiente correspondem a determinadas faixas etárias. Aos modos típicos de pensar e agir, Piaget chamou estágio ou período (RAPPAPORT, 1981).

De acordo com Rappaport (1981), os estágios do desenvolvimento fazem parte de um desenvolvimento de natureza considerada relativamente sequencial e fixa, isto é, “consideram o curso de aquisição de comportamentos, aptidões, sentimentos, conhecimentos, etc.” (p. 64). Contudo, é importante salientar que a atribuição das idades para cada estágio não é algo rígido visto que podemos notar a ocorrência de variações individuais.

Em linhas gerais, Piaget estrutura o desenvolvimento intelectual da seguinte maneira (BIAGGIO, 1975; AULT, 1977; RAPPAPORT, 1981; BOYLE, 1969):

I – Estágio sensório-motor (0 a 2 anos); II – Estágio pré-operacional (2 a 6 anos);

III – Estágio de operações concretas (7 a 11 anos); IV – Estágio de operações formais (12 anos em diante).

Como o foco da nossa pesquisa está em crianças de 7 a 11 anos, ou seja, situadas no estágio de operações concretas, a seguir, vamos nos ater aos aspectos fundamentais deste estágio.

1.1.1 – Estágio Operacional Concreto

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Eu chamo de operações concretas porque eles operam sobre objetos mas não sobre hipóteses expressas verbalmente. Por exemplo, existem as operações de classificação, ordenação, de construção da ideia dos números, operações espaciais e temporais, e todas as operações fundamentais de classes e relações da lógica elementar, da matemática elementar, da geometria elementar, e até mesmo da física elementar (PIAGET, 1997, p. 21).

Segundo Beard (1969), “o ‘subperíodo de operações concretas’ começa quando a formação de classes e séries ocorre mentalmente, isto é, quando ações físicas começam a ser “internalizadas” como ações mentais ou ‘operações’” (p. 159). Elkind (1976) complementa que estas operações são um grupo internalizado de ações que possibilitam a uma criança realizar mentalmente o que antes ela tinha que executar com as mãos.

Por exemplo, nos estágios anteriores (sensório-motor e pré-operacional), se fosse dada a uma criança uma peça de um quebra-cabeças ela iria começar imediatamente a tentar resolver, mas por tentativa e erro. Já a criança no estágio das operações concretas, é provável que examine primeiro a peça tentando descobrir qual é o objeto antes de começar a montagem das peças (ELKIND, 1976). Em outras palavras, o quebra-cabeças é primeiramente colocado “dentro” de sua cabeça para então colocá-lo de fato. Isto porque, neste estágio, o pensamento muitas vezes antecede a ação, ao passo que no estágio anterior era comum observar a ação precedendo o pensamento.

Em decorrência dessa interiorização do pensamento, surge também a consciência, por parte da criança, do conteúdo de seus próprios pensamentos, o que lhe permite comparar-se aos demais (RAPPAPORT, 1982). Podemos observar então, trocas de ideias, de experiências e cooperações genuínas. Isso é possível em virtude “da diminuição do egocentrismo, da possibilidade de se colocar no lugar do outro, de entender e discutir suas experiências e pontos de vista” (RAPPAPORT, 1982, p. 47).

No estágio anterior (pré-operatório), alguns aspectos limitavam trocas intelectuais equilibradas, segundo La Taille (1992), por ainda não possuir “uma escala comum de referência, condição necessária ao verdadeiro diálogo” (p.15). O autor exemplifica:

Vendo, por exemplo, crianças de 4 anos conversando entre elas, verifica-se que cada uma pode emprestar definições diferentes às

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mesmas palavras, e que não procuram avaliar essa diferença. Verifica-se a mesma coisa no jogo de regras: cada uma segue as suas próprias, sem parecer sentir necessidade de regular as diferentes condutas a partir de uma referência única (LA TAILLE, 1992, p. 15).

Ainda de acordo com La Taille (1992), durante uma conversa, a criança do estágio pré-operatório não preserva necessariamente as definições e afirmações, ou seja, ela pode fazer uma afirmação mas logo em seguida algo oposto, contudo sem demonstrar achar que essas contradições, de alguma forma comprometam o diálogo. Piaget (1997) completa: “tudo se passa como se faltasse uma regulação essencial ao raciocínio: aquela que obriga o indivíduo a levar em conta o que admitiu ou disse, e a conservar esse valor nas construções ulteriores” (p.163).

Gradualmente, através da capacidade de realizar operações mentais, a criança obterá a capacidade de pensar de maneira lógica, o que permitirá a ela apreciar relações, inclusive aquelas com seus iguais (BEARD, 1969). Desta forma, “poderá entender o conteúdo do pensamento de outro sujeito, ao mesmo tempo que sentirá necessidade de transmitir o seu próprio pensamento e de ver sua argumentação aceita por outras pessoas” (RAPPAPORT, 1982, p. 50).

Segundo Beard (1969), agora pais e professores têm a oportunidade de corrigir concepções errôneas através de discussão, pois quando a criança passa a notar que sua argumentação difere da utilizada pelo adulto e pelas crianças maiores, começa então a se questionar e a transformar sua argumentação, influenciada pela necessidade de uma aceitação social (RAPPAPORT, 1982).

No que se refere à linguagem, quanto mais nova a criança for, maior será a porcentagem de linguagem egocêntrica em relação à linguagem socializada. Mas com o passar do tempo poderá ser verificado um declínio da linguagem egocêntrica em detrimento da linguagem socializada (RAPPAPORT, 1982).

La Taille (1992) esclarece que este pensamento egocêntrico (como o nome sugere, um pensamento “centrado” no “eu”), baseado na tendência de eleger o seu próprio ponto de vista como absoluto, pode conduzir a uma concepção errônea do que representa o egocentrismo na fase operacional concreta. Para o autor, essa forma de colocar o ponto de vista próprio não significa que há uma hipertrofia do “eu” o que conduziria a uma autonomia ou a uma consciência das fronteiras que demarcam o seu “eu” do meio social e físico em que vive. O que realmente ocorre nesse estágio é justamente o oposto: um desconhecimento do seu “eu”, de quais são as suas próprias

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ideias. Isso pode ser observado quando, por exemplo, crianças reproduzem ideias e pensamentos expressos por adultos, contudo, acreditando que as mesmas partiram delas próprias.

Em suma, egocentrismo significa também que a criança ainda não tem domínio de seu “eu” e que, longe de ser autônoma, ainda é heterônoma nos seus modos de pensar e agir. Basta lembrar que, para Piaget e muitos outros, as noções do Eu e do Outro são construídas conjuntamente, num longo processo de diferenciação (LA TAILLE, 1992, p. 16).

Segundo Rappaport (1982), a substituição do pensamento egocêntrico por um pensamento cada vez mais socializado, como vimos acima, referente à linguagem e ao brinquedo, decorre de uma disposição geral do desenvolvimento da inteligência, que tende a caminhar de um pensamento autocentralizado para um pensamento socializado. Rappaport (1982) comenta sobre esse processo:

O egocentrismo está diminuindo rapidamente, e o nosso sujeito do conhecimento deixará de perceber a realidade a partir de si próprio, passando a perceber as contradições de seu pensamento, a sentir necessidade de comprovação empírica de seus julgamentos, a abandonar o pensamento fantasioso, tornando-se capaz de se relacionar com a realidade externa, física e social, de maneira muito mais adequada. Isto porque deixará de tomar a si mesmo como ponto de partida para seus julgamentos e ações e passará a sentir uma necessidade de justificar logicamente suas ideias (RAPPAPORT, 1982, p. 50).

Podemos notar essa tentativa de se aproximar do real no jogo simbólico coletivo. Quando brincam de casinha, de escola, de outros países por exemplo, há uma tentativa de reproduzir a realidade, de se distanciar da fantasia característica da fase anterior onde o brinquedo era uma representação da assimilação do eu ao real. Essa forma de encarar o jogo ainda possui elementos simbólicos, mas está fortemente conectada com o real. (RAPPAPORT, 1982).

Durante o período operatório concreto, ocorre uma sistematização gradual que parte inicialmente, segundo Biaggio (1975), de um método empírico baseado em uma organização assimilativa rica e integrada. Beard (1969) ressalta que as crianças são capazes de dominar relações complexas, tais como classificar ou fazer séries de duas ou mais maneiras simultaneamente, imaginar pontos de observação diferentes dos seus, medir com referência dois eixos ao mesmo tempo e apreciar as “inter-relações

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de um todo com as suas partes ou de uma classe com suas subclasses e assim por diante” (p.161).

De acordo com Flavell (1996), Piaget acredita que “certas estruturas lógico-matemáticas são modelos muito bons da organização do processo de cognição existentes nos anos intermediários e finais da infância” (p.172). Contudo, Piaget utiliza a matemática de uma forma não-quantitativa para definir estruturas e processos psicológicos, isto é, o que ocorre no âmbito cognitivo e não através de medição de resultados através de pontuação, por exemplo. Portanto, podemos considerar essas estruturas lógico-matemáticas como modelos de estrutura cognitiva (FLAVELL, 1996). Piaget descreveu então as estruturas cognitivas típicas deste período como agrupamentos, reticulados e grupos (BIAGGIO, 1975). Segundo Halford (1978, p.9), “um grupo é um conceito matemático abstrato, definido pelas relações entre os elementos”. Já o reticulado trata de classificação, o que está mais visivelmente ligado às atividades mentais das crianças (BOYLE, 1969).

Biaggio (1975) demonstra esse conceito utilizando um cachorro como exemplo. Primeiramente, uma criança em torno dos seus 3 anos identificaria o animal através da palavra “cachorro”. Mais tarde, porém, ela vai aprender que a classe de cachorros pode ser também dividida em “poodles” ou “dálmatas”, por exemplo. Mais adiante, ela aprenderá que o cachorro pertence a um grupo maior, o dos mamíferos, que inclui gatos, cavalos, vacas, etc. A criança irá aprender também que esses mamíferos fazem parte de um grupo ainda maior, o dos animais, e que dentro desse grupo maior existem animais que não são mamíferos. A Figura 1 representa esse esquema de classificações:

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Figura 1 - Elementos de reticulado (BOYLE, 1969, p. 56; BIAGGIO, 1975, p. 75)

Biaggio (1975) amplia a definição de reticulado:

Nós temos aqui elementos de um reticulado que é definido por possuir um limite superior mínimo e um limite inferior máximo, para cada par de classes. Ou seja, para cada par de classes há sempre uma outra classe superior que inclui ambas as classes. Por exemplo, se tomarmos o par: “não-mamíferos” e “poodles”, há a classe de “animais” que inclui ambas. Para o par “cachorros” e “cachorros que não são poodles” há a classe de “mamíferos” que inclui ambos. A classe de mamíferos, nesse último exemplo, é o limite superior mínimo. Podemos então definir o reticulado como uma estrutura cujos elementos estão relacionados de tal forma que quaisquer dois deles tem um limite inferior máximo e um limite superior mínimo (BIAGGIO, 1975, p. 75 e 76)

Para Baldwin (1980), o que define um agrupamento é a inclusão de critérios que permitam os elementos se organizarem “de tal forma que exista algum tipo de transformação, caminho ou relação que, na organização, ligue todo elemento a qualquer outro elemento” (BALDWIN, 1980, p. 237). Para Piaget, esses agrupamentos podem ocorrer de oito formas diferentes, mais um agrupamento preliminar (BEARD, 1969; BOYLE, 1969; BIAGGIO, 1975; SHEPPARD, 1978; RAPPAPORT, 1982; FLAVELL, 1996):

Agrupamento preliminar de igualdades. Percepção de que existem classes ou conjuntos que possuem uma relação de equivalência. A criança deverá ser capaz de perceber que existe uma propriedade específica, que existe um elemento de identidade (A = A), e deverá reconhecer a “equivalência de dois objetos que são iguais em todos os

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aspectos” (RAPPAPORT, 1982, p. 64). Por exemplo, perceber que um círculo azul de cartolina com 10 cm de diâmetro é idêntico a outro círculo azul de cartolina com 10 cm de diâmetro.

I- Hierarquia de classes ou soma primária das classes, compreensão de que uma classe está incluída dentro de outra, o que é necessário para que se possa fazer classificações, como as encontradas na zoologia, botânica e biologia, onde uma classe está incluída dentro de outra (FLAVELL, 1969; BIAGGIO, 1975; SHEPPARD, 1978). No campo da música, por exemplo, poderia ser a compreensão de que uma orquestra é dividida em grupos, como o das cordas, dos sopros e da percussão. II- Soma secundária das classes. Neste agrupamento os elementos são

as classes que se tem quando há várias maneiras de classificar um conjunto de materiais (SHEPPARD, 1978). Em outras palavras, em lugar de uma relação de um para um, podemos agrupar indivíduos fazendo com que um termo corresponda a vários. A criança deve entender que, por exemplo, a classe de gatos é incluída na de não-cachorros. E é importante também compreender que é possível dividir a classe de animais mamíferos em gatos e gatos ou em cachorros e não-cachorros, contudo, a classe maior não se altera (RAPPAPORT, 1982). III- Multiplicação biunívoca de classes. Quando uma criança organiza objetos em subclasses, considerando tanto a forma como a cor, chega a dois sistemas ao mesmo tempo como, por exemplo, quadrados vermelhos, quadrados azuis, quadrados amarelos, círculos vermelhos, círculos azuis (BEARD, 1969). Ou seja, a possibilidade de utilizar classificações múltiplas torna a criança capaz de identificar as quatro classes que resultaram da divisão dos objetos conforme os dois critérios escolhidos (RAPPAPORT, 1982).

IV- Multiplicação counívoca de classes. Esse tipo de multiplicação, chamado de counívoco “(um-para-muitos) no qual um membro de uma série é posto em correspondência com (multiplicado por) muitos membros de cada uma das séries” (FLAVELL, 1996, p.182). Esse agrupamento pode ser ilustrado por uma árvore genealógica onde há a intersecção de classes onde um membro da família pode fazer parte tanto da classe de “filhos de” como “irmão de”, por exemplo (BEARD, 1969; SHEPPARD, 1978).

V- Soma de relações assimétricas. Os agrupamentos anteriores referiam-se a operações feitas sobre classes lógicas. Por outro lado, existem os agrupamentos que “abrangem operações realizadas sobre as relações que podem existir ente dois ou mais indivíduos ou entre duas ou mais classes” (FLAVELL, 1996, p. 183). No caso das relações assimétricas, elas indicam que há diferenças ordenadas entre os elementos (BOYLE, 1969, FLAVELL, 1996) ou seja, identificar as relações que expressem diferenças (BEARD, 1969). Por exemplo, organizar palitos por ordem de tamanho. Aliás, uma tarefa que envolve

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“seriação”, que é o ato de examinar cada elemento (com exceção dos situados nas extremidades) em relação a outro concomitantemente. VI- Soma de relações simétricas. Esse tipo de relação significa que, se A

está relacionado a B, então B mantém a relação com A (SHEPPARD, 1978). É um tipo de agrupamento que também pode ser observado em sistema de parentesco (RAPPAPORT, 1982). Por exemplo, se A é pai de B e C, então B e C são irmãos.

VII- Multiplicação biunívoca de relações. “Descreve as relações que podem existir quando os objetos são ordenados assimetricamente com relação a dois atributos ao mesmo tempo” (RAPPAPORT, 1982, p. 66). Piaget exemplificou esse agrupamento entregando à sua sobrinha bonecas de tamanho variado e sombrinhas de tamanhos variados, solicitando então que ela organizasse as bonecas em ordem de altura e desse a cada boneca uma sombrinha também distribuída por ordem de tamanho (BIAGGIO, 1975).

VIII- Multiplicação counívoca de relações. Refere-se a multiplicação de várias séries simétricas e assimétricas (RAPPAPORT, 1982; BIAGGIO, 1975), permitindo que a criança resolva problemas como: “se A é pai B e B é primo de C, então A é tio de C” (BIAGGIO, 1975, p. 82)

A formação dos agrupamentos vistos acima é baseada em cinco leis ou condições propostas por Piaget (BEARD, 1969; BOYLE, 1969; BIAGGIO, 1975; SHEPPARD, 1978):

1. Composição. Quando se agregam elementos de um agrupamento, eles geram um novo elemento da nova categoria: duas classes diferentes podem ser combinadas em uma classe ampla que envolva ambas. Exemplo: “homens + mulheres = adultos. Ou pode fazer-se uma série de tais combinações. Algebricamente, se indicarmos as classes por letras maiúsculas, com sufixos quando necessário: A + A1 = B, B + B1 = C” (BEARD, 1969, p. 168).

2. Associatividade. Significa que o mesmo resultado final pode ser obtido através de diferentes métodos, o que faz com que o uso deste termo seja mais no sentido lógico do que no sentido matemático. (SHEPPARD, 1978). Exemplo: Meninos + (meninas + mulheres) = (meninos + meninas) + mulheres. Posto de forma algébrica: (A + B) + C = A + (B + C) (BEARD, 1969).

3. Identidade. Para Sheppard (1978), ao adicionar uma classe nula a outra classe, esta classe não se altera e portanto, a identidade pode ser obtida através da combinação de uma classe com a sua respectiva classe inversa.

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“Por exemplo, três quilômetros ao norte + três quilômetros ao sul = 0 quilômetros de distância. Essa é a lei de identidade, que pode ser descrita algebricamente com: A – A = 0” (BEARD, 1969, p. 168).

4. Tautologia. Uma classe adicionada a si própria, ou um grupo que contém apenas um elemento combinado com outro grupo igual, permanece a mesma classe (BIAGGIO, 1975; BEARD, 1969). Por exemplo, homens + homens = homens (BEARD, 1969). Posto em equação: A + A = A. Porém, quando se trata de números, quando um elemento adicionado a si próprio resulta em um número novo, por exemplo, 2 + 2 = 4. Essa é a lei de iteração: A + A= 2A (BEARD, 1969; SHEPPARD, 1978).

5. Reversibilidade. Toda combinação é reversível (SHEPPARD, 1978; BEARD, 1969). Assim as duas classes anteriormente combinadas, por exemplo: homens + mulheres = adultos, podem ser separadas novamente: adultos – mulheres = homens. Se substituirmos as classes por números, podemos dizer que cada original de um grupo compreendem uma operação inversa: subtração para adição, divisão para multiplicação. A + A1 = B, então A = B – A1 ou A1 = B – A (BEARD, 1969).

A aquisição da noção de reversibilidade apresenta um papel muito importante nas transformações cognitivas ocorridas no estágio das operações concretas. Podemos observar isso na expansão que autores como Piaget (1967), Boyle (1969), Richmond (1970) e Elkind (1976) deram a esse conceito e seu papel no desenvolvimento da criança.

Piaget (1967) exemplifica a reversibilidade através da divisão de um conjunto de objetos em quatro partes iguais. O grupo inicial pode ser novamente encontrado se uma dessas partes for multiplicada por quatro. Portanto, segundo Piaget (1967, p. 168 e 169) a reversibilidade ocorre “quando, a partir do resultado desta operação, se pode encontrar uma operação simétrica com relação à primeira e que leva de volta aos dados desta primeira operação, sem que estes tenham sido alterados”.

Boyle (1969) aponta que é nesta fase que a reversibilidade se desenvolve por completo, e é fator essencial para que a criança seja capaz de solucionar problemas que envolvam a compreensão de invariância de determinadas propriedades, mesmo que haja mudanças em outras.

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De acordo com Richmond (1970), a reversibilidade se apresenta através de duas maneiras: inversão (alternativamente – negação ou eliminação) e reciprocidade (alternativamente – simetria ou equivalência). A inversão pode ser vista quando, por exemplo, uma lata cheia de grãos é esvaziada após ter sido cheia. A outra forma de reversibilidade podemos encontrar quando, por exemplo, ao mudar a posição da cabeça, os olhos se movimentam para conseguir manter a visão no objeto. Contudo, Richmond chama a atenção para um fato importante:

Quanto à reversibilidade das ações mentais, o período das operações concretas tem uma restrição de suma importância. As duas formas de reversibilidade - inversão e reciprocidade - permanecem como sistemas operacionais separados. Assim, enquanto a criança executa uma operação com uma classe de inversão, ou opera em uma relação para formar uma equivalência, ele não pode utilizar ambas as formas de reversibilidade, ao mesmo tempo (RICHMOND, 1970, p. 47).

Elkind (1976) sugere que é através da reciprocidade que a criança tem a capacidade de criar uma noção de unidade quando, por exemplo, considera que dois objetos são iguais em determinados aspectos, podendo, contudo, também observar que possuem diferenças. De acordo com o autor, a formulação dessa unidade permite uma “quantificação da experiência em todos os seus muitos domínios” (ELKIND, 1976, p. 94).

Rappaport (1982) destaca também que, além da noção de reversibilidade, é importante compreender o conceito de invariância e conservação. Até o estágio anterior, a criança fazia julgamentos influenciada pela intuição, ou seja, por julgamentos altamente baseados na percepção imediata e, portanto, passíveis de muito erros. (BIAGGIO, 1975; ELKIND, 1976; SHEPPARD, 1978; RAPPAPORT, 1981). Mas, para Rappaport (1982), ao caminhar para o estágio das operações concretas, ela vai descobrindo a “presença de um sistema fixo de referência, independente da percepção, da representação e da informação linguística” (p. 52). Para isso, é necessária a formação de um referencial coerente e organizado de esquemas conceituais.

Na definição de Sheppard (1978), “conservação é a consciência da invariância de material, apesar de certas transformações” (p. 27). Basicamente é uma operação lógica pela qual o sujeito mantém as magnitudes e relações apesar de deslocamentos ou de transformações perceptuais de qualquer natureza (RAPPARPORT, 1982).

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Dessa forma a criança pode aplicar essa noção em relação a conservação de massa, peso, volume, número, comprimento, espaço, e assim, demonstrar a quantificação de seu pensamento (BIAGGIO, 1975; ELKIND, 1976, AULT, 1977; SHEPPARD, 1978; RAPPAPORT, 1981).

Contudo, Richmond (1970) ressalta que tanto as operações envolvendo a conservação como as apresentadas anteriormente, ainda carregam limitações por serem uma autonomia recém obtida. Não podemos esquecer que as ações mentais através das quais as classes e as relações são formadas, em grande parte suportam um ambiente perceptual. Este ambiente pode ser classificado de uma série de maneiras e equivalências podem ser criadas, mas a atividade não está muito longe de reorganizar mentalmente o que também poderia ser reorganizado fisicamente.

Um mal-entendido comum sobre a aprendizagem persiste durante este período. Pelo fato de a criança de escola elementar poder resolver problemas em sua cabeça por meio da manipulação simbólica, é frequentemente assumido que ela não precisa mais de coisas para pensar ou raciocinar a respeito. Em muitas escolas e casas, as crianças são cercadas por livros, pela televisão, e por pouco mais. O que está implícito neste arranjo ambiental é a suposição de que a criança, como o adulto, agora pode viver confortavelmente em um mundo abstrato do símbolo. Isto é, no entanto, uma premissa falsa. Crianças operacionais concretas de fato podem resolver os problemas mentais, mas os próprios problemas têm de ser relacionados com o material e não apenas símbolos. As crianças pensam de forma mais eficaz sobre as coisas (ELKIND, 1976, p. 97).

Contudo, não significa que as operações não possam ser realizadas sobre experiências do passado ou referentes a um “mundo de fantasia, como, por exemplo, quando experiências antigas são recriadas em jogo, ou quando o pensamento é acerca de fadas, gnomos ou anjos” (RICHMOND, 1970, p. 46). Nesses casos, essas representações mentais estão sujeitas aos modos de pensar que estão em vigor neste período (RICHMOND, 1970).

Em suma, no período das operações concretas é notável a interiorização do pensamento, bem como suas implicações em outros aspectos. Contudo, a formação dessas representações mentais ainda permanece essencialmente ligadas à realidade empírica.

A seguir, faremos um panorama do desenvolvimento musical das crianças, tendo como base a teoria criada por Piaget acerca dos aspectos cognitivos referentes à faixa etária selecionada para a nossa pesquisa, como vimos anteriormente.

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1.2. Desenvolvimento Musical

Muito embora as pesquisas na área da cognição dediquem considerável atenção em determinar como a estrutura das representações internas se transformam com a idade, pouco se sabe, no entanto, a respeito do desenvolvimento da representação cognitiva das estruturas musicais (KRUMHANSL & KEIL, 1982). Essas estruturas envolvem as habilidades inatas, as aprendidas e a influência do contexto cultural (TILLMAN, 2001; TREHUB & HANNON, 2006).

A pesquisa sugere que o desenvolvimento dessas habilidades é evidenciado por mudanças progressivas nas habilidades musicalmente relevantes dos indivíduos e que essas mudanças ocorrem em camadas e padrões cumulativos. Bem como Piaget, um número de investigadores descreveu alterações nas capacidades musicais como progresso individual através de vários estágios de crescimento (CAMPBELL, 1991; GARDNER, 1973, 1982, 1983; SERAFINE, 1983a, 1983b, 1988; ZIMMERMAN, 1982, 1986 apud GOODING & STANDLEY, 2011, p.1).

Piaget propõe que por volta dos 7 anos ocorrem transformações significativas nas habilidades cognitivas gerais. Uma característica muito marcante dessa mudança é a noção da conservação de quantidades, como vimos no capítulo anterior. Segundo Sloboda (2008), vários pesquisadores tentaram criar tarefas musicais análogas, que pudessem demonstrar essas transformações no campo musical.

Um dos exemplos citados por Sloboda (2008) e Zimmerman (2011) é o experimento realizado por Pflederer em 1964, em que foi perguntado às crianças se uma mesma melodia que foi tocada em dois andamentos diferentes era igual ou diferente. Do grupo de crianças com 5 anos, somente 50 por cento achou que as melodias eram iguais. Contudo, essa proporção aumentou para 94 por cento no grupo de crianças em torno dos 8 anos.

De acordo com estudos realizados por Sims (2005) e Werner (2007), quando a criança entra na escola ela desenvolve a capacidade de ouvir seletivamente. Esta escuta direcionada aumentaria o comportamento focado e a duração da escuta. Este é um desenvolvimento muito importante, pois permite que as crianças se concentrem em aspectos musicais específicos e mais para frente, por volta dos 10 anos, consigam

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focar a atenção em aspectos não dominantes da música (GOODING & STANDLEY, 2011).

Hargreaves e Zimmermann (1992) comentam um estudo realizado por Petzold nos Estados Unidos na década de 60. Após investigar o desenvolvimento da percepção auditiva, Petzold (1966) sugere que a maturação tem um papel importante no desenvolvimento musical.

Seus resultados mostravam que, para a maioria das tarefas, há uma espécie de patamar na percepção auditiva, que é atingido por volta dos 8 anos de idade (normalmente terceira série do ensino fundamental), com indícios de que o desenvolvimento mais significativo ocorre entre os 6 e os 7 anos (primeira e segunda séries do ensino fundamental (HARGREAVES & ZIMMERMAN,1992, p. 253).

A ideia de que a idade é um fator considerável no desenvolvimento musical é reforçada por Zenatti (1985), que aponta para um notável desenvolvimento do senso de tonalidade por volta dos oito anos. Zimmermann (2011) mostra-se ainda mais enfática ao afirmar que “as idades de seis a oito são marcadas por um rápido avanço na percepção melódica” (p. 28) o que, segundo Warrener (1985), faz com que as crianças sejam capazes de cantar uma canção sem alterar a tonalidade, com uma amplitude vocal de aproximadamente uma oitava (GEMBRIS, 2006). Essa evolução no campo da discriminação de alturas e memória tonal tende a ter um desenvolvimento mais estável depois dos nove anos (ZIMMERMAN, 2011).

Com relação à percepção de múltiplos sons simultaneamente, Zimmermann (2011) cita dois experimentos realizados com crianças francesas com idades entre 6 e 16 anos. O primeiro investigava a percepção de linhas polifônicas em uma fuga, e o segundo, a relação entre a percepção melódica e um senso de tonalidade.

Os resultados indicaram que a atividade perceptiva desenvolve com a idade, tal como demonstrado por um aumento da capacidade de seguir os sujeitos de uma polifonia simples. A percepção de melodias tonais também aumenta com a idade, com um acentuado desenvolvimento de um senso de tonalidade ocorrendo aos oito anos de idade (ZIMMERMANN, 2011, p. 9).

De acordo com Zenatti (1969), aos oito anos as crianças são capazes de notar quando ocorre uma cadência interrompida e mudanças bruscas na tonalidade ou modo, e aparentemente poderiam distinguir o final de uma música a partir de uma

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cadência final. Contudo, Serafine (1988) diz que o retorno à tônica (cadência perfeita) é geralmente entendido aos 10 anos.

Passando para as habilidades rítmicas, estudos demonstram que há algumas evidências que indicam uma sequência de desenvolvimento na aquisição de conceitos rítmicos, que se daria da seguinte forma: pulso, padrões de ritmo (e os ostinatos), métrica, com a métrica se desenvolvendo em torno de 9 anos de idade, e por fim o compasso (ZIMMERMAN, 2011; HARGREAVES & ZIMMERMAN, 1992).

Jones (1979) relatou que o conceito de compasso parece desenvolver-se após os 9,5 anos de idade. Cox (1977) estabeleceu um padrão de desenvolvimento semelhante. Num estudo de conservação do compasso, Serafine (1975) concluiu que por volta dos 9 anos de idade há evidências de um estágio final de conservação de compasso (HARGREAVES & ZIMMERMAN, 1992, p. 256).

Contudo, Reifinger (2006) ressalta que se não houver treino, a capacidade de melhorar o desempenho rítmico não ocorre após os 7 anos.

Uma pesquisa sobre as habilidades de escuta de crianças entre 8 e 9 anos, observou que 81 por cento das crianças testadas foram capazes de conceituar padrões rítmicos, na medida em que movimentos corporais proporcionavam representações acuradas desses padrões. Entretanto, elas não conseguiram relacionar os sons de padrões tonais à notação. Zimmermann (2011) sugere que isso pode ser um indicativo de que o desenvolvimento de conceitos rítmicos precede os conceitos melódicos. Ressalta, porém, que é importante notar que não foi usado o mesmo parâmetro nas duas investigações, visto que em um foi solicitada uma resposta física e no outro uma resposta através de leitura.

Essa faixa etária também revela um aprimoramento e controle das habilidades motoras que proporcionam uma maior competência “para tocar certos instrumentos, especialmente os instrumentos melódicos simples tais como o xilofone ou o teclado” (GOODING & STANDLEY, 2011, p. 38). Com relação ao piano, para Zimmermann (2011), o momento ideal para o estudo dedicado parece ocorrer por volta dos 7 anos: “o sentido cinestésico, que é extremamente importante, está adequadamente desenvolvido neste momento” (p. 26).

Se tivéssemos que descrever, em poucas palavras, a principal tendência do desenvolvimento musical, entre os cinco e os 10 anos,

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poderíamos dizer que ela se refere à conscientização reflexiva crescente a respeito das estruturas e padrões que caracterizam a música, já implícitos no repertório passivo da criança (SLOBODA, 2008, p. 278).

Segundo Nunes (1999), esses padrões e convenções musicais podem ser descritos como organizações melódicas, rítmicas e frasais que se repetem. Swanwick (2003) aponta que essa fase é marcada pelo interesse em reproduzir convenções e padrões musicais, visando se aproximar cada vez mais de uma ação adulta. Há um desejo de se tornar proficiente nas convenções musicais, portanto, os professores devem satisfazer a busca por uma maior competência nesse aspecto. O elemento importante nessa fase, para Swanwick (2003), seria o trabalho das estruturas que compõem o idioma musical.

Uma dessas estruturas presente na música é conhecida como textura, foco principal no nosso trabalho. A seguir, apresentamos uma definição do conceito usado como base para o desenvolvimento da presente pesquisa.

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CAPÍTULO 2

TEXTURAS

2.1 Definição do Termo Textura

A sonoridade de uma música está diretamente ligada à forma com que o compositor emprega e utiliza instrumentos e vozes, tal qual cores sendo misturadas para criar uma combinação de diversas matizes. Isso, segundo Benward e Saker (2009), concede beleza à música.

De acordo com Benward e Saker, o termo textura “refere-se à forma como os materiais melódicos, rítmicos e harmônicos se entrelaçam em uma composição” (2009, p. 145), mas pode também ser descrito em termos de densidade e amplitude (p.145). No que se refere à amplitude de uma textura, ela pode ser descrita como ‘ampla’ (Figura 2) ou ‘estreita’ (Figura 3), dependendo da distância intervalar entre as notas mais graves e mais agudas (BENWARD & SAKER, 2009). Na Figura 2 nota-se uma distância entre os intervalos maior do que no trecho da Figura 3:

Figura 2 - Textura ampla. Berlioz: Agnus Dei, Grande Messe des Morts (Requiem), op. 5, no 10 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 146).

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Figura 3 - Textura estreita. Carter: Eight Etudes and a Fantasy for Woodwind Quartet, III (BENWARD & SAKER, 2009, p. 146).

Segundo Berry (1976), a densidade seria o aspecto quantitativo da textura, ou seja, o número de eventos sonoros concomitantes (a espessura do tecido), juntamente com o grau de "compressão" dos eventos dentro de um determinado espaço intervalar. Ela é descrita muitas vezes como ‘densa’, quando possui muitas vozes ou partes e ‘rarefeita’, quando é composta de poucas vozes (BENWARD & SAKER, 2009, p. 145), como podemos observar nos dois exemplos abaixo, sendo o primeiro (Figura 4), uma demonstração de uma textura ‘rarefeita”, e o segundo (Figura 5), de uma textura ‘densa’.

Figura 4 - Textura rarefeita. Haydn: Sonata em Sol Maior, Hob. XVI:11, III (BENWARD & SAKER, 2009, p. 145).

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O termo textura, no contexto musical, foi empregado sob diferentes perspectivas e abordagens, dificultando assim a formação de um conceito universal que atenda às variadas abordagens conservando uma relação significativa entre elas (FALCON, 2011). Tendo em vista a diversidade de terminologias aplicadas à textura e o escopo deste trabalho, nos deteremos nas categorias tradicionais dando enfoque à relação melodia/acompanhamento. Desta forma, no escopo desta pesquisa definimos que:

Textura é o número de eventos sonoros ocorrendo simultaneamente, e a relação entre eles.

2.2 Monofonia

Os tipos mais comuns de textura encontrados na literatura são monofonia, polifonia, homofonia e heterofonia. A música monofônica, ou monódica, é aquela com apenas uma linha melódica e sem acompanhamento (COPLAND, 1953; GAULDIN, 2004; TUREK, 1996; BENWARD & SAKER, 2009; KIEFER, 1973; GROUT & PALISCA, 1988; BENNETT, 1986).

Na Grécia antiga, a textura das músicas era essencialmente monofônica (COPLAND, 1953), assemelhando-se em muitos aspectos a textura das músicas da igreja cristã primitiva. Nessa época era comum instrumentos acompanhantes executarem a mesma melodia (KIEFER, 1973). Esses instrumentos tinham a função de embelezar “a melodia em simultâneo com a sua interpretação por um conjunto de cantores” (p. 19) e assim criando outro tipo de textura que não monofônica (GROUT & PALISCA, 1988).

O canto monódico teve o seu auge na música Ocidental durante a Idade Média no desenvolvimento do canto gregoriano ou cantochão (COPLAND, 1953 e KIEFER, 1973). Há exemplos de escrita monofônica depois deste período nas sonatas escritas nos séculos XVIII e XIX para instrumentos solo como violoncelo e flauta (COPLAND, 1953). Mas “devido a séculos de acompanhamento harmônico, essas peças de apenas uma voz muitas vezes sugere uma harmonia implícita, muito embora não esteja realmente soando” (COPLAND, 1953, p. 60).

De acordo com Benward e Saker (2009), esse tipo de textura pode ser expandido dobrando as vozes em oitavas. “Havendo um intervalo de oitava entre as

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vozes (no caso de cantarem homens e mulheres), o canto continua sendo monódico, pois de forma alguma surge a impressão de linhas melódicas distintas” (KIEFER, 1973, p. 56). Um exemplo de dobramento de oitavas é mostrado na figura 6:

Figura 6 - Dobramento de oitava. Souza: Washington Post March (BENWARD & SAKER, 2009, P.147).

A maior ocorrência de textura monofônica dá-se em momentos em que o compositor intenciona “concentrar a atenção em uma única linha, e deste modo produzir um efeito similar a um espaço aberto numa paisagem” (COPLAND, 1953, p. 60). A monofonia também pode ser observada em passagens curtas que tendem a ocorrer na abertura de uma peça ou em algum ponto de clímax (GAULDIN, 2004). Um exemplo desse tipo de uso é o início do primeiro movimento da Sinfonia n. 2 de B. Borodin, apresentado na Figura 7:

Figura 7 - Borodin: Sinfonia n. 2 (GAULDIN, 2004, p.68).

2.3 Polifonia

Há momentos em que a textura deixa de conter apenas uma única voz e “se torna uma teia de linhas melódicas” (FINNEY, 1941, p. 54), que passa a se chamar polifonia. Nas palavras de Palestrina, o compositor com o qual a polifonia coral atingiu

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na segunda metade do século XVI o auge da sua beleza e expressividade (BENNETT, 1986), a polifonia é “o deleite das vozes misturadas em harmonia” (FISK, 1997, p. 8). A textura polifônica consiste na combinação simultânea de duas ou mais linhas movendo-se independentemente ou por imitação umas em relação às outras, em planos diferentes, onde as melodias se sobrepõem (BENWARD & SAKER, 2009; GAULDIN, 2004; RIGONELLI & BATALHA, 1972; LESTER, 1989; KIEFER,1973; TUREK, 1996; BENNETT, 1986).

O termo polifonia às vezes é usado como sinônimo de contraponto, contudo, a polifonia é um termo mais geral, englobando qualquer música que realce diversas vozes. No contraponto, porém, “cada voz mantém seu próprio contorno melódico e identidade rítmica, produzindo uma rede de partes entrelaçadas” (GAULDIN, 2004, p. 70). Kiefer (1973) comenta sobre o uso do termo contraponto:

A palavra contraponto (do latim: punctus-contra-punctum) vem das origens da polifonia (Idade Média), isto é, de um tempo em que os compositores tomavam como ponto de partida uma melodia previamente dada – do cantochão ou, eventualmente, do repertório popular – juntando a ela outra melodia, de sua invenção, nota-contra-nota ou, em latim, punctus-contra-punctum (KIEFER,1973, p. 66).

O contraponto pode ter sua construção baseada em linhas independentes, como exemplificado na Figura 8, ou a partir de melodias com imitações entre as vozes, como mostra a Figura 9:

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Figura 9 - Bach: Invenção n. 4 em Re menor, BWV775 (BENWARD & SAKER, 2009, P.148)

Segundo O´Brien (1987), uma outra maneira de se obter uma textura polifônica é quando uma melodia é executada em forma de cânone. Entre os tipos de polifonia, o cânone é bastante familiar não só aos ouvintes como também aos performers. Para Finney (1941), embora o cânone é composto de uma única melodia, ela fornece material melódico para a criação do tecido polifônico (FINNEY, 1941), ao combinar a execução dessa única linha melódica em diferentes momentos ao longo da música (FINNEY, 1941). Um exemplo é Scotland’s Burning (Figura 10):

Figura 10 - Scotland´s Burning – linha melódica (FINNEY, 1941, p. 55).

Esta melodia apresentada em forma de cânone cria o seguinte tecido polifônico (Figura 11):

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Figura 11 - Scotland´s Burning – tecido polifônico (FINNEY, 1941, p. 55).

Outra forma de polifonia bastante comum é a que combina dois ou mais motivos melódicos diferentes. O exemplo dado por Finney (1941), é o de cantar The Spanish

Cavalier ao mesmo tempo que My Name is Solomon Levi, o que segundo o autor,

pode ter um resultado bastante “barulhento” (Figura 12):

Figura 12 - Sobreposição de canções (FINNEY, 1941, p. 55).

Um exemplo mais recente é a prática da polifonia durante as jam sessions (FINNEY, 1941). “Aqueles que estão familiarizados com esse tipo de música são os primeiros a sugerir que uma apreciação e entendimento apropriados demandam considerável estudo por parte do ouvinte” (FINNEY, 1941, p. 56).

No cenário brasileiro, um exemplo de polifonia aparece claramente no final da música Roda-Viva de Chico Buarque com a participação do grupo MPB4. Mais

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especificamente, a partir do minuto 3:10 os temas musicais e poéticos retornam distribuídos entre as vozes.

Kiefer (1973) ao se referir à polifonia, menciona que é frequente o uso da expressão “música de caráter horizontal ou música de construção linear”. Contudo, ressalta que é importante lembrar que a dimensão vertical também se encontra presente. O´Brien (1987) dá continuidade a esse pensamento ressaltando que a polifonia é definida como diversas melodias soando simultaneamente, resultando em harmonia (p. 209). Finney (1941) reforça essa ideia:

Harmonia. O entrelaçamento das linhas na textura polifônica resulta em uma combinação vertical de sons que, quer eles apareçam na música como resultado das melodias simultâneas ou como entidades mais estreitamente independentes (p. 62).

2.4 Homofonia

A harmonia é um recurso que pode ser usado como “pano de fundo para uma ação musical que está em primeiro plano” (COOPER, 1974, p. 63), criando mais uma variedade de textura, chamada homofonia. Essa forma de textura é composta de “uma melodia cantada ou tocada por um instrumento (ou diversos em uníssono) com acompanhamento” (O´BRIEN, 1987, p. 207), que lhe fornece suporte rítmico e harmônico (BENWARD & SAKER, 2009, p. 149). A Figura 13 exemplifica a textura mais comumente encontrada na música ocidental (O´BRIEN, 1987):

Figura 13 - Schumann: Scenes of Childhood op. 15

Copland (1953) menciona que a homofonia foi uma “invenção” dos compositores dos primórdios da ópera que encontraram uma forma “mais direta de

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transmitir a emoção gramática e uma definição mais clara do texto” (p. 60), com base nos ideais da Grécia e Roma antigas (FISK, 1997, p.10).

A revolução estilística que assinala o começo do Barroco trouxe consigo a melodia acompanhada. Não só na ópera, que nasce nessa época (final do séc. XVI), mas também em inúmeras peças curtas (ex:

Le Nuove Musiche de Caccine) observamos isto: o interesse melódico

concentra-se numa só voz; o resto são encadeamentos de acordes, instrumentais ou vocais, que sustentam a linha melódica (KIEFER, 1923, p. 56 e 57).

Giulio Caccini (1550-1618) expoente do estilo recitativo no início da ópera barroca, no prefácio de Le Nuove Musiche escreve:

(…) o tipo de música que, não permitindo que as palavras sejam claramente entendidas, distorce a ideia e a prosódia, ora alongamento, ora encurtando as sílabas para fazê-los caber no contraponto, destruindo a poesia.(...) Pois se é para penetrar a mente das outras pessoas e produzir esses efeitos maravilhosos admiradas pelos escritores, não pode ser alcançado por contraponto na música moderna, especialmente quando uma voz canta sobre um acompanhamento de cordas e nem uma palavra é entendida por causa da aglomerado de passagens de sílabas curtas e longas, (...) É por isso que eu criei essas canções para voz solo, pois pareceu-me que tinha mais poder para agradar e mover o ouvinte do que muitas vozes cantando juntos (FISK, 1997, p. 11 e 12).

A Figura 14 é um exemplo apresentado por Copland (1953) do despontar da homofonia nas obras de Caccini que demonstra, através de um simples acompanhamento por acordes, a inovação deste compositor na perspectiva histórica:

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“O acompanhamento é o elemento da textura que ‘cola a peça’, cobre as costuras temáticas e estruturais do compositor, e estabelece uma continuidade do som” (COOPER, 1974, p. 63). Esse recurso pode se apresentar de diversas formas e configurações (KIEFER, 1923; O´BRIEN, 1987).

Existem várias maneiras de fornecer acompanhamento para uma melodia. Pode ser usado tríades simples em posição fundamental ou com inversões. Acordes podem ser arpejados, isto é, as notas sendo tocadas sucessivamente, uma após a outra, em vez de simultaneamente. Um padrão de acordes repetidos chamado ostinato (como um baixo de boogie-woogie) pode ser posta em jogo. Na maioria dos casos, tal acompanhamento reforça o pulso e a métrica (O´BRIEN, 1987, p. 208).

Os dois trechos abaixo nos proporcionam um exemplo de harmonia arpejada (Figura 15) e de harmonia em ostinato (Figura 16):

Figura 15 - Mendelssohn: Songs Without Words op. 30, no. 6 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 149)

Figura 16 - Schumann: “Ich Grolle Nicht” (I Bear No Grudge”) de Dichterliebe, op.48, no. 7 (BENWARD & SAKER, 2009, p. 149)

A melodia também pode ganhar um suporte rítmico e harmônico quando o acompanhamento combina “material rítmico semelhante em todas as partes. Esta

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textura é muitas vezes descrita como ‘estilo hino’, ‘homofonia cordal’, ou ‘textura cordal’” (BENWARD & SAKER, 2009, p.150), como mostrado na Figura 17, especialmente quando encontrada em muitas harmonizações para coral a quatro vozes (TUREK, 1996).

Figura 17 - Owens: “Freely, Freely” (BENWARD & SAKER, 2009, p. 150)

Normalmente focamos a escuta na voz mais aguda, contudo, Gauldin (2004), chama a atenção para o fato de que a linha melódica principal pode estar nas vozes internas ou no baixo, como em And the Glory of the Lord (Figura 18), trecho do

Messias de Handel.

Figura 18 - Handel: And the Glory of the Lord (GAULDIN, 2004, p. 69)

A homofonia pode variar na sua estruturação (KIEFER, 1973), como vimos acima, mas “desde que haja uma melodia principal com acompanhamento harmônico, a textura é considerada homofônica” (O´BRIEN, 1987, p. 208).

Como mostrado neste capítulo, a textura tem sido muitas vezes categorizada como “monofônica (uma única melodia), polifônica (várias partes de importância relativamente igual soando juntas), e homofônica (melodia principal com acompanhamento)” (LESTER, 1989, p. 33). Contudo, Lester (1989) adverte que pode não ser tão simples enquadrar uma música em uma dessas divisões:

Referências

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