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SociologiadeMarxResumoRápido

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Resumo rápido da Sociologia de Marx

Prof. João Borba, Maio/2009

Assim como Saint-Simon e Proudhon, Marx também vê a sociedade dividida em várias camadas sócio-econômicas que vão dos mais ricos e poderosos aos mais pobres, e também conclui que uma dessas camadas explora as demais. Concorda com Proudhon em não considerá-la como camada dos “ociosos” (como Saint-Simon fazia), e também como Proudhon, a considera como a camada dos que, ociosos ou não, usam a força de trabalhado dos outros para conseguir riqueza e poder às custas deles, ou usam a ingenuidade e passividade dos outros para conseguir mais poder político. Para Marx continua valendo a idéia de que os grandes industriais e donos de terras, que enriquecem utilizando a força de trabalho dos operários e camponeses, fazem parte do grupo dos “exploradores”, mas aqui surge a primeira grande diferença em relação a Proudhon: para Marx, os governantes não fazem necessariamente parte desse grupo.

Marx concorda com Proudhon que o clero (que Saint-simon já colocava no grupo dos ociosos) ajuda os governantes e grandes proprietários a explorarem o povo. De que modo? Ensinando o povo a venerar e adorar autoridades, através do modelo de uma autoridade suprema que seria Deus. Mas acha que pelo modo como o governo está organizado, os governantes acabam ajudando os exploradores, assim como o clero os ajuda. Mas a ajuda do governo é de outro tipo: enquanto o clero ensina o povo a respeitar os mais ricos e poderosos, ou então a se alienar da realidade imaginando um paraíso fora desse mundo (e deixando de se preocupar com os problemas sociais, políticos e econômicos), o governo protege os economicamente mais poderosos com leis favoráveis a eles, e com força policial e militar para fazer valerem essas leis e evitar qualquer rebeldia. Para Marx, o governo só age deste modo porque está nas mãos da classe econômica mais rica, porque na verdade é apenas um instrumento, um modo de se fazer leis, gerenciar a sociedade e usar força armada para prevenir ou remediar rebeldias. Se estivesse nas mãos dos trabalhadores, faria leis favoráveis a eles, administraria a sociedade de modo a ajudá-los e usaria sua força só contra os inimigos do povo, impedindo que os exploradores voltassem a tomar o controle.

Quanto às religiões, lembremos o que Proudhon pensa: ele acha que o que existe, por detrás delas, é uma fraqueza humana insuperável (e que portanto sempre vão existir religiões ou alguma coisa do gênero que as substitua. Acha que nossa fraqueza humana insuperável nos faz procurarmos segurança em fantasias, para podermos suportar as contradições e transformações do mundo e da vida. E acha, finalmente, que Deus é uma espécie de imagem distorcida que os homens fazem da própria sociedade, que é a verdadeira força, mundana, real e natural, que está presente por detrás dessa autoridade que parece “sobrenatural”. Marx dá muito menos importância às religiões: acha que são “o

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ópio do povo”, uma espécie de vício barato que deixa as pessoas entorpecidas, alienadas, como que delirando com sonhos sobre um paraíso após a morte. Mas acha que esse vício faz parte das ferramentas usadas pelos poderosos para dominarem o povo — não que façam isso de propósito, mas a própria engrenagem do poder econômico faz os mais ricos começarem a valorizar cada vez mais esse vício religioso, e faz com que esses valores passem constantemente para o povo também, e o resultado uma tendência de todos a temerem qualquer mudança, uma tendência no sentido de se conservar as coisas como estão (o que é favorável para os mais ricos). Marx acha que não adianta ficar lutando contra a religião: é preciso pensar em mudar o que está nas bases de toda essa situação, o que está nos fundamentos dela. A religião é só uma das várias “coberturas” de superfície que ajudam a situação a se manter sempre a mesma. Quando as bases da situação forem transformadas e a situação inteira mudar desde os seus fundamentos, derrubando do poder os exploradores, a própria religião vai acabar perdendo o sentido e desaparecer sozinha.

Para Marx não interessa tanto pensar se estamos num mundo em que as coisas estão se transformando microscopicamente a cada segundo por causa de milhões e milhões de pequenas contradições etc. etc. etc., e se nós suportamos ou não suportamos viver com isso. Essas preocupações de Proudhon, para Marx, parecem supérfluas, desnecessárias. O que importa é prestar atenção diretamente no mundo das relações humanas, econômicas, políticas e sociais. O que interessa como são as coisas em um plano microscópico que nem enxergamos? O que interessa por que se damos nomes fixos para as coisas ou não damos, e por que é que fazemos isso? Muito mais importante é estudar a História humana e a economia; entender como foi que chegamos nessa situação de exploração da imensa maioria dos homens por uns poucos homens, e por quais caminhos poderemos talvez sair disso.

Marx acha importante sim examinarmos (como fez Proudhon) por que é que as pessoas consideram “sagradas” e dignas de respeito quase religioso coisas como a propriedade ou o governo. a figura do rei é considerada inclusive sagrada, como se representasse um poder ainda superior e ainda mais sagrado, o poder de Deus. Mas acha que a resposta para isso é bem mais simples: as pessoas pensam assim porque foram sendo acostumadas a vida toda a pensarem assim. Isso ocorreu através do poder do mais ricos para comunicarem e passarem adiante a sua forma de pensar, sentir e se comportar, como se todos devessem aceitar esse mesmo modo de viver e fosse algo “muito feio” e condenável pensar, sentir ou se comportar de outro modo. Isso é ensinado e reafirmado para as pessoas o tempo todo pelos pais, pela escola, pela mídia, pela Igreja e até pelos amigos. É o que os marxistas chamam de “ideologia” — a mentalidade dos exploradores sendo passada para os explorados, para programar o modo como eles devem se comportar. As pessoas passam isso sempre adiante sem nem se darem conta do que estão fazendo, só porque estão acostumadas.

Segundo Marx, nós vivemos no meio dessas fantasias ideológicas que vão nos controlando sem percebermos. Para ele, o que existe de real por detrás de todas essas fantasias é um certo tipo de

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relações econômicas de produção. Para conseguirem produzir os bens de que precisam para viver, os

seres humanos se relacionam uns com os outros de alguma maneira, a fim de trabalharem juntos. O modo como essas relações estão organizadas é o modo de produção que foi adotado pela sociedade. Nas sociedades capitalistas, as relações entre os trabalhadores se organizam em torno da figura do capataz da fábrica ou do campo, que é um funcionário hierarquicamente superior, representando ali os interesses do grande empresário, e que supervisiona os trabalhos e tentando garantir que as coisas funcionem direito o suficiente para que o empresário consiga os lucros previstos. Só entendemos a realidade por debaixo de todas as ilusões da ideologia dominante se formos capazes de examinar e entender como estão organizadas as relações de produção.

Segundo a análise de Marx, as relações de produção, nas sociedades capitalistas como as de hoje, dividem a sociedade em duas grandes classes, conforme já dito: a dos que exploram o trabalho dos outros para enriquecerem (que Marx chama de “capitalistas”, porque são movidos pelo interesse em acumular cada vez mais capital), e os que trabalham sob o domínio dos capitalistas e explorados por eles, isto é, os trabalhadores assalariados (que Marx prefere chamar de “produtores”, mas os marxistas depois dele se acostumaram a chamar de “proletários”, outro nome pelo qual Marx os chamava). Marx diz que existe uma grande luta de classes entre esses dois grupos (ou “classes”) sócio-econômicos. Ele diz (e mostra, através de profundos estudos históricos) que todas as grandes transformações históricas que vão acontecendo nas sociedades humanas, acontecem por causa dessa luta de classes: seja porque os trabalhadores de uma certa época e lugar conseguiram se organizar e defender um pouco mais dos seus direitos, mudando a situação política em sua sociedade e conseguindo ser tratados com um pouco menos de desigualdade; seja porque os capitalistas é que conseguiram fazer as coisas voltarem um pouco para trás, e piorarem ainda mais para os trabalhadores.

Mas Marx acha também que quando os trabalhadores conseguem mudanças grandes e profundas, é difícil os capitalistas conseguirem voltar muito para trás, e em geral só conseguem voltar um pouco ou superficialmente. Isso porque quem conhece a realidade a fundo, porque está acostumado a viver prestando atenção no que é realmente necessário para a vida, são os trabalhadores pobres. Os capitalistas, como não passam necessidades e estão acostumados a dar valor para coisas menos importantes, acabam tendo uma visão superficial e distorcida das coisas, e quase sempre lutam por coisas muito superficiais. Eles acham muito importantes coisas que na verdade são superficiais, supérfluas e medíocres, e não têm muita dificuldade para enxergar o que realmente importa. Por isso, a visão que os trabalhadores têm do mundo costuma ser muito mais madura, profunda e realista — a menos que estejam contaminados demais pela ideologia que os capitalistas ficam espalhando através das escolas, Igrejas, da mídia etc. Isto é, a menos que estejam muito acostumados a uma visão superficial e capitalista das coisas, a dar valor para aquelas coisas medíocres que os capitalistas acham tão importantes (como se comprar um sapato chique ou de marca famosa, por exemplo, fosse mais

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importante do que comprar pão para ter o que comer durante alguns meses no café da manhã).

Marx diz que o único modo desses trabalhadores explorados escaparem dessa situação em que são colocados pelo capitalismo, é se libertarem da ideologia capitalista — adquirirem consciência de

classe, isto é, se conscientizarem de que são trabalhadores, e não gente rica, e enxergarem que as suas

dificuldades, valores, necessidades e interesses mais profundos e verdadeiros são os mesmos de todos os demais trabalhadores, de todos os que são da mesma classe econômica. A partir daí, se torna possível os trabalhadores unirem suas forças para combaterem juntos os capitalistas e, principalmente, os mecanismos que fazem funcionar o capitalismo (porque sem esses mecanismos, os capitalistas cairiam sozinhos).

Marx chegou a essa conclusão depois de observar que os capitalistas do munto inteiro sempre fazem reuniões para decidirem juntos de que modo podem concorrer sem se prejudicarem uns aos outros, e quais os rumos que devem tomar nesse processo de exploração dos trabalhadores e de enriquecimento — por exemplo se é um bom momento para suavizar as condições de trabalho ou aumentar salários (para diminuir as revoltas); ou se no momento é melhor tratar os trabalhadores com um pouco mais de dureza. Marx observou que os trabalhadores não faziam reuniões como essas para pensar como deviam tratar uns aos outros e como deviam tratar os capitalistas. Cada trabalhador ficava reclamando sozinho dos azares da vida, ou então só os trabalhadores de algum lugar ou de outro se organizavam, de maneira isolada, desajeitada e formando grupos pequenos. Marx percebeu que era muito mais difícil, para trabalhadores de diversas partes do mundo, se organizarem, do que para os capitalistas, porque esses eram apenas um pequeno punhado de pessoas, e os trabalhadores eram sempre uma imensa multidão.

Além disso, a “ideologia” capitalista fazia os trabalhadores ficarem divididos ou isolados, por exemplo sonhando em enriquecer (sozinhos) ou pensando somente em sua liberdade individual. Além disso, valorizando a liberdade individual, os trabalhadores acabavam sempre divididos por mil opiniões diferentes, e ficava muito mais difícil chagarem a algum acordo — enquanto os capitalistas, no mesmo período de tempo, já haviam feito várias reuniões importantes e chegado a muitas decisões fundamentais, tomando a dianteira na “luta de classes” contra os trabalhadores. Por isso, Marx começou a condenar cada vez mais os socialistas que defendiam muito a liberdade individual (como por exemplo os anarquistas).

Marx acabou levantando a teoria de que as pressões e influências da sociedade são sempre necessariamente bem mais fortes do que a força de vontade de qualquer indivíduo, e de que por isso mesmo, ninguém é “livre” individualmente; o indivíduo está sempre “condicionado” pelo seu meio social, isto é, está tão fortemente influenciado ou pressionado pelo modo de pensar, sentir e agir dominante no seu meio social, que não consegue se livrar dessa influência ou dessa pressão que o obriga a se comportar do modo como se comporta. Só unindo suas forças com as de muitos e muitos

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outros que passam pela mesma situação, é que o indivíduo consegue no final das contas realmente alterar a situação, e conquistar maior liberdade. Ou em outras palavras, liberdade individual praticamente não existe (é uma ilusão capitalista), e a única liberdade realmente possível é a liberdade coletiva de toda uma multidão de pessoas da mesma classe econômica, que conheçam as mesmas necessidades e sofrimentos para juntarem forças contra elas.

Mas a ideologia capitalista exerce uma influência muito forte sobre as pessoas, e o funcionamento do capitalismo inclusive permite que algumas pessoas isoladamente consigam, de vez em quando, realmente enriquecer, porque isso é vantajoso para o próprio capitalismo, pois reforça o idéia que a ideologia capitalista está sempre vendendo para as pessoas: a idéia de que “qualquer um pode conseguir” e é preciso tentar... (sozinho, sem juntar forças com os companheiros que sofrem as mesmas necessidades, e ainda por cima, se tornando um capitalista como qualquer outro no final do caminho). Assim, por mais que haja de vez enquanto a exceção de alguns trabalhadores que acabam “enriquecendo” — coisa que costuma ser sempre bastante divulgada na mídia quando acontece, para espalhar bem a idéia de que “é possível” — a situação geral da imensa maioria nunca muda, e sempre há uma multidão de trabalhadores pobres para cada um que enriquece (e é claro, logo deixa de ser trabalhador e se torna capitalista).

Ao mesmo tempo que lutava contra a “ideologia” capitalista, Marx lutou na prática para organizar os trabalhadores de todo o mundo. Nisto, até os anarquistas estiveram junto com ele. Na verdade foram os anarquistas que começaram a realizar na prática grandes organizações internacionais periódicas de trabalhadores do mundo inteiro, juntamente com socialistas utópicos de diferentes tipos. Nessas grandes organizações de trabalhadores, os socialistas utópicos eram muitos, mas divididos em linhas bastante variadas (saint-simonianos, fourieristas e diversos outros), e o grupo mais forte acabava sendo mesmo o dos anarquistas, que no entanto valorizavam muito toda essa diferença de opiniões.

Marx também defendeu essas organizações internacionais de trabalhadores, e entrou nelas para trabalhar ativamente para que funcionassem bem. Mas achava que para realmente funcionarem, era preciso de algum modo acabar com a força das idéias anarquistas dentro dessas organizações internacionais de trabalhadores, justamente (entre diversas outras coisas) porque os anarquistas espalhavam muito a idéia de liberdade individual, não aceitavam nenhuma liderança muito poderosa ou muito rígida na organização, e valorizavam muito as diferenças de opiniões — como resultado, Marx e os seus seguidores (que eram cada vez mais, porque ele já estava ficando famoso), achavam que os anarquistas atrapalhavam a organizaç~çao e não deixavam os trabalhadores perceberem quais eram as suas verdadeiras necessidades. Achavam que os anarquistas estavam contaminados com a ideologia capitalista, e passando essa ideologia como uma doença para os demais trabalhadores. No final, Marx ve3nceu, e passou a dirigir essas organizações do seu modo, deixando cada vez menos espaço para os anarquistas e os utopistas.

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É importante notar que Marx valorizava muito mais essa divisão da sociedade em duas grandes “classes” econômicas — a dos “capitalistas” e a dos “produtores” — do que as diferenças entre subgrupos dentro da classe dos “produtores” (ou “trabalhadores”), e não via com bons olhos a “classe média”. Para ele, pode-se dizer que, grosso modo, a tal “classe média” — basicamente uma pequena minoria de gente que trabalhava no setor terciário, de prestação de serviços ou em pequenos cargos no funcionalismo público —, era, no fundo, formada por gente pobre que queria viver como se fosse rica. Mas é preciso notar também que essa análise de Marx se encaixava perfeitamente com o modo como as coisas pareciam ser naquela época (hoje o setor terciário, e também aliás o funcionalismo público, cresceram enormemente, e não se pode mais ignorar suas características próprias e sua importância na economia, na sociologia e na política).

Além disso, para Marx, os camponeses não eram uma classe que pudesse algum dia se organizar para lutar contra a situação em que estavam, principalmente porque valorizavam muito a idéia de ter sua própria terrinha para plantar, eram mais individualistas. E havia ainda o que ele chamava de proletariado “lumpem”. Os “lumpem” eram trabalhadores tão miseráveis que não tinham qualquer condição nem mesmo de pensar em se unir, se organizar e se rebelar, por isso eram conformistas. Os “lumpem”, os camponeses — e também os completamente “marginalizados”, como bandidos, loucos, minorias (mulheres, negros, gays etc. etc. etc.) — não tinham de condições de mudar nada, a não ser que fizessem parte do grupo social e econômico que realmente tinha as melhores condições de sentir a necessidade de mudança, mas também de se organizar para isso: os operários das grandes indústrias.

O caminho para as mudanças necessárias, segundo Marx, era bem claro: os operários das grandes indústrias precisavam se unir e se organizar, tomar o poder no governo e abolir a democracia para evitar qualquer possibilidade de os capitalistas voltarem ao poder. Depois precisavam reorganizar toda a economia mudando as bases das relações de produção: ninguém mais deveria ser dono de fábricas ou de terras (ou de qualquer outro tipo de bens de produção): essas coisas deveriam ser todas estatizadas, e o governo, agora nas mãos dos trabalhadores, deveria fazer uma distribuição igual de toda a produção pela população, eliminando o mecanismo de livre mercado. Ninguém mais negociaria o preço de nada: os preços seriam estabelecidos pelo Estado. Todos trabalhariam para o Estado, como funcionários, direta ou indiretamente (nas empresas, que agora seriam todas estatais). Marx achava que, com isso, ia ocorrer uma Era de justiça e igualdade para todos durante muito tempo, até que as pessoas se acostumassem a viver assim por si mesmas e ninguém mais tivesse ideologia capitalista. A partir daí, o próprio Estado ia acabar se tornando desnecessário, e as pessoas começariam finalmente a se organizar por si mesmas — que, segundo Marx, era justamente o que os anarquistas sonhavam. Marx dizia que a idéia dos anarquistas (que ele achava que era essa) era muito boa, só que eles tentavam realizar isso de uma maneira infantil e perigosa, porque negavam qualquer autoridade e ficavam defendendo as “liberdades individuais” (que eram coisa de capitalista), e com isso atrapalhavam a

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organização dos trabalhadores.

No entanto, a verdade é que nem Proudhon, nem Stirner, nem Bakunin e nem Kropotkin (os 4 principais teóricos do anarquismo) defendiam que fosse possível (ou mesmo desejável) chegar em alguma forma de sociedade que se pudesse considerar “perfeita”, como isso que Marx prometia para depois da sua “ditadura dos proletários”. A crítica que os anarquistas sempre fizeram a isso foi que o próprio Marx estava tão contaminado pela “ideologia” da Igreja que ficava ele também sonhando com um “paraíso”, só que aqui na Terra. Nenhum teórico anarquista jamais quis saber de qualquer “paraíso” utópico — e entre os anarquistas, essa noção de uma ditadura dos proletários no meio do caminho para essa “promessa” de paraíso, com a qual Marx acenava sedutoramente para os trabalhadores, era uma noção extremamente perigosa: quem subisse ao poder para representar os trabalhadores não ia querer descer mais...!

De qualquer modo, Marx nunca deu tanta importância assim a esse assunto do que viria depois dessa situação de igualdade e justiça forçadas por uma ditadura do proletariado que controlasse a economia. Apenas sugeriu essa idéia e a deixou no ar. O importante era os operários se organizarem no mundo inteiro e lutarem para tomar os governos de todos os países, e assumirem o controle da economia nessa direção. O resto, que viesse depois.

Um detalhe interessante precisa ser observado: muitas vezes se acusa Marx de defender a violência dos operários contra os seus patrões, principalmente na hora de realizarem a tal Revolução que mudaria tudo. Mas o que Marx diz não é isso: o que ele diz é que quando isso acontecesse, a imensa maioria da população já estaria formada justamente por esses operários.

Note-se que dizer que os operários iam ser a imensa maioria da população — na verdade quase que a população toda — não era nada de absurdo naquela época. Pelo contrário, parecia mesmo o mais provável, porque cada vez mais gente acabava trabalhando como parte da mão de obra operária nas fábricas, essa classe econômica estava crescendo muito e muito rapidamente, a classe média parecia mesmo que ia acabar deixando de existir, e até os camponeses, que na maioria dos países eram a maior parte da população, estavam cada vez mais deixando de ser camponeses e indo procurar trabalho nas fábricas nas grandes cidades. próprio Proudhon, por exemplo, que foi boiadeiro quando era bem jovem, a certa altura fez isso: largou o campo e foi procurar serviço na cidade. Mas como queria muito

aprender e não tinha condições de pagar os estudos, foi trabalhar numa editora, como operário das

máquinas de tipografia (que na época eram manuais) e revisor de textos, assim acabava conseguindo ler tudo o que era publicado lá, enquanto mexia nas máquinas com as mãos sujas de graxa — até que se tornou um dos maiores gênios da época. Marx conhecia bem essa história, e não é à toa que que no começo considerava Proudhon como uma espécie de herói do socialismo. A grande maioria dos socialistas alemães colegas de Marx também elogiava muito Proudhon. Os atritos entre eles vieram depois, conforme Proudhon foi se declarando anarquista e recusando qualquer forma de autoridade.

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Como os operários seriam quase toda a população, era previsível que eles tomassem o poder de maneira calma, pacífica e natural, e a partir daí fossem mudando tudo bem rapidamente. O que Marx diz, e que foi confundido com uma defesa da violência, é que embora isso fosse o ideal, seria muita ingenuidade pensar que os ricos capitalistas iriam aceitar isso. Não, eles não iam aceitar tão facilmente essas mudanças, porque não iam de modo algum querer dividir com o povo o capital que tinham juntado durante a vida (explorando esse mesmo povo). Não iam nem achar justa a mudança, porque eles próprios não iriam reconhecer que foi a exploração dos trabalhadores que os fez enriquecerem. Na verdade, prevendo a mudança, provavelmente não iam nem querer deixar os trabalhadores chegarem ao governo. Por isso, o mais provável era que, quando os trabalhadores fossem tomar o poder, os

capitalistas acabassem pegando em armas e fazendo uma verdadeira guerra contra os trabalhadores

(e provavelmente bem sanguinária, porque nesse momento os capitalistas estariam furiosos e aterrorizados com a idéia de perderem suas riquezas, por isso perigosamente desesperados). Então, o que Marx diz é apenas que os operários, quando fossem tomar o poder, precisariam estar preparados (se necessário inclusive com armas), porque os capitalistas provavelmente atacariam armados.

Na verdade o que em geral apavora os empresários, em Marx, não é essa idéia de Revolução, mas o fato de que Marx defende a tal luta de classes, dizendo que quer as pessoas gostem ou não disso, ela existe e continua acontecendo sempre, às vezes mais “por baixo dos panos”, às vezes mais explicitamente, e que isso é uma realidade que não se pode ignorar, e que transparece em cada conflito que ocorre entre trabalhadores e patrões. Marx acha que os trabalhadores precisam se conscientizar dessa situação real de “luta de classes” e assumir essa luta, defendendo com coragem os seus direitos e interesses. Mas por esse modo de ver as coisas, Marx acaba promovendo uma situação de constante tensão, conflito e até ódio entre patrões e empregados.

É verdade que em dia muita coisa mudou, e muito do que Marx diz precisa ser repensado a fundo, antes de avaliarmos se ainda vale como “verdade” ou não. Além disso, se queremos de algum modo utilizar o seu pensamento, é claro que precisamos fazer as adaptações necessárias para que ele sirva para o exame da nossa realidade quando o utilizarmos. Uma pessoa com bom senso crítico deve ser capaz de examinar um pensamento, seja ele qual for, em seus detalhes e “peneirar” nele aquilo que acha realmente válido, separando daquilo que acha que não serve, avaliando os prós e os contras e fazendo uma releitura inteligente à sua maneira.

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