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Organizações da Sociedade Civil

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Academic year: 2021

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Letícia Schwarz

Avanços da Democracia? Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil do pré-Golpe: a percepção dos agentes públicos do governo federal e o novo Marco Regulatório das

Organizações da Sociedade Civil

João Pessoa -PB 2017

U

NIVERSIDADE

F

EDERAL DA

P

ARAÍBA

C

ENTRO DE

C

IÊNCIAS

H

UMANAS

, L

ETRAS E

A

RTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

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LETICIA SCHWARZ

Avanços da Democracia? Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil do pré-Golpe de 2016: a percepção dos agentes públicos do governo federal e o

novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

Dissertação apresentada ao programa de pós- graduação (PPGS) da Universidade federal da Paraíba, como requisito a obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. Rogério de Souza Medeiros

JOÃO PESSOA, 2017

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Catalogação na publicação Setor de Catalogação e Classificação

S411a Schwarz, Letícia.

Avanços da Democracia? Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil do pré-Golpe de 2016: a percepção dos agentes públicos do governo federal e o novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil . / Letícia Schwarz. – João Pessoa, 2017.

172 f.

Orientadora: Profº. Rogério de Souza Medeiros.

Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA/PPGS

1. Sociologia. 2. Organizações da Sociedade Civil (OSCs). 3. Parcerias (Estado e OSCs). 4. MROSC. 5. Estado e Sociedade – percepção dos gestores públicos. 6. Gestores ativista – categoria de gestores públicos. I. Título.

UFPB/BC CDU – 316(043)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

Avanços da Democracia? Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil do pré-Golpe de 2016: a percepção dos agentes públicos do governo federal e o

novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar a percepção dos gestores federais sobre possíveis avanços e conquistas nas relações entre Estado e Sociedade no Brasil no contexto que antecede a aprovação do novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o MROSC (Lei 13.019/2014). A hipótese é que o ciclo de expansão de políticas sociais que o Brasil observou de 2003 a 2015 foi acompanhado de modelos de implementação de políticas que incluíam Organizações da Sociedade Civil (OSCs) em suas estratégias. Tais modelos de implementação, por sua vez, se associam a um conjunto de valores expressos por uma categoria de gestores públicos de médio escalão, não necessariamente organizados, doravante denominada gestores ativistas (ABERS, 2015), presentes em vários órgãos na administração pública federal, que apresentaram comprometimento, em variados graus, com a implementação de políticas por meio de OSCs, gerando evidências do reconhecimento estatal de uma área crucial para a execução das políticas estatais, sobretudo as das áreas sociais e de direitos humanos e de minorias. A confirmação de que o Estado se tornou mais permeável às Organizações da Sociedade Civil se dá a partir da verificação de narrativas sobre as parcerias para a implementação de políticas, das práticas para simplificar essas parcerias e da narrativa expressa pela Lei 13.019 /2014, que instituiu um regime jurídico específico para essas parcerias.

Palavras-chave: parcerias, MROSC, burocratas ativistas, OSCs, relações Estado Sociedade

This dissertation aims to analyze the perception of federal managers on possible advances and achievements in the relations between State and Society in Brazil in the context that precedes the approval of the new Regulatory Framework of Civil Society Organizations, MROSC (Law 13,019 / 2014). The hypothesis is that the cycle of expansion of social policies -- that Brazil observed from 2003 to 2015 -- was accompanied by models of policy implementation that included Civil Society Organizations (CSOs) as key agents. These implementation models, in turn, are associated with a set of values expressed by a category of middle managers, not necessarily organized, henceforth called activist managers (ABERS, 2015). They work in various institutions in the federal public administration, and presented varying degrees of commitment to the implementation of policies through CSOs, generating evidence of state recognition of an area crucial to the implementation of state policies, especially those in social, human rights and minority fields. The confirmation that the State has become more permeable to Civil Society Organizations is based on the verification of narratives about the partnerships for the implementation of policies, practices to simplify these partnerships and the narrative expressed by Law 13,019 / 2014, which established specific legal regime for such partnerships.

Keywords: partnership, activist bureaucrats, State/Society Relation

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1

Avanços da Democracia? Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil do pré-Golpe: a percepção dos agentes públicos do governo federal e o novo

Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

SUMÁRIO

Siglas 3

Agradecimentos 6

Apresentação 8

Introdução 10

Burocratas ativistas como categoria 13

Os instrumentos de contratualização 18

Nota Metodológica 26

Cap. 1. O debate teórico e conceitual sobre organizações da sociedade civil e burocracia: um

breve registro de referências básicas sobre a agenda 31

1.1 A Burocracia em questão 31

1.2 A Sociedade Civil e suas Organizações 50

Cap. 2. O cenário de atuação das Organizações da Sociedade Civil no Brasil: quantas são, como se distribuem no território, áreas de atuação, recursos mobilizados e outras informações do

contexto 58

2.1 Onde estão 62

2.2 Pessoal remunerado e tamanho da Organização Civil 65

2.3 A que se dedicam? 66

2.4 O que fazem importa para o número de trabalhadores remunerados 67 2.5. Relações com o Governo Federal: os repasses orçamentários e financeiros às

OSCs 68

Cap. 3. As Organizações da Sociedade Civil e suas interações com o Estado e com as políticas

públicas: A visão dos gestores públicos federais 73

3.1 A fala dos gestores de médio escalão 74

3.2 Algumas constatações sobre as parcerias 80

3.3 Via de mão dupla e as fronteiras simbólicas: quem pode fazer o quê? 84 3.4 Excessos da Burocracia versus a implementação da política 87 3.5 As percepções sobre OSCs: particularidades da sua atuação e legitimidade 89

3.6 Autonomia das OSCs 93

3.7 Porque precisamos das OSCs 95

Cap. 4. O que o MROSC fala sobre as parcerias, sobre o Estado e sobre as OSCs: valores e

normas cristalizados na Lei 13.019/2014 99

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2

4.1 Caráter geral do MROSC e estabilidade normativa 101

4.2 Enquadramento geral do aparelho organizacional do Estado brasileiro 102

4.2.1 Enquadramento geral dos entes federativos 102

4.3 O difícil enquadramento geral das OSCs: duas categorias especiais e exceções 103 4.3.1 Caráter geral, mas não tanto: o caso das organizações religiosas 104 4.4 Um regime jurídico exclusivo para as parcerias entre Estado e OSCs: híbrido e

específico 106

4.5 Foco na parceria e a relativização do papel certificador 109 4.6 Formas próprias de contratualização com as entidades privadas com fins público sem fins lucrativos: Termo de Fomento e Termo de Colaboração 110

4.7 Da base para o topo: a Manifestação de Interesse Social e o reconhecimento da

advocacy 112

4.8 Mais transparência e democratização das oportunidades: o Chamamento

Público como regra 112

4.9 Atuação em rede: fortalecimento das OSCs e o risco da terceirização disfarçada 113 4.10 Transparência, Direito à Informação e Controle e Participação Social 114 4.11 Elementos para um balanço: a mão do Estado pesou mais sobre a AP ou sobre

as OSCs? 115

4.11.1 Elementos para um balanço: as exigências às OSCs 115 4.11.2 A possibilidade de remuneração da equipe da OSCs 116 4.11.3 O fim da exigência das contrapartidas financeiras 118 4.11.4 A equipe da OSC como integrante da política pública: capacitação permitida 118 4.12 Inversão da ordem? O controle de resultados antes do controle procedimental e

financeiro-contábil 119

4.13 Elementos para um balanço: A mão do Estado contra o próprio Estado 120

Conclusões e considerações finais 125

Referências Bibliográficas 129

Legislações e Normas 132

APÊNDICE I - QUADRO ANALÍTICO DOS GESTORES 134

APÊNDICE II – QUADRO GESTORES E FRASES SÍNTESE 141

APÊNDICE III – LISTA DAS POLICIES E PRÁTICAS 149

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3

SIGLAS

ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

ASA – Articulação do Semiárido (rede formada por mais de três mil organizações da sociedade civil de distintas naturezas – sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas, ONG, Oscip, etc.)

ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

CATAFORTE/SG – Programa Cataforte da Secretaria-Geral da Presidência da república (Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias visa possibilitar a inserção de cooperativas no mercado da reciclagem e a agregação de valor na cadeia de resíduos sólidos)

CEBAS – Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social CEMPRE – Cadastro Geral de Empresas/IBGE

CGPCD/MS – Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência (do DAPES/SAS/MS – Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde) CGPLGBT/SDH – Coordenação Geral de Promoção dos Direitos das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos

CGPT/SDH – Coordenação Geral de Políticas de Proteção à Testemunha do Ministério dos Direitos Humanos

CIT – Comissão Intergestores Tripartite

CGU – Controladoria-Geral da União – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, essa Secretaria tinha status de Ministério.

CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CNDI /SDH– Conselho Nacional do Idoso (Secretaria-executiva do Ministério dos Direitos Humanos)

CNPCD/SDH – Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência (Secretaria-executiva do Ministério dos Direitos Humanos)

CONANDA/SDH – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (Secretaria- executiva do Ministério dos Direitos Humanos)

CONASEMS – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde

COPNI – Classification of the Purposes of Non-Profit Institutions Serving Households.

Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos a Serviço das Famílias CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especial de Assistência Social

DAGEP/MS – Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde

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4 DGRAV/SAF/MDA – Diretoria de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, esse Ministério era autônomo, antes da fusão com o MDS.

ECOFORTE/SG – Programa Ecoforte da Secretaria-Geral da Presidência da República (Programa de Ampliação e Fortalecimento das Redes de Agroecologia e Produção Orgânica) EPPGG – Especialista em Política Pública e Gestão Governamental, carreira de nível superior horizontal da Administração Pública Federal.

ESFL – Entidades Sem Fim Lucrativos

FASFIL – Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil FBB – Fundação Banco do Brasil

FDD/MJ – Fundo dos Direitos Difusos (coordenado pelo Ministério da Justiça) FNDCA – Fundo Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente

FNMA/MMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LIE – Lei de Incentivo ao Esporte

MCMV – Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV Entidades)

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, esse Ministério era autônomo, antes da fusão com o MDS.

MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome ME – Ministério dos Esportes

MinC – Ministério da Cultura

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis MROSC – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil MS – Ministério da Saúde

OSCIP – Organização da Sociedade Civil com Interesse Público PCT – Povos e Comunidades Tradicionais

PNAPO – Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica RAIS – Relação Anual de Informações Sociais

RECID/SG – Programa Rede Cidadã

SAE/SPM – Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres

SAF/MDA – Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário SAIAT/SPM – Secretaria de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres

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5 SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, essa Secretaria tinha status de Ministério.

SDH – Ministério de Direitos Humanos – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, essa Secretaria tinha status de Ministério.

SENAES/MTE – Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego

SESAN/MDS – Secretaria de Segurança Alimentar do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

SG/PR – Secretaria-Geral da Presidência da República – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, essa Secretaria tinha status de Ministério.

SICONV – Sistema de Convênios

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SNAS/MDS – Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

SNH /MCidades – Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades

SNPDCA/SDH – Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos

SPM – Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – quando as entrevistas foram realizadas, em 2014, essa Secretaria tinha status de Ministério.

STN – Secretaria do Tesouro Nacional SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde

SVS/MS – Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde

(11)

6

AGRADECIMENTOS

Eu achava engraçados os agradecimentos às famílias nos começos das teses e dissertações.

Pensava “o que a família tem a ver com isso?, ninguém agradece a família por ter

trabalhado, feito uma reunião, construído uma casa”. Na verdade, esses agradecimentos não são nada engraçados, são quase dramáticos até. O empenho de escrever um texto é de tal forma invasivo da vida privada, de todo o tempo do mundo da vida, que a participação das pessoas que fazem parte do nosso mundo mais afetivo é determinante, senão para o texto ser finalizado, para ao menos sairmos minimamente sãos no fim do processo.

Então começo agradecendo meu filho, esse querido, que nas horas difíceis chegava com um

“Eu te amo, mãe” para me salvar. Minha mãe e meu irmão, que aguentaram centenas de crises de mau humor, repostas atravessadas e risos nervosos. Nossa, que mau humor. E mesmo assim, continuaram me apoiando, acolhendo, fazendo de conta que nem ligavam.

Mais distantes, mas sempre disponíveis, minha cunhada Márcia e minha sogra Dina, sempre com uma mensagem ou um telefonema de apoio.

Os professores da banca de qualificação, Simone Brito e Vanderson Carneiro, junto com meu orientador Rogério Medeiros, foram fundamentais para o desenvolvimento do texto. A leitura e os comentários generosos sobre um texto que na época estava completamente trôpego foram determinantes para a vertebração de um enfrentamento às questões que eu me colocava. Um muito obrigada profundo.

Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, sobretudo aos colegas de curso e aos queridos colegas da linha de pesquisa quase heróica de Trabalho, Políticas Sociais e Desenvolvimento, Geziane, Vanessa e Gustavo. O pouco que conseguimos debater sobre nossos temas já foi bastante para ajudar a pensar.

A ideia dessa dissertação foi embrionada em uma consultoria incrível que fiz para a Secretaria-Geral da Presidência em 2014, no Brasil pré-golpe que, ao menos para mim, parecia muito mais promissor que o de 2017. No ambiente dessa consultoria, me dou conta só agora, comecei a conviver com a “minha” categoria de pesquisa: um grupo extremamente comprometido com as parcerias com a Organizações da Sociedade Civil, burocratas ativistas de primeira linha, que me receberam e colocaram nesse time com uma generosidade impressionante. Laís, Bianca, Bruno, Anna Paula, Aline Freitas, Aline Souza, Luciana, Diego, Mariel, Amazico, Iara, Maria Cláudia, mais que colegas, foram e alguns ainda são, amigos, muito obrigada.

Daí tem João Pessoa, minha cidade por 2 anos e meio, mas que me deu famílias de uma vida.

Maurício, Raquel e a pequena Cora, obrigada pelas palavras de apoio (no caso de Cora, foram fofuras de apoio, que palavras ainda não estavam no cenário). Ninive, Rogério, Davi e Ítalo, meus queridos que além de me confortarem, serem de uma solidariedade sem igual e partilharem da alegria que só as crianças podem dar, ainda me emprestaram um orientador maravilhoso. Imaginem uma pessoa que sabe ser assertivo com a maior doçura do mundo?

Obrigada Rogério, pela força, pelo ânimo, pela paciência.

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7 No meio da jornada, veio ainda São Paulo, uma família maravilhosa que me adotou, me acolheu e me nutriu de um pouco de sentido nessa cidade tão louca: Reca, Mau e Joca, meus queridos do coração. E mais amigos em SP para aguentar minhas lamúrias e dividir um pouco desse Brasil desesperado, sobressaltado. Silas, Bel, Ana Luiza, as Natálias, Falcón e Ribeiro, Thor, Felipe, Guilherme. E os reencontros que me aqueceram o coração na cidade cinza, Flavinha, Graziela, as amigas de tantos anos atrás de faculdade, Artionka, Deinha, Carminha.

E como falar do Acco, meu parceiro de vida, de tudo, que me ensinou o significado

verdadeiro que a palavra companheiro pode ter? O tamanho da entrega que ele me dedicou nesse período é imensurável. Ele me incentivou, aguentou, deu colo, criticou, debateu, elogiou e ainda fez sugestão, revisão, orientou (só um pouquinho, Rogério). Ele me deu paz e me botou para trabalhar. E abriu seu mundo para mim, de toda essa inteireza e

generosidade. Não há como agradecer, a não ser na tentativa de permanecer recíproca nessa honestidade de sentimentos, pensamentos e palavras.

(13)

8

APRESENTAÇÃO

(sentimental e política)

Se você não acha que o Brasil sofreu um golpe parlamentar em 2016, com objetivo de colocar em andamento uma agenda totalmente contrária a que tinha sido vencedora nas urnas em 2014, no mínimo, melhor pular essa apresentação.

Toda dissertação é difícil, o que varia são os motivos. Mas, em geral, os motivos são da ordem do privado – ou entraves que a gente se inventa, os desafios que a vida coloca, a sobrevivência, a subsistência – ou de uma espécie de “burocracia” que envolve a coleta de dados – autorizações, processamentos, achar as pessoas certas, entender as perguntas, acessar os discursos.

E além de variar, esses motivos ainda se acumulam e se combinam também de forma diversa. Mas eu consegui agregar mais uma razão para fazer dessa dissertação um exercício muito pesado de superação e sem falar dele eu não posso descrever os resultados da minha pesquisa de campo.

Como o título diz, o levantamento de dados sobre a percepção dos agentes públicos sobre a implementação de políticas públicas foi realizado antes do golpe que o Brasil sofreu.

Todas as entrevistas foram realizadas em 2014, ano em que a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita, muito embora a maioria tenha ocorrido no primeiro semestre, antes, portanto, do início do período eleitoral.

Ocorre que, pelo ciclo mesmo imposto pelo mestrado, passei 2015 e parte de 2016 imersa nas disciplinas, dando conta da etapa de formação exigida pelo mestrado, aprofundando o marco conceitual que deve compor a dissertação. E em 2016, passo a ouvir novamente minhas gravações, as narrativas dos atores, os discursos dos gestores de um Brasil que se dissolveu.

E eu ali, testemunhando pelos ouvidos que, cerca de dois anos atrás, existia um grupo considerável de agentes públicos pensando capacitação e empoderamento de mulheres rurais, geração de renda por meio de economia solidária, política cultural realizada como política social, mobilização de organizações LGBT para prevenção de DST e Aids, Organizações da Sociedade Civil como protagonistas das ações de combate à seca na região

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9 do semiárido, certificação de entidades de assistência social, geração de renda em comunidades quilombolas, agroecologia, formação de redes e comunidades de catadores de material reciclável, educação ambiental, inclusão de pessoas com deficiência a partir de suas próprias demandas, financiamento para construção de casas por associações de moradores, assistência técnica e extensão rural para que a agricultura familiar seja rotina nas cantinas das escolas, enfim, um conjunto de ações muito vasto e variado que apontava inadvertidamente na direção de um país diametralmente oposto ao Brasil que encontramos hoje.

Parte considerável dessas políticas não existe mais, ou existe de forma muito esvaziada. As que restaram respiram com balão de oxigênio. A ideia de uma sociedade civil vigorosa, certamente complicada e felizmente crítica, mas como colaboradora genuína e fundamental das políticas sociais não naufragou por completo, mas perdeu pujança.

Os agentes públicos entrevistados, na sua maioria, não eram defensores absolutos do governo em que estavam. Essa é uma agenda de pesquisa ainda para ser explorada: a heterogeneidade interna dos governos. O poder Executivo é tanto ou mais heterogêneo do que o campo das Organizações da Sociedade Civil. As opiniões divergem bastante, o grau de aceitação (ou obediência, diria Weber) em relação ao um suposto “comando central”

também tem toda uma escala de notas. De todo modo, todos tinham críticas a esse ou aquele aspecto do governo, do Marco Regulatório, de uma ou outra regulamentação e/ou modelo de implementação. Mas todos apresentavam um grau de comprometimento com uma projeção de país, de políticas especiais e especializadas e, sobretudo, com um rumo que deveria ser tomado para atuar em transformações sociais.

Esse grupo de agentes públicos não existe mais (não com esses projetos). Pastas nas quais eles operavam foram extintas ou enfraquecidas. A cada entrevista escutada ou novamente escutada, carregava esse sentimento dolorido, de estar falando de algo que se dissolveu em apenas dois anos.

Espero que esteja latente em algum lugar, guardado para renascer. Tomara que essa dissertação possa ser um pouco desse registro, que algum arqueólogo use para dizer que o Brasil foi sim o país do futuro, tinham pessoas pensando e fazendo o futuro acontecer.

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10

INTRODUÇÃO

As organizações da sociedade civil (OSCs) têm passado ao longo da história recente, no Brasil e em diversos territórios do mundo, por uma contínua e consistente reavaliação sobre seus atributos, suas configurações institucionais e organizacionais, suas virtudes, falhas, potencialidades e limites, além das formas de suas interações com o mercado e com Estados e governos.

Neste processo de constante reinterpretação, tornou-se consenso relativo na teoria social contemporânea o reconhecimento da Sociedade Civil como uma forma institucional específica e (relativamente) autônoma de organizações presentes e atuantes nas sociedades contemporâneas, ao lado das formas de organizações estatais e de empresas de mercado (HABERMAS, 1984, 1996, 1999, BRESSER-PEREIRA E GRAU, 1999; HANN e DUNN, 2012; REIS, 2013; DYSMAN, 2013; FRASER, 1999; ABREU, 2013; MEDEIROS 2013, entre outros).

Um consenso relativo e mesmo tenso, na medida em que muitas suspeições seguiram pairando sobre as virtudes (muitas vezes implicitamente) atribuídas às organizações da sociedade civil, sobre a capacidade efetiva de as OSCs conseguirem prestar serviços de interesse coletivo de acordo com padrões de qualidade ao menos equivalentes aos padrões atribuídos às organizações estatais e privadas. Ou, ainda, em decorrência da reiterada desconfiança de as OSCs serem uma forma mais “fácil” para o encobrimento de ilegalidades, corrupções e desvios de recursos públicos. Importante destacar que esta última desconfiança foi o argumento base das duas “CPIs das ONGs” instauradas pelo congresso brasileiro entre 2001 e 20091.

Por outro lado, uma agenda positiva também foi intensificada nos debates sobre as OSCs com as abordagens sobre a participação da sociedade civil. Esta abordagem do debate envolve as variadas formas de participação da sociedade civil ao longo do ciclo de políticas

1 Curiosamente, as duas CPIs das ONGs foram instauradas por iniciativa de parlamentares do mesmo bloco político de perfil mais conservador, seja quando integravam a base do segundo governo FHC, seja quando eram oposição ao governo federal, no primeiro governo Dilma, respectivamente. A primeira CPI das ONGs foi instaurada em 2001, por iniciativa do Senador Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR), quando este partido era parte central da base do então Governo FHC, enquanto que a segunda CPI das ONGs foi instaurada em 2006, tendo como propositor o senador Heráclito Fortes (DEM/PI), um dos líderes da oposição ao governo do então presidente Lula.

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11 públicas e, de um ponto de vista mais abrangente, sobre a afirmação da participação como constituinte primordial da democracia contemporânea.

No Brasil, a reflexão sobre a participação acabou se concentrando nos momentos de formulação e controle social, tendo alcançado significativa expressão no âmbito de pesquisas e reflexões sobre formas de participação social variadas, como o Orçamento Participativo e suas variantes em diversas cidades e alguns governos estaduais, além das experiências dos conselhos, conferências, fóruns, audiências e consultas públicas, sobre as quais proliferaram estudos (PIRES e GOMIDE, 2014; NASSUNO, 2011; AVRITZER, 2012 são alguns exemplos desta literatura).

O debate sobre a agenda da participação social foi estabelecido, nem sempre nos seus melhores termos, tendo sido intensificado com a forte polarização nas percepções sobre a cooptação e mesmo “uso” das OSCs pelos governos no poder, algo explicitamente explorado no acalorado debate provocado pela edição do Decreto 8.423/2014 que tentou estabelecer a Política Nacional de Participação Social. Como se sabe, o mencionado Decreto foi sustado em outubro de 2014 pelo Decreto Legislativo 1.491-B, aprovado na Câmara e enviado ao Senado para deliberação, lá permanecendo sem votação até, ao menos, abril de 20172. Novamente, tal qual ocorrera no contexto dos embates travados nas duas “CPIs das ONGs”, uma parte expressiva dos congressistas – em geral de perfil conservador – tratou de acusar o governo de manipulador e “bolivariano” em suas relações com as OSCs. Os velhos estigmas da sociedade civil como “massa de manobra” de um determinado governo e das instâncias de participação social sobrepondo-se ao e usurpando atribuições do Congresso voltaram a se impor. O impasse foi estabelecido3.

2A Câmara dos Deputados aprovou em 28/10/2014 o Projeto de Decreto Legislativo 1.491-B/2014 que susta o Decreto 8.423/2014 que estabelecia a Política Nacional de Participação Social. O Projeto de Decreto Legislativo foi enviado ao Senado Federal em 29/10/2014 e, de acordo com o sistema de tramitação de Projetos de Lei e Outras Proposições, da Câmara Federal, ainda não foi apreciado pelo Senado até abril de 2017.

3Visitar as páginas dos jornais e revistas ou os registros dos discursos no Congresso sobre a matéria votada na Câmara logo após o processo eleitoral revela um cenário de hiperpolarização ideológica, no qual a participação social foi ao menos momentaneamente transformada no epicentro da luta política que se intensificaria a partir daquele momento. Dois exemplos ilustram o caso: segundo o líder do PSDB na Câmara, deputado Antônio Imbassahy (BA), “Numa democracia, quem escolhe o representante é o cidadão, é o povo. Com esse decreto, a presidente quer que essa escolha seja feita pelo próprio PT. Isso é um regime autoritário”. Opinião similar foi manifesta pelo então líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE): “Não há espaço para que haja uma omissão do Parlamento brasileiro (...). A presidente Dilma (...) chama a nação para uma ampla negociação, mas impõe, via decreto presidencial, um modelo de consulta à população que é definido pelo Poder Executivo. É uma forma autocrática, autoritária, passando por cima do Congresso Nacional. Esse é um decreto bolivariano

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12 Afora o debate congressual, o maior interesse pelo tema aguçou embates importantes acerca da conformação das organizações da sociedade civil (como se compõem, quem são seus integrantes, que valores compartilham etc.), sobre suas estratégias, sobre o alcance e significados de sua atuação, sobre os mecanismos de interação com Estados e governos, dentre outras agendas. Por outro lado, as reflexões sobre as interações entre as OSCs e as empresas privadas tiveram bem menos ênfase na literatura especializada.

Notadamente, todas essas (e outras) questões tiveram diferentes respostas, variando ao longo dos períodos históricos e nos diferentes territórios e contextos4.

Em que pese a reiterada desconfiança que paira sobre as OSCs, vivenciamos no Brasil uma importante transformação na percepção sobre o papel e as formas de interação da sociedade civil com o Estado, em seus três poderes, mas especialmente em relação aos Executivos dos três entes federativos que estruturam o Estado brasileiro. Grosso modo, tivemos a migração das interpretações hegemônicas que enfatizavam a atuação das organizações da sociedade civil contrária ou de resistência ao Estado autoritário, para uma interpretação que passou a identificar espaços de atuação em parceria ou em articulação com o Estado (BRESSER-PEREIRA E GRAU, 1999; REIS, 2013; DYSMAN, 2013; ABREU, 2013;

MEDEIROS 2013). Nesta nova fase de estabelecimento de parcerias, também se constata um deslocamento na forma institucional predominante dentre as OSCs: dos movimentos sociais e de partidos políticos, marcantes no período de resistência e oposição ao Estado autoritário, para as chamadas Organizações Não Governamentais como a forma organizacional mais difundida e, em geral, assumida como proxy para o conjunto de organizações da sociedade civil (ABREU, 2013).

Nesta nova fase, parte da literatura sobre o tema praticou uma inflexão expressiva na percepção sobre as parcerias entre Estado e Organizações da Sociedade Civil, que passaram a ser interpretadas como cruciais para o aprofundamento da democracia e para o sucesso das políticas públicas (BRESSER e GRAU op. cit). O próprio conceito de política pública passa a ser, em muitas agendas, viabilizado pela participação de organizações da sociedade civil ao longo do seu ciclo de formulação, implementação, monitoramento e avaliação: para ser que realmente afronta o Poder Legislativo” (Revista Veja, “Dois dias depois da eleição, Câmara derruba decreto bolivariano de Dilma”).

4HANN e DUNN, 1996, por exemplo, apresentam análises que apontam variações importantes no conceito e nas práticas de sociedade civil em diferentes contextos territoriais, históricos e de atores envolvidos.

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13 pública, em determinados campos, a política precisa contar com a participação ativa de OSCs.

Neste campo de estudos, tradicionalmente, a ênfase da análise recaiu na participação da sociedade civil nos momentos de formulação, monitoramento e avaliação, e bem menos na fase da implementação, ganhando destaque os estudos sobre a participação social em conselhos, fóruns, audiências e consultas públicas, e menos nas formas que viabilizam ou impedem as parcerias para a implementação de políticas públicas.

Diferentemente dessa tendência geral, esta dissertação busca centrar sua atenção na fase da implementação de políticas e programas públicos com base na contratualização de organizações da sociedade civil. Aspecto crucial para esta agenda é que as organizações estatais são colocadas em funcionamento por burocracias públicas, um quadro de pessoal constituído por um misto de funcionários eleitos, concursados, contratados, comissionados, terceirizados ou cedidos. São esses funcionários, com seus sistemas de valores e ideias, operando em sistemas de hierarquias e interagindo com instrumentos e recursos de poder, que colocam (aos seus modos) as organizações públicas em funcionamento.

Burocratas ativistas como categoria

São esses funcionários públicos, lato sensu, as burocracias estatais, que, de algum modo, viabilizam ou inviabilizam as parcerias com as organizações da sociedade civil. Por trás do biombo dos discursos no Congresso ou das aparições dos presidentes ou de seus ministros, como nos alertou Weber, são essas burocracias de escalões intermediários que operam o grosso dos assuntos de governo e suas interações com a sociedade.

Adicionalmente, são também os agentes públicos, especialmente - neste caso - os funcionários eletivos do poder legislativo e suas assessorias, os agentes que conduzem os debates legislativos e aprovam as legislações que regem os padrões e formas de interação entre Estado e as organizações da sociedade civil5.

5 Isso é verdade especialmente em regimes democráticos nos quais o poder legislativo exerce com alguma autonomia sua atribuição precípua de legislar. Há, contudo, amplos espaços para a atuação do poder executivo no processo legislativo, seja como propositor de medidas legislativas (como é o caso do MROSC), seja influenciando a composição da pauta do legislativo, seja ainda mantendo amplo espaço normativo infralegal, como foi o caso da Instrução Normativa nº 1/1997, da STN, que regulou uma série de procedimentos sobre a celebração de convênios e transferência de recursos deles decorrentes. Como contraponto, durante a ditadura militar, o Decreto-Lei 200/1967, que abriu espaço para os convênios com entidades da sociedade civil, foi editado pelo poder executivo, praticamente sem interferências do poder legislativo.

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14 As percepções que a burocracia pública - sejam funcionários eleitos, concursados, comissionados ou contratados - apresentam sobre as parcerias interferem nas disposições, nos mecanismos de facilitação, nos recursos mobilizados, nos instrumentos de controle, enfim, em aspectos cruciais da vida prática das interações Estado-Sociedade.

Duas categorias de burocratas – ativistas e técnicos – foram mobilizadas em nossa análise. Essas categorias foram verificadas após as entrevistas, a partir de algumas palavras chaves e das análises dos discursos desses atores. No caso dos ativistas, o tipo de agência que eles alocam em direção as parcerias, ou seja, o engajamento prático em direção a implementação de políticas por meio de OSCs é destacado. Por serem categorias delineadas como tipos ideais, devemos levar em consideração as advertências básicas de Weber sobre a construção e uso deste tipo de ferramenta metodológica: que são tipos ideais e, como tais, são instrumentos metodológicos que não se encontram puramente no mundo real; que são, portanto, construções ideais, categorias de análise, em geral, contendo alguns atributos exagerados, para assim melhor caracterizar os diferentes tipos, distinguindo-os dessa forma de outros tipos, também ideais, em geral, construídos um em distinção ao(s) outro(s); e que seria um erro metodológico básico, embora bastante comum, confundir o mundo real com os tipos ideais.

Feitas essas advertências quanto ao uso de tipos ideais, é possível identificar que os nossos entrevistados formam um conjunto razoavelmente homogêneo de burocratas em relação aos níveis hierárquicos de médio escalão que ocupavam à época das entrevistas: em geral, ocupavam cargos de Direção e Assessoramento (DAS) entre 4 e 5, imediatamente abaixo de seus Secretários e Ministros. Nestas posições de nível intermediário, em geral, coordenavam equipes e orçamentos.

Por outro lado, distinguem-se razoavelmente em termos de trajetória de formação e de atividades profissionais anteriores ao ingresso no cargo, assim como na forma de recrutamento: do universo de entrevistados, aproximadamente 35% eram concursados e 65% eram ocupantes de cargos “comissionados puros”. Essa proporção não é surpresa, uma vez que a boa parte das políticas e práticas executadas por meios de OSCs são também de ministérios ou secretarias com status de ministérios que não tem carreiras atreladas as suas áreas de atuação: Cultura, Direitos Humanos, SEPPIR, SPM, dentre outros.

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15 Sobre os concursados e ocupantes de cargos comissionados é preciso esclarecer que é um equívoco grave separá-los - ao modo do senso comum bastante presente nas interpretações presentes na mídia - entre, de um lado, os concursado considerados técnicos e, de outro, os comissionados igualados a políticos (no sentido pejorativo do termo, como um mero apaniguado ou cabo eleitoral político).

Não só por que há quadros políticos entre os concursados, ou seja, concursados que têm trajetória política, que exercem posições de formulação e condução política da organização ou da política/programa, assim como, concursados militantes ou mesmo filiados a organizações ou partidos políticos, ou seja, concursados que expressam em alguma medida as suas inclinações políticas. Há também técnicos entre os comissionados, ou seja, comissionados que desempenham funções e atividades de características eminentemente técnicas e que foram recrutados por suas competências e habilidades técnicas mais do que por suas possíveis atividades de militância política ou partidária.

No mundo real do funcionamento diário das máquinas burocráticas das organizações públicas, os tipos reais tendem a ser bem mais complexos, e mesmo, mais dissimulados que os tipos ideais. O híbrido e em metamorfose é o típico. Mesmo assim, destaquemos um pouco mais os atributos dos tipos que estamos chamando de burocratas ativistas e burocratas técnicos.

Por burocrata ativista de médio escalão, encontrando ecos na definição adotada por Abers (2013), designamos aqueles gestores públicos que, independente de serem ou não concursados, demonstraram como orientação geral aproximar as OSCs da implementação das políticas públicas. São burocratas, por estarem na máquina pública, e são ativistas por serem orientados a fortalecer a participação das OSCs na implementação das políticas públicas, mesmo tendo outras opções de implementação para essas políticas. Vários incentivaram ou deram continuidade a uma série de iniciativas no sentido de estimular o associativismo, ou seja, criaram rotinas de trabalho que previam seminários e orientações para que grupos vulneráveis fossem fortalecidos para operar em parceria com Estado ao longo do ciclo de contratualização, dentre outras iniciativas melhor detalhadas adiante. Este tipo de burocrata, no contexto desta pesquisa, apresenta como principal elemento definidor o fato de operar em uma lógica de fortalecimento da sociedade civil para que ela consiga lidar com o Estado, para que sigam atuando e que se aperfeiçoem.

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16 Essa categoria de burocrata ativista não implica necessariamente que o entrevistado foi integrante de uma OSC antes de estar no governo, embora muitos deles, tanto os cargos comissionados puros quanto os concursados, tiveram alguma atuação ou militância em campos de políticas públicas, especialmente naqueles onde a defesa de direitos se destaca.

No campo da segurança alimentar e agricultura familiar, por exemplo, há registros históricos de OSCs que atuam na defesa de várias agendas – por exemplo, combate à fome, cooperativismo e assistência técnica e extensão rural. Alguns nunca foram de OSCs, mas mantinham contato permanente com essas organizações. Algumas agendas se mesclam, como a defesa da agroecologia, que envolve segurança alimentar, meio ambiente, defesa de direitos de povos tradicionais, de cultura e economia solidária. Assim, alguns desses burocratas até transitam nessas áreas dentro do governo. Entre a Secretaria de Segurança Alimentar/MDS e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo, era relativamente comum.

Em geral, os burocratas ativistas atuam com maior desenvoltura em agendas de políticas públicas que, em nosso país, têm reconhecida atuação histórica de OSCs, e que podem ser denominadas de enraizadas socialmente. Agendas que podem sofrer transformações organizacionais como a incorporação de empresas e corporações privadas ou instituições públicas, mas que guardam um fundo de atuação das organizações da sociedade civil “de raiz”. Agendas como as da cultura, economia solidária, meio ambiente, desenvolvimento agrário, assistência social, moradia popular e da defesa de direitos humanos apresentam uma atuação histórica, própria e fortemente enraizada de organizações da sociedade civil. Em muitos sentidos, a própria política pública nestes campos seria impraticável sem a presença das OSCs.

No caso da Cultura, por exemplo, o reconhecimento da diversidade cultural e de que é a sociedade em sua diversidade que produz cultura, e não o Estado, foi explicitado pelo ex- ministro Gilberto Gil logo no início de sua gestão, marcando assim uma inflexão ativista daquela pasta. O reconhecimento e a incorporação das OSCs da cultura na implementação de diversas políticas culturais, destacadamente nos programas dos Pontos de Cultura, de cultura indígena, LGBT, povos quilombolas, de cineclubes e de diversidade cultural de um modo geral decorre dessa inflexão conceitual e prática.

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17 Por suas características, os burocratas ativistas formam a categoria que, provavelmente, mais foi afastada do Governo Federal com o golpe parlamentar-judiciário- midiático de 2016. Do que pude constatar em consultas informais com os entrevistados, os que permaneceram no governo não trabalham mais com projetos que envolvam uma interação genuína com Sociedade Civil.

Já a categoria burocrata técnico é usada para designar o burocrata, concursado ou não, que se aproxima da descrição do burocrata típico definido na tipologia weberiana. No entanto, em que pesem os estereótipos negativos sobre essa categoria, o burocrata técnico também promove alterações, em geral incrementais, e que podem favorecer a atuação da sociedade. Isso ocorre especialmente quando trabalham nas agendas de políticas públicas marcadas por forte atuação das OSCs, conforme indicadas acima.

Os burocratas técnicos tendem a não estar diretamente envolvidos com a formulação, avaliação ou advocacy da política, mas, sim, preferencialmente, com os temas da gestão administrativa. Apresentam como principal elemento definidor operarem prioritariamente na lógica de viabiliza tecnicamente procedimentos e soluções intra governo para que esta interação aconteça com o menor nível possível de problemas burocráticos.

Em geral, mantém a prerrogativa do cumprimento da regra (antes que a busca da realização de metas e resultados sociais), trabalhando no sentido de facilitar a operação das contratualizações com a sociedade civil, mas sem terem uma interação direta substantiva com essas organizações (como de resto, sem interação ativa com os demais atores políticos, econômicos e sociais).

Não raro os quadros eminentemente técnicos dialogam com seus pares técnicos de dentro do governo. Esta característica se acentua nos técnicos membros de carreiras de Estado (como analistas de orçamento e finanças e os EPPGG). Sua visão de mundo e de interação com a sociedade civil, portanto, se estabelece preferencialmente “de dentro” do Estado e com outros agentes também de dentro do Estado, com medidas que buscam capacitar ou condicionar as OSCs a comportamentos corretos em administração, contabilidade, prestação de contas e em assuntos legais e normativos.

Enquanto os burocratas ativistas têm como atuação destacada na condução de atividades que envolvem a interação com as OSCs (em oficinas, fóruns, atividades de

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18 capacitação, visitas a campo, congressos, conferências e audiências públicas), os técnicos destacam-se pela elaboração de manuais técnicos, instruções normativas, check lists, bancos de dados, formulários e outros instrumentos técnico-administrativos necessários à interação com as OSCs.

Ou seja, quando definimos o ativista e o técnico, não estamos dividindo entre os ocupantes de cargos comissionado oriundos de militância em OSCs que entraram na máquina estatal via indicação política versus os servidores concursados de carreira que nunca tiveram experiência de atuação na Sociedade Civil. Os campos se misturam em alguns pontos (especialmente nas agendas mais intensivas em atuação das OSCs, casos em que mesmo os técnicos estão mais expostos às interações com as OSCs), e a diferença entre essas duas categorias de burocratas se dá mais pela abordagem que dão as OSCs. A diferença costuma ser sutil, e pode mais facilmente ser percebida pela observação mais atenta dos termos da gramática utilizada: enquanto o burocrata ativista usa mais termos como advocacy, participação, legitimidade, cidadania, fortalecimento da sociedade civil, os técnicos falam mais em análise de processo, consistência e migração de dados, criação de sistemas, passivo de prestação de contas, check lists, regulamentações e instruções normativas.

Os instrumentos de contratualização

É importante enfatizar que as múltiplas interações entre Estado/governos e OSCs para a implementação de políticas e programas são mediadas por instrumentos de contratualização, mantidos, necessariamente, entre as organizações estatais e as organizações da sociedade civil. Esses instrumentos assumiram ao longo dos anos a forma de contratos, contratos de gestão, acordos de cooperação, termos de parceria, e a forma mais generalizada, os convênios, um instrumento jurídico ambiguamente utilizado tanto para as contratualizações entre organizações públicas e as organizações da sociedade civil quanto para os “ajustes” entre organizações exclusivamente públicas e entre entes federativos. A agenda que enfatiza os modelos e os instrumentos por meio dos quais essas parcerias são formalizadas está sendo chamada nesse trabalho de contratualização.

As formas que essas parcerias assumem, do ponto de vista jurídico, político- institucional, organizacional e administrativo, variaram significativamente ao longo dos anos tanto em seu formato e denominação jurídica, como também no uso corrente dessas formas

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19 pelos diferentes órgãos públicos em suas interações com as OSCs. Contudo, as formas jurídicas dos convênios e contratos predominaram nas últimas décadas, apesar da variação existente e da incorporação das novas modalidades de contratos de gestão e termos de parcerias no final da década de 1990.

Como se sabe, essas novas formas de contratualização foram estabelecidas no âmbito da chamada reforma do aparelho de Estado levada parcialmente adiante durante os governos FHC (1995-2002), e foram incorporadas para mediar as relações entre os novos formatos organizacionais propostos naquele período – as Organizações Sociais (lei 9.637/1998), as Agências Executivas (lei 9.649/1998), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (lei 9.790/1999) e as Agências Reguladoras6 – e os seus órgãos supervisores, os “principais” na linguagem incorporada da teoria do agente-principal em alta naquele período.

Embora relevantes do ponto de vista conceitual - ao reconhecerem a existência de uma maior multiplicidade de formas de prestação de serviços e atividades de interesse público que não seriam exclusivamente prestados nem por organizações estatais nem por organizações privadas, mas por uma forma específica de organizações públicas não estatais, esses novos instrumentos, contudo, tiveram uso limitado no âmbito federal, restritas a algumas experiências relativamente isoladas7.

Contudo, apesar de a contratualização entre Estados e as organizações da sociedade civil ter se tornado uma exigência, por ao menos três décadas - entre meados dos anos 1980 e meados dos anos 2010 - os instrumentos de contratualização variaram entre si, não apenas na denominação, mas substancialmente nas exigências, nos procedimentos estabelecidos, naquilo que permitiam ou não permitiam, nas formas de acessar os recursos,

6 Como já escrevi em trabalho anterior, reina a polêmica na questão da regulamentação das Agências Reguladoras. Como ainda não há uma legislação específica que regulamente o funcionamento dessas agências, as ARs estão sendo criadas com base em leis específicas, tais como a Lei 9.472, de 16.07.1997 (Lei Geral das Comunicações) que criou a ANATEL, a Lei 9.478/1997, que criou a Agência Nacional do Petróleo e a Lei 9.427/1996, que instituiu a ANEEL. É importante ressaltar que a ANATEL e a ANP detêm fundamento constitucional para a sua existência (arts. 21, XI e 177, §2º, III), apresentados na CF como “órgão regulador”.

Visando sanar esta lacuna institucional, o Executivo brasileiro propôs um anteprojeto de lei para regulamentar a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras. O PL proposto durante o Governo Lula estabelece o contrato de gestão como o instrumento básico para reger o funcionamento das agências reguladoras. (SCHWARZ: 2009).

7 Em 2009 tive a oportunidade de analisar a experiência de monitoramento de contratualização de resultados em 16 ministérios e em uma agência reguladora do governo federal (ver SCHWARZ, 2009).

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20 de prestar contas, de monitorar o que foi estabelecido, dentre outras variáveis. Um breve registro dessas formas jurídicas [convênios, contratos, termos de parceria e o conceito de

“oficial” de contratualização] encontra-se no Box 1, abaixo.

Box 1. Contratos, Convênios, Contratos de Repasse, Termos de Parceria – Breve glossário

As duas formas mais usuais de contratualização entre as organizações públicas e as organizações da sociedade civil no Brasil têm sido os Convênios e os Contratos.

Os Convênios estão previstos desde a Constituição de 1967, a qual determinava em seu art. 13, § 3º que “a União, os Estados e os Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais”. Também o Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, estabelece que os convênios são instrumentos para efetivar a descentralização das atividades da Administração federal para as unidades federadas. Originalmente, portanto, o instrumento convênio nasce como instrumento de contratualização entre os entes federativos.

O uso dos Convênios para mediar as relações entre organizações ou ente federativo e organização da sociedade civil encontra registro normativo no já extinto Decreto Federal n. 93.872, de 23 de dezembro de 1986, o qual estabelecia em seu art. 48 que os serviços de interesse recíproco dos órgãos e entidades da administração federal e de outras entidades públicas ou organizações particulares, poderão ser executados sob regime de mútua cooperação, mediante convênio, acordo ou ajuste. [Conforme MANICA, s/d]

Atualmente, o Decreto Federal 6.170/2007, define em seu Art. 1º, § 1º: “Para efeitos desse Decreto, considera-se: I – Convênio – acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação. [Grifos da autora]

Já o Contrato é entendido, nos termos da lei 8.666/1993, Art. 2. Parágrafo único como “todo e qualquer ajuste entre órgão ou entidades da Administração Pública e particulares, que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. A literatura especializada estabelece como principal distinção entre contratos e convênios o fato de que nos contratos as vontades das partes contratantes são opostas, e só são comuns naquilo que expressas nos termos do contrato, a chamada vontade contratual, enquanto que nos convênios haveria convergência de interesses entres as partes.

Contrato de Repasse, nos termos do Decreto 6.170/2007 é definido como o “instrumento administrativo, de interesse recíproco, por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, que atua como mandatário da União.”

Contratualização: Segundo a definição da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, contratualização “é o procedimento de ajuste de condições específicas no relacionamento entre o Poder Público e seus órgãos e entidades de direito público e privado ou entre o Poder Público e entidades da sociedade civil, em que há a negociação e o estabelecimento de metas de desempenho. Ainda segundo a SEGES, quando firmada dentro do próprio Poder Público, a contratualização visa ampliar a capacidade interna do governo de implantar políticas públicas setoriais, de forma coordenada e sinérgica. Quando ocorre entre o Poder Público e terceiros, visa estabelecer uma relação de fomento e parceria entre Estado e sociedade civil, para a execução de atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade, possam ser assumidas de forma compartilhada, observadas a eficácia, a eficiência e a efetividade da ação pública.

O fato é que - diferentemente do padrão de interação com partidos políticos e movimentos sociais, atores com os quais os governos dificilmente estabeleciam formas contratualizadas de acordos - neste novo momento marcado pelo avanço das parcerias

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21 entre Estados e organizações da sociedade civil, as formas de contratualização passam a ser uma exigência na mediação entre as partes. Ao envolverem, em geral, recursos e compromissos mútuos, a formalização das responsabilidades e obrigações mútuas assumiu a forma desses diferentes instrumentos de contratualização mencionados anteriormente.

Mais ainda, em muitos casos, o mesmo - e mais comum – instrumento, o convênio, variava entre os diferentes órgãos públicos. Assim, era comum que a mesma organização da sociedade civil estabelecesse um convênio com determinadas regras e procedimentos junto a um órgão federal e, simultaneamente, tivesse que seguir outras regras e procedimentos num convênio com outro órgão público. Por um longo período, a insegurança jurídica foi a regra nas interações entre Estado e organizações da sociedade civil8.

O ápice deste contexto de insegurança jurídica e política nas relações entre Estado e OSCs, naturalmente influenciado por motivações de natureza político-partidária típicos das disputas entre “governo versus oposição”, culminou com a instauração das duas CPIs mencionadas anteriormente9. Ficou bastante claro que, afora as disputas eminentemente partidárias, típicas das CPIs no Congresso brasileiro, as alterações normativas e os avanços na percepção sobre o papel das OSCs para o fortalecimento da democracia e para a prestação de serviços públicos ocorridas ao longo dos anos pós-Constituição foram insuficientes para sanar ambiguidades quanto ao funcionamento real dessas parcerias. Este ambiente de insegurança jurídica, de proliferação de normas e interpretações específicas e de insuficiências nos mecanismos de controle formou o cenário propício à desconfiança generalizada sobre as relações entre os governos e as OSCs, em especial quando envolviam o repasse de recursos públicos.

Mais recentemente, visando lidar com esse ambiente de insegurança e desconfianças mútuas, setores do Estado e representantes de Organizações da Sociedade Civil engajaram-

8 A Lei 13.019/2014 pacifica vários entendimentos, como veremos, mas não soluciona todas as questões, principalmente as relativas aos controles e prestações de contas das parcerias.

9 A primeira CPI das ONGs apresentou seu relatório final destacando a diversidade de organizações e de atuação das OSCs, tendo apontado a dificuldade de delimitar esta diversidade num conceito único. Suas conclusões deram ensejo a alguns projetos de lei, entre os quais o PL nº7/2003, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das OSCs. Já a segunda e mais polêmica CPI das ONGs foi instaurada em 2007, com o objetivo de investigar o repasse de recursos federais para ONGs e OSCIP no período de 1999 a 30 de abril de 2009. Esta CPI foi encerrada em 2010, sem que o relatório final bastante minucioso do relator Inácio Arruda (PCdoB/CE) tenha sido apreciado pela Comissão.

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22 se no projeto de formulação e aprovação de um Marco Regulatório das Organizações Sociedade Civil – MROSC, concebido para ser um regime jurídico que reconhecesse as OSCs como entidades dotadas de personalidade jurídica própria (nem estatal, nem privada), um regime exclusivo para a celebração de parcerias entre as organizações da Sociedade Civil e o Estado brasileiro, suas organizações e seus entes federativos. O resultado desse árduo processo foi a aprovação da Lei 13.019/2014, posteriormente reformada em alguns aspectos importantes pela Lei 13.214/2015.

Neste contexto, o objetivo geral deste trabalho é analisar o processo de transformação recente nas práticas de contratualização com organizações da sociedade civil na implementação de políticas públicas no âmbito do governo federal brasileiro, tendo como referência dois focos de análise complementares, ambos centrados no enfoque de variantes das burocracias estatais e suas elaborações. De um lado, esta dissertação trata de captar como gestores públicos federais de médio escalão que atuam diretamente com parcerias com as OSCs percebem as velhas e novas práticas de contratualização com organizações da sociedade civil na implementação de políticas públicas. De outro, como o novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (doravante, MROSC), iniciativa resultante de uma ampla articulação entre diferentes atores públicos e das OSCs brasileiras e aprovado após intensa tramitação no Congresso (lei 13.089/2014, alterada pela Lei 13.204/2015), revela, em sua gramática normativa, avanços ou retrocessos nessas práticas de contratualização.

Assim, a partir desse duplo enfoque complementar, trata-se de perceber, de um lado, a percepção de gestores federais de contratualizações com OSCs, identificando se, deste ponto de vista privilegiado, as parcerias seriam um “mal necessário” - como identificado por Lima Neto (2014) na percepção detectada junto aos dirigentes de organizações da sociedade civil -, algo que seria melhor que não acontecesse, mas que, por algumas razões devem acabar tendo que acontecer? Seriam uma forma artificial e mesmo equivocada de o Estado aliviar ou transferir responsabilidades que são e deveriam continuar sendo necessariamente

“suas”? Por esta via, representariam uma mera extensão do modo de ação do Estado, que assim imporia às OSCs os seus objetivos, racionalidades e modos de proceder “oficiais”?

Representariam uma forma institucionalizada (embora velada) de cooptação de organizações para o projeto de um determinado governo, ou vice-versa, uma forma de

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23 cooptação e aparelhamento do Estado pelas organizações da sociedade civil? A adoção de contratualizações pelos governos representaria uma forma mais propensa à corrupção e desvios de conduta do que se realizadas pelo mercado ou diretamente pelo poder público?

Ou representariam espaços legítimos, próprios e insubstituíveis das organizações da sociedade em áreas distintas de atuação, áreas nas quais a atuação dos Estados seria, no mínimo, estranha? Ou, então, as parcerias representariam uma obrigação democratizante do Estado em fomentar instituições da sociedade civil, ainda que estas, eventualmente, se oponham à política governamental? Ou, ainda, seriam formas de parcerias genuínas, em torno de objetivos e interesses verdadeiramente comuns e públicos?

As respostas a tais questões foram depreendidas de 30 entrevistas junto a 57 gestores federais realizadas em 14 órgãos federais, sendo 10 ministérios e 4 secretarias nacionais com status de ministério, conduzidas pela autora no período de maio a setembro de 2014, no âmbito de um trabalho coletivo de pesquisa coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República visando gerar subsídios para a regulamentação e implementação do MROSC, então em fase final de debate e aprovação no Congresso Nacional. Alguns detalhes sobre a amostra de entrevistas encontram-se na nota metodológica a seguir.

Em larga medida, eram esses gestores e gestoras que enfrentavam os desafios daquele contexto pré-MROSC, um contexto diagnosticado como de insegurança jurídica, variabilidade nas interpretações e práticas administrativas e relativa cacofonia nas formas de contratualização em uso “na Esplanada Federal”. Neste sentido, tratou-se de identificar as percepções desses atores quanto às suas práticas cotidianas à frente de agendas de contratualização com as OSCs. Nesta atuação, esses gestores públicos operaram inovações infralegais no sentido de aperfeiçoar as contratualizações com as OSCs? Pode-se constatar a preocupação em preservar a autonomia [econômica, gerencial, metodológica, operacional etc.] das OSCs? Pode-se verificar a busca da transferência de conhecimentos e competências às OSCs que facilitem o adequando andamento das contratualizações, desde a sua formalização, passando pela modelagem das propostas, até a prestação de contas?

Considerando um possível valor intrínseco ao processo do trabalho social coletivo e auto- organizado, verifica-se em suas iniciativas o estímulo ao associativismo? Constata-se alguma forma de ativismo na atuação desses burocratas de médio escalão?

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24 No tocante ao novo Marco Regulatório (MROSC), esta dissertação se ocupará em depreender do próprio texto legal algumas questões similares dirigidas aos gestores federais: o novo MROSC recentemente aprovado indica que as contratualizações são um

“mal necessário”? Passam a representar uma forma institucionalizada de cooptação de organizações para o projeto de um determinado governo, ou vice-versa, uma forma de cooptação e aparelhamento do Estado pelas organizações da sociedade civil? As OSCs foram apresentadas como organizações legítimas, autônomas e insubstituíveis da sociedade? As parcerias foram apresentadas como uma atribuição democratizante do Estado, e assim, representariam formas de parcerias genuínas, em torno de objetivos e interesses verdadeiramente comuns e públicos?

Adicionalmente, o MROSC apresentou inovações no sentido de aperfeiçoar as contratualizações com as OSCs? Há a preocupação em preservar a autonomia [econômica, gerencial, metodológica, operacional etc.] das OSCs? Pode-se verificar no MROSC a busca da transferência de conhecimentos e competências às OSCs que facilitem o adequando andamento das contratualizações? Considerando um possível valor intrínseco ao processo do trabalho social coletivo e auto-organizado, verifica-se no novo marco regulatório o estímulo ao associativismo das OSCs?

A criação de um ambiente favorável para essas parcerias, tanto jurídico quanto institucional, ultrapassa o debate sobre o Projeto de Lei do marco regulatório, recentemente sancionado em 2015 e regulamentado no nível federal em 2016. Como se sabe, o debate sobre a importância das parcerias enfatiza aspectos diferentes a depender da visão/ideologia política dos debatedores. Neste debate, encontramos interlocutores que defendem a presença da Sociedade Civil em políticas públicas que, em tese, não deveriam ser executadas pelo Estado, pois exigiriam uma máquina estatal muito dispendiosa. Esse é o argumento da eficiência e do Estado enxuto. Há também aqueles que argumentam em termos de ganhos na qualidade da democracia e da cidadania e que as parcerias aproximam o Estado dos seus cidadãos. Esse seria o argumento societário, que traz no seu bojo a ideia da democracia participativa como um valor em si mesma.

Ambos os argumentos se misturam nos discursos, agregando-se outro ainda:

determinados públicos só são atingidos ou só ganham atenção do poder público via OSCs.

Ou seja, a economia política e a estruturação do Estado é consideravelmente impermeável a

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