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Gramáticas de Competência Compatíveis com Princípios de Desempenho

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Karen Duek Silveira Bueno

Gramáticas de Competência Compatíveis com

Princípios de Desempenho

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Karen Duek Silveira Bueno

Gramáticas de Competência Compatíveis com

Princípios de Desempenho

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em francês, do Curso de Graduação em Letras, do setor de Ciências Hu-manas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientador:

Prof. Dr. Luiz Arthur Pagani

UFPr

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Introdução

Quando concebemos a linguagem tendo fundamentalmente uma natureza biológica e/ou psi-cológica, como fazem a maioria das teorias gramaticais formais propostas, entra em jogo um critério de avaliação para essas teorias que diz respeito à sua capacidade de fornecer regras e representações lingüísticas que sejam psicologicamente reais. Isto significa que, admitindo que o conhecimento lingüístico do falante-ouvinte está representado mentalmente, nossa representação teórica desse con-hecimento deve, por princípio, estar de acordo com o que sabemos sobre a representação mental. As maneiras pelas quais obtemos evidências que esclareçam o assunto são diversas e passam pelos testes de boa formação, consagrados pela gramática gerativa transformacional, e, mais recentemente, por experimentos vindo da psicolingüística. Enquanto as evidências do primeiro tipo podem ser úteis no que concerne às intuições do falante e o conhecimento que pode conseqüentemente ser obtido através delas, elas dizem muito pouco ou nada a respeito do que acontece durante a produção e compreensão das entidades lingüísticas. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico relacionado aos equipamen-tos usados nos testes deste tipo proporcionou o refinamento dos experimenequipamen-tos psicolingüísticos, e eles vêm portanto disponibilizando grande número de evidências sobre o processador lingüístico humano e sobre o uso efetivo da língua. Uma teoria gramatical que consiga integrar tais evidências em sua construção, que seja compatível com um modelo de uso lingüístico, é então mais desejável, já que se aproxima mais do desenvolvimento de um modelo unificado sobre a linguagem, que dê conta de mais aspectos dessa faculdade/atividade humana.

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Assim, o que pretendo fazer neste trabalho é apresentar discussões a respeito destas questões, a partir dos dois principais pontos de vista. Começamos pela revisão da proposta que distinguiu competência e desempenho como áreas de investigações até certo ponto independentes, no sentido em que estudos de competência são vistos como independentes dos de desempenho. O objetivo é tentar localizar de que forma o mal uso dessa distinção levou a formação de incompatibilidades.

Na seqüência são apresentadas as visões de Chomsky (1980) e Bresnan e Kaplan (1989) sobre o conceito de realidade psicológica na lingüística. Chomsky desqualifica o conceito como um critério de avaliação para teorias gramaticais, porque o vê como uma tentativa de provar a "verdade"de uma teoria científica e aquilo que ela representa. Bresnan e Kaplan mostram que a questão colocada pelo critério de realidade psicológica não é essa, ontológica, proposta por Chomsky, mas sim uma questão científica que diz respeito à adequação de uma representação teórica frente ao fenômeno observado. Mesmo quando o fenômeno não é diretamente observável, como é o caso do objeto lingüístico rep-resentado mentalmente e de tantas outras áreas de estudo, há ainda assim uma responsabilidade de trabalhar no sentido de aproximar o objeto teórico daquilo que sabemos sobre o objeto de fato.

A partir daí passamos a discussão sobre diferentes propostas de relação entre competência e desempenho dentro de um modelo, com graus de estreiteza diversos. Apresentamos três opções, onde a primeira, representada pela Teoria da Complexidade Derivacional e amplamente abandonada hoje, demanda que esta relação seja estabelecida como uma identidade total entre as regras da gramática e as regras operadas durante o processamento. A segunda proposta, conhecida por Hipótese Forte da Competência e atribuída a Bresnan e Kaplan (1989), requer que esta relação seja feita de forma que a gramática de competência seja utilizada diretamente como a base representacional do modelo de uso. A terceira proposta, de Berwick e Weinberg, nega a necessidade de uma relação direta e propõe o uso da teoria de sobreposição gramatical (grammatical covering), em que o modelo contém duas gramáticas, uma sendo a “verdadeira“ e a segunda que seria usada para garantir eficiência e a separação de um nível de representação gramatical distinto de um nível de descrição.

Tendo apresentado estas questões, argumento a favor da adoção da hipótese forte da competência como um princípio que garante a responsabilidade com o objetivo de construção de uma gramática compatível com um modelo de uso realístico, e portanto, a construção de um conhecimento mais integral sobre a linguagem humana. Expomos também a proposta de Pagani (1998) de uma hipótese forte do desempenho, análoga à hipótese forte da competência de Bresnan e Kaplan, que requer que também os princípios de desempenho sejam explicitamente formulados no modelo.

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estudos nas duas áreas:

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Competência e Desempenho

Em "Aspectos da Teoria Sintática"de 1965, Chomsky postula a clássica dicotomia competência-desempenho. À competência corresponde o conhecimento inconsciente que o falante nativo tem de sua língua, enquanto o desempenho diz respeito ao uso efetivo da língua. A naturalidade da distinção, reiterada por Chomsky ao longo dos anos, é clara: as pessoas sabem coisas e as pessoas fazem coisas, e as regras que governam uma e outra atividade são de naturezas distintas. Além disso, como coloca Crocker (1996), a distinção é também uma propriedade formal inerente a qualquer sistema de processamento de informações. Há uma parte declarativa , que define o que é computado, e uma parte operacional, que especifica como o dado da parte declarativa é usado, através de um determinado algoritmo.

Apesar de estar relacionada com a distinção anterior de Saussure entre langue e parole, Chomsky assinala que sua noção de competência não se confunde com a de langue, porque antes de ser um inventário de regularidades, é um sistema subjacente de processos gerativos. Aqui, Chomsky apontava para a natureza biológica/psicológica da faculdade lingüística humana. Entretanto, ao falar sobre uma teoria do desempenho, os aspectos psicológicos apontados parecem ser mais no sentido de suas restrições, como limitações de memória, tempo e acesso, do que de seu funcionamento efetivo. Naquele ponto, de fato, havia razão em afirmar que “a investigação do desempenho só continuará na medida em que a compreensão da competência subjacente o permitir” (p. 90), já que ambas eram incipientes e faltava mesmo o aparato tecnológico que permitiu o avanço apropriado nos estudos do desempenho. Mas mesmo aquela primeira formulação falava sobre a necessidade de integração, ainda que estudos sobre a gramática de competência tivessem prioridade lógica. No entanto, enquanto boa parte dos trabalhos sobre desempenho incorporava aqueles sobre competência, o contrário não é verdadeiro.

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Realidade Psicológica

Como já vimos, a noção de competência proposta por Chomsky (1965) e que vêm influenciando grande parte dos trabalhos na área deste então, diz respeito à representação mental da língua do falante-ouvinte. Qualquer que fosse a gramática de competência, ela seria incorporada a um modelo lingüístico como um de seus componentes básicos.

Entretanto, dizem Bresnan e Kaplan (1989), não se conhece até hoje uma tentativa bem-sucedida de incorporar uma gramática transformacional em um modelo de uso psicologicamente real. O mesmo argumento é tomado por Sag e Wasow na proposta que será apresentada mais à frente, advogando portanto a favor de um outro tipo de gramática gerativa, não-transformacional, que teria maior compatibilidade com princípios de desempenho psicologicamente reais. O que está sendo entendido então por realidade psicológica?

Em Chomsky (1980) realidade psicológica é vista como uma “propriedade misteriosa(...) que presumidamente deve ser entendida nos moldes de uma ’realidade física” ’ (pp 106). Mais do que isso, a discussão sobre a realidade psicológica de uma gramática seria enganosa e exigir tal propriedade de uma teoria científica seria absurdo. Seu entendimento da questão é melhor esclarecido a partir da analogia que constrói entre as investigações sobre a natureza das reações termo-nucleares no interior do Sol e sobre a faculdade de linguagem humana. Em ambos os casos as evidências são obtidas a partir de uma "camada inferior"e as teorias são construídas com base nestas informações, dada a impossibilidade de observar o fenômeno de fato. As teorias serão julgadas então com base em suas capacidades de explicar o corpo de evidências disponível. De acordo com Chomsky, tanto o astrônomo quanto o lingüista, ao serem interrogados sobre a realidade física ou a realidade psicológica de suas teorias, têm como única resposta possível reapresentar as evidências disponíveis e as teorias formuladas para explicá-las. Seria absurdo exigir algum outro tipo de justificativa para atribuir realidade psicológica, ou física, às teorias. A única alternativa seria a busca de evidências mais conclusivas, porém,diz Chomsky, nenhuma evidência pode ser completamente conclusiva a ponto de provar a verdade de uma teoria. Desta maneira, “Seria bastante razoável argumentar contra a reivindicação de realidade psicológica- isto é, a verdade de uma certa teoria- com base no fato de que as evidências são fracas e suscetíveis de diferentes maneiras(...)” (pg 191).

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visão é que, o que motiva a postulação de uma realidade psicológica na literatura é a crença de que um determinado tipo de evidência, notadamente aquelas obtidas de experimentos como os que medem o tempo necessário para que o falante reaja ao que esta sendo exposto (reaction time), ou o tempo necessário para o reconhecimento, testes de memória,etc, são mais reveladores que outros. Enquanto este tipo de evidência seria levado em conta para estabelecer a realidade psicológica de uma teoria, os outros tipos de evidência seriam tomados como sendo de natureza distinta. Uma teoria seria psicologicamente real se bem-sucedida ao ser confrontada com evidências do primeiro tipo.

A resposta de Bresnan e Kaplan a esta questão, e a Chomsky, vai em sentido oposto. Em primeiro lugar eles esclarecem que o que está sendo chamado de componente da gramática de competência em um modelo de desempenho não corresponde à gramática como faculdade mental, mas sim como uma gramática específica de determinada língua em questão. É nesse sentido que a gramática gerativa transformacional não foi até hoje incorporada com sucesso a um modelo realista de aquisição, compreensão ou produção lingüística.

Tal fracasso gerou dois tipos de resposta diferentes: a de Chomsky, que desqualifica o critério de realidade psicológica, e a de muitos psicolingüistas que passaram a abandonar a hipótese da competência. Assim, não seria necessário haver uma relação transparente entre uma gramática for-mal lingüisticamente motivada e modelos psicológicos de uso lingüístico.No entanto, para Bresnan e Kaplan, nenhuma das duas respostas é satisfatória. No segundo caso, ao rejeitarem a hipótese da competência, seria rejeitada também a noção de que algum tipo de conhecimento lingüístico ar-mazenado pelo falante é posto em funcionamento por todo tipo de comportamento verbal. Seria preciso adotar uma alternativa em que cada tipo de comportamento lingüístico requer um diferente tipo de conhecimento sobre a língua, onde cada um desses conhecimentos é armazenado separada-mente, sem estar necessariamente conectado com os outros. A hipótese da competência, ao contrário, postula uma relação isomórfica entre os componentes do conhecimento lingüístico. Isto permite que as diversas teorias acerca da representação mental da linguagem sejam unificadas, possibilitando a construção de modelos de processamento baseados na compreensão da estrutura do conhecimento da linguagem. Ou seja, a hipótese possibilita a incorporação de uma teoria de competência em um modelo de desempenho lingüístico.

No primeiro caso, Chomsky havia rejeitado a noção de realidade psicológica alegando que ela seria intangível. Mas, de acordo com Bresnan e Kaplan, Chomsky coloca o problema da realidade psicológica como uma questão de se provar a realidade das regras e representações de uma teoria lingüística, de se comprovar a realidade dos processos e entidades mentais. Não é essa a questão.

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sentenças.

O problema proposto a Chomsky pela questão não é portanto aquele que ele coloca, a corre-spondência entre as construções teóricas e as entidades e processos mentais reais, cuja natureza é ontológica. A questão, científica, diz respeito à capacidade de tais construções teóricas de serem unifi-cadas com os resultados da pesquisa lingüística e psicolingüística sobre os processos e representações mentais.

Para Chomsky, uma gramática seria psicologicamente real se ela for capaz de explicar julgamentos e comportamentos lingüísticos do falante, e isso seria o bastante. Essa, naturalmente, não é uma concepção interessante de realidade psicológica. Ela permite, por exemplo, concluir que derivações lexicais com origens histórias remotas fazem parte do léxico mental de um falante contemporâneo, baseando-se em sua capacidade de julgá-las segundo sua boa-formação. Aqui os autores fazem duas ressalvas:

1- Não há nenhuma correspondência necessária entre descrições lingüisticamente motivadas e a descrição interna que o falante tem da língua. Portanto, as primeiras não servem como justificativa para alegar a realidade psicológica de uma gramática.

2- Eles sugerem que o conceito de competência vem sendo mal utilizado, já que, como no exemplo, algumas teorias parecem pretender que um sistema de regras lingüístico não precisa ter qualquer papel em um modelo de desempenho. Mas, segundo eles, uma concepção cientificamente muito mais interessante e comprometida em aproximar a teoria - idealizada - do real nos diria que a hipótese da competência é responsável não apenas pela caracterização da estrutura do conhecimento lingüístico, mas também por explicar de que maneira as propriedades formais das representações lingüísticas propostas estão relacionadas com os processos cognitivos envolvidos no uso e na aquisição efetivos da língua.

Assim, concluem, exigir realidade psicológica de uma teoria gramatical é mais que exigir de-scrições adequadas; deve-se exigir também evidências de que há correspondência entre as dede-scrições da gramática e as internas dos falantes. Essa gramática interna, acreditam Bresnan e Kaplan, pode ser melhor compreendida se, juntamente com as representações formais de uma teoria lingüística, forem consideradas a abordagem do processamento de informações da computação, e métodos experimen-tais da psicolingüística, levando à construção de um modelo de desempenho baseado na competência lingüística.

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4

Hipótese da Competência

Neste capítulo examinaremos três hipóteses sobre a relação que se estabelece entre as informações e representações gramaticais internas dos falantes e um modelo de desempenho que compreenda e pro-duza entidades lingüísticas a partir das primeiras. Podemos falar em uma versão estrita da hipótese da competência, representada pelos esforços iniciais da Teoria de Complexidade Derivacional (em inglês, Derivational Theory of Complexity, doravante DTC) que prevê uma relação completamente isomór-fica entre regras da gramática e regras de processamento; uma versão forte da hipótese, atribuída a Bresnan e Kaplan (1982), que demanda uma relação direta entre a gramática e o processador, e uma versão fraca da hipótese, postulada por Berwick e Weinberg (1984), em que esta relação estabelece-se de forma indireta.

4.1

Teoria de Complexidade Derivacional

A Teoria da Complexidade Derivacional é posta por Miller e Chomsky (1963). Para estes autores, era possível identificar mais ou menos um a um, regras da gramática com operações computacionais realizadas pelo processador. As gramáticas seriam colocadas em uso diretamente, enquanto algoritmos do processamento. Desta forma, em uma gramática transformacional, quanto maior for o número de transformações necessárias para derivar uma sentença, maior o número de etapas computacionais no processamento dessa sentença, aumentando sua complexidade. Haveria então uma conseqüência direta na percepção e compreensão de sentenças conforme os passos efetuados para derivar uma estrutura superficial de uma estrutura profunda.

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4.2

Hipótese Forte da Competência

A hipótese atribuída a Bresnan e Kaplan (1984) fica conhecida como Hipótese Forte da Com-petência. O que esta hipótese alega é que o modelo de desempenho deve fazer uso direto dos princípios da gramática. Assume-se a existência de uma gramática de competência, que representa o conhecimento lingüístic, e a existência de um modelo de processamento, onde há um processador e um componente que armazena o conhecimento lingüístico K. Em K há uma sub-parte responsável pelas operações representacionais, chamada base representacional de K. Esta base representacional é a gramática interna do modelo e deve ser isomórfica à gramática de competência. Enquanto tal sub-parte deve ser isomórfica à gramática, outras informações contidas em K, como informações so-bre freqüência lexical, ou de determinadas estratégias estruturais - auxiliares na tomada de decisões heurísticas - ou informações que auxiliem o processador a determinar que operação deve ser aplicada em determinada situação, não sofrem a mesma exigência.

Assim, um modelo satisfaz a Hipótese Forte da Competência se a gramática de competência é us-ada diretamente, como sua base representacional. Os únicos componentes além da própria gramática seriam um mecanismo para construir estruturas de acordo com suas regras e um mecanismo que avalie qual regra deve ser adotada em cada ponto da sentença. Ainda que seja possível admitir um processador lingüístico que não assuma o tipo de propriedade estabelecida pela hipótese forte da competência, esta tem um forte apelo psicológico.

Este tipo de restrição na arquitetura de um modelo, baseada na escolha da teoria gramatical, como já vimos, é motivada pela necessidade de construção de modelos de desempenho compatíveis com gramáticas e que estas, baseadas em evidências sobre o desempenho, postulem representações e operações psicologicamente reais.

4.3

Hipótese Fraca da Competência

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a escolha de teorias de competência.

Desta maneira, considerando que as evidências sobre o processamento não são conclusivas, sua capacidade de avaliar teorias gramáticas é tão válida quanto nossa confiança na veracidade daquelas evidências. A conclusão é que “Se a teoria de processamento não tem motivação independente, podemos sempre mudá-la para se adequar ao formato da gramática” (Berwick e Weinberg (1984),pp 36).

No entanto, discutem os autores, essas mesmas evidências sobre o processamento estariam sendo tomadas por muitos como justificativa tanto para modelos de desempenho como para teorias gramat-icais, sob o critério de realidade psicológica. Estaria sendo atribuída a essas evidências uma espécie de status metodológico a priori, como sendo as únicas capazes de conferir realidade psicológica a teorias. O autor retoma esse assunto um pouco mais a frente na argumentação.

Tendo feito considerações sobre o poder de avaliação do uso de evidências de diferentes naturezas, os autores se colocam a seguinte questão: Podemos usar uma teoria de gramática para restringir a escolha entre possíveis parsers, e vice-versa? Como podemos usar a teoria de gramática para restringir parsers? À segunda pergunta, eles respondem que a resposta mais simples é alegar que competência e desempenho estão conectadas da forma mais direta possível. É isso que haviam proposto Miller e Chomsky (1963). Como visto, estes autores postulam que a organização do mecanismo de processa-mento deve ser reflexo exato da organização lógica das regras e estruturas incorporadas na gramática. Esta condição é chamada por Berwick e Weinberg de "transparência de tipo"(type transparency).

Embora o apelo intuitivo de tal condição seja forte, já que poderia permitir que os resultados dos experimentos sobre o processamento em tempo real fossem igualmente decisivos na escolha tanto de gramáticas quanto processador, os autores acreditam que ele contém uma pressuposição falsa. Nova-mente, para que isso fosse possível seria necessário atribuir uma espécie de status metodológico a priori para o tipo de experimento feito pela psicolingüística, no sentido de que atribuímos a esse paradigma a capacidade de revelar propriedades fundamentais sobre o uso da linguagem. Seria necessário por-tanto, fornecer argumentos independentes a favor da transparência de tipo, por exemplo, um outro argumento metodológico.

Um dos argumentos possíveis seria sugerir a necessidade lógica de um princípio que faça uma correspondência idêntica entre as regras e as representações da gramática e seus respectivos compo-nentes de um algoritmo de processamento. Este argumento não se sustenta porque a gramática não descreve nenhum tipo particular de processador, ela apenas descreve o conhecimento lingüístico do falante. Assim, embora uma conexão direta seja desejável, é possível que essa conexão seja indireta, já que não é uma necessidade lógica.

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tipo. Estes argumentos falham, segundo eles, porque o argumento da uniformidade (da represen-tação do conhecimento lingüístico empregado em diversos comportamentos verbais), não garante isomorfismo entre a representação construída pelo lingüista e a de fato usada pelos falantes durante o processamento. Berwick e Weinberg não adotam o princípio da uniformidade porque para eles é possível justificar diferentes representações para conhecimento de diferentes domínios lingüísticos:

“A principio, gostaríamos de mostrar que as modificações ao formato representacional do lingüista são motivadas funcionalmente - pelo mecanismo de uso da língua (para produção ou compreensão de sentenças) e pelas peculiaridades das sub tarefas que o mecanismo e a gramática devem desempenhar. Essas condições podem nos forçar a estabelecer relações menos diretas entre gramática e processador“ (pp 41).

Sua proposta é, portanto, demonstrar que uma teoria que não assume transparência de tipo como princípio pode ainda assim expressar a relação entre uma teoria de competência e uma de desempenho. Isto seria obtido através da noção de gramática de sobreposição (covering grammar).

Antes, os autores refutam as conclusões tiradas dos resultados de experimentos com DTC e a proposta de Bresnan e Kaplan, nas quais a noção de transparência de tipo é crucial. De fato, os resultados obtidos dos experimentos sobre DTC baseiam grande parte dos argumentos a favor da inadequação de uma gramática transformacional em descrever representações e operações psicologi-camente reais. No texto de Bresnan e Kaplan, por exemplo, essa inadequação é muitas vezes suporte para a construção de sua teoria alternativa à gramática gerativa de Chomsky. No entanto, não en-traremos em detalhe nesse assunto porque nosso objetivo esta mais voltado para, assim como no artigo de Sag e Wasow, demonstrar de que forma outras teorias parecem ser mais adequadas, e não de que forma a gerativa transformacional é inadequada.

De ambas as formas, com a necessidade de abandonar a identidade entre toda ocorrência de regras de processamento e da gramática, o que a substituiu foi uma identidade de tipos, mais fraca, como na gramática léxico-funcional de Bresnan. Eles se perguntam então se algo foi perdido ao abandonar a versão estrita da transparência de tipo. A resposta é dada sob duas perspectivas, uma lógica e outra empírica. A questão lógica seria colocada como ”Seria esta a relação preferida entre gramática e parser¿‘ enquanto a segunda seria ”Considerando o que conhecemos, a transparência de tipo estrita é capaz de restringir a escolha de parsers e gramáticas¿‘. Sua resposta à primeira pergunta, como já vimos, é negativa. Esta correspondência não seria logicamente necessária. Além disso, os autores insistem que muito pouco é sabido sobre o processador lingüístico humano e isso enfraquece consideravelmente o poder de restrição de tal condição. Desta forma, seria sempre possível mudar a arquitetura do parser de modo a adequá-lo a uma teoria gramatical bem justificada.

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as descrições das estruturas gramaticais são computadas por estratégias heurísticas.

Na proposta apresentada por eles, esta ”realização“ da gramática é feita usando um conjunto de representações muito diferente dos da gramática. Este tipo de relação gramática-parser é alcançada através da teoria de sobreposição gramatical. Resumidamente, o que esta teoria propõe é o uso de duas gramáticas durante o processamento, onde uma é a gramática de competência "verdadeira"e a outra é a gramática de sobreposição. A primeira é responsável por gerar descrições estruturais apropriadas, enquanto a segunda garante processamento mais eficiente devido a certas características das estruturas que gera. Uma gramática sobrepõe outra quando a primeira pode ser usada para recuperar facilmente todas as etapas de processamento que a segunda gramática designa para uma sentença que lhe serve como input. Desta maneira, argumentam Berwick e Weinberg, seria possível manter fixas as estruturas da gramática e então examinar variações nos métodos de processamento. A teoria de sobreposição gramatical separa então gramática e parser em dois níveis e o uso do primeiro no segundo é feito de forma indireta e não transparente.

As vantagens de estabelecer tal separação seria, de um lado, metodológica, e de outra, de ade-quação a abordagens da psicologia, principalmente da aquisição de linguagem. A primeira vantagem diz respeito à possibilidade de, a partir desta separação, ter também uma visão modular da questão, dividida assim entre gramática, processador e implementação. Uma investigação científica modular, segundo os autores, parece o método mais vantajoso para se lidar com um sistema de processamento de informações complexo como é a faculdade da linguagem.

Quanto à segunda vantagem proposta, é dito que, durante a aquisição de linguagem, diversas questões remetem à necessidade de um nível de representação gramatical que se distingue de um nível de descrição gramatical, como no caso da incorporação de novos itens lexicais. O exemplo dado é a aquisição de um novo verbo, "desambigüisar", na sentença "O contexto desambigüisou o significado da sentença". Para explicar como, a partir desse verbo, o falante é capaz de reconhecer facilmente o mesmo verbo em sua versão passiva (”o significado foi desambigüisado pelo contexto da sentença"), seria necessário se remeter à um nível distinto de representação gramatical, já que a relação ativa-passiva só seria estável em um nível de descrição gramatical.

Berwick e Weinberg concluem que há três questões surgidas desta investigação sobre a relação gramática-parser-implementação computacional:

1-Dada a limitação atual de nosso conhecimento sobre possíveis implementações, não é re-comendável que se especifique uma teoria de processamento de língua natural sem antes ter uma boa teoria gramatical.

2-A teoria gramatical delimita o tipo de parser possível, porque especifica a função a ser com-putada.

(16)

estabelecimento de um nível de representação gramatical.

Assim, o que estes três pontos indicariam seria que o desenvolvimento de uma teoria de uso lingüístico apropriada depende de uma caracterização sólida do conhecimento lingüístico.

4.4

Discussão

Admitimos que a caracterização da competência lingüística humana é de crucial importância para alguns aspectos da construção de um modelo de uso adequado, porém parece claro que diversos outros aspectos estão exclusivamente ligados a estratégias de processamento de informações, seja quais forem essas informações. Essas estratégias, por sua vez, devem corresponder, assim como as representações da gramática, aos processos que de fato ocorrem durante a produção e compreensão de sentenças. Voltaremos a este ponto a seguir. Antes, queremos mostrar que alguns dos argumentos usados contra a adoção de uma versão forte da hipótese da competência podem ser discutidos.

O principal aspecto a ser discutido diz respeito justamente ao diálogo entre estudos de competên-cia e desempenho: propostas como a feita por Berwick e Weinberg o vêem como unilateral. Somente a teoria de uso estaria sendo construída com base no que se sabe sobre a competência, porque, eles defendem, sabe-se pouco sobre o processamento efetivo e as teorias de conhecimento lingüístico são justificadas independentemente de seu uso. Há no entanto algo curioso nesta suposta independência, no sentido em que ela parece ultrapassar o ponto em que a idealização daquele conhecimento interno do falante é uma estratégia benéfica para o progresso da lingüística como ciência. Bresnan e Kaplan (1984) chamam atenção para esse ponto de forma interessante. Eles argumentam que conceitos ideais, como o falante-ouvinte na lingüística, ou como outros em áreas diferentes, tornam-se interes-santes apenas na medida em que podem demonstrar que o comportamento real se aproxima deles, quando controladas as fontes de variações externas:

“(...) há uma responsabilidade científica de demonstrar que o real de fato se aproxima pro-gressivamente do ideal, sob circunstâncias apropriadas. Se essa responsabilidade é tomada seriamente, existem mais, não menos, maneiras em que resultados sobre processamento podem influenciar questões representacionais. (...) precisamos descobrir maneiras de mostrar que o comportamento efetivo do falante nativo real converge com o comporta-mento ideal previsto por nossa teoria gramatical, a medida em que fatores interferentes de desempenho são reduzidos.”

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em que a correspondência entre gramática e parser não está estabelecida como necessária pela noção de competência, como colocada por eles. Como vimos antes, Bresnan e Kaplan propunham uma concepção diferente em que a hipótese da competência faz sim mais que isso, ela é responsável também por explicar de que maneira as representações lingüísticas propostas estão relacionadas com o uso e a aquisição efetivos da língua.

Aquele, portanto, não é um argumento relevante quando a meta é um modelo psicologicamente plausível, inclusive porque, a rigor, tendo que a gramática de fato não diz nada sobre como é colocada em uso, não descreve nenhum tipo particular de processador, nenhuma proposta tem necessidade lógica. Mas o ponto principal é que sem a hipótese forte da competência perde-se de vista aquela responsabilidade sobre a qual falamos acima e assume-se o risco de ter em mãos uma teoria sem relação com o real, ou ao menos com aquilo que conseguimos apreender dele.

Uma das formas de garantir que princípios de desempenho tenham também um papel decisivo dentro de um modelo de processamento lingüístico é proposto por Pagani (1998) como uma hipótese forte do desempenho, análoga à hipótese de competência de Bresnan e Kaplan. A idéia é que seja exigida também de uma teoria de desempenho que ela seja explicitamente formalizada e expressa diretamente em um modelo. Uma versão fraca desta hipótese do desempenho utilizaria princípios de desempenho apenas como uma heurística a ser respeitada, de forma que ainda que as análises não violem nenhum princípio, eles não estão formalmente descritos. Voltando à proposta da hipótese forte da competência, lembramos que os autores diziam que, além da própria gramática, usada di-retamente, haveria apenas mais um mecanismo para construir estruturas de acordo com suas regras e um mecanismo que avalie qual regra deve ser adotada em cada ponto da sentença. Esses mecan-ismos, porém, também devem estar formalmente explicitados dentro do modelo, e devem respeitar princípios psicolingüísticos de desempenho, ao invés, por exemplo, de soluções computacionalmente mais eficientes, mas que não têm comprometimento com a realidade psicológica daquele modelo.

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5

Sag e Wasow - Performance-Compatible

Competence Grammar

O ponto de partida do artigo é um panorama sobre a distribuição de objetos dentro da lingüística que se deu a partir da distinção entre competência lingüística e o estudo de aspectos do uso -desempenho - da língua, como proposta por Chomsky na década de 50. Ficaria desta forma atribuída a responsabilidade da representação do conhecimento lingüístico em sua forma idealizada à gramática transformacional, enquanto o estudo da língua em uso, incluindo processos mentais de compreensão e produção, deveria ser claramente distinguido e investigado diversamente. Não obstante, Chomsky postulava também que a relação entre essas duas noções é tal que o aprofundamento dos estudos de desempenho é limitado pelo estado de entendimento que se alcance acerca da competência. Em seu projeto inicial, como vimos, isso significava que os esforços se encontrariam em obter descrições eficazes das transformações que caracterizavam a gramática de competência, e então demonstrar as relações entre o número e tipo e transformação e seu reflexo na complexidade da compreensão e/ou produção de tais sentenças.

No entanto, apesar do sucesso inicial neste sentido, os experimentos da psicolingüística apontaram que tal relação não se estabelecia desta maneira, e mais ainda, que as transformações não se provavam psicologicamente reais. O exemplo colocado pelos autores é baseado na previsão feita pela gramática transformacional que dizia que sentenças que tivessem elipses seriam mais difíceis de processar do que suas versões não elípticas. Segundo esta previsão, a sentença (1a) abaixo seria mais facilmente processada do que (1b), o que não é o caso:

(1a) João nada mais rápido do que Maria nada. (1b) João nada mais rápido do que Maria.

(19)

são ainda precisos de forma a serem suficientes para argumentar decisivamente a favor ou contra uma determinada teoria gramatical, mas são suficientes para acreditarmos que gramáticas de competência devem ser orientadas pelas estruturas superficiais,lexicalistas e baseadas em restrições.

Na seqüência passam a apresentar a área e os resultados da psicolingüística que embasam suas propostas. De acordo com eles, os avanços tecnológicos possibilitaram experimentos onde é possível inferir processos mentais em tempo real, palavra por palavra, (rastreadores do movimento dos olhos, por exemplo) e onde as situações colocadas se assemelham mais a situações naturais de produção e recepção. Com isso a tese da modularidade do processamento foi amplamente abandonada. As evidências passaram a demonstrar que os falantes utilizam diversos tipos de informações lingüísticas e não lingüísticas assim que elas lhe estão disponíveis e que se faça necessário, não havendo, ao contrário, evidências para sustentar a idéia de que esses diferentes tipos de informação estão encapsuladas em módulos distintos e que não se comunicam entre si durante o processo de compreensão.

Ao contrário, o que as evidências nos mostram é que o processamento é incremental e que utiliza diversas fontes de informação de diferentes naturezas, assim que se faz necessário. Os autores apontam, concordando com as conclusões de Tenenhaus et al (1996), que um processador que consiga levar em conta fatores não lingüísticos durante o processo de compreensão ou produção de uma sentença será consistente com um modelo baseado em restrições, mas problemático para um que diga que o processamento lingüístico é encapsulado, isto é, incapaz de dialogar com outras fontes de informação durante o processamento.

Um dos experimentos utilizados para ilustrar esse ponto é relatado por Tenenhaus et al e utiliza a medição da velocidade dos movimentos dos olhos durante o teste. Neste estudo, os participantes eram colocados em frente a uma série de objetos, dentre os quais dois poderiam ser descritos com nomes que tivessem como início a mesma seqüência, como “candle“(vela) e ”candy“(doce). Os participantes eram então instruídos a pegar e às vezes mover um objeto, e foram comparados casos em que o objeto fazia parte do par de palavras usadas para o controle do experimento com outros casos sobre os quais não havia hipótese sobre o processamento. O que os resultados provaram foi que a informação que provinha do contexto visual influenciava grandemente o processamento, fazendo com que o reconhecimento de um entrada lexical tenha início antes que a palavra termine.

Apesar de evidências e até mesmo de conclusões que podem ser tiradas intuitivamente por qual-quer falante, os defensores da modularidade a defendiam com base no tipo de fenômeno que ficou conhecido como garden-path , ou sentenças labirinto, como (2):

(2) The horse raced past the barn fell.

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(3) The horse that raced past the barn fell.

O que alguns dos que primeiro trataram do assunto, como Bever (1970), concluíram foi que o fenô-meno era devido a aspectos do processamento puramente sintáticos, como estratégias de associação estrutural que, por serem utilizadas com sucesso com freqüência, acabam por se tornar "automáticas", mesmo quando seu uso leva a uma falha no processamento. No entanto, um dos aspectos que não estavam sendo levados em conta nesta analise era a influencia do contexto. Quando apresentadas 1dentro de um contexto a interpretação que era tão dificilmente alcançada anteriormente passava a ser a preferidas pelos falantes, por critérios de plausibilidade. Além disso, era possível manter a mesma estrutura, que seria por si problemática segundo os defensores da modularidade, e eliminar o efeito labirinto , sem a necessidade da apresentação de um contexto, como em (4a) e (4b):

(4a) The evidence examined by the judge turned out to be unreliable.

(4b) The evidence that was examined by the judge turned out to be unreliable.

Segundo Sag e Wasow, o que faz com que estas sentenças não sejam erroneamente processadas é a presença de informações não lingüísticas relevantes, seja um contexto previamente dado, ou critérios de plausibilidade que inferimos a partir de nosso conhecimento de mundo. E o fato de que fazemos isso a todo momento, rapidamente e de maneira imperceptível nos mostra que o processador humano trabalha de forma a integrar todo tipo de informação relevante que esteja disponível durante o processamento, e que o faz incrementalmente.

São apresentadas nesse momento as três características básicas e fundamentais partilhadas por gramáticas baseadas em restrições, demonstrando de que forma cada uma parece ser naturalmente compatível com as evidências disponíveis hoje sobre a realidade do processamento lingüístico humano, apresentadas no capítulo anterior.

A primeira característica diz respeito à natureza deste tipo de gramática que se propõe a inter-pretar as estruturas superficiais e com isso tem como propriedade associar diretamente uma estrutura gramatical à sentença.

Em segundo lugar, tais gramáticas são baseadas em restrições. Isto quer dizer que não há uma especificação quanto à ordem de aplicação de regras que seja estipulada pela gramática ou elementos dela, e que não há operação do tipo destrutivas. Aqui, os princípios, regras e entradas lexicais são restrições que devem ser satisfeitas simultaneamente, e a boa formação de uma determinada estrutura é avaliada puramente pela com base na satisfação dessas restrições.

Ainda, o tipo de gramática que os autores acreditam ser mais compatíveis com um modelo realís-tico de desempenho são fortemente lexicalistas. O lexicalismo para eles consiste em três propriedades:

Codificação lexical: grande parte da informação gramatical e semântica está no léxico.

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indepen-dentes daquelas que governam a construção de sintagmas e sentenças.

Integridade lexical: quando formadas, as palavras tornam-se unidades e não são analisáveis. Por exemplo, regras sintáticas não se aplicam a palavras.

As gramáticas que compartilham essas características são chamadas pelos autores de Constraint-Based Lexicalist - Lexicalistas baseadas em Restrições- (CBL). Essas propriedades teriam, segundo Sag e Wasow, um papel crucial na tentativa de incorporar uma teoria de competência em um modelo de desempenho.

O próximo passo consiste na demonstração da compatibilidade dos resultados recentes da psicol-ingüística com os princípios da CBL. Isto é, cabe aos autores no capítulo que se segue demonstrar de que forma aqueles resultados nos dizem que uma gramática de competência deve ser:

1) orientada pelas estruturas superficiais; 2) baseada em restrições

3) lexicalista.

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No capítulo 2, Sag e Wasow mostraram que o processamento lingüístico humano parece fazer uso de diversos tipos de informação, assim que elas estejam disponíveis. Mais que isso, o uso de cada tipo de informação não é determinado por uma ordem fixa. Essa ordem é, ao contrário, determinada pela seqüência lingüística que serve como input, e, portanto, pode ser quase infinitamente diversa. Os autores apresentam o seguinte exemplo:

(5) The sheep that was sleeping in the pen stood up.

(6) The sheep in the pen had been sleeping and were about to wake up.

Em (5) a informação morfológica que nos permite determinar o número de ovelhas, no verbo "was", é acessada no início do processamento, incrementalmente, muito antes do que a informação não lingüística de conhecimento de mundo, que seleciona o sentido de "um tipo de cercado"para a palavra "pen", ao invés de "ferramenta de escrita", possa ser acessada.

Já em (6) a informação sobre o mundo que permite a interpretação correta de "pen"parece estar sendo acessada muito antes que a informação morfológica.

Não há prioridades definidas pela gramática neste tipo de processamento, nem entre níveis lingüís-ticos, nem entre informações lingüísticas e não lingüísticas, como é assumido por gramáticas cujas operações são unidirecionais. Em gramáticas deste segundo tipo, pressupõe-se que um tipo de infor-mação sempre terá prioridade sobre outro, já que suas operações são determinadas de forma que o input de um tipo é o output (mesmo que parcial) de outro. Por exemplo, uma teoria cuja operação morfológica tenha como input estruturas sintáticas superficiais, que são definidas por transformações sintáticas, pressupõe que informações sintáticas sempre serão computadas antes das morfológicas.

Restrições, ao contrário, funcionam como fonte de informação (tanto lingüística como referente ao mundo ou ao discurso), que são consultadas pelo parser durante a compreensão de sentenças. Parece haver evidências então a favor de gramáticas cujas regras sejam restrições declarativas e não operações unidirecionais, onde cada restrição expresse informações parciais sobre as estruturas lingüísticas e tenha como propriedade não ter uma ordem determinada.

No tipo de gramática defendida por Sag e Wasow, regras relativamente simples regem o modo pelo qual as informações das entradas lexicais se combinam quando as palavras são combinadas em frases. Mais do que isso, os autores querem demonstrar que o tipo de informação especificada pela léxico por gramáticas CBL é justamente o que, de acordo com experimentos da psicolingüística, deve estar incluso no léxico.

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Por exemplo, sentenças do tipo SN-V-SN podem ter diversas continuações. Desta forma, durante o processamento incremental, ao encontrar o segundo SN, o parser deve ou tomar uma decisão prematura e comprometer-se com ela, ou adiar a decisão até que encontre mais informações, como no exemplo abaixo:

(7) a. Lou forgot the umbrella... b. Lou forgot the umbrella was broken. c. Lou forgot the umbrella in the closet.

No entanto nem todo verbo que poderia substituir ”forgot” em (7a) poderia aparecer em (7b) e (7c):

(8) a. Lou hoped the umbrella was broken. b. *Lou hoped the umbrella in the closet. (9) a. *Lou put the umbrella was broken. b. Lou put the umbrella in the closet.

A dificuldade no processamento de (7a) é reduzida quando a valência do verbo não permite ambigüidade, como em (8). Isto fornece forte evidência para a hipótese de que os falantes utilizam informações lexicais sobre valência incrementalmente.

Da mesma forma, as investigações sobre preferências de ligação mostraram que os ouvintes usam não somente informações sintáticas, mas também semânticas e pragmáticas, para decidir entre possíveis posições de ligação estrutural. Por exemplo, enquanto o par (9 a) e (9b) apresentam ambigüidade no PP, o mesmo não acontece em (10 a) e (10b), cuja estrutura é a mesma:

(10) a. The artist drew the child with the pencil. b. Lynn likes the hat in the shelf.

(11)a. The artist drew the child with the bike. b. Lynn bought the hat in the shelf.

Assim, quando a semântica ou pragmática do verbo indica forte preferência por uma das inter-pretações, não há ambigüidade.

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Concluindo, Sag e Wasow defendem que este tipo de integração harmoniosa entre modelos de pro-cessamento e gramática é exatamente o que qualquer versão interessante da hipótese da competência exige:

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6

Conclusão

Apesar da impossibilidade de tirar conclusões determinantes sobre teorias gramaticais a partir de observações sobre como essas gramáticas estão postas em uso nos diferentes comportamentos linguísticos, acredito que existem indícios suficientes para que algumas restrições possam ser colocadas. Há naturalmente espaço para refinar e redesenhar os experimentos que nos dão as evidências, mas isso não significa que seja possível ignorá-las porque são inconclusivas. No entanto, mais do que a investigação imediata acerca de quais seriam as restrições que podemos estabelecer no sentido de chegarmos mais próximo de teorias que não violem princípios de desempenho, como no artigo de Sag e Wasow, a idéia aqui é que a busca por essas teorias nos leva a teorias gramaticais mais interessantes, justamente porque as tomam como princípio.

É interessante notar porém que essas mesmas teorias, apontadas por Sag e Wasow como mais satisfatórias de acordo com os critérios empregados, têm também apresentado bons resultados quando se exige que elas descrevam consistentemente fenômenos lingüísticos que são muitas vez problemáticos para a gramática gerativa transformacional. Um bom exemplo é dado por Borges Neto (1999) ao demonstrar como a Gramática Categorial consegue oferecer um tratamento para a coordenação de sintagmas verbais em português brasileiro de uma forma mais simples, mais elegante, sem ter que recorrer a noção de elipse, necessária no tratamento desse fenômeno por qualquer gramática transformacional. Mais do que isso, a Gramática Categorial consegue isso porque permite uma flexibilização da noção de constituinte que trás, além dessas, outras vantagens, como a simplicidade de fornecer interpretações parciais, que, como vimos, é uma característica importante no ponto de visto do processamento.

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Referências

[1] Balierio Jr., Ari P. 2001. Psicolingüística. In Mussalim, F. e Bentes, A.C. (eds.) Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras vol 2.,São Paulo: Editora Corteza.

[2] Berwick,R. & Weinberg, A. 1984. The grammatical basis of linguistic performance Cambridge, Mass.: The MIT Press.

[3] Bever,T.G. The cognitive basis for linguistic structures.In J.R. Hayes (ed.) Cognition and the Development of LanguageNew York, NY: Wiley.

[4] Borges Neto, J. 1999. Introdução às Gramáticas Categoriais. Curitiba:Fotocopiado.

[5] Bresnan, Joan & Kaplan, M.R. 1982. Introduction: Grammars as mental representations of lan-guage. In J. Bresnan and M.R. Kaplan (ed.), The Mental Representation of Grammatical Relations, Cambridge, Mass.: The MIT Press.

[6] Chomsky, N. 1980. Rules and Representation. New York:Columbia University Press.

[7] Chomsky, N. 1965.Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge, Mass.: The MIT Press. pp 83-97. [8] Crocker, M. W. 1996. Computational Psycholinguistics: An Interdisciplinary Approach to the

Study of Language. Dordrecht: Kluwer Academic Press.

[9] Pagani, L.A. 1998. Gramática Categorial e processamento lingüístico.In Revista Letras 50, pp.171-183.

Referências

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