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O monitoramento de email pelo empregador frente aos direitos fundamentais do empregado

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

GERMANDO OLIVEIRA PEREIRA

O MONITORAMENTO DE

E-MAIL

PELO EMPREGADOR FRENTE

AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO EMPREGADO

(2)

GERMANDO OLIVEIRA PEREIRA

O MONITORAMENTO DE E-MAIL PELO EMPREGADOR FRENTE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO EMPREGADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia Jurídica do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Área de Concentração: Direito Constitucional.

Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Teófilo Furtado

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GERMANDO OLIVEIRA PEREIRA

O MONITORAMENTO DE E-MAIL PELO EMPREGADOR FRENTE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO EMPREGADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia Jurídica do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ____ /____ /________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

Prof. Dr. Emmanuel Teófilo Furtado (Orientador)

Departamento de Direito Privado – UFC

_______________________________________

Prof. André Studart Leitão

Departamento de Direito Privado – UFC

________________________________________

Prof. Júlio Carlos Sampaio Neto

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor Emmanuel Teófilo Furtado, pela atenção e sugestões dedicadas a este trabalho.

Ao Professor André Studart Leitão e ao Professor Júlio Carlos Sampaio Neto, pela presença na banca.

À colega Francisca Monica da Silva, pelo apoio na revisão desta monografia. Ao amigo Carlos Alberto de França Júnior e à minha sobrinha Irla Camila Pereira Costa, pela ajuda na bibliografia.

Aos meus colegas de trabalho, pelo apoio e pelo incentivo dados durante a elaboração deste trabalho.

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“Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”

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RESUMO

Este estudo discorre sobre a colisão de direitos fundamentais quando do monitoramento de e-mail e de acesso à Internet no ambiente laboral. De um lado, erige-se o poder diretivo do empregador, amparado pelo direito de propriedade, por serem consideradas tais tecnologias instrumentos de trabalho. De outro lado, tem-se ofensa aos direitos de privacidade do empregado, mormente o direito à intimidade, à vida privada e à inviolabilidade da correspondência e comunicação de dados. Através de uma revisão bibliográfica e jurisprudencial, discute-se, em primeira análise, a caracterização dos direitos ofendidos do empregado, como direitos fundamentais, tendo como norte o princípio angular da dignidade da pessoa humana. Correlacionam-se esses direitos com os da personalidade, protegidos no Digesto Civil, e discute-se se tais direitos alcançam as relações trabalhistas, podendo ser oponíveis contra particulares. Em seguida, justifica-se a fiscalização pelo empregador como meio de evitar o mau uso do computador, o vazamento de dados sigilosos, a responsabilidade civil, levantar provas para justa causa, além de ser, essa vigilância, efetivo exercício do poder patronal em dirigir, organizar, fiscalizar e disciplinar a prestação de serviço do empregado. A solução deste embate passa pela aplicação do princípio da proporcionalidade, por meio do qual se procura harmonizar a tensão entre as normas constitucionais a serem concretizadas, procurando-se manter a unidade da Constituição. Ao final, empós ressalvas quanto aos limites do poder diretivo, apontam-se critérios para evitar excessos no monitoramento, que acabem por ferir a dignidade do trabalhador, ensejando reparo por dano moral. Encerram este estudo algumas decisões de nossos tribunais que coroam o posicionamento aqui adotado.

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ABSTRACT

This study discusses the impact of fundamental rights regarding the surveillance of private email accounts and internet access in the working environment. On one hand, it debates about the employer’s directive power, which is based on the right of private ownership, for having such technology considered as work tools. Nevertheless, there’s the offense to the employee’s privacy rights, including the right to intimacy, to a private life and to the inviolability of correspondence and data communication. Through a literature review and court decisions, it discusses, in the first analysis, the attribution of the offended employee's rights as fundamental rights, having the principle of human dignity as its basis. Such rights are related to others rights such as the personality ones, protected in the Civil Code, and it discusses whether they apply to labor relations, being enforceable against individuals. Having said that, employer’s surveillance is justified as being used in order to keep employees from misusing the company’s computers as well as from releasing secret data. It is appropriate to review by the employer as a means to prevent the misuse of the computer, the leak of secret data, the liability, raising evidence for just cause, in addition to this monitoring, effective exercise of the employer to direct , organize, supervise and discipline the provision of service of the employee. The solution for such conflict has to go through the implementation of the principle of proportionality, which seeks to harmonize the tension between the constitutional requirements to be met in order to maintain the unity of the Constitution. In the end, once made a few exceptions regarding the limits of the surveillance power, it points out the requirements to avoid excesses in the surveillance, which might hurt the dignity of the worker eventually, what could cause the employee to require legal compensation for moral damage. As its final assumptions, there are some decisions of our courts that crown the position adopted by the present paper.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASPECTOS ESSENCIAIS... 13

2.1 Direito à intimidade... 19

2.2 Direito à vida privada ... 25

2.3 Direito ao sigilo ... 28

2.4 Da inviolabilidade da correspondência e comunicação de dados... 30

3 A JUSTIFICATIVA DA FISCALIZAÇÃO DE E-MAIL PELO EMPREGADOR... 34

3.1 Direito de propriedade ... 35

3.2 Poder diretivo do empregador ... 37

3.3 Responsabilidade civil do empregador ... 40

3.4 O e-mail como fundamento para demissão por justa causa ... 43

4 A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 47

4.1 Pressupostos para enfrentar a questão... 48

4.2 Aplicação do princípio da proporcionalidade... 50

4.3 Limites do controle da atuação laboral ... 52

4.4 Da cláusula de invasão da privacidade... 54

4.5 Critérios propostos ... 55

4.6 Análise jurisprudencial de decisões envolvendo o tema ... 57

5 CONCLUSÃO... 62

REFERÊNCIAS ... 65

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1 INTRODUÇÃO

A sociedade de hoje vivencia a “Revolução da Informação”, em que as relações humanas têm sofrido enormes transformações diante da miríade de tecnologias que assoma às nossas vidas. Vive-se, pois, na “infoera”, onde essa sociedade – dita da “informação”, não consegue mais se desvencilhar da parafernália de equipamentos que rodeiam o cotidiano do cidadão. Neste contexto, caem os últimos muros, a distância, as barreiras físicas, para dar lugar a uma grande aldeia global. O mundo agora é uno, principalmente com a popularização da Internet.

A tendência é que tudo caminhe para o digital. A realidade, hoje, se descortina em “bits” e “bytes”. O real transmuda para o virtual. Sai a máquina de escrever e entra o computador. Sai o ofício de papel e surge o ofício eletrônico. Saem as enciclopédias de pesquisas e entra a Internet.

A informação passa a ter forte valor econômico. É a sociedade da informação substituindo a sociedade industrial do século XIX. E, com esta mudança de paradigmas, há fortes transformações no comportamento social, na organização administrativa das instituições, nos meios de comunicação e até no lazer. A informação vale ouro e as empresas já estão conscientes disso.

O computador, que já era considerado umas das principais ferramentas no ambiente de trabalho, tem despontado como instrumento indispensável. A máquina de escrever caiu no ostracismo, no qual o ritmo frenético do neo-liberalismo a colocou como peça de museu. E não basta o computador em si, pois é necessário que ele comunique com os demais, numa em uma grande rede mundial.

A telecomunicação soma-se à informática, permitindo que a troca de informações ocorra em segundos. Não há que se falar mais em missiva, tem-se o correio eletrônico. Bate-papo só via chat. Patrões e empregados dão e recebem ordem com o auxílio do computador. No ambiente laboral, o computador representa mais que um mecanismo de produção, é também uma ótima ferramenta gerencial. E se tudo é feito via computador, nada melhor que usar ele próprio como instrumento de inspeção.

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possibilidades de monitoramento. E, assim, chega-se ao ponto chave: monitoramento no ambiente de trabalho. A tecnologia nunca o fez tão fácil. A cada dia que passa, o empregador tem monitorado cada vez mais as atividades de seus empregados, em especial quanto ao uso do correio eletrônico e quanto ao conteúdo acessado na Internet.

O problema a ser discutido neste trabalho gravita em torno da celeuma que surge quando da fiscalização do e-mail e do acesso à Internet do obreiro pelo empregador. É lícito monitorar as correspondências eletrônicas do empregado? Tal procedimento não estaria ferindo seus direitos fundamentais, como o direito à intimidade, à inviolabilidade da correspondência e comunicação de dados, garantidos constitucionalmente?

A pesquisa realizada neste trabalho empregou o método analítico-argumentativo, tendo por base a revisão de textos doutrinários, artigos, legislação e decisões de tribunais. A intenção foi confirmar a caracterização dos direitos ofendidos do empregado como direitos fundamentais, analisando-se, também, os fundamentos para o monitoramento feito pelo empregador, bem como alguns limites a serem observados. Ao fim, sugere-se uma proposta de composição do conflito através do princípio da proporcionalidade e de uma política de uso dos meios informáticos clara e difundida.

Para se atingir referido objetivo, identificou-se, no primeiro capítulo, que direitos dos empregados são afrontados por esse monitoramento e disserta-se sobre os aspectos essencias dos direitos fundamentais albergados na Contituição. Recebe atenção especial os direitos à intimidade e à vida privada, correlacionando-os com os direitos da personalidade.

É discutida, também, a caracterização do e-mail e do acesso à Internet como correspondência e comunicação de dados, perquirindo-se se, como tais, são tutelados pela garantia constitucional da inviolabilidade.

No segundo capítulo trata-se a questão sobre outro prisma: que motivos levam o empregador a monitorar a correspondência eletrônica e as atividades na Internet dos empregados. O empregador, preocupado com o mau uso do computador, com o vazamento de dados sigilosos, com a responsabilidade civil, além da obtenção de prova para justa causa, fundamenta a vigilância eletrônica em seu poder de direção e de propriedade.

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proporcionalidade como meio de regulamentar e solucionar a colisão desses direitos fundamentais. Discute-se ainda sobre quais os limites do controle da atuação laboral, e se é lícito usar-se a cláusula permissiva de invasão de privacidade no contrato de trabalho.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASPECTOS ESSENCIAIS

A grande questão levantada neste trabalho é a constitucionalidade do monitoramento de e-mail e do acesso à Internet no ambiente laboral. Interceptar uma correspondência eletrônica, ou fiscalizar o conteúdo acessado na Internet, pode soar, a principio, como uma devassidão na intimidade do empregado; adentrar em sua esfera particular. Mesmo porque antes do empregado tem-se a pessoa humana, protegida em sua dignidade constitucionalmente.

Nesse mérito, pode-se erigir a bandeira dos direitos fundamentais e garantias constitucionais em favor do trabalhador. Porém, antes de se analisar a problemática em seu cerne, mister se faz traçar algumas linhas sobre os direitos fundamentais, as garantias constitucionais, o direito à intimidade, à privacidade, e ao sigilo. Somente após a abordagem desses aspectos essenciais, pode-se entender melhor a questão suscitada e a maneira correta de atacá-la.

Preliminarmente, cumpre entender os direitos fundamentais sob o ponto de vista histórico. Assim, conforme o magistério de Guerra Filho, “os direitos fundamentais são, originariamente, direitos humanos” 1, mas com estes não se confundem. Enquanto os direitos humanos têm uma dimensão mais intangível, idealista, com fortes alicerces no jusnaturalismo, os direitos fundamentais encontram-se plasmados no ordenamento jurídico, traduzidos em normas positivas. Como bem encerra Guerra Filho:

[...] para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pauta ético-políticas, “direitos morais”, situados em uma dimensão supra-positiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de Direito interno.2

Os direitos fundamentais ganharam força no final do século XVIII, quando o mundo vivenciava as revoluções liberais que lutavam pela liberdade e independência dos

1 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo:

RCS Editora, 2007, p. 39 s.

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indivíduos, pela diminuição do intervencionismo estatal na política e na economia, e por uma maior autonomia do homem em face do poder do Estado.

Neste clima, sob a influência do liberalismo, ocorreu, na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que representou a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais, conforme aponta Moraes3, informando que esta promulgação trouxe importantes previsões, como: o princípio da igualdade, liberdade, propriedade, livre manifestação do pensamento etc.

As constituições posteriores passaram a integralizar, em seus diplomas, os ideais liberalistas, que se enraizaram em seus textos, e consolidaram-se definitivamente, a partir do século XX. A Constituição mexicana de 1917 e a de Weimar, na Alemanha, tornaram-se referenciais para todo o mundo, por suas garantias constitucionais destinadas aos direitos individuais e com fortes tendências sociais.

Aqui se chama a atenção para a Constituição de Weimar, que “previa em sua Parte II os Direitos e Deveres fundamentais dos Alemães”. E, ainda na dicção de Moraes, destacamos, “além da consagração dos direitos tradicionais, as previsões do art. 117 (são invioláveis o segredo da correspondência, dos correios, do telégrafo e do telefone. Só a lei pode estabelecer exceções a esta regra) [...]”4.

Seguindo a abordagem didática dos direitos fundamentais, em suas várias dimensões, proposta por Guerra Filho5, cuidou-se entendê-los, primeiramente, em sua faceta histórica. A partir deste ponto, é imperioso esclarecer algumas distinções dos direitos fundamentais, agora não mais entre estes e direitos supra-posisitivos, mas correlacioná-los com outras proteções previstas no ordenamento interno, a exemplo dos “direitos de personalidade”.

Segundo R. Limongi França, “direitos da personalidade são aqueles que recaem em certos atributos físicos, intelectuais ou morais do homem, com a finalidade de resguardar a dignidade e integridade da pessoa humana” 6. Extravasam, portanto , os limites de contorno perante o próprio Estado, abarcando a coletividade civil, “cujo objeto de direito tem a

3 cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8. ed, São Paulo: Editora Atlas, 2007.

4Idem, ibdem, p. 11. 5op. cit. p.41

6 apud BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de

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natureza de direitos subjetivos absolutos – porque exercitáveis erga omnes [...]”, acrescenta o autor.

Pontifica Maria Helena Diniz, citando Godofredo Telles Jr., que “os direitos da personalidade são direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a vida, a integridade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação ou honra, a imagem, a privacidade, a autoria etc” 7.

Assim, os direitos da personalidade se manifestam numa ordem privatista. Quando servem de anteparo ao Estado, são comumente chamados direitos subjetivos públicos. No novel Código Civil de 20028, há capítulo próprio para o regramento daqueles direitos.

Ressalva ainda Diniz, quanto às características dos direitos da personalidade, que, inobstante o Código Civil ter elencado em seu art. 11 somente três caracteres, são eles “inatos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis (apesar da omissão legal, assim tem entendido a doutrina), impenhoráveis e inexpropriáveis” 9.

Analisando o texto civil e constitucional, percebe-se que ambos preocuparam-se com a tutela de alguns direitos próprios do ser humano, tomado em sua individualidade, como o direito à vida privada. Nesta pauta, pode-se levar a entender, equivocadamente, que tais direitos exarados na Lei Maior seriam oponíveis somente ao Estado, vez que os direitos da personalidade, presentes em nosso Digesto Civil, já contemplaria as relações entre particulares.

Entretanto, acertadamente, adverte Briancini, na esteira de Wilson Steinmetz (A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004), que:

Por serem os direitos fundamentais de origem liberal, sempre foram estudados e vistos como oponíveis exclusivamente ao Estado, negando sua aplicação nas relações entre particulares. No entanto, embora sua origem esteja na idéia de limitação do poder estatal, modernamente eles regulam também as relações dos particulares entre si, na medida em que a liberdade humana pode restar violada ou ameaçada pelo Estado, mas também no âmbito das relações jurídicas privadas10.

7 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2005, p. 32.

8 BRASIL. Código Civil. Vade Mecum Saraiva: Lei. 10.406, de 10 de janeiro 2002, 7. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, Capítulo II (Dos Direitos da Personalidade), arts. 11 s

9 Op. cit., p. 32

10 BRIANCINI, Valkiria. Colisão de direitos fundamentais e aplicação do princípio da proporcionalidade

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Neste diapasão, sobre a mesma tese, prepondera com eloquência ímpar, Costa Filho:

Sendo o direito de privacidade tutelado não somente pela codificação civil, mas também pela carta constitucional, indaga-se acerca da eficácia do direito de privacidade à medida em que é compreendido como direito fundamental. Há que se falar em uma eficácia restrita ao direito público, pelo que somente o Estado poderia figurar como sujeito passivo nas relações que envolvam tal categoria de direitos, ou se poderia falar em uma eficácia que se alastra por sobre o ordenamento jurídico como um todo, alcançando o direito privado e os particulares? A tendência atual, frente o crescimento em larga escala das violações de direitos fundamentais perpetradas pelos particulares, parece ser no sentido de admitir a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais; o que também gera discussões acerca da chamada constitucionalização do direito privado.11

Observe-se que essa chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais vem harmonizar a legislação infraconstitucional, e não entrar em confronto ou absorvê-la. Destarte, “não se almeja com isto a publicização do direito privado, mas apenas reconhecer que o direito civil não se encontra alheio aos valores e princípios de direito público”12.

Confirmando tal entendimento, assevera Belmonte que:

A Constituição de 88 garante o exercício desses direitos, quer para o exercício ou proteção perante o Estado, na qualidade de liberdades públicas, quer no relacionamento entre particulares, então especificamente considerados como direitos personalíssimos, a exemplo do art. 5º, incisos X, XI e XII13.

Assim, bem se resume, no esteio do pensamento de Pontes de Miranda (apud Costa Filho), “que os direitos da personalidade são os direitos essenciais da pessoa humana reconhecidos pelo direito privado, enquanto que no direito público interno estes são denominados direitos fundamentais e na órbita do direito internacional são conhecidos como direitos humanos”14.

Conforme visto, dos caracteres dos direitos da personalidade – inatos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, impenhoráveis, inexpropriáveis... – , da figuração destes direitos como liberdades públicas subjetivas, constando do rol de direitos e garantias fundamentais de nossa Constituição, e cuja oponibilidade pode se dar contra

11 COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Direito à privacidade: digressões acerca de sua natureza, concretização e

regulação. In:Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI (Recife, 15 a17 jun 2006), p. 5. Disponível em

<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/recife/negocio_jur_venceslau_costa_filho.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009.

12Idem, ibidem, p. 17.

13 BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho.

São Paulo: Editora LTR, 2004 p. 33.

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particulares, assim se pode afirmar, fácil e peremptoriamente, serem tais direitos extensíveis, também, às relações de trabalho, protegendo o trabalhador de abusos do empregador que firam a dignidade daquele.

Continuando a didática abordagem sobre alguns aspectos essenciais dos direitos fundamentais – que embasarão todo o presente trabalho –, uma vez contextualizados em seu momento histórico e devidamente correlacionados com os direitos de personalidade, os direitos fundamentais podem ser vistos, ainda, sob outro prisma, donde costumam ser agrupados em gerações.

Paulo Bonavides preconiza que as gerações de direitos fundamentais tiveram como reflexo o lema da ideologia liberal. Em suas palavras:

Em rigor, o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a seqüência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade15.

E, assim, costuma-se dividir os direitos fundamentais em direitos de primeira geração (direitos da liberdade), de segunda geração (direitos da igualdade) e de terceira geração (os da fraternidade ou, como queiram, da solidariedade).

Para compreender melhor, Celso de Mello resume, com propriedade, o significado desta sucessão de gerações:

enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade16.

Alerte-se, de antemão, que o termo geração, muito usado na doutrina, pode apresentar-se inapropriado porque faculta a idéia apenas de uma sucessão cronológica e de substituição, e, verdadeiramente, não é o que ocorre. Há um acúmulo de direitos, como que uma evolução, seguindo o próprio curso histórico, em que a primeira geração fora fortemente

15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. atualizada, São Paulo: Editora Malheiros,

2000, p562.

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influenciada pelo liberalismo, enquanto a segunda já acompanha a tendência do estado social, seguindo-se da terceira geração, cujo destinatário é a coletividade, protegendo de forma mais incisiva o meio ambiente e o patrimônio cultural.

Paulo Bonavides vai além, e enxerga uma quarta geração de direitos fundamentais agora em curso, influenciados pela globalização – não a do neoliberalismo que tem como desígnio a perpetuidade do status quo de dominação –, mas embebido da globalização política, que converge para uma universalização dos direitos fundamentais no campo institucional.

Para Bonavides, “são direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo” 17. Alerta ainda que a democracia em pauta não é aquela de faz de conta, que não suplanta o papel, mas “há de ser, de necessidade, uma democracia direta”.

Essencialmente, os direitos fundamentais do homem, conforme visto em linhas gerais – e valendo-se da lição de José Afonso da Silva,

além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direto positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados18.

Entende-se, então, que não basta a declaração desses direitos, mas há de se ter uma forma real de efetivá-los, de lhes garantir a eficácia. Em consonância com esta necessidade, estão as garantias fundamentais, que juntamente com os direitos, compõem o Título II da nossa Constituição Federal.

Percebe-se, portanto, que o termo garantia não deve ser confundido com direito. Como bem alerta Bonavides, “a garantia – meio de defesa – se coloca então diante do direito, mas com este não se deve confundir” 19. E citando Jorge Miranda:

17op. cit. p. 571

18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.16. ed., revista e atualizada, São Paulo:

Editora Malheiros, 1999, p. 182.

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Os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se20.

De fato, são as garantias que vão viabilizar a fruição do direito, informando a este direito declarado os meios de defesa, materializando-se em escudo para seu titular. Assim, quando o empregado alega suposta ofensa a direito fundamental seu, em virtude da fiscalização do e-mail e do acesso à internet por seu empregador, é porque havia antes uma garantia constitucional que o protegia, haja vista que “existe garantia sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve conjurar” 21, como esclarece Bonavides.

2.1 Direito à intimidade

Entendidos o conceito e a abrangência dos direitos fundamentais, especialmente quanto ao seu aspecto protetor da dignidade da pessoa humana, e da possibilidade de invocá-los perante o Estado e particulares – aí se inserindo as relações trabalhistas –, convém se debruçar agora, mais especificamente, sobre os direitos fundamentais atingidos e as garantias constitucionais inobservadas, em tese, quando do monitoramento do e-mail e do acesso à internet do obreiro pelo empregador.

Na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inserto no Título II – Dos direitos e garantias fundamentais –, em seu inciso X, assim se dispõe:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação22;

20apud BONAVIDES, op. cit. p. 528 21op. cit. p. 525.

22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Saraiva: CF atualizada até a Emenda

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Há dois termos presentes no texto constitucional essenciais para o presente trabalho: intimidade e vida privada. Em rápida consulta nos léxicos23, tem-se com sinônimos os termos. Assim, intimidade é próprio do que é íntimo; vida íntima, vida particular. Já vida privada, encontra-se no mesmo sentido: vida particular, intimidade. Porém, como é cediço, o legislador não se vale, em vão, de duas palavras para dizer a mesma coisa. Decerto que não se pode limitar-se, perfunctoriamente, à literalidade da lei. Há, portanto, a imperiosa necessidade de se ir além, analisando as acepções associadas ao seu contexto cultural, histórico e jurídico.

O constituinte, deveras, quis proteger dois direitos – intimidade e vida privada – empregando-lhes a garantia constitucional da inviolabilidade. Em primeiro momento, será focado o direito à intimidade.

A intimidade vem sendo tratada pelo direito como resguardo pessoal à esfera íntima da pessoa. É a preservação de fatos que só dizem respeito ao indivíduo. Ao conhecimento alheio opõe-se a intimidade da pessoa.

Ter o direito à intimidade é garantir que terceiros não tenham acesso a fatos/atos íntimos do indivíduo e que só a esse interessa. Como ensina Belmonte:

O indivíduo tem o poder de excluir do conhecimento público as suas convicções religiosas, políticas, sindicais e demais crenças, opções, preferências, idéias, ideais, desejos e até tendências sexuais, dados em relação aos quais não se admite discriminação. São informações que estão contidas em sua intimidade ou vida íntima24.

Essa garantia constitucional, conforme dito, estende-se ao campo laboral, por dois motivos. Primeiramente porque a condição de empregado não retira da pessoa a sua condição de civil, de pessoa humana. A relação empregatícia, por conseguinte, não derroga o direito albergado na Constituição. Outro motivo é a própria omissão da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT que, apesar de resguardar, em suas regras, a integridade física do trabalhador, pouco atina em relação a sua esfera privada25.

Nesta senda, consoante o ensinamento de Barros:

23 cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed., revista e

aumentada, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.

24 BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho.

São Paulo: Editora LTR, 2004, p.36

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Embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécies dos “direitos da personalidade” consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis26.

As relações trabalhistas, entretanto, suscitam questões relativas aos limites da proteção à intimidade. Não raro, podemos encontrar situações ou atitudes do empregador que, por deter o poder econômico, tende ou comete excessos que acabam por atingir a esfera particular do obreiro, ofendendo o direito em tela.

Como um primeiro exemplo, tais situações podem ocorrer desde o processo seletivo, quando o candidato fica sujeito a responder certos questionamentos e expor-se a exigências que acabam adentrando em seu campo de intimidade, e que muitas vezes não tem pertinência com o ofício, não se justificando de forma alguma. Repudia-se, assim, a exigência de exame laboratorial reativo para HIV, metodologia condenável, que malfere de morte o direito à intimidade, o princípio da isonomia, a dignidade da pessoa humana, além de se constituir forma de discriminação.

Outras exigências pré-contratuais podem, igualmente, atingir a proteção à intimidade da pessoa e à sua vida privada. Assim, refuta-se a exigência de atestado de bons antecedentes do candidato a emprego, a comprovação de ausência de protestos bancários, a ficha limpa nos órgãos de proteção ao crédito (como SPC e SERASA), exame de gravidez, ou um tipo de seleção focando determinada raça ou sexo . Estes últimos, principalmente, conferem um status abusivo ao procedimento seletivo.

A própria CLT para algumas exigências acima, traz vedações expressas em seu art. 373-A, in verbis:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

[...]

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;

III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;

(22)

22

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;27

Como um segundo exemplo, agora tratando do empregado no pleno exercício da atividade laboral, têm-se as revistas, quer sejam pessoais, quer sejam em objetos particulares, e que podem se constituir em abuso e atingir a intimidade do empregado.

Boa parte de nossa doutrina e a jurisprudência brasileira inclinam-se a permitir a revista pessoal. Entretanto, vale ressaltar que, esta não pode ser realizada de forma vexatória, ferindo frontalmente a dignidade do obreiro e, naturalmente, sua intimidade. Extrapola, portanto, a revista íntima que obriga o trabalhador a se despir. Não menos ofensiva pode ser a revista em objetos particulares. Neste caso, como ressalva Barros, “a revista, a rigor, vem sendo considerada, com acerto, como verdadeira atividade de polícia privada”. E continua afirmando que “só poderá ocorrer, de forma geral, não discricionária e apenas em circunstâncias excepcionais, respeitando-se ao máximo a esfera de privacidade do empregado [...]”28.

Para melhor figurar as ressalvas retro, trazem-se à baila entendimentos do TST e TRT da 2ª Região quanto à revista de empregados e de seus pertences:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.

DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto probatório, deliberou que as revistas diárias, impostas aos empregados do réu, extrapolaram os limites da razoabilidade, vez que não eram realizadas em local reservado (em desatenção, inclusive, ao disposto nas normas coletivas aplicáveis), além de ensejarem -contato físico impertinente-, assim consideradas as -apalpadelas- na região do peito, das pernas, da cintura, e dos glúteos dos trabalhadores. Acrescentou que a empresa sucessora do reclamado considerou a prática inadequada e, por isso, extinguiu-a. Nesse contexto, aquela Corte entendeu caracterizado o ato ilícito do empregador, bem como o dano moral daí decorrente, qual seja: a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do reclamante. Nos termos em que colocada, a decisão recorrida deu a exata subsunção dos fatos aos comandos insertos nos artigos 5º, X, da Constituição Federal, 186 e 927 do Código Civil, razão pela qual estão ilesos os preceitos indicados pelo recorrente. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (G.N.)29

EMENTA: RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

REVISTA MODERADA EM BOLSAS E SACOLAS. INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. A revista de bolsas e sacolas daqueles que adentram no recinto empresarial não constitui, por si só, motivo a denotar constrangimento nem violação da intimidade da pessoa.

27 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Vade Mecum Saraiva: Decreto-Lei. 5.452, de 1º de maio de

1943, 7. edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

28op. cit. p.78.

29 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR - 1609/2005-411-06-40.7. Relator Min. Pedro Paulo Manus,

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23

Retrata, na realidade, o exercício pela empresa de legítimo exercício regular do direito à proteção de seu patrimônio, ausente abuso desse direito quando procedida a revista moderadamente, como no caso em exame, não havendo se falar em constrangimento ou em revista íntima e vexatória, a atacar a imagem ou a dignidade do empregado. Recurso de revista conhecido e provido, no tema. [...]30

(G.N.)

EMENTA: [...]RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO -

REVISTA ÍNTIMA. 1. O dano moral passível de indenização diz respeito à violação da imagem, honra, vida privada e intimidade da pessoa (CF, art. 5º, X). 2. -In casu-,

segundo o TRT, a prova testemunhal demonstrou que o dano moral restou amplamente configurado, tendo em vista que os empregados da Reclamada eram obrigados a tirar até a cueca nas revistas, para verificar se não portavam dinheiro transportado. 3. Nos moldes em que o acórdão regional a descreve, a revista íntima submetia a constrangimento tanto o revistado quanto quem realizava a inspeção. Conclui-se, portanto, que tal procedimento não se harmoniza com o direito à intimidade e honra da pessoa. Depreende-se do exame da prova testemunhal produzida no feito que as revistas determinadas pela Reclamada não eram legítimas, pois impunham constrangimento aos empregados, os quais, ao serem obrigados a ficar completamente despidos diante de outros colegas e serem revistados para verificar se ocultavam dinheiro, tiveram violadas sua intimidade, e conseqüentemente, a dignidade da pessoa humana, princípios insculpidos na Carta Magna, revelando-se motivo suficiente para ensejar a indenização por dano moral. Recurso de revista provido.31 (G.N.)

EMENTA: [...]DANO MORAL. REVISTA VISUAL. 2.1. O exercício do poder diretivo não constituirá abuso de direito, quando não evidenciados excessos, praticados pelo empregador ou seus prepostos. 2.2. A tipificação do dano, em tal caso, exigirá a adoção, por parte da empresa, de procedimentos que levem o trabalhador a sofrimentos superiores aos que a situação posta em exame, sob condições razoáveis, provocaria. 2.3. A moderada revista, quando não acompanhada de atitudes que exponham a intimidade do empregado ou que venham a ofender publicamente o seu direito à privacidade, não induz à caracterização de dano moral. Recurso de revista não conhecido.32 (G.N.)

EMENTA: TRANSPORTADORA DE VALORES.NUDEZ. REVISTA ÍNTIMA.

ATENTADO À DIGNIDADE DO EMPREGADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Ainda que se trate de empresa de transporte de valores, a prática diária de revista íntima, mesmo realizada por pessoa do mesmo sexo, não pode ser convalidada porque agride a dignidade humana, fundamento da República (CF, 1º, III). O direito do empregador, de proteger seu patrimônio e o de terceiros termina onde começa o direito à intimidade e dignidade do empregado.A sujeição do empregado a permanecer nu ou de cuecas diante de colegas e superiores, retira legitimidade à conduta patronal, vez que incompatível com a dignidade da pessoa, com a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV, art.5º, XIII, art. 170, caput e III) e ainda, porque a Carta Magna veda todo e qualquer tratamento desumano e degradante (art. 5º, inciso III ), e garante a todos a inviolabilidade da intimidade e da honra (art. 5º, inciso X).Tratando-se de direitos indisponíveis, não se admite sua renúncia e tampouco, a invasão da esfera reservada da personalidade humana com a imposição de condições vexaminosas que extrapolam os limites do poder de direção, disciplina e fiscalização dos serviços prestados. A revista íntima não pode ser vista como regra

30 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR - 11964/2005-003-09-00.6. Relator Min. Aloysio Corrêa da

Veiga, 6ª Turma. Disponível em <www.tst.jus.br>. Acesso em 01/05/2009.

31 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR - 408/2007-076-01-40.4. Relator Min. Ives Gandra Martins

Filho, 7ª Turma. Disponível em <www.tst.jus.br>. Acesso em 01/05/2009.

32 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR - 145/2006-093-09-00.0. Relator Min. Alberto Luiz Bresciani de

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ou condição contratual, pois nem mesmo a autoridade policial está autorizada a proceder dessa forma sem mandado. A revista sem autorização judicial inverte a ordem jurídica vigente no sentido de que ninguém é culpado senão mediante prova em contrário. Estabelecer presunção de culpa contra os empregados, apenas pelo fato de a empresa lidar com valores é consagrar odiosa discriminação contra os trabalhadores dessa sofrida categoria, como se fosse regra a apropriação por estes, do numerário confiado por terceiros aos seus empregadores. Decisão que se reforma para deferir indenização por dano moral (art. 5º, V e X, CF)33. (G.N.)

Por oportuno, deve-se frisar que a tecnologia tem evitado essas incursões invasivas na esfera do empregado, vez que permite, através de aparatos eletrônicos como detectores e câmeras, inspecionar o ambiente de trabalho, pondo a salvo o patrimônio do empregador, ao mesmo tempo em que não se mostra tão ofensivo particularmente. A passagem por portas detectoras há de se mostrar inspeção mais amena do que uma revista que implique num contato mais físico.

Todavia, essa mesma tecnologia pode-se apresentar com uma outra faceta. Explica-se melhor. A tecnologia alterou de tal sorte a vida das pessoas que praticamente vive-se “plugado” – on-line (para vive-se usar o jargão da área) – o tempo todo. O que antes vive-se guardava trancado a sete chaves nos recônditos dos diários pessoais, hoje se “posta” no Orkut34. E alerte-se que as informações dispostas no Orkut não estão, necessariamente, disponíveis para todos. Pode-se configurá-lo de tal forma que comporte informações pessoais e até confidenciais. Com isso em mente, pode-se afirmar que o Orkut equipara-se a um diário pessoal, com a grande vantagem que os programas de computadores e a Internet trazem. Equivale, sob certo ângulo, a um diário pessoal disponível onde quer que se ache um micro conectado à rede mundial.

Esta mesma tecnologia de informática, que permite ao indivíduo tamanhas opções, pode ser usada para o monitoramento das pessoas, e, no caso em estudo, do trabalhador. Se tudo hoje encontra-se no computador, ou por via deste, muito mais fácil a fiscalização. E de fato o é. Inúmeras ferramentas, quer pagas, quer gratuitas, encontram-se

33 Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. RO - 01259-2002-442-02-00-1. Relator Juiz Ricardo Artur Costa

e Trigueiros, 4ª Turma. Disponível em <www.trt2.gov.br>. Acesso em 01/05/2009.

34 O Orkut é uma rede social filiada ao Google, criada em 24 de Janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus

membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Entenda-se por rede social como uma das formas de representação dos relacionamentos afetivos ou profissionais dos seres humanos entre si ou entre seus agrupamentos de interesses mútuos. Tal rede é responsável pelo compartilhamento de idéias entre pessoas que possuem interesses e objetivos em comum e também valores a serem compartilhados. Assim, um grupo de discussão é composto por indivíduos que possuem identidades semelhantes. Essas redes sociais estão hoje instaladas principalmente na Internet devido ao fato desta possibilitar uma aceleração e ampla maneira das idéias serem divulgadas e da absorção de novos elementos em busca de algo em comum. (Nota: texto adaptado, extraído da enciclopédia eletrônica on-line Wikipedia, disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut>,

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disponíveis no mercado e que permitem o monitoramento do ambiente. Neste estudo, limitar-se-á à discussão ao monitoramento do e-mail e do acesso à internet no ambiente de labor.

Relegando por hora, os motivos apresentados pelo empregador, para monitoramento do acesso à internet e do e-mail, pode-se verificar que a fiscalização do conteúdo acessado pela internet acabará, inexoravelmente, atingindo a esfera particular do trabalhador, principalmente se tal inspeção chegar ao nível – que certos programas de computador permitem – de visualizar o conteúdo propriamente acessado. Nesta realidade, se a informação acessada pelo obreiro for de natureza íntima, resta comprovado que a visualização por outrem adentrou a esfera particular . À guisa de exemplo, basta imaginar um empregado escrevendo depoimentos no Orkut. Esses depoimentos são a exteriorização de impressões, opiniões suas, particulares. A possibilidade de visualização de tal conteúdo, pelo empregador, equivaleria ao mesmo ter acesso ao diário pessoal daquele trabalhador. O monitoramento nestes termos seria tão invasivo quanto a leitura não autorizada do diário pessoal.

E mesmo que o monitoramento do acesso à internet não desça ao detalhamento da informação acessada, o simples levantamento de uma lista de sites (endereços de internet) permitirá a construção de um perfil do empregado monitorado. E este perfil poderá indicar gostos, opções sexuais, opiniões etc. Enfim, obliquamente, o empregador terá um relatório que, metaforicamente falando, será um espelho reflexo da interioridade do empregado materializado no tipo de acesso preferido.

Igualmente tais argumentos estendem-se ao monitoramento da correspondência eletrônica, cujo tratamento será oportunamente comentado em item próprio mais adiante.

2.2 Direito à vida privada

Anteriormente, ressalvou-se a diferenciação entre intimidade e vida privada – apesar da sinonímia empregada a ambos pelos léxicos e por certa parte da doutrina. A confusão estende-se também para o conceito de privacidade. É comum ver-se o uso de privacidade no lugar de intimidade ou de vida privada.

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26

estudo, buscar-se-á, sem rigorismo excessivo, tratar cada termo em sua acepção jurídica mais adequada.

Paulo Luiz Netto Lobo, citado por Costa Filho, “não iguala o direito à privacidade ao direito à intimidade, dizendo que o direito à privacidade é gênero do qual o direito à intimidade é espécie, assim como são espécies os direitos à vida privada, ao sigilo e à imagem”35.

Convém ater-se, por ora, no direito à vida privada exarado na Carta Magna. Por oportuno, é de bom grado distinguir esse do direito à intimidade anteriormente analisado. Na didática de Belmonte, “caracteriza a intimidade aquilo que o indivíduo sente, pensa e deseja (caráter interno). O modo como vive, com quem se relaciona e o que possui (caráter externo), tem pertinência com sua vida privada”36 .

Entende-se, assim, que a vida privada do indivíduo guarda pertinência com sua vida exterior, na extensão de seu caráter externo ao indivíduo, mas ainda dentro de sua vida íntima. Portanto, referida exteriorização não faculta uma intromissão indevida de pessoas alheias. O círculo de amizade, o modo de andar nas ruas, as relações sociais de foro íntimo vividas dizem respeito àquele indivíduo, e não ao empregador, por exemplo.

Para Uadi Lammêgo Bulos, “quando se fala em vida privada, termo derivado da expressão ampla privacidade, pretende-se designar o campo de intimidades do indivíduo, o repositório de suas particularidades de foro moral e interior, o direito de viver sua própria vida, sem interferências alheias”37.

Percebe-se que o campo de distinção entre intimidade e vida privada é muito tênue e sujeito a interpretações amplas que acabam por equivaler uma à outra. Dessa forma, autores, como José Afonso da Silva, alertam que, “de fato, a terminologia não é precisa. Por isso, preferimos usar a expressão direito à privacidade, num sentido genérico e amplo, de

35 COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Direito à privacidade: digressões acerca de sua natureza, concretização e

regulação. In: Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI (Recife, 15 a17 jun 2006), p. 8. Disponível em

<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/recife/negocio_jur_venceslau_costa_filho.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009.

36 BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho.

São Paulo: Editora LTR, 2004, p.36

37 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada – Revista atualizada e ampliada, de acordo com a

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27

modo a abarcar todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, que o texto constitucional em exame consagrou”38.

Como a Constituição, entretanto, preferiu usar o termo vida privada, dando destaque a este conceito em separado, e para que também não haja confusão de vida privada e vida exterior, no sentido de vida pública, esclarecedores são os comentários do professor José Afonso:

[...] a vida das pessoas compreende dois aspectos: um voltado para o exterior e o outro para o interior. A vida exterior, que envolve as pessoas nas relações sociais e nas atividades públicas, pode ser objeto das pesquisas e divulgações de terceiros, porque é pública. A vida interior, que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre os

membros de sua família, sobre seus amigos, é que integra o conceito de vida privada, inviolável nos termos da Constituição39.

Mas o que de fato a Constituição visa proteger? Entende-se que é o segredo da vida privada, face à garantia constitucional da inviolabilidade, conforme o próprio texto constitucional: “são invioláveis a intimidade, a vida privada [...]”40. Nesse desiderato, ainda segundo José Afonso da Silva, na esteira de Kayser (Pierre Kayser, La protecion de la vie privée: protection du secret da la vie privée), esclarece:

São duas variedades principais de atentados ao segredo da vida privada, nota

Kayser: a divulgação, ou seja o fato de levar ao conhecimento do público, ou pelo

menos de um número determinado de pessoas, os eventos relevantes da vida pessoal e familiar; a investigação, isto é, a pesquisa de acontecimentos referentes à vida

pessoal e familiar; envolve-se aí também a proteção contra a conservação de

documento relativo à pessoa, quando tenha sido obtido por meios ilícitos41.

Percebe-se então que é defeso ao empregador promover a divulgação de dados particulares do obreiro, indistintamente, para um público maior. Como o empregador detém a posse de informações pessoais do empregado, guardadas em seus ficheiros ou base de dados, essas devem permanecer restritas a certas pessoas da empresa. Vazá-las para os demais empregados, ou mesmo para outras pessoas, ofende o direito tutelado. À guisa de exemplo, tome-se os Atestados de Saúde entregues ao empregador. Nele, podem conter informações médicas que só dizem respeito àquele empregado, como, por exemplo, problemas psiquiátricos – depressão, transtornos do humor etc. Compartilhar tais informações para o

38 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed., revista e atualizada. São Paulo:

Editora Malheiros, 1999, p. 209.

39Idem, ibdem, p. 211.

40 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Saraiva: CF atualizada até a Emenda

Constitucional nº 57, 7. edição. São Paulo: Saraiva, 2009. Art. 5º, inciso X.

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28

grande público atinge frontalmente à vida íntima do obreiro, por ser aspecto restrito à sua vida pessoal.

A investigação deliberada do empregador também pode incorrer igualmente em ofensa à vida privada. Tome a título de exemplo o monitoramento da internet. A fiscalização do teor das conversas ocorridas na ferramenta de bate-papo on-line, os chamados chats, a exemplo do MSN Messenger e tantos outros, torna-se por demais invasiva, pois adentra na esfera de vida íntima do trabalhador. A conversa tratada neste tipo de ambiente virtual pode abordar informações pessoais que deveriam ficar restritas aos interlocutores, e cujo conhecimento por terceiros, com se fosse uma escuta clandestina, afronta o dispositivo constitucional da inviolabilidade da vida íntima.

2.3 Direito ao sigilo

A Constituição Federal traz enquistado em seu art. 5º, inciso XII, a garantia constitucional ao sigilo:

Art. 5º. Omissis

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

O sigilo, ou segredo, é um desdobramento do direito à intimidade, uma vez que representa o mais alto grau daquela, por se constituir de fatos da vida particular em que não se deseja publicidade alguma, ou restrita a pequeno número de pessoas.

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Como direito subjetivo fundamental aqui também há de se distinguir entre o objeto e o conteúdo. O objeto, o bem protegido, é, no dizer de Pontes, a liberdade de ‘negação’ de comunicação do pensamento. O conteúdo, a faculdade específica atribuída ao sujeito, é a faculdade de resistir ao devassamento, isto é, de manter o sigilo (da informação materializada na correspondência, na telegrafia, na comunicação de dados, na telefonia). A distinção é importante. Sigilo não é o bem protegido, não é o objeto do direito fundamental. Diz respeito a faculdade de agir (manter sigilo, resistir ao devassamento), conteúdo estrutural do direito42.

O segredo, nesta ótica, é a “intimidade mais íntima” da esfera pessoal do indivíduo, aquilo que se quer por a salvo do conhecimento alheio. Metaforicamente, podemos pensar a privacidade da pessoa em círculos. O mais externo é a sua vida pública, que todos têm ciência ou direito de conhecer. Num círculo mais interno, temos a vida privada, anteriormente comentada, que é a vida íntima exteriorizada; íntima por ser particular, debruçando-se sobre a própria pessoa, e exteriorizada porque abrange situações em que a comunicação é inevitável. Num círculo mais interno ainda está a intimidade: aquilo que o indivíduo sente, pensa e deseja, onde impera a internalidade. E como o menor e mais interno dos círculos está o segredo, o âmago da esfera privada da pessoa.

Então, quando se fala da inviolabilidade do sigilo, em grosso modo, o que se procura proteger é a intimidade, manter-se uma barreira que impeça que terceiros tenham acesso à reserva pessoal do indivíduo, ou deste com seus comunicantes.

Inobstante esta conexão entre o sigilo e a intimidade, deve-se frisar que a inviolabilidade do sigilo não depende de matéria íntima, uma vez que este último direito não se restringe a proteger o conteúdo da mensagem, mas também – e principalmente – proteger a comunicação propriamente. Deflui-se, portanto, que seu campo de incidência é maior e vai além do direito à intimidade.

Neste desiderato, aduz Ferraz Jr., que o “objeto protegido no direito a inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas a sua comunicação restringida (liberdade de negação). A troca de informações (comunicação) privativa é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação.”43. E conclui, para que fique estreme de dúvidas:

Ainda que nos pareça claro o assunto, sua explicação merece um detalhamento. Admitamos, em resumo, que o inciso XII do art. 5° da CF trata, em síntese, do direito à inviolabilidade do sigilo da comunicação, o qual tem por conteúdo a faculdade de manter sigilo e por objeto a liberdade de negação. A faculdade referida

42 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função

fiscalizadora do Estado. Artigo disponível em <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/49>. Acesso em 10 abr 2009.

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30

significa, para o sujeito, que ele pode restringir os endereçados do seu ato comunicativo e, em decorrência, para os demais (os outros) vigora um veto à entrada nessa comunicação, sem consentimento do sujeito — emissor e receptor — da mensagem. Quando, pois, alguém — um outro — intercepta uma mensagem, por exemplo abre uma carta que não lhe foi endereçada, comete uma violência contra a faculdade de manter sigilo e viola a liberdade de negação. Não importa se, na carta, esteja apenas a reprodução de um artigo de jornal publicado na véspera. O direito terá sido violado de qualquer modo, pois a proteção não é para o que consta da mensagem (tecnicamente, o chamado relato comunicado), mas para a ação de enviá-la e recebê-enviá-la.44

Corroborando tal pensamento, Sérgio Carlos Covello, comentando sobre o segredo epistolar, bem define que:

A correspondência é, na verdade, algo tão privado quanto a conversação particular, ‘Os autores – frisa Ariel Dotti – entendem que a correspondência é sempre confidencial e reservada quando se refere à intimidade da vida privada e assim se considera que o direito ao segredo epistolar existe não somente quando se trata de cartas reservadas ou confidenciais, mas igualmente, quanto àquelas que não tenham visivelmente, tal caráter’. Têm razão os que esposam esse entendimento, porque o sigilo de que se cuida tem em mira a liberdade de emissão de pensamento, no pressuposto de que o emitente só o queira exprimir ao destinatário e não a outras pessoas, e tal liberdade integra o direito à intimidade.45

Portanto, como bem assevera Danielle Regina Wobeto de Araújo, “a norma fundamental que protege a inviolabilidade do sigilo das comunicações não está atrelada e sequer depende de outra norma fundamental para que se possa manifestar ou se concretizar”46. Ou seja, aqui se justifica porque o legislador colocou a inviolabilidade do sigilo das comunicações em dispositivo distinto do que protege a intimidade e a vida privada.

2.4 Da inviolabilidade da correspondência e comunicação de dados

Entendido o que significa sigilo, qual o bem tutelado, e o seu campo de incidência, fica mais fácil entender a abrangência do inciso XII, retro mencionado, qual seja: sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas, das comunicações de dados, das comunicações telefônicas e das comunicações telemáticas.

44Op. cit.

45 COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. Folheto publicado pela Editora

Sejac. São Paulo, 1999.

46 ARAÙJO, Danielle Regina Wobeto de. Direito fundamental do sigilo das comunicações, em especial, as

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Isto posto, na inteligência do inciso em comento, resta saber se se pode enquadrar o monitoramento de e-mail e do acesso à internet pelo empregador como afronta ao direito ora exposto.

Preliminarmente precisa-se saber o que efetivamente é um e-mai47l. Tal palavra é

a abreviatura da expressão inglesa "electronic mail", que significa correio eletrônico. Consiste então em um método que permite compor, enviar e receber mensagens através de sistemas eletrônicos de comunicação. Assim, os e-mails são transmitidos através da internet, que é uma rede composta por milhões de computadores em todo o mundo.

Seu mecanismo de funcionamento é bastante semelhante ao correio tradicional. Existe o emissor da mensagem, o destinatário desta, o conteúdo propriamente dito e o serviço de entrega. A diferença consiste, basicamente, no meio físico de envio – ambiente virtual – e na forma de se apresentar – meio digital. É, portanto, equivalente a uma correspondência tradicional. O e-mail, enquanto mensagem/conteúdo, representa a missiva. O emissor e o destinatário são igualmente o sujeito emissor e receptor da carta e o serviço de entrega equivale ao nosso serviço postal. Existem, também, os pontos de distribuição – servidores e roteadores – como no serviço postal tradicional existem os centros de distribuição e triagem, e a caixa postal do destinatário. A diferença, portanto, basicamente está na tecnologia empregada. Se nos ativermos em seu sentido finalístico de comunicação, podemos tomar um pelo outro.

Há autores que afirmam ser o e-mail um cartão postal, vez que não está fisicamente fechado. Esta é a opinião de Ana Amélia Menna de Castro Pereira, citada por Belmonte, a qual assevera que:

[...] Traçando-se um paralelo, a correspondência eletrônica encontraria alguma semelhança com a definição de cartão postal, uma vez que a mensagem circula na rede despojada de qualquer envoltório ou lacre, vale dizer, em termos tecnológicos, sem proteção de segurança48.

47

E-mail, correio-e (em Portugal, correio electrónico), ou ainda email é um método que permite compor, enviar

e receber mensagens através de sistemas eletrônicos de comunicação. O termo e-mail é aplicado tanto aos sistemas que utilizam a Internet e são baseados no protocolo SMTP, como aqueles sistemas conhecidos como intranets, que permitem a troca de mensagens dentro de uma empresa ou organização e são, normalmente, baseados em protocolos proprietários. (Nota: texto extraído da enciclopédia eletrônica on-line Wikipedia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/E-mail, acessado em 22/04/2009)

48 BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspondência eletrônica nas relações de trabalho.

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32

Em que pese o posicionamento da autora, há flagrante equívoco nesta concepção. De fato, a internet se constitui em sistema aberto. Entretanto, tal significa que se utiliza de padrões de comunicação (protocolos – em linguagem técnica) e de topologia (características físicas) não-proprietários, o que permite que sistemas heterogêneos possam conversar entre si. De modo algum, tal característica implica, necessariamente, em vulnerabilidade. As mensagens são encaminhadas sem a intervenção humana, através de servidores e roteadores que analisam o cabeçalho somente (e não o conteúdo) para poder encaminhar para a caixa postal endereçada49.

E mesmo que o e-mail se enquadrasse na condição de cartão postal, ainda estaria sob a tutela do inciso XII, art. 5º da Constituição Federal, como bem salienta Belmonte:

Ocorre que mesmo não circulando via correio, o e-mail está entre os objetos

descritos no art. 7º, § 1º da Lei n. 6.538/78, que relaciona o que é passível de ser chamado de ‘objetos de correspondência’: carta, cartão-postal, impresso, cecograma e a pequena encomenda.

Assim, quer com a natureza de carta (art. 47, ‘objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário’), quer com a natureza de cartão-postal, pode a mensagem eletrônica ser entendida como objeto de correspondência, passível de proteção direta pelo sigilo das comunicações e, indiretamente, pelo direito à intimidade.50

O e-mail encontra guarida no dispositivo constitucional porque, conforme discutido no tópico anterior, o que está tutelado é a comunicação em si, através da garantia constitucional da inviolabilidade do sigilo. E sigilo, para este fim, é usado porque só aos destinatários interessa aquele conteúdo, mesmo que não seja confidencial. Se não houver fato íntimo no conteúdo da comunicação, apenas a inviolabilidade das comunicações estará em pauta.

É oportuno, neste ponto, diferenciar a natureza do e-mail disponibilizado pelo empregador. Assim, há de se falar em e-mail corporativo e e-mail pessoal. Não há dúvidas que, quando disponibilizado pelo patrão, sua natureza é corporativa, pois a tecnologia disponibilizada pertence à empresa, como o computador, o servidor de correio eletrônico, o meio de comunicação física com a internet, o provedor etc. O e-mail particular é aquele usado pelo empregado cujo provedor é externo à empresa, e a ela não pertence.

49 Para uma maior compreensão do mecanismo de envio/recebimento de mensagens eletrônicas, baseado no

protocolo SMTP, linguagem predominante na internet de distribuição de e-mails, conferir a RFC (Request For

Comments) respectiva, documento normativo desta tecnologia, disponível em <http://www.ietf.org/rfc/rfc0821.txt>.

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Neste trabalho iremos discutir a importância do Planejamento Estratégico no processo de gestão com vistas à eficácia empresarial, bem como apresentar um modelo de elaboração