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SUJEITOS PERIFÉRICOS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA ESCRITA DE SI A PARTIR DE GLORIA ANZALDÚA

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SUJEITOS PERIFÉRICOS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA ESCRITA DE SI A PARTIR DE GLORIA ANZALDÚA

João Paulo Ferreira Tinoco1

Resumo:Este trabalho propõe estudar o processo de constituição identitária da mulher Chicana, a partir da escrita de Gloria Anzaldúa no livro Borderlands/La frontera: the new mestiza (2012), sobretudo as possíveis representações de identidade de gênero social, a fim de apreender os efeitos de sentidos de discriminação que se materializam em sua escrita. Assim, faz-se necessária a crítica do estudo das relações de saber/poder (FOUCAULT, 2014), via Análise do Discurso. Busca-se também noções sobre tradução (DERRIDA, 2001), sob a visão discursivo-desconstrutivista (GUERRA, 2008); e a concepção de lugar geoistórico (NOLASCO, 2013). A partir de uma visada transdisciplinar, pretendemos rastrear na escrita da mulher Chicana os apagamentos de identidades que fogem à heteronormatividade, a fim de apreender efeitos de sentido de discriminação que se materializam em sua escrita. Nossa hipótese é que a escrita pode ser examinada como um palimpsesto, ou seja, há marcas que sobrepõem a outras e que não conseguem apagar os rastros/restos anteriores. O trabalho pretende trazer contribuições sobre os desdobramentos possíveis a partir diferentes lugares de enunciação, embora saibamos que nenhuma discussão possa exaurir o debate e as possibilidades de intersecções que a temática das (des)igualdades sociais provoca no bojo das Ciências Humanas.

Palavras-chave: Gloria Anzaldúa. Discriminação. Borderlands/La frontera: the new mestiza.

Ao longo dos últimos três anos a minha escrita tem sido impulsionada por algumas inquietações a respeito das regras sociais vigentes, levando-me a propor uma discussão e problematização de temas centrais da atualidade que afligem os sujeitos sócio-históricos, sobretudo o processo da (des)construção identitária.

Muitas são as contribuições no meio acadêmico que questionam acerca dos sujeitos que são (co)locados à margem, por meio de teorias pós-estruturalistas, discursiva, pós-colonial, feminista, queer e antirracista etc., os quais são importantes para manter um continuum de reflexão de trabalhos que envolvem esses sujeitos. Estes por estarem situados num lugar marginalizado – fora do centro –, excluídos daqueles que são considerados ajustáveis, ziguezagueiam pela/na (in)visibilidade e (in)famidade.

Como estudioso da área de linguagens, tenho refletido sobre essas vozes que sobrevivem de teimosia no entremeio das histórias hegemônicas. Assim, a voz da mulher chicana, materializada na escrit(ur)a de Gloria Anzaldúa, atravessa o meu caminho; voz que a história ignor(ou)a e a sociedade silenci(ou)a, mas que sempre “deixa rastros de outros fatos ocorridos numa sociedade particular ou várias” (TINOCO, 2016, p. 76), fazendo-me pensar sobre os regimes de verdade que

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funcionam como mecanismos de produção de identidades, e, além disso, buscar estratégias para cavar nos fossos das histórias histórias outras que um dia foram silenciadas, ou seja, saberes que foram construídos num outro processo histórico e que podem emergir ao partir duma crítica pensada de fora (NOLASCO, 2013).

Do ponto de vista dessa perspectiva, fomos instigados na nossa pesquisa de mestrado (TINOCO, 2016), sob a orientação da professora Doutora Vânia Maria Lescano Guerra, a estudar o processo identitário do sujeito indígena a partir da análise discursiva da Carta do Cacique Seattle. E reconhecemos que ainda temos de transpor e trespassar noções construídas lá no centro, e, erigir aqui, à beira do centro, uma epistemologia fronteiriça; desconstruir, como o faz Milton Santos (2012), os lugares habitados por aqueles que estão à margem, considerando o atravessamento de classe social, raça, gênero, sexualidade que os constroem. E neste trabalho trazemos a escrita da chicana Glória Anzaldúa.

A partir do que já foi exposto, este artigo faz parte das reflexões iniciais de minha tese de doutoramento cujo o objetivo é estudar o processo de subjetivação da mulher chicana a partir do livro Borderlands/La frontera: the new mestiza (ANZALDÚA, 2012), sob o viés discursivo- desconstrutivista cunhado por Vânia Guerra. Para este trabalho proponho fazer uma análise das possíveis representações de identidade de gênero social, a fim de apreender os efeitos de sentido de discriminação que se materializam em sua escrita.

Para isso, levo em consideração a produtividade da prática da teorização descolonial, conforme proposto por intelectuais como Edgar Nolasco (2013), Boaventura Sousa Santos (2010) e Walter Mignolo (2012), que é uma das questões que tento diluir ao longo de minhas reflexões.

Procurarei mostrar como essa noção se sustenta e como ela contribui para os estudos do discurso, puxando os fios teóricos da crítica subalterna que ofereçam contribuições para o meu trabalho.

Ainda nessa mesma esteira dum princípio (des)construtor e articulador das teorias, apoio-me também nos estudos de Michel Foucault, os quais me ajudam a focalizar os efeitos identitários construídos numa teia entre discurso, história e memória com o intuito de mostrar a pertinência da conjunção dos campos dos estudos do discurso com os estudos da crítica subalterna, ou como Nolasco prefere usar, a crítica pós-crítica. Fio-me no pensamento de Foucault para ressaltar que compreendemos o discurso como um conjunto de enunciados que podem estar atrelados a campos

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diversos, e que são regidos por regras de funcionamento. Dessa maneira, o discurso é compreendido como uma prática social, determinada pela/na história que constitui os sujeitos e objetos.

E é através dessas práticas que nos dá a possibilidade de analisar a circulação dos enunciados, o local geoistórico dos sujeitos, as materialidades que fazem emergir os sentidos e como os enunciados se estabelecem com a história e memória. Ou seja, uma investigação que se fundamenta no suporte teórico-metodológico arqueogenealógico proposto por Foucault para análise dos discursos (FOUCAULT, 2014). Vale retomar a noção de Local Geoistórico para dizer que a entendo a partir de Nolasco (2013), qual seja, o lugar que arraiga histórias locais que nos ajudam a exumar memórias veladas. Ou segundo a proposta de Boaventura Sousa Santos que constrói seu pensamento sob o viés reflexivo da existência de uma pluralidade de saberes além do conhecimento científico, isto é, uma crítica da desvalorização das reflexões que são erigidas no Sul.

Parto, portanto, da hipótese de trabalho de que a escrita pode se configurar como um modo único de o sujeito se singularizar ao relatar suas experiências, emergindo um movimento sobre o qual a mulher chicana dirige o seu desejo. Por isso o local geoistórico é importante para lançar olhares. Com base nesse princípio a escrita alcança novas margens quando transgredimos e trespassamos, sob o princípio de aprender a desaprender, os limites da noção de escritura para aventar a ideia de palimpsesto, isto é, há marcas/traços/rastros que se sobrepõem a outras, sem que, jamais, se apaguem as anteriores completamente. Também vemos a escrita como um arquivo (DERRIDA, 2001), que consistiria dum conjunto de documentos que remeteriam a diversos acontecimentos que ocorreram numa dada ordem social. Quer dizer, sob o fio discursivo da escrita, pode ser possível perscrutar uma relação entre a história e a memória: passado/presente e/ou presente/passado que deixam rastros: herança que nos aproximaria do passado e aponta o futuro. E a partir dessa hipótese, lanço mão de duas perguntas: 1) Há marcas linguísticas cujos efeitos de sentidos emergem discriminação que alimentam o discurso?; 2) Como a mulher chicana é representada na obra Borderlands/La frontera: the new mestiza?

A escolha deste tipo de temática vincula-se, por um lado, ao interesse de contribuir para o acervo de pesquisas a respeito das práticas sociais, bem como o da compreensão dos conflitos que permeiam o processo identitário da mulher chicana; por outro, pelo caráter cultural e linguístico que deixam seus rastros do local onde meu discurso é erigido, pois sendo gay volto-me para a oposição

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trago gestos interpretativos e saberes outros ao partirmos da escrita, língua e do corpo da mulher chicana com o intuito de desestabilizar os saberes hegemônicos, os quais tentam, numa arena de poder, silenciar histórias deserdadas.

Com o objetivo de percorrer esse caminho recorro a autores-filósofos da Análise do Discurso (AD) à perspectiva de Michel Foucault. Este por me ajudar a ver de maneira analítica na dispersão dos enunciados, acontecimentos discursivos que se tornam regulares (GREGOLIN, 2004). Aqueles, que por sua vez, ajudam-me a observar que o discurso é o princípio enunciativo que conexa o homem à realidade social.

Sobre a autora e seu livro Borderlands

Para discutir os efeitos de sentido na obra de Anzaldúa, vou me valer de autores que discutem sobre o ser/estar entre línguas, entre culturas, entre heranças que (des)constroem identidades, a subjetividade e individualidade do sujeito (CORACINI, 2007).

Na AD, diversos estudos têm voltado o seu olhar para questões sociais e políticas mediante a preocupação de questionar e problematizar temas contemporâneos que possibilitam tornar audíveis as vozes silenciadas e abafadas dos sujeitos marginalizados. Autores como Boaventura Sousa Santos (2010), Gayatri C. Spivak (2010), Vânia Lescano Guerra (2008), Milton Santos (2012), Maria José Coracini (2007) e Willian Diego Almeida (2015), entre outros se propõem a discutir, refletir e investigar acerca de práticas que podem ser alcançadas em favor dos “Apelos do Sul”, são eles: negros, favelados, indígenas, homens e mulheres homoeróticos e outros.

Gloria Anzaldúa é atravessada por uma crítica selvagem, uma vez que esta é engendrada a partir de seu lugar enunciativo, qual seja, o da fronteira. Anzaldúa vivenciava a fronteira, como mulher chicana, lésbica, ativista e escritora. Sua produção parece absorver e representar uma gama incontável de registros, categorias, (in)disciplinas, práticas, saberes, emoções, paixões e dores;

formas de resistência que ocorrem e se acumulam na fronteira.

Um de seus trabalhos, Borderlands/La Frontera: The New Mestiza, Anzaldúa organiza sua escrita contendo em si uma multiplicidade de espaços fronteiriços, um texto entre a ética e estética, a ficção literária e ensaios, “transparente” para toda a expressão cultural, política, histórica que fala sobre as vicissitudes dos migrantes na fronteira. E ao escrever, a escrita se torna um lugar de conflitos, de rupturas, de tensões, sobretudo, de resistência.

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Anzaldúa escreveu Borderlands/La Frontera: The New Mestiza publicado primeiramente em 1987. Desde a sua publicação discussões sobre sua categorização narrativa têm aumentado:

autobiografia, ensaios históricos, memórias, testemunhos, poesia, ficção. Borderlands é um texto transcultural que nos induz a pensar sobre a construção identitária – a nova mestiza. Como ativista, chicana, lésbica e escritora, a autora do livro nos leva a refletir nossa compreensão do que é fronteira, não como uma simples divisão entre aqui e lá, nós e os outros, mas como algo psíquico, social, de um lugar onde habitamos e que habita todos nós.

Anzaldúa escreve no entre-línguas-culturas (o espanhol, inglês e o Nahutl), evidenciando que as línguas que emergem na fronteira estão num espaço de desconforto, uma vez que somos estrangeiros para nós mesmos. As características que estão presentes no livro realçam questões que estão sob a ordem do discurso desconstrutivista, por exemplo, a différence derrideana, a hibridização cultural, a singularidade e a subjetividade da escrita mestiza, língua(gem) como local para jogos de poder/saber, o local geoistórico nolasquiano e o pensamento liminar cunhado por Walter Mignolo.

Ocorre que, para a AD, o sujeito, por meio da língua e afetado pela história, constrói representações, ou seja, a história carrega fatos significativos que são afetados pelo simbólico, e, ao ser afetado pela língua e história, o sujeito discursivo move-se pelo inconsciente e pela relação de poder. A partir dessas considerações, entendemos que a língua(gem) faz sentido porque está inscrita na história, que o homem, ao nascer, perpetua e em que produz mudanças.

A AD traz em seu bojo a preocupação de analisar o discurso, traz a língua(gem) para a análise, mas não como prioridade: ela é o meio, a forma material, a materialidade simbólica, possível de deslizes, de falhas, de equívocos, determinante para o gesto de interpretação.

Histórias deserdadas

Com o desejo de avaliarmos a produtividade das reflexões feitas até aqui, proponho desenvolver uma análise na qual se observa a relação do local geoistórico com a relação de poder e saber, materializada na escrita, sobretudo, os efeitos de sentido que emergem dos discursos sobre/da sexualidade que atuam como um processo de subjetivação do sujeito.

Em Borderlands/La Frontera, Gloria Anzaldúa faz uma descrição do movimento de busca pela identidade em um mundo que se recusa a permitir de que há muitas outras

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marcam uma área altamente conflituosa: o femicídio, centenas de mexicanos a espera de passar para outro lado, superlotação urbana, comunidades indígenas deslocadas, reformas anti-imigração, construção de muros, inúmeras mortes no deserto, tráfico de drogas, violência, assassinatos de meninas e mulheres. Juntamente com este cenário nasce uma nova cultura emergente na fronteira: a música, literatura de ficção, cinema, blogs. E todos esses tipos de expressão cultural podem ser transgredidos e transformados na fronteira.

A fronteira física entre os EUA e México ajuda a escritora a criar maneiras diferentes de enxergar e pensar, contudo a fronteira pode ser também secundária, pois, uma "cerca" psicológica pode ser posta, (a)locando o sujeito à margem ao negar sua cultura e seu local geoistórico. Ao se inscrever no discurso, o sujeito, codificado de B1, retoma passagens de sua história de vida, deixando aflorar a voz do outro. Vejamos o exercto B1:

"Ela tem esse medo de que ela não possui nomes... de que ela tem muitos nomes ... que ela não conhece seus nomes" (ANZALDUA, 2014, p.)2.

Obersevamos que o sujeito nega, através do sintagma não, desvelando que nos enunciados

“...ela não possui nomes... e ...ela não conhece seus nomes” carregam em si mesmos saberes antagônicos. O não funicona como um rastro de que no interdiscurso existe um enunciado que diz o contrário, isto é, afirma o que está negando. Nos dois enunciados o sujeito designa o outro de forma mostrada. Dessa maneira, o sujeito reivindica a autonomia de seu discurso sob a forma da denegação do outro (AUTIER-RÉVUZ, 1998).

O texto nos leva para ambientes confliantes. A escrita de Anzaldúa é invadida de reflexões profundas, alcançando o leitor em sua mais distinta vivencia. O sujeito olha para si e percebe-se mulher, chicana, nascida numa atmosfera de opressão e confusão. O seu local geoistórico enuncia o seu desconforto para (sobre)viver e enfrentar as contradições. Buscar um nome, não encontrar nenhum, ou encontrar vários, é o confronto do eu que está se construindo. A paisagem nesse contexto é de ódio, raiva e exploração.

É também uma paisagem onde a pergunta "Quem sou eu?" não é prontamente ou facilmente respondida. As restrições impostas pelas questões culturais, por todas as suas pretensões de proteção, sufocam o sujeito. E em muitos lugares o sujeito percebe essa tentativa de silenciamento.

Enraizado na cultura a insistência de falar da e pela mulher é todo momento atualizado pelas instituições como a Igreja. Isso inclui obedecer sem questionar, manter o silêncio e essencialmente

2"She has this fear that she has no names… that she has many names…that she doesn't know her names."

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sufocar seus próprios seres. Em sua escrita o sujeito rechaça as normatizações, normalizações, naturalizações e binarismos sobre as sexualidades e os gêneros. Isso é apreendido no recorte B2.

Vejamos:

B1: O queer é o espelho que reflete o medo da heterossexualidade: ser diferente, ser outro e, portanto, inferior, portanto sub-humano, humano, não humano"

(ANZALDUA, p. 40)3.

De acordo com Michel Foucault (2014), há uma estratégia que tenta manter o controle colocando pensamentos acusadores nas mentes das pessoas. Percebemos um poder distribuído, pouco ou quase nada explícito, mas que funciona em rede e promove docilidade e submissão do sujeito. A igreja, como eu já mencionei, coloca em prática esse poder disciplinador. Há a tentativa de manter as mulheres sob controle em suas próprias mentes.

No entanto, há aquelas/aqueles que não se deixam ser licenciados e que reconhecem que a ação de falar é importante para se libertarem e libertar as(os) outras(os) também. E esse reconhecimento faz com que o sujeito se recuse receber ordens de autoridades externas.

O sujeito forasteiro demonstra sua consciência do pensamento abissal, isto é, o pensamento moderno ocidental hegemônico (SANTOS, 2010). A maioria de nós adere à autoridade porque não temos conhecimento de que a autoridade deve se provar válida. As imposições colocadas sobre o sujeito, neste trabalho a mulher chicana, vieram de uma necessidade de controle, disfarçadas como o ato benevolente de "proteção". O pensamento ocidental moderno diz que a mulher tem de ser protegida pelo homem, contudo esse pensamento coloca a mulher em papéis rígidos e definidos, como dona de casa, a professora, mãe e etc. Segundo Guerra (2008, p. 47), esse processo enunciativo, se “constitui[-se] sob o primado do interdiscurso: todo discurso produz sentidos a partir de outros enunciados já cristalizados na sociedade”.

Um outro aspecto da opressão das pessoas consideradas "desviantes" que trago para a discussão do enunciado B2 é o medo envolvido na necessidade de separação e controle em relação ao estranho, o diferente.

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Há uma grande dificuldade em reconhecer que há mais de uma maneira de ser. As pessoas temem o que é diferente, mesmo que sua existência como "outro" seja o que os define como o que eles consideram "A Norma". O medo, a suspeita, residem na possibilidade de que o "outro" possa desafiar o poder existente. Podemos inferir que o estranho, o queer, são temidos porque não estão incluídos na “cartografia urbana’ cuja zona é estabelecida como civilizada (SANTOS, 2010, p. 37), ameaçando o poder daqueles que instituem o “nós”.

Finalizo esta breve análise dizendo que a escrita de Anzaldua (d)enuncia uma sociedade moldada historicamente com dispositivos dominadores para manter o homem em posições de referência. Felizmente, abordagens críticas e desconstrutivistas têm alcançado a academia e feito mudanças, deslocando o pensamento abissal a partir duma visada pós-abissal. Esta entendida como o reconhecimento de que a exclusão social pode ser percebida de diferentes maneiras ao delinearmos uma linha abissal ou não-abissal. De acordo com Santos para desbaratar a exclusão abissal é preciso confrontar qualquer alternativa hegemônica (SANTOS, 2010). E é essa compreensão que podemos apreender na escrita de Anzaldúa.

Considerações Finais

O estudo pode nos mostrar que a partir da escrita, a mulher chicana adentra num princípio desconstrutor de sua identidade. Os conflitos, contradições emergem questionamentos sobre suas crenças e saberes, ou seja, as representações de mundo às quais ela está ligada. Esse princípio é engendrado pelo desejo da falta, insatisfação e delírio, que deixam os rastros da mutabilidade da identidade.

Ao se inscrever, o sujeito vai de encontro à posição hegemônica social. É possível perceber que há sinais fortes de resistência contra a discriminação, o que pode ser verificado por meios das marcas linguístico-discursivas, conforme mostrei na análise. São marcas que rebelam e desobedecem ao convite de entrar e estar dentro do eixo.

Enfim, espero que outras pesquisas possam acontecer na direção de lançar luzes à reflexão que ora produzimos.

Referências

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ALMEIDA, Willian Diego de. Nas filigranas do discurso jurídico, a (des)construção de sentidos na Lei Maria da Penha. Campo Grande: UFMS, 2015.

ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/la frontera: the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 2012.

AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não coincidências do dizer. Trad. Cláudia C.

Pfeiffer et al. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.

CORACINI, Maria J. A celebração do outro: arquivo, memória e identidade: línguas (materna e estrangeira). Plurilinguismo e tradução. Campinas: Mercado de Letras, 2007.

DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Trad. Claudia de Moares Rago. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na construção da análise do discurso - diálogos e duelos. São Carlos: Claraluz, 2004.

GUERRA, Vânia M. Lescano. Práticas discursivas: crenças, estratégias e estilos. São Carlos: Pedro

& João, 2008.

MIGNOLO, Walter. Local histories/Global designs: Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. New Jersey, NJ: Princeton University Press. 2012.

NOLASCO, Edgar Cézar. Perto do coração selbaje da crítica fronteriza. São Carlos: Pedro &

João, 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2012.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitora e André Pereirad Feitosa. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

TINOCO, João Paulo F. O processo identitário do sujeito indígena: uma análise discursiva da Carta do Cacique Seattle. 2016. 147 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas. 2016.

PERIPHERAL SUBJECTS: A DISCURSIVE ANALYSIS OF WRITING THE SELF FROM GLORIA ANZALDÚA

Abstract: This paper proposes to study the process of identity constitution of the Chicana woman, based on the writing of Gloria Anzaldúa in the book Borderland/La frontera: the new mestiza (2012), especially the possible representations of social gender identity, in order to apprehend the effect meanings of discrimination that materialize in her writing. Thus, it is necessary to critique the

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(GUERRA, 2008); and the concept of local geo-historical (NOLASCO, 2013). From a transdisciplinary perspective, we intend to trace in the Chicana woman writing some identities erasures that evade heteronormativity. Our hypothesis is that writing can be examined as a palimpsest, that is, there are marks that overlap others and that cannot erase the previous traces/remains. The paper intends to bring contributions about possible outcomes from different places of enunciation, although we know that no discussion can exhaust the debate and the possibilities of intersections that the social (in)equality issue may cause in the Human Sciences field.

Keywords: Gloria Anzaldúa. Discrimination. Borderlands/La frontera: the new mestiza.

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