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Relações familiares e sua influência no consumo de álcool e outras drogas e no tratamento de mulheres

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RELAÇÕES FAMILIARES E SUA INFLUÊNCIA NO

CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E NO

TRATAMENTO DE MULHERES

Autor: Ana Paula de Araújo

Orientadora: Dra. Maria Aparecida Penso

Mestrado

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

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ANA PAULA DE ARAÚJO

RELAÇÕES FAMILIARES E SUA INFLUÊNCIA NO CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E NO TRATAMENTO DE MULHERES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientador (a): Profª Drª Maria Aparecida Penso.

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AGRADECIMENTO

À Deus por ter me ofertado gratuitamente sabedoria e determinação para

desenvolver esse estudo, desfrutando passo a passo desse momento. À minha família por todo apoio e por acreditarem em mim.

À Maísa, uma amiga muito especial. Obrigada por me acolher em sua casa

em Brasília, por me ajudar em todos os momentos. Jamais esquecerei o que você fez por mim.

Aos demais amigos por compreenderem a minha ausência e me estimularem.

Sem vocês, a minha vida não seria tão colorida.

À psicóloga Monica Cardoso Naves Ulhôa, não somente uma colega de

profissão, mas uma amiga que me apoiou, emprestou vários livros e sempre acreditou no meu trabalho. Obrigada pelas várias horas de conversa acolhedora.

Aos meus queridos pacientes pela coragem de compartilhar comigo suas histórias.

À minha orientadora, Prof. Dra. Maria Aparecida Penso, pelo carinho,

confiança e compreensão. Obrigada por sua paciência e incentivo nos momentos difíceis. Por ser para mim, um exemplo profissional. Por me acolher, nos momentos de desespero e de dúvida. Você colocou ordem no caos e acrescentou toques de inspiração.

À Prof. Dra. Tânia Mara Campos de Almeida, pela co-orientação no início da

minha pesquisa. Algumas de suas palavras, de orientação e incentivo, levei até o fim desse estudo.

À Prof. Dra. Maria Alexina Ribeiro, Prof. Dra. Maria Fátima Olivier Sudbrack e Prof. Dr. Fábio Pereira Amorim por aceitarem participar da minha banca, vindo a

enriquecê-la.

À equipe do SEAD, em especial Claúdia Regina Merçon de Vargas, Maria

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Às participantes da pesquisa, Karla e Denise1. Obrigada por me emprestarem

suas experiências e palavras. Obrigada por acreditarem em mim e vencerem o silêncio. Manifesto por vocês o meu profundo respeito.

Aos colegas do Mestrado por me emprestarem livros e artigos, pelas

discussões ricas de conhecimento nas salas de aula (e on line) e pelas conversas

descontraídas na lanchonete.

À Prof. Dra. Marta Helena de Freitas, diretora do Mestrado. Agradeço a sua

dedicação profissional para com este curso.

Aos professores do Mestrado, em especial Prof. Dra. Ondina Pena e Prof. Dr. Vicente Faleiros. Obrigada por todo o conhecimento transmitido.

Às secretárias do Mestrado em Psicologia da UCB, Célia e Nara, por terem

me ajudado e orientado nos problemas burocráticos. Vocês me salvaram várias vezes.

À professora Jane André, pelas correções de português.

Às várias pessoas que tem se dedicado a estudar sobre o consumo de álcool e outras drogas.

Às pessoas e famílias de usuários de álcool e outras drogas, espero que meu

estudo os ajudem na superação do consumo e na mudança de suas relações familiares.

Muito obrigada!

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RESUMO

ARAÚJO, Ana Paula de. Relações familiares e sua influência no consumo de álcool e outras drogas e tratamento de mulheres. 122f. Dissertação de Mestrado. Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Psicologia, Universidade católica de Brasília. Brasília, 2010.

Esta é uma pesquisa de natureza qualitativa baseada na Teoria Sistêmica da Família que teve como objetivo principal investigar como as relações familiares, ao longo do ciclo de vida familiar da família atual e da história transgeracional, influenciam no consumo de álcool e outras drogas por mulheres freqüentadoras de um programa público de estudos e atenção a usuários de álcool e drogas em Brasília (D.F), bem como no seu tratamento. Tem como fundamentação teórica a discussão sobre o consumo de álcool e outras drogas por mulheres, onde são apresentados conceitos sobre o uso de álcool e outras drogas, aspectos históricos, padrão de consumo, políticas de tratamento e as especificidades do consumo e tratamento de álcool e outras drogas por mulheres. Em um segundo momento, é aprofundado a discussão sobre as relações familiares da mulher que consome álcool e outras drogas e o seu tratamento. Esta pesquisa teve como participantes duas mulheres freqüentadoras do programa citado e foram utilizados como instrumentos: o diário de campo, uma entrevista sobre o ciclo de vida familiar, uma entrevista sobre a mulher e o seu consumo de álcool e/ou outras drogas e a construção do genograma familiar. A análise das informações obtidas foi realizada de acordo com a Epistemologia Qualitativa de González-Rey que propõe o levantamento de indicadores e a construção de zonas de sentido. Cada caso foi analisado separadamente. Para a primeira mulher foram construídas as seguintes zonas de sentido: (1) O consumo de álcool como saída para o lugar de filha parental; (2) Conjugalidade e alcoolismo: a contínua tentativa de enfrentamento; e (3) A transformação da relação com a mãe: do papel de cuidadora na infância à mulher adulta dependente. Para a segunda mulher, as zonas de sentido construídas foram:

(1) A “ausência” dos pais, o amparo dos irmãos e consumo de maconha e (2) Quando sou fraca que sou forte: a conjugalidade e a droga; e (3) Como ser mãe

sendo uma “maconheira”. Os resultados obtidos apontam para a importância das relações familiares na vida de meninas adolescentes que iniciam o consumo de álcool e outras drogas. A pesquisa também demonstrou, a partir da história familiar dessas adolescentes, uma trajetória que segue do abandono nos cuidados parentais à dependência do consumo de álcool e outras drogas. A vivência da conjugalidade, na vida dessa mulheres em idade adulta, ganha destaque por reproduzir uma dinâmica familiar em que a autonomia dessas mulheres é negligenciada e contribui para a manutenção do consumo. Por fim, o tratamento sofre forte influência dessas relações familiares, sendo que de fato a família não participa efetivamente do mesmo e assim impossibilita a mudanças na própria família (e na vida dessas mulheres). A participação da família no tratamento torna-se uma possibilidade de rompimento com a perspectiva de que as mulheres que consomem do álcool e outras drogas constituem a única problemática familiar.

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ABSTRACT

ARAÚJO, Ana Paula de. Family relations and their influence on alcohol and other drugs consumption and women treatment. 122f. Master‟s Degree Essay.

Department of Post-Graduation Studies and Stricto Sensu Research in Psychology, Catholic University of Brasilia. Brasília, 2010.

This isa qualitative research based on the Systemic Theory of the Family which had as main objective the investigation of how family relationships throughout the family life cycle of the current family and of the transgenerational history have influence on the consumption of alcohol and other drugs by women attending a program of studies and public attention to drug and alcohol users in Brasilia (DF) as well as their treatment. It bears as theoretical grounding the discussion on the consumption of alcohol and other drugs by women, in which it is presented concepts on the use of alcohol and other drugs, historical aspects, consumption patterns, treatment policies and the specificities of alcohol as well as other drugs consumption by women. In a second step, the discussion on the family relations of women that consume alcohol and other drugs and their treatment is taken further. This research had two attending women of the cited program as participants and, the field diary, an interview about the family life cycle, an interview about the woman and her alcohol and/or other drugs consumption and the construction of a family genogram were used as instruments. The analysis of the obtained information was carried out according to the Gonzáles-Rey Qualitative Epistemology which proposes the indicators survey and the construction of meaning zones. Each case has been separately analyzed. For the first woman the following meaning zones were built. (1) The alcohol consumption as an exit to the place of parental daughter; (2) Connubiality and alcoholism – the ongoing attempt of confrontation; and (3) The transformation of relationship with the mother: the role of caregiver in childhood for adult woman dependent. For the second woman the meaning zones built were the following. (1) The parental “absence”, the brothers‟ support and the marijuana consumption and (2)

When I am weak I am strong – The connubiality and the drug; and (3) How to be a mother being a marijuana user. The obtained results pointed to the relevance of the family relations in the life of adolescent girls which start the consumption of alcohol and other drugs. The research has also showed, from the family history of these adolescents a path that follows from abandon in the parental cares to the addiction to alcohol and other drugs consumption. The connubiality experience in the life of these women in an adult age, gain prominence by reproducing a family dynamic in which the autonomy of these women is neglected thus contributing to the sustenance of the consumption. Ultimately, these family relations have strong influence on the treatment and in fact the family does not participate effectively of it, thus preventing changes in the family itself (and in the lives of these women). Family participation in treatment becomes an opportunity to break with the view that women who consume alcohol and other drugs are the only family problem.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

2. REFERENCIAL TEÓRICO ... 17

2.1. A MULHER E O CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ... 17

2.1.1. Histórico e conceito do uso de álcool e outras drogas ... 17

2.1.2. Os padrões de consumo de álcool e outras drogas e as políticas de tratamento ... 19

2.1.3. A mulher, o consumo de álcool e outras drogas e o seu tratamento ... 22

2.2. A FAMÍLIA, A MULHER QUE CONSOME ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E O SEU TRATAMENTO ... 27

3. MÉTODO ... 39

3.1. O CONTEXTO DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA ... 40

3.2. PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 45

3.3. ASPECTOS ÉTICOS ... 46

3.4. INSTRUMENTO UTILIZADOS ... 46

3.5. PROCEDIMENTOS UTILIZADOS NA ELABORAÇÃO DA PESQUISA ... 48

3.6. MÉTODO PARA ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES ... 49

4. APRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES ... 51

4.1. KARLA –“TENTANDO SER FORTE” ... 51

4.1.1. Karla, sua História Transgeracional e Genograma ... 51

4.1.2. Karla e sua Contextualização Sócio-familiar ... 54

4.1.3. Karla e o seu Consumo de Bebidas Alcoólicas ... 55

4.1.4. Karla e o seu Ciclo de Vida Familiar ... 56

4.2. DENISE –“SOU FRACA” ... 59

4.2.1. Denise, sua História Transgeracional e Genograma ... 69

4.2.2. Denise e sua Contextualização Sócio-familiar ... 61

4.2.3. Denise e o seu Consumo de Maconha ... 62

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5. ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES ... 66

5.1. KARLA –“TENTANDO SER FORTE” ... 67

5.1.1. O consumo de álcool como saída para o lugar de filha parental . 67 5.1.2. Conjugalidade e alcoolismo: a contínua tentativa de enfrentamento ... 72

5.1.3. A transformação da relação com a mãe: do papel de cuidadora na infância à mulher adulta dependente. ... 78

5.2. DENISE –“SOU FRACA” ... 83

5.2.1. A “ausência” dos pais, o amparo dos irmão e o consumo da maconha ... 83

5.2.2. Quando sou fraca que sou forte: a conjugalidade e a droga ... 89

5.2.3. Como ser mãe sendo uma “maconheira” ... 93

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 97

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 106

8. ANEXOS ... 116

8.1. ANEXO I – ENTREVISTA DO CICLO DE VIDA FAMILIAR ... 116

8.2. ANEXO II – ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL ... 118

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1. INTRODUÇÃO

Lembro-me2 da minha infância onde convivi constantemente com a doença

mental, pois era comum abrigar pessoas doentes mentais em nossa família. As minhas avós (materna e paterna) acolhiam estas pessoas que participavam da convivência familiar naturalmente. Recordo da cama arrumada e roupas limpas para aqueles que desejavam pernoitar. Do mesmo modo, o consumo de álcool e outras drogas foi um tema constante na minha família. Sempre foi comum nas conversas em família e vizinhança.

Já graduada, realizei um curso sobre o consumo de álcool e outras drogas com a finalidade de conveniar-me a um programa de saúde do colaborador e tratamento da dependência química no ambiente ocupacional em uma mineradora. Este passo despertou em mim o desejo de ampliar o conhecimento sobre o consumo de álcool e outras drogas, suas consequências, particularidades e tratamento. Desde então, venho atendendo pessoas com este problema na clínica onde trabalho e percebendo que tanto o usuário quanto sua família necessitam de uma atenção especial. Além disso, a presença de mulheres, em minha própria clínica e na de colegas, tem aumentado, o que desperta para uma discussão a respeito das peculiaridades e do consumo de álcool e outras droga por elas.

A partir da minha história e de tantas outras, percebe-se que nas últimas décadas a sociedade convive diariamente com o consumo de álcool e outras drogas, não sendo difícil encontrarmos hoje locais e pessoas que estão envolvidos com este consumo. Além disso, com grande frequência a mídia aborda este tema, divulgando geralmente de maneira negativa, associando à criminalidade e violência e em determinados casos culpando a família; ignorando a conscientização e discriminação que envolve esta temática3. Contudo, não podemos esquecer que o consumo de drogas é tão antigo quanto a humanidade; estando o recurso às drogas, inicialmente, apenas para o uso de cunho ritualístico ou médico. Com o passar dos séculos disseminou-se com o homem nas suas migrações, marginalizando-se ou tornando-se culturalmente aceitável, ou até mesmo banal (COSTA, 1999).

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Por se tratar de um relato pessoal, inicialmente parte da introdução segue descrita com o discurso na primeira pessoa.

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O aumento do consumo de álcool e outras drogas pelo mundo é apontado por alguns dados estatísticos de grande relevância para a nossa discussão, principalmente os dados nacionais, pois eles confirmam a importância de não ignorarmos tal problema. No Brasil, em 2001, foi realizado o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas (CARLINI et al., 2002) que mostrou que 19,4% (equivalente a 9.109.000 pessoas) já haviam usado algum tipo de droga (exceto tabaco e álcool). Em 2005, foi realizado o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (CARLINI et al., 2006) mostrando que esse índice aumentou para 22,8% da população pesquisada, que corresponde a 10.746.991 da população. Esses dois resultados demonstram que houve um aumento significativo do consumo de drogas no Brasil em pouco tempo (quatro anos). Nestes anos, houve um aumento no consumo de: maconha (6,9% para 8,8%), benzodiazepínicos (3,3% para 5,6%), estimulantes (1,5% para 3,2%), solventes (5,8% para 6,1%), cocaína (2,3% para 2,9%) e tabaco (9,0% para 10,1%). Sobre a estimativa de dependentes de bebidas alcoólicas foi de 11,2% para 12,3%.

A respeito do consumo de drogas entre os sexos masculino e feminino, esses dois levantamentos demonstram que no ano de 2001, 35,20% eram homens e 26,10% eram mulheres; já em 2005, 47,8% eram homens e 31,6% eram mulheres. Em relação ao consumo de álcool em 2001, 17,1% eram homens e 5,7% mulheres; já em 2005 passou para, 19,5% homens e 6,9% eram mulheres. Especificamente a respeito da procura por tratamento em algum momento da vida, esses levantamentos apontam que no ano de 2001, em um total de 4%, 5,6% eram homens que procuraram por tratamento e 2,5% eram mulheres. Em 2005, o levantamento mostrou que no total de 2,9%, 4,7% eram homens e 1,6% mulheres.

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consumo de drogas esteve associado apenas à população do sexo masculino. Com o aumento de mulheres consumindo álcool e outras drogas cresce também a necessidade de considerarmos as especificidades desta população. Há de se discutir, cada vez mais, sobre os benefícios obtidos quando essas mulheres são tratadas em programas especializados e que respondam às diversas dimensões do consumo de álcool e outras drogas por mulheres especificamente (BRASILIANO; HOCHGRAF, 1999). No entanto, segundo esses autores, essas abordagens específicas têm sido pouco estudadas e sua efetividade permanece desconhecida.

Além disso, de acordo com Zilberman (2003), há um aumento no envolvimento do sexo feminino com o abuso de drogas e consequentemente mais transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas entre as mulheres, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Em um estudo recente, Corrêa et al. (2008) relatam como o consumo de álcool vem se modificando entre as mulheres ao longo dos anos; e como o beber dessas mulheres tem se tornando muito similar ao dos homens no que se refere à frequência e quantidade consumida. Assim, percebemos que o excessivo consumo de álcool e outras drogas entre as mulheres traz consigo alguns pontos relevantes, que segundo Brasiliano e Hochgraf (2006), abrangem aspectos como: o estigma social, variações no padrão de uso, interpretação social, disponibilização de programas e resposta ao tratamento.

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Este estudo basea-se na abordagem sistêmica da família, por consideramos

que os “problemas se situam entre as pessoas e não nas pessoas” (ANDOLFI, 1981,

p. 29). Isto nos leva a privilegiar o olhar nas interações intra e intersistêmica, em que cada membro da unidade familiar exerce influência no funcionamento da família. Além disso, o enfoque sistêmico da família rompe com o pensamento linear simplista de causa e efeito, que, sem dúvida, representa grande obstáculo para a compreensão de diversas problemáticas (TRINDADE; BUCHER-MALUSCHKE, 2008). Essa perspectiva nos proporciona um olhar sobre as relações familiares da mulher que consome álcool e outras drogas, distanciando-nos de um modelo que apenas culpa e responsabiliza a família.

A partir dessa discussão e em busca de uma maior clarificação em torno deste fenômeno, temos como hipótese inicial desta pesquisa: que a família, considerando toda a sua complexidade, influencia no consumo de álcool e outras drogas por mulheres e no seu tratamento. A partir desta hipótese, definimos como objetivo geral desta pesquisa: investigar como as relações familiares, ao longo do ciclo de vida familiar atual e da história transgeracional, influenciam no consumo de álcool e outras drogas por mulheres frequentadoras de um programa público de estudos e atenção a usuários de álcool e drogas em Brasília (D.F), bem como no seu tratamento. Este objetivo foi desmembrado nos seguintes objetivos específicos:

a. Compreender as relações familiares de mulheres que consomem álcool e outras drogas, ao longo do ciclo de vida familiar, com relação a: regras, papéis fronteiras, hierarquia, entre outros aspectos da dinâmica familiar e suas implicações no consumo de álcool e outras drogas por estas mulheres.

b. Conhecer como a família dessas mulheres resolveu o processo emocional e como as mesmas realizaram (ou realizam) as tarefas de cada fase do ciclo de vida familiar.

c. Conhecer a história transgeracional dessas mulheres que consomem álcool e outras drogas e como a mesma repercute atualmente em seu consumo de álcool e outras drogas.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A MULHER E O CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Como já foi dito anteriormente, o consumo de álcool e outras drogas por mulheres trata-se de um fenômeno complexo. Assim, na tentativa de promovermos uma reflexão mais rica trazemos uma discussão sobre a história do consumo de álcool e outras drogas e o conceito desse consumo; e também sobre o padrão de consumo e as políticas de tratamento, destacando alguns aspectos que caracterizam os mesmos. Em seguida, apresentamos uma reflexão mais focada no consumo de álcool e outras drogas, por mulheres e suas particularidades.

2.1.2. O histórico e o conceito do uso de álcool e outras drogas

Ao considerarmos um tema moderno e polêmico, quando nos remetermos à história, o consumo de álcool e outras drogas se constitui um assunto corriqueiro (ARAÚJO; MOREIRA, 2006). Segundo Horta (2007), parece-nos claro que o uso de drogas faz parte dos comportamentos e hábitos humanos desde os tempos remotos. Carneiro (2005) relata que a história das bebidas alcoólicas e das drogas nos leva à própria história das sociedades humanas, quando se considera a vida material, a cultura, o que o homem come, bebe, veste e onde vive e também os remédios usados para a cura e consolo. Esse autor ainda comenta que os significados culturais, por exemplo, das bebidas alcoólicas não se reduzem apenas

aos seus efeitos negativos. Devemos considerar uma “cultura das drogas”

(CARNEIRO, 2005, p. 04) que é bem mais ampla que esses índices de morbidade ou enfermidade, mas relacionados às diversas formas de celebração, de festa, de convívio social que geralmente são permeadas pelo álcool. Carneiro (2005) também diz que,

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a escrever histórias das drogas. No século XIX, outros autores, em geral médicos ou farmacólogos, encetaram esse desafio (p. 04).

Para Araújo e Moreira (2006), outrora a utilização das drogas serviu para inúmeras finalidades, desde rituais religiosos, uso como medicamentos ou em caráter recreativo. A proibição no Ocidente (inclusive o álcool que foi proibido nos Estados Unidos, de 1919 a 1933) também ganha destaque, sendo que a partir dela as drogas passaram a ocupar o plano da marginalidade. Hoje em dia, as drogas são substâncias cuja presença está intimamente associada à degeneração dos valores sociais. Essas idéias contrastam-se com o seu uso festivo, religioso e sacramental nos primeiros tempos da civilização (ARAÚJO; MOREIRA, 2006).

Durante o período de influência religiosa, o uso de álcool e outras drogas prosperou, fazendo parte de rituais em determinados casos. E com o aparecimento e o desenvolvimento da ciência e indústria, o uso de álcool e outras drogas alcançou a condição de produção em grandeza e organização de redes de distribuição multinacionais motivando o surgimento de movimentos de repressão e controle dessas substâncias (HORTA, 2007). Além disso, em determinadas culturas o consumo de drogas é tolerado e em outras não, por exemplo, as bebidas alcoólicas que são comercializadas e consumidas livremente nos países ocidentais, porém permanentemente proibidas na cultura mulçumana (MALUF et al., 2002). Atualmente, é impossível não discutirmos o consumo de drogas ou até mesmo imaginarmos uma sociedade sem elas, sendo que este consumo é “uma prática

humana milenar, podendo revelar informações importantes sobre a organização, os sistemas, as crenças e mitos, as representações existenciais e religiosas de uma

sociedade” (BUCHER, 1992, p. 27).

Essa realidade aponta para a necessidade de conceituarmos o termo “droga”,

muito comum nas leituras, mídia e conversas. Segundo Carneiro (2005), este termo é extremamente polissêmico, pois o seu significado abrange tudo que se ingere e não constitui alimento, ainda que alguns alimentos sejam considerados drogas, como as bebidas alcoólicas, especiarias, tabaco, café, guaraná, mate e outras inúmeras plantas e remédios. A OMS - Organização Mundial de Saúde (1993) conceitua as drogas como substâncias que quando consumidas, ingeridas, inaladas, injetadas ou fumadas, podem produzir alterações no funcionamento do nosso organismo. As drogas que estamos colocando em questão na pesquisa são as

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alteram as sensações, o humor, a consciência ou outras funções psicológicas e

comportamentais”. De acordo com Horta (2007), estamos nos referindo ao tabaco,

bebidas alcoólicas, substâncias ilícitas (maconha, cocaína, ecstasy ou crack) e também alguns medicamentos (como benzodiazepínicos e os anorexígenos). Estas substâncias possuem como ação fundamental a modificação da atividade psíquica, sendo consideradas drogas de abuso, não são empregadas para fins terapêuticos. Niel (2009) complementa, comentando que as mesmas têm a capacidade de alterar o funcionamento do cérebro, modificando a nossa atenção, reflexo e até desencadeando alterações no comportamento e na percepção.

2.1.2. Os padrões de consumo de álcool e outras drogas e as políticas de tratamento

Vale lembrar que “nem todo aquele que experimenta drogas se torna adicto, pois existem bases predisponentes – individuais, familiares e sociais – que

condicionam a possibilidade de uma adição” (KALINA et al., 1999, p. 175). Também não podemos dizer que há uma fronteira clara e explícita entre os diferentes padrões de consumo de drogas como o uso, abuso e dependência (FIGLIE; BORDIN; LARANJEIRA, 2004).

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essa droga em termos de seu início, término e níveis de consumo; a presença de um estado de abstinência fisiológico quando o uso dessa substância interrompeu ou foi reduzido, demonstrado por: síndrome de abstinência para a substância ou o uso da mesma substância (ou uma intimamente relacionada) com o objetivo de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; a evidência de tolerância, de tal forma que quantidades crescentes da droga são solicitadas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas; o abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos em prol do uso da droga, aumento da quantidade de tempo necessária para se recuperar de seus efeitos; e por fim, a persistência no uso de tal substância, apesar da evidência clara de consequências manifestamente nocivas. Devem-se fazer esforços claros para determinar se o usuário estava realmente consciente da natureza e da extensão do dano (OMS, 1993).

Resumidamente, de acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2004), o uso seria qualquer consumo para experimentar, aquele consumo esporádico ou episódico. O abuso seria o consumo de drogas já associado a algum tipo de prejuízo (físico, psicológico ou social). A dependência química seria um consumo sem controle, geralmente associado a problemas sérios. Vale ressaltar que o diagnóstico da dependência química não se restringe apenas à percepção desses critérios, mas devemos considerar também o consumo de qualquer substância que produza sensação de prazer e sua gravidade que é determinada pelo tempo e intensidade de consumo, pelas características individuais do usuário e pelo ambiente sociocultural (TAUB; ANDREOLI, 2004). Olievenstein (1990) também fala desses aspectos, considerando o papel do indivíduo, da droga e do meio ambiente na conformação e definição de uma dependência. Géraud (1990 citado por OLIEVENSTEIN, 1990, p. 13-14), afirma que “da dependência instalada em silêncio, um dia expira o termo: a

falta” e acrescenta que a dependência é uma submissão, tornando-se uma luta contra o hábito.

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como linguagem social, as condutas e rituais de uso de drogas como expressão de processos existenciais perante as angústias e características relacionais da modernidade.

A respeito do tratamento, Castanha e Araújo (2006, p. 87) falam que “diversos

estudos têm sido realizados para fundamentar programas de prevenção e outros

tipos de intervenções que visem ao controle do uso indevido do álcool”. Estes

mesmos autores citam Tura (1998) que ao expor sobre os paradigmas tradicionais de Educação para a Saúde, afirma que eles pressupõem que os comportamentos saudáveis são resultados de escolhas individuais, fundamentadas em esquemas racionais de informações disponíveis. Este ponto de vista dificulta o enfrentamento de questões, por exemplo, o alcoolismo, pois não contempla a dimensão coletiva ou social referente a esta problemática.

Segundo Ministério da Saúde, em 2002, a saúde pública brasileira procurou dar maior ênfase em aspectos referentes à prevenção e tratamento dos transtornos associados ao consumo de álcool e outras drogas (BRASIL, 2007). Não podemos deixar de afirmar que anteriormente, já existiam discussões a respeito desse tema e em 2002 percebeu-se a real necessidade de se definir estratégias específicas para a construção de uma rede pública de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas. Somente a partir de 2003 que começa uma discussão mais sistemática sobre esse tema no campo da saúde pública e entre outros setores e sobre a responsabilidade do SUS pela atenção e prevenção de danos associados ao consumo prejudicial.

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o predomínio de “alternativas de atenção” de caráter total, fechado,

baseadas em práticas de natureza medicamentosa, disciplinar ou de cunho religioso-moral, reforçando o isolamento social e o estigma (p. 83).

Ainda a respeito do tratamento, concordamos com Focchi et al. (2001) de que não há um tratamento único e padronizado para o consumo excessivo de drogas, mas tratamentos particularizados e individualizados. Cabe ao terapeuta compreender as várias dimensões (social, profissional e biológica) e a terapêutica multidisciplinar, na busca de solucionar os vários problemas relacionados ao consumo de álcool e drogas. Destacamos, também, a ampliação da rede social, que envolve profissionais, os usuários e a comunidade; consistindo em uma reconstrução, nos três eixos: hábitat, rede social e trabalho com valor social. Além disso, é preciso possibilitar uma melhor restauração de autonomia das funções do sujeito na comunidade, bem como sua reinserção social (SARACENO, 2001).

Por fim, ressaltamos que estabelecer padrões de consumo e definir tratamento para o consumo de álcool e outras drogas não é uma tarefa fácil, sendo que há ainda muito a ser implantado e discutido. Porém, são aspectos necessários quando pretendemos compreender este fenômeno.

2.1.2. A mulher, o consumo de álcool e outras drogas e o seu tratamento

Como dissemos anteriormente, o consumo de álcool e outras drogas não é um fenômeno contemporâneo; isso também se aplica ao consumo de álcool e outras drogas por mulheres (BRASILIANO; HOCHGRAF, 2006). Como já sabemos e nos lembram os autores, o consumo de álcool e outras drogas, em muitas épocas, não esteve reservado ao sexo masculino e há quase dois séculos seu abuso já era diagnosticado, sendo muito provável que ocorressem casos de consumo de drogas entre as mulheres. Contudo, o estudo sobre essa temática tem um pouco mais de cinqüenta anos e a busca de abordagens que atendam às necessidades das mulheres apenas vinte anos, o que demonstra uma escassez de conhecimento sobre o consumo feminino.

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planejamento e intervenções baseadas nas necessidades masculinas, desconsiderando assim as especificidades de gênero. Esses mesmos autores, desconstruindo a idéia de que o abuso de drogas restringe-se apenas ao sexo masculino, comentam sobre um crescente número de mulheres (baseado no Relatório Mundial sobre as Drogas de 2008 da ONU), em relação aos homens que estão envolvidas com alguns tipos de drogas, principalmente as consideradas ilícitas. Eles também falam que a perspectiva de gênero vem sendo indicada como uma rica abordagem para explorar o impacto de construções sociais e culturais (masculinas e femininas) sobre o uso de drogas em grupos e individualmente.

Aquino (1997, p. 43) acrescenta que as diferenças no abuso de drogas por mulheres e homens volta-se mais para as “normas de conduta desejáveis para cada sexo”, do que para a atuação da droga no organismo masculino e feminino, bem como para as causas sociais do consumo. Brasiliano e Hochgraf (2006, p. 290)

afirmam que “em relação a qualquer dependência de substâncias psicoativas, a

mulher é ainda mais estigmatizada do que o homem”, sendo ela mais condenada aos estereótipos de agressividade, promiscuidade e falhas no desempenho do papel familiar. Tais concepções são muito antigas. Na Bíblia, já são encontradas citações do Velho Testamento que afirmam que a mulher grávida não deve beber, no entanto, nos séculos XVII e XVIII esse hábito era comum. Com o surgimento da burguesia, o ato de beber passou a ser considerado quase com um significado demoníaco e um hábito da classe mais baixa; e “entre as mulheres passou a ser associado também à prostituição e à perda de valores morais” (BRASILIANO; HOCHGRAF, 2006, p. 290).

Atualmente, não é difícil observarmos que esse preconceito ainda se conserva, o que justifica de certo modo as atitudes das mulheres que consomem drogas de buscarem ajuda de forma indireta, por exemplo, através de queixas vagas sobre sua saúde física e psíquica, escondendo ou minimizando seu problema principal de consumo de drogas (CESAR, 2006). Não podemos ignorar que existem também mulheres que usam drogas como uma maneira de medicar sintomas de depressão, irritabilidade e ansiedade; e quando se propõem a aderir a algum tratamento temem perder a sua única forma de alívio (BRASILIANO; HOCHGRAF, 2006).

(24)

de drogas. Aquino (1997) afirma que algumas pesquisas mostram que mulheres usuárias de drogas ilícitas são apresentadas às drogas pelos seus parceiros sexuais e que estes são os seus fornecedores. Assim, tanto o padrão de consumo delas como os problemas decorrentes do uso são intensamente influenciados por estes companheiros. Contudo, é importante ressaltar que quando é o homem que não possui problemas com o consumo de drogas há uma maior probabilidade do mesmo abandonar sua companheira que consome do que quando é o contrário, ou seja, o homem é que tem problemas com o consumo de drogas (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004). Brasiliano e Hochgraf (2006) confirmam essa perspectiva e também comentam sobre as mulheres dependentes que se relacionam com homens também drogadictos e que se opõem ao tratamento da companheira. Assim, além da falta de suporte, há nelas o temor de romper a relação amorosa com esse companheiro, pois em geral os relacionamentos amorosos são o centro da vida e das decisões das mulheres e elas tendem a sentir um forte senso de falta de controle sobre suas vidas e a se responsabilizarem pelos seus problemas maximizando-os muito além do que realmente são (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004).

Outro fator importante no início do consumo, refere-se a uma maior tolerância

diante das primeiras bebedeiras dos homens, sendo que para as mulheres “não fica

bem exagerar e espera-se que tenham controle sobre os seus atos” (BORDIN;

FIGLIE; LARANJEIRA, 2004, p. 316). Por esta razão, o consumo de álcool por mulheres possui a tendência de ser mantido em segredo e torna-se indispensável a exploração de questões relacionadas à culpa e vergonha.

Bordin, Figlie e Laranjeira (2004) apontam três dificuldades encontradas em estudar as especificidades das mulheres que consomem drogas:

as mulheres não eram incluídas em trabalhos de seguimento e foram, portanto, menos estudadas; as mulheres procuram menos os serviços assistenciais (apesar de haver dois homens para cada mulher com problemas de uso de álcool, encontram-se 4 a 5 homens para cada mulher em serviços de tratamento especializado); a dependência é subdiagnosticada em mulheres, provavelmente por elas procurarem mais os serviços não especializados com queixas vagas sobre seu estado físico (p. 315).

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tratamento (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004). Entretanto, os estudos a respeito das mulheres que buscavam tratamento são mais recentes e alguns estudos mostram que, no Brasil, as mulheres costumam buscar mais auxílio médico em geral que os homens, mas quando se trata de consumo de drogas, isso se modifica. Horta (2007) afirma que,

as mulheres procuram sempre menos ajuda que os homens para lidar com os problemas decorrentes do uso de substâncias psicoativas e aparecem menos frequentemente em estudos que avaliam a associação entre o uso de substâncias psicoativas e comportamentos violentos (p. 22).

Quanto à eficiência desses tratamentos, Zilberman (2003) afirma que em um estudo realizado verificou-se que o tratamento específico para mulheres alcoolistas alcançou uma aderência de 70%, contra 35% do tratamento misto (homens e mulheres juntos) num período de seis meses. Isto significa que as mulheres preferem ser atendidas em programas exclusivos para mulheres. De acordo com Edwards, Marshall e Cook (2005), há um importante debate sobre os reais benefícios dos programas de tratamento exclusivos para mulheres versus os

“mistos”. Para estes autores, é possível que esses tratamentos específicos atraiam mulheres com demandas mais específicas, por exemplo, mulheres com filhos dependentes, lésbicas, mulheres com uma história materna de problemas com álcool ou drogas e mulheres que sofreram abuso sexual na infância.

Entretanto, mistos ou não, o atendimento dessas mulheres, para Vargas (2002), deve ser baseado em suas reais necessidades, considerando aspectos como idade e relação com o álcool. Segundo Cardinal (1991), as mulheres que consomem drogas excessivamente, em sua maioria, têm prejuízos em sua autoconfiança e auto-estima. Esse autor acrescenta que essas mulheres comparadas às que não fazem uso, geralmente mostram uma inabilidade para enfrentar dificuldades e uma impotência diante das angústias e pouca eficiência nas estratégias de adaptação.

Bordin, Figlie e Laranjeira (2004, p.318) afirmam que a melhor maneira de abordar essas questões referentes ao consumo de drogas é através do diálogo

(26)

invés de confrontação, a atenção aos significados dos eventos e utilização de uma linguagem adequada (com palavras como talvez, poderia ser, imagino, etc.). Identificar e trabalhar os seus pontos fortes auxiliará o desenvolvimento de um senso maior de si mesma, de sua importância e controle de sua vida. Além desses, temas relacionados à sexualidade (como, identidade sexual, imagem corporal, educação sobre saúde sexual, reprodução humana, transtornos alimentares, etc.) devem receber uma atenção especial. A vergonha também é um aspecto que não dever ser ignorada, mas abordada através do diálogo que permita ajudar a mulher a recordar como se via quando não tinha problemas com o abuso de álcool ou conectar a sua imagem externa com a sua visão interna (BORDIN, FIGLIE E LARANJEIRA, 2004).

Sendo assim, destacamos a importância de se utilizar no tratamento com mulheres que consomem drogas, por exemplo de álcool, uma abordagem voltada mais ao fato de serem mulheres do que propriamente dependentes e considerar outros aspectos (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004). Esses autores citam, por exemplo,

maior isolamento social e maior sensibilidade aos efeitos de fatores estressantes implicam maior necessidade de suporte emocional. Questões conflitivas como interação mãe-filho, relacionamentos interpessoais em geral, habilidades cotidianas, complicações médicas, problemas de baixo autoconceito, falta de treinamento vocacional, questões relacionadas à violência sexual, etc., precisam ter a oportunidade de receber intervenções. (p.317).

Esses autores também comentam que se criaram mitos a respeito da dependência do álcool entre as mulheres, por exemplo, de que elas aderem menos ao tratamento do que os homens e que a evolução e prognóstico das mulheres são piores do que em relação aos homens. Sendo que ocorre o contrário, “as mulheres

não abandonam mais os tratamentos do que os homens e parecem até mesmo

aderir mais do que eles” (p. 316). E como já dissemos anteriormente, apesar das mulheres buscarem menos o tratamento para o seu consumo de álcool e outras drogas, quando procuram, elas costumam aderir mais, em comparação aos homens.

(27)

coopera para se evitar o diagnóstico e deste modo cria-se um círculo de silêncio antes da indicação de tratamento (ROIG, 1999).

Por fim, Bordin, Figlie e Laranjeira (2004) apontam que além da participação da família na recuperação da mulher alcoolista, a participação dos filhos também se faz crucial. Essa participação não consiste em colocar os filhos para apontar o quanto essa mãe tem sido disfuncional, mas estimulá-los a perceber como eles tentam ou podem ajudar a si mesmos e a ela. Além disso, auxiliando essa mulher no manejo com os filhos e o treinamento de habilidades para exercer este manejo,

veremos benefícios não só a mãe, mas também aos filhos. Isso porque, “a maioria

das mulheres alcoolistas se preocupam mais com a proteção dos filhos do que com nutri-los” (p. 318) e ter mãe e filhos em tratamento conjunto permite um maior

envolvimento emocional e aprendizado de comportamentos parentais positivos. Brasiliano e Hochgraf (2006) acrescentam que essas mulheres temem procurar ajuda e serem identificadas com dependência química, pois temem perder a guarda dos filhos. É necessário ressaltarmos, também, que as mulheres na maioria das vezes têm a responsabilidade primária sobre o cuidado dos filhos (BORDIN; FIGLIE; LARANJEIRA, 2004).

2.2. A FAMÍLIA, A MULHER QUE CONSOME ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS E O SEU TRATAMENTO

Antes de aprofundarmos a discussão sobre a família e o seu papel especificamente no consumo de drogas pelas mulheres, se faz necessário clarificarmos sobre alguns aspectos que envolvem o tema. Inicialmente, ressaltamos que a nossa discussão terá como base a Abordagem Sistêmica da Família, que segundo Dualib (2006), tem origem nos Estados Unidos no início de 1950, baseando-se na Teoria Geral dos Sistemas desenvolvida pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy, com contribuições da Cibernética, Teoria da Informação e Teoria da Comunicação. De acordo com Bertanlanffy et al. (1976), todo organismo pode ser

definido como um sistema, “uma ordem dinâmica de peças e processos que

subsistem em interação mútua” (p. 04). Além disso, também temos que considerar a

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suas repercussões. Assim, a família assume um importante papel, pois ela “passa

por diversas mudanças que correspondem às mudanças da sociedade, e assume ou renuncia as funções de proteção e socialização de seus membros em resposta às

necessidades da cultura” (MINUCHIN, 1990, p. 52).

Walsh (2005) retomando alguns aspectos históricos, relata que no final do século XIX, a industrialização e a urbanização resultaram em famílias menores e com padrões alterados por diversos fatores interconectados, como: diversidade cultural crescente, envelhecimento da sociedade, reestruturação econômica, movimentos em prol de igualdade e justiça social. Outros aspectos que modificaram foram a existência de dois provedores; a não divisão tradicional dos papéis sexuais; maior número de adultos solteiros e jovens adultos morando com os pais; aumento de casais não casados vivendo juntos; maior número de pais solteiros; prevalência de gravidez na adolescência; aumento de famílias recasadas ou formadas por adoção; etc. Atualmente, segundo Walsh (2005), fala-se de “família pós-moderna”

que abrange uma miscelânea de culturas, estruturas familiares múltiplas e índices de casamento e nascimento em declínio.

Não podemos deixar de destacar, também, como coloca Cerveny e Berthoud (2009), que a família ao final do século XX, em vez de se deteriorar e enfraquecer mostrou imensa capacidade de adaptação e transformação, não deixando de cumprir a sua função biológica de garantir a proteção de novas gerações e função social de difusão de padrões e normas de cultura. Dessa forma, podemos dizer que

“não há e nunca haverá uma nova versão da família brasileira, já que certamente

teremos sempre uma família brasileira mutante” (p. 28). Dentre essas mudanças,

podemos destacar que a instituição familiar recentemente está menor e organizada por mais de um tipo de laço (consangüíneo, afetivo e afinidade). Ressaltamos também as mudanças quanto à figura feminina que passou a ocupar um papel distinto a partir da inserção no mercado de trabalho, chefia de famílias, principais responsáveis pela guarda dos filhos em caso de separação e passando a tornar-se mãe mais tardiamente do que há uma década atrás.

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familiar, um ser relacional. Payá e Figlie (2004) afirmam que as pessoas que usam drogas se encontram dentro de um contexto onde os seus valores, crenças, emoções e comportamentos influenciam os comportamentos dos membros da família e também são influenciados por eles. Complementando essa discussão e tratando especificamente a respeito do papel da mulher e outras mudanças em nível de gênero, Macedo (2009) afirma que da mesma maneira que houve mudanças na concepção do que são homens e mulheres, dando origem a concepção de gênero, o conceito de família (a sua estrutura e funções) também se transformou.

Para Minuchin e Fishman (1990) e Minuchin, Colapinto e Minuchin (1999), dentro da perspectiva sistêmica da família encontra-se também o indivíduo que é a menor unidade do sistema familiar que contribui para a formação de padrões familiares e que possui a sua personalidade e o comportamento moldados pelo que a família espera e permite, em um processo de influências mútuas. Isto quer dizer que o comportamento é responsabilidade compartilhada, ou seja, todos iniciam o comportamento e todos reagem. Gameiro (1992) complementa esta ideia, afirmando que a família é uma rede complexa de relações e emoções que não pode ser pensada como apenas um instrumento para o estudo de indivíduos isolados. Kalina et al. (1999) relacionando o tema família e consumo de drogas afirmam que,

a família, ou seus equivalentes, é co-geradora do fenômeno aditivo. Onde existem adictos, encontramos famílias nas quais, qualquer que seja a configuração que tenham, estão presentes a droga ou os modelos aditivos de conduta, como técnica de sobrevivência por um ou mais membros deste grupo humano. O modelo aditivo é oferecido, assim, ao ser em desenvolvimento, com ou sem drogas, já que o trabalho, a comida, o jogo, podem ser equivalentes delas, pelas modalidades aditivas que apresentam esses contextos (p. 182-183).

(30)

comunidade como um todo. Sendo a interação com os mesmos relevantes para os problemas e tarefas da família.

Minuchin, Colapinto e Minuchin (1999) consideram que as famílias possuem padrões de interação recorrentes e previsíveis. Os padrões organizam a hierarquia do poder, definem o caminho para a tomada de decisões e controle de comportamento de seus membros. Os mesmos expõem o potencial para a harmonia e para o conflito conforme os membros da família crescem e se modificam. Relvas (2000) também afirma que a noção de hierarquização sistêmica se entronca na compreensão da existência de fronteiras ou limites na família que se constituiriam membranas semipermeáveis que permitiriam a passagem seletiva de informação entre a família e o meio, bem como entre os diversos subsistemas familiares.

Diante das considerações acima, é possível pensarmos sobre os subsistemas familiares. Segundo Minuchin, Colapinto e Minuchin (1999), esses são formados por diversos fatores como: idade, gênero, funções e relacionamentos, etc. Essas unidades possuem regras implícitas e explícitas que as governam e também as fronteiras que seriam o grau de permeabilidade do acesso e da privacidade desses subsistemas. Minuchin e Fishman (1990) afirmam que cada membro da família é considerado um subsistema e se acomoda no mesmo. Eles formam díades (por exemplo, marido e mulher) e subgrupos mais amplos que seriam aqueles formados por gerações (subsistema de irmãos), por sexo (pai, filho e avô) e por tarefa

(subsistema parental). Por fim, podemos considerar que “a forma como se

organizam estes subsistemas, o tipo de relações que se desenvolvem entre eles e no interior de cada um, coincide com a estruturada família” (RELVAS, 2000, p. 13).

(31)

Sobre a conjugalidade, Amazonas, Dias e Santos (2009) a define como um tipo de vínculo afetivo resultado de uma relação formal ou consensual dentre duas pessoas que decidem formar uma família que envolve dois aspectos da vida, aliança e sexualidade. Féres-Carneiro (1992) traz a interação conjugal como uma dimensão que permite a integração do grupo através da criatividade, crescimento de cada membro, individualização, prazeres e gratificações mútuas; construindo uma identidade grupal, capaz de atuar em conjunto na solução de problemas e objetivos comuns. A autora ressalta ainda a importância dos pais valorizarem a si mesmos e aos filhos, permitindo que eles também se autovalorizem positivamente, desenvolvendo uma auto-estima positiva.

Ao falarmos de família não podemos deixar de comentar sobre uma seqüência previsível de modificações na organização familiar, em função de tarefas definidas. Estamos nos referindo ao ciclo de vida familiar e suas respectivas etapas ou fases, que também pode ser expresso pelo conceito de “carreira familiar” definido

como:

caminho que a família (nuclear, particularmente) percorre desde que nasce até que morre. Integra de modo interactivo factores como a dinâmica interna do sistema, os aspectos e características individuais e, ainda, a relação com os contextos em que a família se insere, nomeadamente com a sociedade e os seus outros subsistemas (escola, mercado de trabalho, etc.) (RELVAS, 2000, p. 17).

De acordo com o autor acima, as tarefas de desenvolvimento da família não se relacionam com as características individuais de cada membro familiar, mas com a pressão social para o desempenho apropriado de tarefas essenciais à continuação do sistema familiar. Isso quer dizer, por exemplo, que os papéis parentais concretizam-se em função das necessidades dos filhos, mas também das expectativas sociais conferidas aos pais, quanto educadores.

(32)

CICLO DE VIDA FAMILIAR Estágio de Ciclo de

Vida Familiar

Processo Emocional de Transição: Princípios-chave

Mudanças de Segunda Ordem no Status Familiar necessárias para se prosseguir desenvolvimentalmente

1. Saindo de casa:

jovens solteiros. Aceitar a responsabilidade emocional e financeira pelo eu.

a. Diferenciação do eu em relação à família de origem.

b. Desenvolvimento de

relacionamentos íntimos com adultos iguais.

c. Estabelecimento do eu com relação ao trabalho e independência financeira.

2. A união de famílias no casamento: o novo casal.

Comprometimento com um novo sistema.

a. Formação do sistema marital. b. Realinhamento dos relacionamentos

com as famílias ampliadas e os amigos para incluir o cônjuge.

3. Famílias com filhos

pequenos. Aceitar novos membros no sistema.

a. Ajustar o sistema conjugal para criar espaço para o(s) filho(s).

b. Unir-se nas tarefas de educação dos filhos, nas tarefas financeiras e domésticas.

c. Realinhamento dos relacionamentos com a família ampliada para incluir os papéis de pais e avós.

4. Famílias com adolescentes.

Aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a independência dos filhos e as fragilidades dos avós.

a. Modificar os relacionamentos progenitor-filho para permitir ao adolescente movimentar-se para dentro e para fora do sistema. b. Novo foco nas questões conjugais e

profissionais do meio da vida. c. Começar a mudança no sentido de

cuidar da geração mais velha.

5. Lançando os filhos

e seguindo em frente. Aceitar várias saídas e entradas no sistema familiar.

a. Renegociar o sistema conjugal como díade.

b. Desenvolvimento de

relacionamentos de adulto-para-adulto entre filhos crescidos e seus pais.

c. Realinhamento dos relacionamentos para incluir parentes por afinidade e netos.

d. Lidar com incapacidades e morte dos pais (avós).

6. Famílias no estágio

tardio da vida. Aceitar a mudança dos papéis geracionais.

a. Manter o funcionamento e os interesses próprios e/ou do casal em face do declínio fisiológico. b. Apoiar um papel mais central da

geração do meio.

c. Abri espaço no sistema para a sabedoria e experiência dos idosos, apoiando a geração mais velha sem superfuncionar por ela.

d. Lidar com a perda do cônjuge, irmãos e outros iguais e preparar-se para a própria morte. Revisão e integração da vida.

(33)

Algumas adversidades ocorrem no ciclo de vida familiar quando um dos membros familiares consome drogas, pois “o momento no qual a droga ou o álcool

passa a existir dentro de um sistema familiar está fortemente ligado ao próprio ciclo

de vida familiar” (PAYÁ; FIGLIE, 2004, p. 343). Estes autores discutem a fase do ciclo de vida familiar que consiste na formação do casal; em que o consumo de drogas pode revelar o padrão dependente de cada parte do casal entre si ou com a sua família de origem. Maluf e Pires (2006) acrescentam que,

o uso indevido de drogas é um frequente regulador das questões de proximidade e distância do casal que se forma (...), interfere com a formação de fronteiras adequadas tanto entre os parceiros quanto entre o casal e outras partes do sistema. (...) Também distorce a formação de papéis e regras adequadas dentro do casamento. Consequentemente, o abuso interfere poderosamente nas tarefas dessa fase do ciclo de vida (p. 267).

Na fase em que as famílias se encontram com crianças pequenas, Maluf e Pires (2009) comentam que quando um dos pais na família consome abusivamente alguma droga, a infância dessas crianças é roubada, ou seja, não vivenciada plenamente. Eles acrescentam, ainda, que esses filhos podem responder com comportamento deliquente ou de atuação, porém é mais comum se tornarem submissos, quietos e retraídos.

(34)

esquecer também que a partir do momento que o adolescente (principalmente aqueles em situação de vulnerabilidade social) se relacionam com outros adolescentes que vivem com questões semelhantes as suas, se constroem juntos novas redes de relações, novos grupos de pertença; o que representa novas possibilidades de vinculação, como por exemplo, inserção no tráfico de drogas (SUDBRACK, 2001). Contudo, ao se referir especificamente à meninas adolescentes que consomem drogas, Guimarães et al. (2009) ressaltam que há poucas pesquisas a respeito.

Na fase de “Lançando os filhos e seguindo em frente” que ocorre mais ou menos na meia idade, entre os 40 e 60 anos, quando os filhos saem de casa, Maluf e Pires (2006) afirmam que o casal forma uma díade conjugal sendo forçado a enfrentar aspectos ainda não resolvidos no casamento. Nestes casos, o consumo de bebidas alcoólicas surge como uma tentativa de se evitar o contato com esses aspectos, podendo substituir os filhos criando uma forma triangular no casamento,ou seja, o que era antes tolerado passa a ser o foco para o cônjuge que não consome e há mudanças radicais no equilíbrio do relacionamento. Já quanto ao uso indevido de álcool e/ou drogas pela pessoa idosa (acima de 65 anos) pode trazer problemas como: a perda do status, de papel, capacidade física, mental e identidade

profissional. A dependência pode ser utilizada para suprir conflitos relacionados ás mudanças de papel no casamento ou com sentimentos de isolamento e senso de inadequação associada às perdas.

Salientamos também a importância da transgeracionalidade, considerando que,

a forma de lidar com as crises não vão depender apenas dos recursos da família nuclear, mas também dos legados familiares de outras gerações, ou seja, da forma como as gerações anteriores resolveram essas mesmas crises (CARTER; MCGOLDRICK, 1995, p. 11).

Assim, abre-se espaço também para falar do modelo mítico que perpassa gerações como transmissores de padrões relacionais multigeracionais e proporcionando ao grupo familiar um sentido de identidade (NEUBURGER, 1999).

(35)

gerações e os rituais permitem o resgate dessa memória familiar e a validação da experiência de estarem juntos. Contudo, ao se tornarem rígidos e não passíveis de mudanças, eles podem ser destruidores. Portanto, a partir dessa compreensão podemos dizer que,

os mitos perpetuados e atualizados pelos rituais, definidos, por sua vez, com base na memória familiar, mantém a unidade do sistema, dando-lhe um sentido de identidade próprio através dos tempos e das gerações. Esse processo dinâmico pode ser representado e compreendido com base na construção do genograma e da investigação do processo de transmissão transgeracional, com suas repetições, atualizações e possibilidades de transformação (PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008, p. 14).

Concordamos com a afirmativa de que “o fenômeno da dependência química pode se repetir em outras gerações” (PAYÁ; FIGLIE, 2004, p. 341) e que pode ser apreendido da mesma maneira que interfere nas pessoas envolvidas pela convivência. Payá e Figlie (2004) citam como exemplo no caso do alcoolismo,

atitudes como „rituais familiares normais‟ muitas vezes ocorrem em torno do beber, o que interfere no desempenho normal da família. Geralmente, é desta forma que os filhos crescem num contexto cultural onde a bebida se torna parte de suas vidas. A mitologia familiar é, muito provavelmente, infestada de cenas relacionadas ao álcool. (...) O desafio destes filhos seria construir novos rituais e mitos familiares, abandonando os de sua família de origem, para, assim, desenvolver uma identidade familiar não-alcoólica como maneira de não perpetuar o alcoolismo (p. 341-342).

Quando um membro consome álcool e outras drogas, a família, como um todo, também enfrenta uma imensa gama de problemas e disfunções. Estamos nos referindo ao que Osório (2009) denominou como comprometimentos familiares nos quais se observa um grau de sofrimento no campo relacional da família e se percebem suas manifestações na retroalimentação desse sofrimento. Segundo Osório e Valle (2002), essas disfunções familiares podem ser descritas como: disfunções da estrutura familiar (separações do casal e cisões intra e intergeracionais); dos vínculos familiares (rigidez ou lassidão); da identidade do grupo familiar (que seriam as famílias aglutinadas ou dispersas); e do comportamento intrafamiliar (presença de violências, abandonos, abusos sexuais).

A mulher que consome álcool e outras drogas é considerada a “pessoa cuja

situação desencadeou uma demanda de tratamento por parte de um ou vários

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benefícios para cada membro e assim, “não enxergar a dependência química em um dos seus membros pode, assim, significar a melhor solução que o sistema encontrou

para garantir a sua sobrevivência” (DUALIB, 2006, p. 265).

Bucher (1991) também confirma e amplia a compreensão da participação da família na drogadição, definindo-a como um sintoma revestido de significado que deve ser buscado dentro da organização familiar. Esse autor, não está dizendo que se deve culpar a família, mas considerar todos os membros da família envolvidos na questão. Contudo, na família enferma, Kalina et al. (1999, p. 41) nos lembram, que a

sua estrutura é altamente conservadora e autoritária; “ela própria estabelece aquele a quem denominamos de „o eleito‟ ou „o bode expiatório‟, ou „o emergente da patologia do grupo familiar‟, ou „o paciente identificado‟”.

Considerando todas as colocações citadas anteriormente, fica claro reconhecer que a partir do momento em que um dos membros da família passa a consumir algum tipo de droga, todo o sistema da família se modifica. Payá e Figlie (2004) falam desses impactos descrevendo-os através de quatro estágios; lembrando que não podemos afirmar que em todas as famílias o processo será o mesmo. O primeiro refere-se à presença de mecanismo de negação, onde ocorrem tensão, desentendimentos e as pessoas não falam o que realmente pensam. Em um segundo momento, a família se encontra preocupada com a questão e tenta controlar o uso da droga e suas consequências físicas e emocionais no campo do trabalho e convívio social. Assim, instauram-se mentiras, cumplicidades e um clima de segredo familiar; mantendo a ilusão de que o consumo não está causando problemas à família. No terceiro estágio encontramos uma família com uma desorganização enorme, onde os membros assumem papéis rígidos e previsíveis que acabam servindo como facilitadores e a família assume a responsabilidade por atos que não são seus. O usuário acaba perdendo a oportunidade de perceber as consequências do abuso de álcool e drogas. Por fim, o quarto estágio, onde encontramos uma exaustão emocional, podendo surgir vários distúrbios de comportamentos em todos os membros da família, levando ao afastamento entre os membros e grave desestruturação familiar.

(37)

(2004), o usuário raramente assume que está abusando no consumo de álcool e drogas, negando os seus próprios sentimentos. A confirmação da presença da droga na família pode ocorrer por iniciativa de terceiros, ou um ato falho do próprio usuário (por exemplo, ao esquecer a droga em lugar visível), ou em uma situação extrema (prisão, overdose, acidente, morte, etc.). Assim, com a revelação, na família se atinge o ápice da crise. Contudo, apesar de parecer que o usuário perdeu todos os vínculos familiares, ele ainda nutre fortes emoções a respeito dos relacionamentos e mantém dependências afetivas e financeiras.

De acordo com Stanton e Todd (1985 citado por PENSO, 2003), a partir de um amplo estudo com famílias de usuários de drogas observa-se que nestas famílias destacam-se as seguintes características: alta frequência de drogas e dependência multigeracional; expressão rudimentar e direta do conflito familiar com parcerias entre membros de modo explícito; relação simbiótica entre mãe-filho na infância e toda a vida; mortes prematuras não esperadas dentro da família; e tentativas dos membros de se diferenciarem entre si de modo frágil baseados em regras e limites distorcidos. Olievenstein (1983) aponta ainda outras características, como: a falta de barreira entre as gerações, por exemplo, a autoridade exercida pelos membros mais velhos não é suficiente para impor limites; o nível de individuação dos adultos é precário o que permite uma inversão de papéis (filhos adotando o papel do adulto); uma acentuação dos mitos familiares, fazendo com que haja certa desesperança e comodismo por crerem que é algo do destino da família; e o desentendimento no casal parental e alianças secretas com os filhos que partem da desordem das condutas ou falhas de comunicação, que por si já fortalecem parcerias na família. Especificamente sobre as relações familiares da mulher que consome álcool e outras drogas, Bordin, Figlie e Laranjeira (2004) afirmam que elas têm maior tendência de pertencer a famílias disfuncionais ou em que haja o abuso no consumo de drogas. Ainda sobre essas famílias, Stanton e Stanton (1991 citado por PAYÁ; FIGLIE, 2004) comparando homens e mulheres que consomem drogas afirmam que em sua grande maioria, esses homens têm suas mães envolvidas em uma relação de superproteção, sendo elas algumas vezes extremamente permissivas; já as mulheres se encontram geralmente em competição com suas mães e consideram os pais inaptos.

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(39)

3. MÉTODO

Essa pesquisa constitui-se de natureza qualitativa, ou seja, utiliza-se do método compreensivo-interpretativo, que para Minayo (1994) trata-se de uma investigação que volta-se a compreensão da realidade humana nas relações sociais, sendo o significado o seu conceito principal. Demo (2004) comenta que,

a informação qualitativa é resultado da comunicação discutida, na qual o sujeito pode questionar o que se diz e o sujeito-objeto também (...) a informação qualitativa é trabalhada e retrabalhada, para que duas condições sejam satisfeitas: do ponto de vista do entrevistador, ter a confiança de que obteve o que procurava ou de que realizou a proposta (p. 30-31).

Turato (2003) acrescenta que juntamente com as Ciências do Homem surge o método qualitativo, agrupando diversas técnicas de coleta de dados que levam as informações necessárias segundo o delineamento da pesquisa e objetivos desejados. González-Rey (2004) comenta que a subjetividade ganha destaque na pesquisa qualitativa e conhecê-la é,

dialogar com o sujeito, ter acesso a ele em vários cenários de produção de sentidos, para o qual contribuem os diferentes instrumentos que vamos produzindo ao longo do processo de investigação (...) o sujeito na pesquisa qualitativa orientada para o estudo da subjetividade, tem uma posição central que enfatiza a importância da produção de pensamento do investigador no decorrer da investigação (p. 169-171).

Contudo, a pesquisa qualitativa suscita outras discussões como a impossibilidade de neutralidade na pesquisa e Turato (2003) comenta que “o

pesquisador não é neutro, distante ou emocionalmente isento, sendo que a empatia deste, a sensibilidade, o humor e a sinceridade são ferramentas importantes para a

pesquisa” (p. 310). No entanto, Demo (1995) nos lembra que o mais importante ao

discutirmos a cientificidade não é a neutralidade, mas o que ele nomeou de

“discutibilidade”. Isto significa que não se pretende adquirir resultados determinantes, o que só é possível nas ilusões totalitárias. Além disso, as ciências sociais não cessam no discurso, mas somam-se com o diálogo; não separando teoria e prática. Isto representa compreender que o estudo dos problemas relaciona-se com suas soluções e quando isso não ocorre, torna-relaciona-se ciências anti-sociais.

Essa pesquisa trata-se também de uma pesquisa exploratória que busca,

Imagem

Figura 1 - Genograma Familiar de Karla.
Figura 2 - Genograma Familiar de Denise.

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