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Faltava pouco mais de uma semana para o meu trigésimo

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Academic year: 2021

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O signo

F

altava pouco mais de uma semana para o meu trigésimo aniversário quando um inferno astral tomou conta da minha vida: um novo signo havia sido descoberto, e eu, que passei vinte e nove anos me perguntando o que tinha de errado comigo, enfim descobri que eu não era de Sagitário, e sim de Serpentário*.

Astrônomos do planetário de Minnesota, nos EUA, infor-maram que devido a uma atração da gravidade que a Lua exerce sobre a Terra, o alinhamento das estrelas mudou, e isso ocasionou mudanças nas datas dos signos do zodíaco.

Sei que deve ser a coisa mais besta que você já leu, mas é porque não passou a vida inteira se questionando onde estava o otimismo, a alegria e, principalmente, o bom humor que toda re-vista feminina jurava que eu deveria ter.

Talvez você consiga me entender melhor se puder sentir o que eu estou sentindo:

Capricórnio: de 20 de janeiro a 16 de fevereiro Aquário: de 16 de fevereiro a 11 de março Peixes: de 11 de março a 18 de abril Áries: de 18 de abril a 13 de maio Touro: de 13 de maio a 21 de junho

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Gêmeos: de 21 de junho a 20 de julho Câncer: de 20 de julho a 10 de agosto Leão: de 10 de agosto a 16 de setembro Virgem: de 16 de setembro a 30 de outubro Libra: de 30 de outubro a 22 de novembro Escorpião: de 23 a 28 de novembro

Serpentário: de 29 de novembro a 17 de dezembro Sagitário: de 17 de dezembro a 20 de janeiro

Eu aposto que você também mudou de signo. E aposto que você agora esta revoltado com seu novo signo. É simples: por mais que seu signo anterior não fosse lá o melhor signo do mundo, você aprendeu a conviver com ele durante sua vida. Eu, que nasci em 29 de Novembro, até então eu era de Sagitário. E nunca me senti como uma verdadeira sagitariana. Mas isso nunca me impediu de ter esperanças quando eu lia que um novo amor surgiria em minha vida. Eu o procurava em todos os lugares, sem nunca en-contrar.

E não ache você que sou uma pessoa que espera ou acredita em príncipe encantado. Aos trinta anos, eu já estou me contentan-do com qualquer sapo que aparecer na minha frente. A última vez que eu namorei foi há uns... —Deus! A última vez que eu namorei foi há mais de cinco anos. E não duraram dois meses.

Bom, talvez essa mudança no zodíaco não seja tão negativa assim. Afinal, temos que aprender a ver todas as possibilidades. Eu não consigo pensar em coisas boas que Sagitário tenha me trazido (toda vez que você tem uma crise de insegurança, sem-pre alguém vai dizer “ah, é sagitariana”. Pergunta se alguém te diz isso quando você acerta em alguma coisa? Claro que não!); essa bagunça poderia ser positiva. Então, agora você talvez comece a entender por que essa descoberta poderia mudar tanto a minha vida, afinal, passei anos me baseando em previsões que nunca me favoreceram. E uma esperança de mudança começa a tomar conta de mim.

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Pessoas que não ligam à mínima se estão, há mais de seis meses, sem beijar na boca, que se amam acima de tudo. E, por outro lado, existem pessoas como eu: inseguras e carentes. Para esse grupo menos afortunado de pessoas, viver é realmente difícil.

Minha melhor amiga, Carolina, jura que eu sou uma espé-cie de monge. Ela acha que eu estou à espera do homem perfeito. O que ela não entende é que o problema é a falta de opção no “mercado”. Para a Carol tudo é muito fácil; ela é linda, loira, olhos azuis, namora há seis anos com o Zeca, e eles vão casar em menos de três meses. Fora isso, ela tem um dos empregos dos sonhos de qualquer mortal: dubla filmes e séries de TV.

Sim, a voz dela é linda e suave! Sim, ela assiste a todos os lançamentos antes de todo mundo. Sim, eu tenho certa inveja dela, porque ganha mais do que o dobro do que eu ganho e traba-lha duas ou três vezes na semana, enquanto eu passo o dia intei-ro ouvindo reclamações em um call center e podendo responder apenas: “— Eu entendo senhor...” ou “— É claro que a senhora tem

toda a razão...” ou “— Por favor, o senhor nem conhece a minha mãe para me chamar disso...”. Todos os dias são centenas de

pesso-as que acham que supesso-as vidpesso-as têm mais problempesso-as do que a minha, e me tratam como se eu fosse a responsável por tudo de ruim que acontece com elas.

Mas o problema é que a Carol não se conforma por eu ser solteira e, por isso, vive tentando me arrumar um encontro. Co-nheço todos os amigos do Zeca, do Jardim de Infância à Pós-gra-duação, e mais alguns que eu acho que ele simplesmente conhe-ceu na internet e levou aos encontros, porque não tinham nada em comum com ele.

Mas eu sei que no fundo a Carol tem boas intenções. O que eu já não posso dizer da Laura. Ela tem como passatempo prefe-rido transformar minha vida em um inferno. E, por karma, talvez, ela é minha irmã mais nova. Mas isso não significa que ela procure os meus conselhos (até porque, que conselho poderia dar uma solteirona como eu?). Não, a Laura tem uma vida incrível e quer me ensinar a viver minha vida.

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Minha linda irmã tem apenas vinte e cinco anos, mas já é gerente regional de uma loja de departamentos. Foi ela que me arrumou o emprego no call center da rede em que trabalha (e faz questão de lembrar o fato toda vez que discutimos). Ela é casada há quase dois anos com um homem maravilhoso, que faz tudo por ela, o Roberto.

Roberto é o típico homem “sonho de consumo”: ele é incri-velmente bonito (alto, não tem aquele corpo de academia, mas tem um porte legal, olhos pretos, cabelos pretos, um tipo que toda mu-lher perde pelo menos cinco segundos olhando), mas ele é muito mais bonito por dentro do que por fora (carinhoso, gentil, aten-cioso, aquele homem que você tem certeza de que está ouvindo o que você está falando, e não apenas grunhindo “hum” de tempos em tempos — você faz uma pausa e a pessoa tem a certeza de que precisa falar alguma coisa); fora os itens básicos necessários para um bom partido: tem um emprego ótimo em uma concessionária de carros de luxo, gosta de futebol, mas não a ponto de largar a mulher em casa para ir beber com os amigos, não tem nenhuma esquisitice de homem (se coçar, expelir gazes, etc. em público); e o mais importante: é louco para ser pai e ter sua própria família. E quando eu digo que ele faz tudo pela minha irmã, não estou exa-gerando. Ele abriu mão de ser pai, por enquanto, porque isso não está nos planos de carreira da Laura para os próximos cinco anos.

Voltando a falar só da minha irmã, ela sempre me diz que eu preciso mudar. Disse-me isso quando me arrumou emprego no

call center e não como vendedora da loja:

— Você é bonita, Karla Kristina. Em algum lugar ai dentro existe um lindo cisne pronto para sair. Mas eu não posso encami-nhar você para ser uma de nossas vendedoras porque você ainda não está pronta.

E com isso ela quis dizer: “você é feia e só passando por uma completa sessão de funilaria e pintura, daquelas que fazem um verdadeiro milagre, poderia ir trabalhar na linha de frente. Enquanto for esse patinho feio, é melhor que fique escondida em um escritório fechado. ”.

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Enquanto minha irmã mais nova tem um metro e seten-ta de altura, cabelos escuros, longos e anelados (igual ao de atriz mexicana), é magra (ela não vive em academia, faz apenas “cami-nhadas” e matem aquele corpo. E não me venha dizer que é gené-tico, vide o resto da família. A menos que ela tenha sido trocada na maternidade. Hum, isso explicaria muitas coisas!) e sorriso de dar inveja em qualquer pessoa de tão branco, é considerada linda e perfeita; eu, Karla Kristina com K (isso é um dos traumas na minha vida), não cheguei direito aos básicos um metro e sessen-ta (jeito suave de dizer que eu tenho pouco mais de um metro e meio), estou uns cinco quilos acima do meu peso (jeito delicado de dizer que eu preciso urgente de uma nova segunda-feira, quan-do prometo que vou começar uma dieta e academia) e não consi-go me entender com o meu cabelo “super hiper mega cacheado” (cuja melhor definição foi “seu cabelo é de bandido: ou está preso ou está armado”, piada que eu ouço desde os meus dez anos, e que não influenciou em nada na minha baixa autoestima).

E o pior é que a injustiça entre eu e minha irmã não fica apenas na parte física. Eu sempre fui estudiosa e aplicada. Eu en-trei em uma das melhores faculdades de direito do país, a Univer-sidade de São Paulo, e sempre a frequentei com muito orgulho. Já minha irmã era da turma do “fundão”, do “quem não cola não sai da escola”. Ela fez um curso a distancia de dois anos em Gestão de Vendas (fala para mim, isso lá é curso de faculdade?) e hoje é gerente. O que me leva a conclusão: ninguém contrata gente feia. Porque não é possível. Quanto mais bonita a pessoa for, melhor será o cargo dela na empresa. E sua inteligência e potência não serão levados em consideração.

De tudo, a melhor parte do dia é quando volto do trabalho e me jogo no sofá (meu sofá já tem praticamente a forma do meu corpo, é tão bom!) ou vou conversar com meu vizinho e amigo de infância, André. O André namora há uns meses com a chatinha da Leandra, uma patricinha fresquinha que mal chegou aos seus vinte e poucos anos.

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exter-namente ela deve ter algum parentesco com minha irmã, ou pelo menos devem ir aos mesmos salões e spas), e, muito menos eu entendo o que ela vê nele (que também está beirando os trinta anos, e apesar de ter um emprego estável no governo, não é ne-nhum Brad Pitt). O André também esta acima do peso, já começa a ter entradas (e saídas) na cabeça, e logo deve ficar semi careca — porque a maioria dos homens não consegue entender que careca é muito melhor do que três fios solitários na cabeça.

Contudo, naquela sexta-feira, quando eu li em uma reno-mada revista semanal que tudo estava prestes a mudar, só conse-gui pensar o que aquilo iria representar na minha vida.

— Nada. – disse o André irritado. – Isso não vai mudar em nada sua vida, como nenhuma daquelas previsões das cartoman-tes nunca mudou.

— Não mudou, porque elas não sabiam que eu não era de Sagitário. – tentei justificar.

— Não mudou, porque isso não existe! Não sei como uma pessoa inteligente como você acredita em uma besteira dessas.

— Talvez porque uma pessoa inteligente como eu trabalhe em um telemarketing...

— Karlinha, como isso foi acontecer com você? – André parecia esquecer que eu estava na mesma cozinha que ele, e podia ver claramente seu ar de decepcionado. – Você sempre foi tão in-teligente. Sempre teve as melhores notas, tanto na escola quanto na faculdade.

— Talvez eu tenha escolhido mal a faculdade. Quem disse que eu gostava de Direito?

— Seu signo?! Não dizem que os sagitarianos gostam das leis e da capacidade de compreender?

— Tenho uma novidade para você: mudei de signo... — Mas não deixou de ser uma viciada em séries america-nas com advogados, filmes que você faz questão de decorar as falas... Você sempre foi fã deles. Sempre se imaginou como advo-gada de sucesso.

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agora que eu sei que tudo não passou de um grande erro. O pro-blema sempre foi o Sagitário. E agora isso acabou.

— Você é louca, e isso não vai mudar sua vida em nada. – foi o que o André disse, indo para a porta.

Referências

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