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I - Introdução. II - Bases para a dinâmica da integração

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Academic year: 2021

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CASTRO, Nivalde J. de; PACHECO, Carlos; GUEDES, Ricardo. A Integração Energética na América do Sul: as perspectivas do gás natural. IFE nº. 1.781, 4 de abril de 2006. Instituto de Economia – UFRJ

I - Introdução

A integração energética vem ganhando importância mundial no cenário econômico, político e diplomático. Este movimento, que inclui e impacta a América do Sul, tende a reforçar e respaldar o processo maior de integração e formação de blocos econômicos. Tende também a contribuir para o fortalecimento das posições dos países periféricos, como é o caso da América do Sul, em negociações internacionais na medida em que um fator concreto e objetivo como a integração energética, pode criar uma base de interesse comum, a exemplo do que ocorreu na União Européia. Esta avaliação prende-se ao fato central de que os países da América do Sul deterem importantes reservas de recursos naturais, tanto hídricos quanto principalmente gasíferas.

O objetivo deste trabalho é analisar a potencialidade e viabilidade do processo integração energética dos países da América do Sul, a partir das possibilidades e potencial do uso gás natural.

II - Bases para a dinâmica da integração

Do ponto de vista estritamente técnico, as indústrias de gás natural e eletricidade são caracterizadas por infra-estrutura que conectam fisicamente a produção ao consumidor final. Outro condicionante técnico importante relaciona-se com as curvas de consumo de eletricidade de cada país. Estas curvas apresentam diferentes sazonalidades - ao longo do dia, semana, mês e ano - dada a diversidade climática, distintos perfis da estrutura de consumo e aos diferentes fusos horários. Estas características técnicas impõem um alto grau de coordenação entre todas as etapas da cadeia produtiva, a fim de tornarem compatíveis e simultâneas a oferta e a demanda. Por outro lado, as indústrias de energia elétrica e do gás natural exigem volumes de inversão de capital muito altos, sendo intensivas em capital fixo. Os prazos de maturação dos investimentos são de longo prazo.

A América do Sul conta com um dos maiores parques geradores hidrelétricos do mundo, em especial devido à matriz e potencial energético do Brasil. Entretanto, o aproveitamento dos recursos hidrológicos é finito. Estes recursos estão cada vez mais longe dos centros de consumo e vem encontrando restrições ambientais crescentes. Estes fatores estão contribuindo para o aumento do custo marginal dos novos empreendimentos em usinas hidroelétricas. Desta forma, abrem-se novas possibilidades de investimentos, configurando uma clara tendência à diversificação de fontes geradoras, sobretudo a favor da geração termelétrica a gás natural. A própria necessidade de diminuir o risco hidrológico corrobora está mudança na matriz energética, fortalecendo assim a integração energética com maior participação do gás natural. A volatilidade e aumento do preço do petróleo é outro fator de estímulo à integração.

A evolução recente do mercado de gás natural na América do Sul vem mostrando um forte crescimento conforme se pode constatar através dados da Tabela n.º1.

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Na América do Sul o aumento da produção de gás natural está associado ao aumento do uso final do gás natural nos segmentos industrial, comercial, residencial, veicular e, para geração termoelétrica. O consumo de GN nesta região apresentou no período de 1981-2001 uma taxa média de crescimento de 6,2% a.a. (OLADE, 2001) A principal variável que explica este desempenho foi o aumento da geração térmica a gás.

Estas evidências empíricas atestam que este insumo está desempenhando o papel mais dinâmico na diversificação da matriz energética. Segundo a OLADE (2001), considerando toda América do Sul, a participação do gás natural na matriz energética subiu de 18% em 1990 para 22% em 2000 – ainda que com grande variação entre os países - fazendo com que alguns destes mercados possam ser comparados a mercados mais maduros. O crescente investimento em exploração e infra-estrutura de transporte são os condicionantes basilares para a interligação energética na região. Nestes termos, pode-se afirmar que, pela tendência verificada no crescimento recente da produção do GN, há fundamentos e cenários favoráveis ao desenvolvimento de projetos de integração multilateral. Contudo, projetos de integração requerem coordenação e cooperação econômica e principalmente política entre os países e as empresas da região. A América do Sul já detêm alguma experiência. Nos últimos anos, foram implantados importantes corredores de transporte de eletricidade e de gás natural entre estes países, sendo os mais importantes os gasodutos conectando as reservas de gás natural da Bolívia aos mercados consumidores do Brasil e Argentina.

A motivação para os projetos de integração energética tem como principais causas econômicas: a complementaridade das economias, com destaque para as diferenças nas matrizes energéticas; desequilíbrios conjunturais entre oferta e demanda de energia elétrica; tendência à elevação e volatilidade dos preços dos insumos energéticos, em especial do petróleo; crescimento da demanda por insumos energéticos derivado da expansão do PIB; maior liquidez internacional, com juros menores para financiamentos de longo prazo; e, ao nível mais geral, a intensificação da globalização da competição no setor energético.

Merece destaque no processo de integração energética as motivações, e principalmente, limitações de ordem política. A recente crise da Bolívia é um exemplo deste tipo de questão. A crise política teve como matriz problemas associados ao marco regulatório do setor energético. A instabilidade política mostrou ao Brasil, Argentina, Chile e Uruguai que quanto maior for a integração energética inter-países, menor será o risco político sobre a oferta de gás natural.

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A Bolívia, além de deter uma posição geográfica estratégica, é detentora da segunda maior reserva de gás natural da América do Sul, estimada em 890 bilhões de metros cúbicos, ficando somente abaixo das reservas da Venezuela, com 4,22 trilhões de metros cúbicos, conforme os dados da Tabela n.º 2.

O governo boliviano recém empossado encontra-se numa situação paradoxal. Por um lado, por força da sua base de sustentação política, o governo terá que renegociar os contratos de GN e redefinir o marco regulatório, buscando centrar mais em parcerias do que na simples exportação do gás natural por empresas estrangeiras. A própria alteração da base de tributação foi um passo na direção de maior apropriação e internalização de valor desta indústria.

Por outro lado, a economia boliviana é fortemente dependente da exportação de gás natural. Neste aspecto, o Brasil detém uma posição bem mais vantajosa do que Argentina. O Brasil tem mercado consumidor maior, atua como produtor no mercado boliviano via Petrobras e tem a possibilidade de desenvolver projetos na área de energia em conjunto. Aqui merece destaque o complexo hidroelétrico da Ilha da Madeira que prevê uma usina bi-nacional, seguindo o modelo, já consagrado na construção da usina hidroelétrica binacional de Itaipu. Desta forma, pela magnitude e complexidade da nossa economia, o Brasil é o mercado real e potencial mais promissor para a Bolívia. Corroborando esta avaliação e tendência, o gasoduto que liga a Bolívia ao Brasil foi construído pela Petrobras em parceria com outras empresas.

Nestes termos, o paradoxo será resolvido com muita negociação, diplomacia, pressão, persuasão e trocas que, em última instância, devem criar mais vínculos econômicos entre os dois países, com vantagens comparativas ao Brasil, em função do grau de complexidade industrial do Brasil e da complementaridade das economias. No entanto, riscos políticos são difíceis de avaliar e precificar. Mas dois fatores favorecem o Brasil. Primeiro a sua posição de quase monopsônio. Segundo, o fato da Petrobras ser uma empresa estatal, criando, por afinidade ideológica, maior possibilidades de parceria do que as empresas estrangeiras que atuam no mercado boliviano. Outro novo player na integração energética, Venezuela, entrou em cena, ainda que tardiamente, com a crise política da Bolívia. Como reação imediata à crise boliviana, os países importadores de GN da América do Sul buscaram novos projetos que minimizassem o risco do desabastecimento.

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Inicialmente o projeto envolvia as reservas do Peru, através da construção de um grande anel de gasoduto. Este projeto foi descartado, em parte pelo fato das reservas provadas de gás natural do Peru serem relativamente pequenas e já estarem comprometidas com o abastecimento dos mercados do México e EUA. Possivelmente, esta proposta de projeto com Peru deve estar mais ligada a um movimento de pressão diplomática sobre a Bolívia do que efetivamente um projeto econômico.

A segunda alternativa, e que se encontra em grande evidência no momento, é o projeto do gasoduto que, explorando as imensas reservas da Venezuela, pretende integrar o Brasil, Argentina e Uruguai.

Em linhas gerais este projeto possibilitará: estruturação de reservatórios cooperativos de gás natural; aumento da disponibilidade de fontes de suprimento; garantia de maior confiabilidade ao atendimento das demandas crescentes de GN e minimizar os riscos de desabastecimento. Estas premissas estão assentadas nos estudos realizados que convergem para uma oferta média diária de até 150 milhões de metros cúbicos. O maior problema deste projeto é a estabilidade política da Venezuela.

A construção e o traçado do gasoduto trarão expressivas vantagens para o Brasil, que passaria a ter uma espinha dorsal para o transporte do GN, cortando o país de Norte a Sul, com financiamento em parceria com os outros países. Não há a menor dúvida de que as economias de escala e escopo serão melhor aproveitadas pela economia brasileira.

Para o Brasil a integração energética com demais países é interessante e importante, pois permitirá maior oferta de gás natural, além daquele que já é importado através do Gasbol. Atualmente, frente a uma possível interrupção do gás boliviano, as medidas possíveis são basicamente aumentar a oferta de outras fontes ou restringir a demanda, via preços ou cotas. Como a maioria do gás natural produzido no Brasil é associado à produção de petróleo, a possibilidade de aumentar rapidamente a oferta interna é reduzida. Não existe também infra-estrutura adequada ao armazenamento de gás ou à importação do GN liquefeito.

Como a Petrobrás detém um papel estratégico no mercado nacional de GN e nos projetos de integração energéticos, é necessário analisar, de forma sintética, sua atuação objetivando diminuir o risco inerente à quebra da oferta externa. O projeto mais importante está nos investimentos para aumentar a oferta nacional de GN, com maiores expectativas no aproveitamento das reservas da Bacia de Santos. Aqui, como os volumes de investimento são muito elevados, a Petrobrás está adotando o modelo de parcerias estratégicas, buscando firmar contratos de investimento com outras grandes empresas do setor de petróleo.

Outra alternativa que a Petrobras está desenvolvendo para ter maior flexibilidade na oferta de GN é através de investimentos nas suas usinas térmicas para terem ciclo combinado, podendo gerar eletricidade via GN ou óleo diesel. Em outro projeto a empresa do grupo, BR Distribuidora, iniciou programa de construção de pequenas centrais hidroelétricas, utilizando financiamento do BNDES. Desta forma, a Petrobras busca simultaneamente ampliar a oferta de GN e criar alternativas ao consumo deste recurso natural para geração de energia elétrica a fim de evitar possíveis impactos negativos sobre o consumo industrial e de GNV.

O projeto do gasoduto Venezuela, Brasil e Argentina apresenta alguns pontos controversos. Para o projeto ser viável economicamente será necessário a fixação de preços competitivos para o gás natural frente aos outros insumos energéticos. Os custos de amortização também deverão ser altos, elevando o preço final para o consumidor, pois a demanda nos primeiros anos, ou década, deverá trabalhar com capacidade ociosa frente aos 150 milhões m3/dia de capacidade total. Num primeiro momento, o valor inicial estimado pela PDVSA ficou entre US$ 1 e U$ 1,70 por milhão de BTU sem incluir os custos com transporte. Este valor aplicava uma tarifa subsidiada para atrair o interesse do Brasil e Argentina. No entanto, este valor foi contestado pela Bolívia, na medida em que diminuiria o seu poder imediato de negociação com Argentina e Brasil. A reação da

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Venezuela foi rápida, passando a indicar uma tarifa mínima, com transporte, em torno dos U$ 5, valor que está próximo dos estudos realizados pela Petrobrás.

III - Considerações Finais

Embora os recentes investimentos em infra-estrutura tenham proporcionado o início da integração gasífera dos países da América do Sul, uma série de pré-requisitos para a integração e expansão destes mercados seja contínua, ainda não estão totalmente consolidados. Para que esta região confirme seu potencial dinâmico, os mercados destes países pressupõem algumas pré-condições para sua consolidação. Entre elas estão o tamanho e a configuração do mercado consumidor, a infra-estrutura e o framework regulatório, cuja função estratégica é emitir sinais claros e seguros para os investidores públicos e privados. Isto porque é evidente que o processo de integração terá que utilizar o modelo de parcerias estratégicas de empresas públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, basicamente em razão do volume e prazo dos financiamentos. Este modelo de parceria já se mostrou eficiente no Gasoduto Bolívia - Brasil e deve ser seguido, mesmo que a Bolívia e Venezuela operem com matrizes políticas mais nacionalistas. Aqui o papel e experiência da Petrobras serão decisivos. No entanto, o modelo de parceria estratégica exige a definição de políticas energéticas nacionais subordinadas e integradas a um marco comum na área fiscal e da regulação que sejam minimamente transparentes e apresentem garantias contratuais estáveis.

Nestes termos, o desafio principal estará na tarefa de mapear e conseguir conciliar os interesses políticos e econômicos em jogo. O projeto de integração não alcançará o nível ótimo caso a aliança entre os diversos agentes envolvidos não seja uma boa aliança para todos. Dito de outra forma, somente através da gestão pelo equilíbrio entre os interesses envolvidos, o projeto de integração poderá ser um projeto efetivo e sustentável. O fato de a integração energética envolver países da região que hoje contam com um denominador político e econômico comum, sem uma pressão política mais forte dos EUA, mais preocupados com China, Iraque, Irã, etc. são fatores facilitadores.

É importante a coordenação das atividades de planejamento energético visando o estabelecimento de um plano de extensão indicativo para os países da América do Sul, superando problemas mais históricos. Felizmente, não há entre os países da América do Sul problemas de ordem étnicas, culturais e religiosos como no Oriente Médio e Ásia. Está especificidade histórica facilita, em muito, a construção de uma plataforma comum de entendimentos e de políticas para acelerar e viabilizar o processo de integração energética.

Do mesmo modo, é fundamental que os governos, na construção desta plataforma de entendimentos, desenvolvam e elaborem um planejamento de longo prazo, considerando a complementaridade dos recursos energéticos, superando as diversas assimetrias na regulação setorial de cada país.

O desafio a partir de agora será o de ultrapassar os acordos bilaterais para dar lugar a um acordo multilateral, que permita dar condições para a construção do anel gasífero, ressaltando a necessidade de fornecer uma segurança no fornecimento e um preço de referência regional que viabilize o consumo deste insumo.

É preciso lembrar que a oferta de gás natural reage a sinais de preços, principalmente em regiões mais maduras, mas mesmo a flexibilidade da oferta está limitada no curto prazo pela infra-estrutura. Os ganhos advindos da integração energética são vantajosos para todos os países da região, mas muito mais vantagens comparativas para o Brasil, que poderá fortalecer os laços econômicos, lastreado em seu complexo parque industrial. O problema é superar as divergências de interesses através da criação de uma plataforma de entendimentos, políticas e ações comuns. A realidade da região ainda está distante disso, mas o caminho, para o Brasil, é este.

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BP. Statistical Overview of World Energy June 2005. BP. 2005. Disponível em <http://www.bp.com>. Acesso em 8 mar 2006.

OLADE. “Estudio para la Integración del Mercado de Gas Natural en América del Sur - INFORME FINAL”.2001. Disponível em <http://www.olade.org.ec>. Acesso em 10 fev 2006.

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