DA FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DO EOA
1. Hoje, quando se fala na reforma do actual Estatuto, que constitui um processo moroso e
dependente do poder político, ocorre-nos a estranheza da ausência de preocupação de regulamentar questões importantes para a advocacia e para os advogados, que depende em exclusivo da vontade da Ordem dos Advogados.
Tanto mais que é atribuição da Ordem dos Advogados “zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão, promovendo a formação inicial e permanente dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos” (Art. 3º-al. d) do EOA). Sendo da competência do Conselho Geral a elaboração e aprovação dos regulamentos (Art. 45º-1, als. g) e h) do EOA).
E decorridos que são já quase sete anos após a aprovação do actual EOA., pela lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, continuam por regulamentar matérias, que aí se previa.
Destacamos, assim, o domicílio profissional do advogado, a sua formação contínua, os fundos dos clientes e a certificação do acto praticado por advogado.
Todas estas matérias contendem com princípios e valores que constituem o cerne da nossa actividade: a independência, o segredo profissional, a integridade, o interesse público e a função social da advocacia.
2. O domicílio profissional do advogado, previsto no Art. 86º-1, al. h) do EOA, deve ser
uma “estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos”.
O que pressupõe que o domicílio constitua um espaço que goze de dignidade profissional, com meios e que preserve sempre a independência do advogado, o segredo profissional e a divulgação objectiva da actividade.
Não se concebe que o advogado no exercício da advocacia não disponha de um espaço físico afecto em exclusivo à sua actividade, com salas diferenciadas para o atendimento e para a espera dos clientes, que partilhe instalações com outras actividades, que não seja contactável e que não assegure um arquivo adequado dos documentos.
3. Também a formação contínua constitui um desígnio da Ordem dos Advogados e um
dever do advogado que deve, assim, “promover a sua própria formação, com recurso a acções de formação permanente” (arts. 86º-al. i) do E.O.A.)
A formação contínua do advogado, atento o interesse público da profissão e a função social da advocacia, não pode ficar refém da consciência e responsabilidade de cada um, pois os interesses de terceiros que representamos exigem à Ordem dos Advogados a criação, enquadramento, acompanhamento e controlo dessa formação.
Deverá, assim, incrementar-se a qualidade da advocacia e dos serviços jurídicos, mediante a actualização dos conhecimentos do advogado, dando-lhe a liberdade de escolher a sua própria formação, desde que devidamente qualificada. Para tanto a Ordem dos Advogados deve assegurar acções de formação, por sua iniciativa ou de terceiros devidamente credenciados, competindo-lhe ainda controlar a formação de cada advogado e constituindo a ausência dessa formação, para além da violação de um dever, causa de suspensão da actividade.
4. Quanto aos fundos dos clientes, o nº 1 do art. 97º do E.O.A. impõe que o advogado
sempre que detiver fundos dos seus clientes ou de terceiros, para efectuar pagamentos de despesas por conta daqueles, deve observar as regras enunciadas nas suas três alíneas. Tais procedimentos são insuficientes para acautelar a defesa do cliente, de terceiros e do próprio
advogado.
A simples existência da necessidade de defesa do advogado, quanto a verbas que não constituam receita da sua actividade, mas sobre as quais tem, temporariamente, na sua posse ou administração, bem como a clarificação da gestão desses fundos, garantindo-se o correcto tratamento e aplicação dos mesmos, sem esquecer que o desenvolvimento económico exige, muitas vezes, operações financeiras, implicam que todos esses actos devam revestir-se da maior transparência.
Assim, sem já falar de um sistema de gestão desses fundos que o nº 2 do art. 97º prevê, esses dinheiros devem ser depositados em instituição bancária, em conta à ordem, designada de conta de cliente ou fundo, para efectuar pagamentos por conta e no interesse daqueles, com registo contabilístico completo e actualizado, com documentos de suporte dos movimentos de cliente ou de terceiro, devendo ainda a Ordem dos Advogados, para além de disciplinar a constituição e utilização dessa conta, estar autorizada a verificar e a examinar todos documentos relativos a esses fundos, com a salvaguarda do segredo profissional.
5. O interesse público e a função social da advocacia exigem que esta só possa ser exercida
por advogados devidamente inscritos na Ordem dos Advogados, o que nos leva inexoravelmente à certificação do acto praticado por advogado.
Com efeito, sobretudo nos actos extrajudiciais, é com preocupação crescente que vemos o exercício da actividade a ser desenvolvido por pessoas e entidades que não são advogados, umas vezes sob o manto da legalidade, que não soubemos contrariar.
Dispõe o nº 2 do art. 61º do EOA que “os actos praticados por advogado através de documento só são reconhecidos como tal se por eles forem assinados ou certificados nos termos que vierem a ser definidos pela Ordem dos Advogados”.
Em todo o acto praticado pelo advogado no exercício da profissão, em que não interveio directamente apondo a sua assinatura, como é o caso das peças processuais, deveria
estabelecer-se a obrigação de se identificar o seu autor através de um selo profissional. Não se trata apenas da defesa do acto do advogado, combatendo-se deste modo a procuradoria ilícita, mas também e sobretudo da defesa do cidadão e da responsabilização daquele que o pratica.
Indo ainda mais longe, deviam mesmo ser concretizados actos cuja validade e/ou eficácia dependesse da aposição de selo profissional de advogado, o que pressupõe, neste caso, uma alteração legislativa, sobretudo da Lei 49/2004 de 24.08.
Conclusões:
1ª. Deve a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Geral, regulamentar
urgentemente o domicílio profissional do advogado, a sua formação contínua, os fundos dos clientes e a certificação do acto praticado por advogado
2ª. Todas estas matérias contendem com princípios e valores que constituem o cerne da
nossa actividade: a independência, o segredo profissional, a integridade, o interesse público e a função social da advocacia.
3ª. O domicílio deve ser constituído por um espaço que goze de dignidade profissional, com
meios e que preserve sempre a independência do advogado, o segredo profissional e a divulgação objectiva da actividade.
4ª. Deverá incrementar-se a qualidade da advocacia e dos serviços jurídicos, mediante a
actualização dos conhecimentos do advogado, dando-lhe a liberdade de escolher a sua própria formação, desde que devidamente qualificada.
5ª. A Ordem dos Advogados deve assegurar acções de formação, por sua iniciativa ou de
terceiros devidamente credenciados, competindo-lhe ainda controlar a formação de cada advogado e constituindo a ausência dessa formação, para além da violação de um dever, causa de suspensão da actividade.
6ª. Para defesa do advogado e do cliente impõe-se que sempre que o advogado detiver
fundos dos seus clientes ou de terceiros, para efectuar pagamentos de despesas por conta daqueles, para além do dever de os depositar em instituição bancária, em conta à ordem, designada de conta de cliente ou fundo, com registo contabilístico completo e actualizado e com documentos de suporte dos movimentos de cliente ou de terceiro, a Ordem dos Advogados discipline e esteja autorizada a verificar essa conta e a examinar todos documentos relativos a esses fundos, com a salvaguarda do segredo profissional.
7ª. Em todo o acto praticado pelo advogado no exercício da profissão, em que não interveio
directamente apondo a sua assinatura, como é o caso das peças processuais, deveria estabelecer-se a obrigação de se identificar o seu autor através de um selo profissional.
Vila Nova de Gaia, 14 Outubro de 2011.
Almeida Correia
Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650
congressoadvogados@cg.oa.pt