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OTÓGRAFOConheça a história de Reinaldo Meneguim, que tornou-se um especialista em
cultura popular paulista ao cobrir o festival Revelando São Paulo desde 1999
manter a tradição
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rtesanato, danças típicas, tradições religiosas, culinária com receitas variadas, cenas repletas de cores, contrastes e expressões são motivos atraentes para qualquer fotógrafo. Desde 1999, o olhar de Reinaldo Meneguim acompanha o Revelando São Paulo, festival que reúne todos elementos citados em um mesmo lugar, entre as mais diferentes manifestações da cultura popular do Estado.O interesse de Meneguim em se embrenhar nesse mundo foi além do trabalho de documentação e da inspiração fotográfica: hoje ele é também pesquisador de cultura popular e integra a Comissão Paulista de Folclore.
A fotografia, contudo, entrou na vida de Meneguim meio por acaso. Sem opções para a profissão de técnico metalúrgico na época, foi trabalhar em um jornal paulistano com past up, técnica manual de composição de páginas, precursora da diagramação eletrônica. A trajetória, comum a muita gente que hoje trabalha com fotografia, incluiu passagens pela fotocomposição e, claro, pelo laboratório de filmes p&b, atividade que despertou nele a vontade de fotografar.
Há cerca de 15 anos, já então envolvido com nitrato de prata, reveladores e fixadores, Meneguim decidiu registrar a gravidez da mulher, Joelma. Autodidata, para
Um olhar que busca
Por Diego Meneghetti
manter a tradição
Dança de São Gonçalo, santo tido como casamenteiro, alegre, farrista e protetor dos violeiros
Conheça a história de Reinaldo Meneguim, que tornou-se um especialista em
cultura popular paulista ao cobrir o festival Revelando São Paulo desde 1999
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OTÓGRAFOaprimorar a técnica, matriculou-se em uma das primeiras turmas do curso de Fotografia do Senac-SP, o que o impulsionou para o cargo de fotógrafo no jornal de bairro em que trabalhava.
A cultura popular paulista surgiu diante de seus olhos também por acaso. Em 1998, ele estava de folga e passeava com Joelma e a filha Giovana no Parque da Água Branca, na capital paulista, quando notou uma movimentação diferente de outros finais de semana: alguns carros de boi, bonecos gigantes, uma batucada aqui e outra acolá, além de pessoas vestidas com trajes coloridos. Tratava-se da segunda edição do Revelando São Paulo, festival anual que, na ocasião, ainda atraía poucos visitantes.
Aquilo foi suficiente para prender a atenção de Meneguim. No ano seguinte, ele voltou ao evento no Água Branca para fazer uma cobertura fotográfica para o jornal em que trabalhava. Em conversa
Fotos que têm sabor: uma área do Revelando São Paulo destina-se à culinária típica das cidades paulistas
F OTOS : R EINALDO M ENEGUIM
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OTÓGRAFOcom Toninho Macedo, o idealizador do Revelando São Paulo, teve contato com a Abaçaí Cultura e Arte, instituição social que organiza o evento, além de promover ações culturais na capital e cidades do interior do Estado. A proximidade entre Macedo e Meneguim trouxe a ele a possibilidade de atuar como fotógrafo nas atividades da instituição. “A partir desse trabalho voluntário para a Abaçaí, comecei a aprender o que era cultura popular. O que era um folguedo, como a congada, o moçambique, a Folia de Reis, a Recomenda de Almas”, conta o fotógrafo.
Envolvido com os diferentes temas folclóricos, religiosos e culturais paulistas, Meneguim se
dedicou, em 2000, a registrar o
Revelando São Paulo desde a
organização até o encerramento. Comprou vários filmes e fez um grande portfólio das manifestações que lá se apresentaram. Com o material em mãos, mostrou ao pessoal da Abaçaí.
No ano seguinte, Meneguim foi contratado para coordenar toda a parte de fotografia do evento. “Acredito que foi um certo olhar que coloquei nas imagens o motivo desse convite, uma identificação minha com o tema da cultura popular. Os organizadores disseram que era justamente com aquela abordagem que viram nas fotos que gostariam de registrar o evento”, comenta. Desde 2001, ele é o
responsável pela fotografia de todo o Revelando São Paulo, em suas edições na capital paulista e em outras cinco cidades do interior.
“Tenho uma forte identificação com a cultura popular tradicional. Acredito que isso deve vir do meu passado. Embora resida hoje na capital, nasci em Osasco e morei numa pequena chácara que tinha criação de animais. Recebíamos o pessoal da Folia de Reis, essas coisas do interior”, diz.
IMERSÃO CULTURAL
Meneguim trabalha com uma Nikon D300, que tem sensor CMOS de 12 megapixels, em conjunto com as objetivas 12-24 mm f/4, 24-70 mm f/2.8 e 70-200 mm f/2.8.
Tradição rural: registro da apresentação da Cavalhada de Taguaí (SP) e foto de menino de Caçapava (SP) que guia um carro de boi
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mais de 30 anos de idade, que adaptou para o uso no corpo digital. Adaptação por conta do fator de corte? “Não, tive que fazer um rebaixamento com uma lima no pino da objetiva para ele encaixar na D300 e informar a abertura do diafragma ao corpo da máquina. Não tenho exposição automática, fica tudo no modo manual, mas para fazer retratos e fotos de detalhes a lente é ótima. Ela alcança uma profundidade de campo muito boa”, afirma.
Durante cada edição do
Revelando São Paulo na capital,
o fotógrafo chega cedo, logo no primeiro dia e, além do equipamento
50 Fotografe Melhor
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OTÓGRAFOfotográfico, leva uma rede para dormir no recinto, ao lado do pessoal que se apresenta. “Vivo aqueles dias intensamente”, diz.
Durante o registro do festival, ele faz cerca de 1.500 fotos por dia. No encerramento, esse número bruto sobe para 3.500. Por conta das várias atividades simultâneas, recebe a ajuda de Edi Pedreira e de Manoel Marques, também fotógrafos, no registro do último dia de evento.
Meneguim conta que prefere aproveitar bastante a iluminação natural, usando flash raríssimas vezes. “No Revelando, gosto de fazer fotos por volta das 11 horas, que é um horário com uma luz um pouco oblíqua, bem legal para fotografar esse tema, pois cria uma boa saturação de cores e um contraste interessante”, explica.
A dificuldade aparece quando vai fotografar a área de artesanato. “Como os estandes ficam em pavilhões cobertos, é preciso trabalhar em baixa velocidade e, às vezes, usar tripé. Mesmo nessa área que envolve menos fotos de pessoas, é possível e importante destacar a questão cultural nas imagens. Peças de cerâmica, por exemplo, além de serem bonitas de se fotografar, revelam a região de origem daquele artesão, de acordo com a cor do barro usado”.
CONHECER AS PESSOAS
Meneguim diz que o melhor conhecimento que se pode ter sobre a cultura popular não vem de livros, mas das próprias pessoas que mantêm vivas as tradições de cada região. O congado é o folguedo que chama mais a atenção dele. “E me fascinou ainda mais quando fui conhecendo as pessoas que fazem parte dos grupos, os reis e as rainhas do congo”, conta o fotógrafo.
Além do festival em São Paulo e das edições regionais, Meneguim é chamado também para registrar festejos locais, como a Festa de São Benedito, em Guaratinguetá (SP), ou a cultura cigana presente na região de Iguape (SP).
Histórias e amizades para
Engraçados: dois veteranos e coloridos palhaços da Folia de Reis da cidade de Cruzeiro (SP)
Acima, momento do panelaço em saudação a São Benedito, durante o Revelando São Paulo; abaixo, detalhe do trabalho de Chico Santeiro, de Cunha (SP), escultor de imagens sacras
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OTÓGRAFOfolguedo de formação afro-brasileira, em que se destacam as tradições tribais de Angola, Congo e Moçambique da época da escravidão. Com fortes influências ibéricas em relação à religiosidade, a dança cria um sincretismo ao misturar elementos de cultos africanos e católicos. Por meio da música e dança, o congado lembra a coroação do rei do Congo e da rainha Ginga de Angola, e tem como padroeiros Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Ifigênia, os dois últimos santos negros. “Pessoas como o capitão Ferreira têm um senso muito grande do que é cultura. O contato com essas pessoas, saber como elas vivem, o que fazem, é fundamental para traduzir as tradições culturais e a sua crença em fotos”, diz.
JEITO DE FAZER
O trabalho de registrar a cultura tradicional trouxe ao fotógrafo uma técnica própria de abordar as pessoas para fazer as fotos. “O melhor da foto de cultura popular é a troca que se tem com as pessoas. Com um simples olhar, você sente o valor daquela tradição, pede a permissão de registrar a cena e, em troca, a pessoa responde com um olhar positivo, concedendo aquele espaço. Essa troca é muito legal. Por outro lado, vejo muita gente fotografar de uma forma agressiva, ou seja, entra na frente de alguém que está dançando, coloca a objetiva no nariz dela e faz a foto só pra conseguir uma imagem. Isso não é legal”, diz.
Reinaldo Meneguim trabalha também em outras áreas da fotografia. Com a sócia Edi Pereira, tem o estúdio Hórus Photograph, que trabalha com retratos, culinária, arquitetura e atende a assessorias de imprensa. Parte do portfólio do fotógrafo pode ser visto no endereço
reinaldomeneguim.multiply.com. I
ampliar seu repertório cultural ele tem bastante, como a de José Ferreira, que mora na cidade de Olímpia e vem todo ano ao
Revelando São Paulo. Conhecido
como capitão Ferreira, é o líder do Terno de Congada Chapéu de Fitas, um grupo fundado em Olímpia (SP), em 1974, que agrupa hoje mais de 70 integrantes. “As pessoas que participam dessas tradições são super-humildes. Trabalham como carpinteiros, pedreiros, pintores... Têm profissões simples, mas são líderes natos se observarmos a vida que levam na divulgação da cultura e na preservação da tradição”, destaca o fotógrafo.
O congado (ou congada) é um
Reinaldo Meneguim, fã de cultura popular
Garoto se apresenta no grupo de moçambique Vila do Tesouro, de São José dos Campos (SP)
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