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MELISSA DE FIGUEIREDO SILVA FERNANDES ANÁLISE DIALÓGICA DE LETRAS DE MÚSICA DO GRUPO O TEATRO MÁGICO FRANCA 2020

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ANÁLISE DIALÓGICA DE LETRAS DE MÚSICA DO GRUPO O TEATRO

MÁGICO

FRANCA

2020

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ANÁLISE DIALÓGICA DE LETRAS DE MÚSICA DO GRUPO O TEATRO

MÁGICO

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristóvão.

FRANCA

2020

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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca

Fernandes, Melissa de Figueiredo Silva

F41a Análise dialógica de letras de música do grupo o teatro mágico / Melissa de Figueiredo Silva Fernandes; orientador: Assunção Cristóvão. – 2020

85 f. : 30 cm.

Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Lingüística

1. Lingüística – Teatro. 2.Teatro Mágico. 3. Relações dialógicas. 4. Letra de canção. 5. Bakhtin. I. Universidade de Franca. II. Título.

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ATA DE DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR MELISSA DE FIGUEIREDO SILVA, COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE NO PROGRAMA DE MESTRADO EM

LINGUÍSTICA.

Aos dez dias do mês de setembro de dois mil e vinte, reuniu-se, no(a) Bloco Cdi - Sala 51, a Comissão Julgadora designada pela Comissão da Unifran - Pós-Graduação, constituída pelos professores doutores: Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristovão (Orientadora), Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice (Titular),Profa. Dra. Luiza Bedê Barbosa (Titular), para examinar a candidata Melissa de Figueiredo Silva na prova da defesa de sua dissertação intitulada: ANÁLISE DIALÓGICA DE LETRAS DE MÚSICA DO GRUPO O TEATRO MÁGICO. A Presidente da Comissão Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristovão, iniciou os trabalhos às 14h, solicitando à candidata que apresentasse, resumidamente, os principais pontos do seu trabalho. Concluída a exposição, os examinadores arguiram alternadamente a candidata sobre diversos aspectos da pesquisa e da dissertação. Após a arguição, que terminou às 19h, a Comissão reuniu-se para avaliar o desempenho da candidata, tendo chegado ao seguinte resultado: Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristovão (APROVADA), Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice (APROVADA),Profa. Dra. Luiza Bedê Barbosa (APROVADA). Em vista deste resultado, a candidata Melissa de Figueiredo Silva foi consideradaAPROVADA, fazendo jus ao título de Mestre pelo programa de Mestrado em Linguística . Sendo verdade,

eu, Prof. Dr.Thercius Oliveira Tasso, Secretário de Pós-Graduação Stricto Sensu, confirmo e lavro a presente ata, que assino juntamente com os Membros da Banca Examinadora.

Franca, 10 de setembro de 2020.

Novo título (sugerido pela banca) :

PROFA. DRA. ASSUNÇÃO APARECIDA LAIA CRISTOVÃO

PROFA. DRA. CAMILA DE ARAÚJO BERALDO LUDOVICE

PROFA. DRA. LUIZA BEDÊ BARBOSA

Prof. Dr. Thercius Oliveira Tasso

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ANÁLISE DIALÓGICA DE LETRAS DE MÚSICA DO GRUPO O TEATRO

MÁGICO

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM

LINGUÍSTICA

Presidente: Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristóvão Universidade de Franca

Titular 1: Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice Universidade de Franca

Titular 2: Profa. Dra. Luiza Bedê Barbosa Centro Universitário Municipal de Franca

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DEDICO este trabalho aos meus pais, Eduardo e Genilza, por sempre me incentivarem a percorrer os caminhos do conhecimento. Aos meus filhos, Lorena e José Eduardo, razão de toda minha luta e persistência. A eles, todo o meu amor. Ao meu companheiro, Fernando, que sempre acreditou nos meus projetos e me ofereceu apoio incondicional.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço com todo o meu carinho à minha orientadora, Profa. Dra. Assunção Cristóvão, por todo o conhecimento compartilhado, pelas orientações, pelo carinho e cuidado com esta pesquisa. Sem o seu apoio, seu carinho e dedicação, esse caminho não teria sido trilhado.

À querida Profa. Dra. Luciana Garcia Manzano pelo apoio em um momento decisivo.

À querida Profa. Dra. Aline Manfrin, quem primeiramente me acolheu com muito carinho e despertou em mim o interesse por Mikhail Bakhtin.

À querida Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice, que esteve presente nas bancas de qualificação e defesa, contribuindo e enriquecendo essa pesquisa.

À querida Profa. Dra. Marilurdes Cruz Borges, que muito contribuiu com sua participação na banca de qualificação.

À Profa. Dra. Luiza Bedê Barbosa, que também contribuiu grandemente com seus apontamentos e reflexões na banca de defesa.

Ao querido e saudoso Prof. Dr. Juscelino Pernambuco (in memoriam), de quem me lembrarei com alegria e grande admiração.

A todos os professores do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade de Franca, pelo comprometimento com os ensinamentos, pelas reflexões e pela dedicação ao trabalho.

A todos os colegas que o mestrado me proporcionou encontrar e dialogar.

Aos meus gestores do SENAI e coordenadores da Unifran, que souberam me entender e sempre me incentivaram quando precisei me ausentar.

Aos amigos que se alegraram com cada conquista, que participaram de alguma forma, mesmo sendo a escuta quando necessário.

À querida dona Vanda, minha sogra, que com todo seu carinho e cuidado foi meu apoio, quando mais precisei.

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Aos meus amados filhos, José Eduardo e Lorena, pelo amor, por entenderem minha ausência em momentos tão importantes. Vocês são o meu alicerce, por quem me esforço todos os dias para ser cada vez melhor.

Ao meu companheiro, Fernando, que sempre acreditou no meu trabalho, nos meus projetos de vida e profissionais e me ofereceu apoio para que eu conseguisse concretizar cada um deles.

Aos meus alunos, a cada um de vocês, que passaram pela minha vida e permitiram a partilha entre nós.

A quem, mesmo distante, emanou as melhores energias para que eu pudesse concluir este trabalho, meu carinho e agradecimento.

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Nem toda palavra é, aquilo que o dicionário diz. Nem todo pedaço de pedra se parece com tijolo ou com pedra de giz [...] descobrir o verdadeiro sentido das coisas é querer saber demais, querer saber demais.

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RESUMO

FERNANDES, Melissa de Figueiredo Silva. O Teatro Mágico e suas perspectivas sociais em uma visão bakhtiniana. Orientadora: Profa. Dra. Assunção Aparecida Laia Cristóvão. 2020. 85 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca (UNIFRAN), Franca/SP.

O Teatro Mágico é um grupo musical criado em 2003 pelo músico, compositor e instrumentista Fernando Anitelli. A trupe, como também é conhecido o grupo, foi inspirada nos saraus e reúne várias expressões artísticas, como dança, circo, performances acrobáticas, poesia e literatura. Trouxe para o palco as vivências compartilhadas em encontros com diversos artistas que acreditaram na arte como forma de manifestação de ideias. O projeto, levando em consideração o redirecionamento da relação do público com a música, incorporou a ideia de música livre e, por consequência, a criação da sigla MPB (música para baixar). Este trabalho analisa três letras de canções do grupo musical O Teatro Mágico, que foram selecionadas em função de apresentarem, numa comparação com a totalidade de sua obra, características do grupo em dialogar com os campos político e social do Brasil nas últimas décadas. O objetivo central desta pesquisa é averiguar como as letras das músicas do grupo estabelecem relações dialógicas com o cenário social, político e econômico do país, a partir de conceitos criados pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin, já que uma das características das canções é a presença de enunciados com um teor crítico, irônico e reflexivo. Para compor o objeto de pesquisa, foram eleitas três canções, que carregam a característica de crítica social mencionada: O mérito e o monstro, Este mundo não vale o mundo e O sol e a peneira. Para isso, foram elencadas contribuições conceituais bakhtinianas como as de gênero do discurso, ideologia, intertextualidade e interdiscursividade e enunciado, categorias que se mostram essenciais para a análise das composições já que, para Bakhtin, as relações dialógicas podem estar presentes em uma única palavra, se levarmos em consideração que a palavra em si perpassa seu significado existente no dicionário. As letras foram analisadas, a partir de uma análise qualitativa, fazendo referência à teoria e a conceitos bakhtinianos, levando em consideração o contexto histórico de produção das canções. Observou-se, por meio das análises das letras das músicas, a importância da arte e da cultura, como forma de produção de enunciados que dialogam com questões de tamanha complexidade que estão presentes em nosso contexto social e político.

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ABSTRACT

FERNANDES, Melissa de Figueiredo Silva. Teatro Mágico and its social perspectives in a Bakhtinian view. 2020. 85 f. Dissertation (Master in Linguistics) - University of Franca (UNIFRAN), Franca/SP.

Teatro Mágico is a musical group that was created in 2003 by musician, composer and instrumentalist Fernando Anitelli. The troupe, as the group is also known, was inspired by soirees and brings together various artistic expressions, such as dance, circus, acrobatic performances, poetry and literature. It brought to the stage the experiences shared in meetings with several artists who believed in art as a way of manifesting ideas. The project, taking into account the redirection of the public's relationship with music, incorporated the idea of free music and, consequently, the creation of the acronym MPB (downloadable music). This work analyzes three song lyrics from the musical group O Teatro Mágico, which were selected due to their comparison with the totality of their work, presenting characteristics of the group in dialogue with the political and social fields of Brazil in recent decades. The main objective of this research is to find out how the lyrics of Teatro Mágico's music establish dialogical relations with the country's social, political and economic scenario, based on concepts created by the Russian philosopher Mikhail Bakhtin, since one of the characteristics of the songs is the presence of statements with a critical, ironic and reflective content. To compose the object of research, three songs were chosen, which carry the aforementioned social criticism characteristic: O mérito e o monstro, Este mundo não vale o mundo and O sol e a peneira. For this, Bakhtinian conceptual contributions were listed, such as those of discourse genre, ideology, intertextuality and interdiscursivity and enunciation, categories that are essential for the analysis of the compositions since, for Bakhtin, dialogical relations can be present in a single word, if we take into account that the word itself pervades its existing meaning in the dictionary. The lyrics were analyzed, through a qualitative analysis, making reference to the Bakhtinian theory and concepts, taking into account the historical context of the songs production. Through the analysis of the lyrics of the songs, the importance of art and culture was observed, as a way of producing statements that dialogue with issues of such complexity that are present in our social and political context.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa do CD Entrada para raros, de 2003 45

Figura 2 – Capa do CD Segundo Ato, de 2008 47

Figura 3 – Capa do CD A sociedade do espetáculo, de 2011 48

Figura 4 – Capa do CD Grão do corpo, de 2014 49

Figura 5 – Confronto entre polícia e manifestantes. 75

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INTRODUÇÃO ... 12

1 BAKHTIN: VIDA, OBRA E CONTRIBUIÇÕES ... 18

1.1 RELAÇÕES DIALÓGICAS, INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE ... 20

1.2 AUTORIA ... 26

1.3 ENUNCIADO/ENUNCIAÇÃO ... 27

1.4 IDEOLOGIA ... 31

1.5 GÊNEROS DO DISCURSO ... 32

2 O TEATRO MÁGICO E A NOVA CONFIGURAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA: UMA CULTURA DE RESISTÊNCIA ... 35

2.1 RECOMBINANDO ATOS: DOS SARAUS PARA O PALCO ... 44

3 SEM HORAS E SEM DORES, QUE NESSE MOMENTO QUE CADA UM SE ENCONTRA AQUI, UM POSSA SE ENCONTRAR NO OUTRO E O OUTRO NO UM. ANÁLISES DAS LETRAS DAS CANÇÕES. ... 53

3.1 O MÉRITO E O MONSTRO ... 55

3.2 ESSE MUNDO NÃO VALE O MUNDO ... 63

3.3 O SOL E A PENEIRA ... 71

CONCLUSÃO ... 79

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INTRODUÇÃO

As últimas décadas, após o fim da ditadura militar, trouxeram para o Brasil uma série de desafios e fases conturbadas nos aspectos político, social, econômico, educacional, entre outros. Nossa democracia tem sido motivo de questionamentos, como comenta Nicolau (2018): “Para nós brasileiros, essa é uma questão histórica que voltou a ser muito presente de 2013 para cá, período em que temos vivido com a sensação permanente de que algumas coisas estão fora do lugar no nosso sistema político”. Percebe-se, atualmente, uma ruptura da sociedade, na qual fica visível uma polarização e intolerância acentuadas quando o assunto é: classe social, identidade de gênero e até mesmo etnia. Tal situação pode ser verificada com mais ímpeto desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que divide opiniões entre especialistas políticos sobre o fato de ter sido ou não um golpe. Doravante esse fato, o Brasil vive momentos de instabilidade, intolerância e violência entre os grupos que foram desabrochando e se rebelando entre eles. Segundo Schwarcz (2019), existem vários movimentos autoritários em crescimento na atualidade, pautando-se em verdadeiras narrativas do Estado e baseando-se na lógica da polaridade. Surge, assim, um forte discurso do “eles” e do “nós”. Muitas instituições representativas da igreja, família e até as do campo político assumiram um posicionamento excludente no que se refere a ideias ou comportamentos ditos imorais no campo dos costumes. Em meio a todo esse caos, a arte, em sua pluralidade, tem se mostrado resistente e atuante, buscando restabelecer o caráter democrático verificado após a ditadura militar e conquistado com grande luta por parte de organizações políticas e estudantis.

Destaca-se, dentre esses artistas, o grupo musical o Teatro Mágico, que é um projeto idealizado e criado em 2003 pelo músico, compositor e instrumentista Fernando Anitelli, conhecido como artista militante, que traduz em seu trabalho letras de cunho político e social, sugerindo assim debates dos mais variados temas em suas canções. Inspirado nos saraus, o grupo é a junção de várias performances no palco, várias vozes e modalidades artísticas e culturais.

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O nome da trupe, como também é conhecida a banda, por apresentar performances acrobáticas e circenses, apresenta uma intertextualidade com o livro O Lobo da Estepe, do escritor Hermann Hesse (2019). Em sua obra, Hesse retrata o Teatro Mágico, um lugar afastado da sociedade e um tanto quanto misterioso. O livro também inspirou o nome do primeiro álbum da banda, Entrada para raros.

Fernando Eduardo Silva Anitelli, filho de professores, nasceu em Presidente Prudente em 1975 e ainda criança mudou-se para Osasco. Cresceu nesse universo da arte, pois sua mãe constantemente levava para casa materiais artísticos para preparar atividades para os alunos, e seu pai, que sonhava ser baterista, já tinha contato com a música. Nos tempos da faculdade, montou uma banda chamada Madalena 19, um trio de música brasileira. Procurou uma gravadora, que pediu que reformulassem suas canções, aos moldes da empresa. Como não era essa a essência da banda, as alterações não foram feitas e a banda ficou por dois anos vinculada à gravadora, sem poder fazer contato com outras empresas. Seu pai e seu irmão caçula, Gustavo Anitelli, que acreditavam na liberdade musical, convenceram Fernando de que a música precisa ser livre, como um passarinho, precisa do ar para respirar. Foi assim que suas canções foram para a internet em uma época que as redes sociais estavam no início de sua criação.

Em 2003, surge então o grupo Teatro Mágico, com o intuito de reunir no palco música, dança, circo, teatro, poesia, todas as performances em um único lugar. A discografia da trupe é composta por seis álbuns, que se faz saber: Entrada para raros (2003), Segundo ato (2008), Sociedade do espetáculo (2011), Recombinando atos (2013), Grão do corpo (2014) e por fim, Allehop (2016). Suas canções versam sobre poesia, política, igualdade e combate a questões como machismo, homofobia, racismo e qualquer manifestação de preconceito. É na análise de algumas composições do grupo que esta dissertação se debruça.

O objetivo central da pesquisa é verificar de que maneira as canções selecionadas para a composição do corpus dialogam com atual cenário brasileiro a partir das reflexões do filósofo russo Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudos. A análise vai considerar, principalmente, as relações dialógicas estabelecidas nas canções com o contexto político e social brasileiro da nossa época. Para Bakhtin (2011), “todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”, e essa linguagem se manifesta das mais variadas formas, tanto no campo da vida quanto no campo artístico.

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Para isso, serão elencadas contribuições conceituais bakhtinianas como as de dialogismo, gênero do discurso, ideologia, e enunciado, categoriais que se mostram essenciais para a análise das composições. Pretende-se recorrer também aos conceitos de intertextualidade e interdiscursividade, levando-se em consideração que o primeiro termo não aparece na obra do filósofo russo, mas foi desenvolvido na França a partir das leituras de Bakhtin e com grande aproveitamento principalmente no campo educacional.

O recorte do objeto de pesquisa é composto pelas seguintes canções: O mérito e o monstro, composição de Fernando Anitelli, do álbum Segundo Ato (2008); Esse mundo não vale o mundo, composição de Fernando Anitelli e Gustavo Anitelli, do álbum Sociedade do espetáculo (2011), e O sol e a peneira, composição de Daniel Santiago e Fernando Anitelli, do álbum Grão do corpo (2014).

Essas escolhas se deram em função de as letras apresentarem, numa comparação com a totalidade de sua obra, um universo representativo das questões que ocupavam o universo do brasileiro na mídia e nas redes sociais. No entender dessa pesquisadora, eram as composições que melhor representam a característica do grupo em dialogar com os campos político e social do Brasil nas últimas décadas. O trabalho utiliza uma análise qualitativa que, por ser aderente às reflexões bakhtinianas, considera o homem como parte de um todo dialógico, composto por ecos de vozes que o precederam e que o sucederão. Nesse aspecto, busca-se uma análise que tenha como limite o próprio homem, uma vez que, no dizer de Bakhtin, “A interpretação das estruturas simbólicas tem de entranhar-se na infinitude dos sentidos simbólicos, razão por que não pode vir a ser científica na acepção de índole científica das ciências exatas” (BAKTHIN, 2006, p. 399). A análise das composições será feita levando-se em conta os conceitos já elencados da teoria bakhtiniana sempre considerando-se a sua relação com condições concretas de expressão, suas interações, as peculiaridades desse gênero discursivo e, como já dito, o diálogo dos sentidos manifestos pelas canções em relação a um contexto mais amplo.

Nesse sentido, o Capítulo I fará uma abordagem dos principais conceitos bakhtinianos utilizados para a análise, entre eles os de gênero do discurso, ideologia, autoria e enunciado, lembrando que todos estão fundados na concepção basilar do pensamento bakhtininano, o dialogismo.

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Entende-se por dialogismo, um dos conceitos mais importantes da obra de Mikhail Bakhtin, as relações de sentido que são estabelecidas entre dois enunciados. Para o filósofo, não são as unidades da língua que são dialógicas. Essas unidades são os sons, palavras e orações que, por sinal, podem ser repetidas inúmeras vezes. Já os enunciados, esses sim, são dialógicos. Eles produzem sentido e são as unidades reais de comunicação.

Outro conceito importante para a realização das análises propostas é o de gênero do discurso, dando ênfase no gênero letra de música. Para Bakhtin (2011), nós apenas nos comunicamos, escrevemos e falamos através dos gêneros do discurso. Sendo assim, os gêneros são os conjuntos de textos que possuem traços comuns, mas que, numa característica apenas aparentemente paradoxal, também apresentam instabilidades. Os gêneros são entendidos por Bakhtin como tipos de enunciados relativamente estáveis. Vale ressaltar nesta pesquisa o gênero letra de música, como já dito anteriormente. A música está presente no cotidiano da sociedade e tem a capacidade de proporcionar diversas manifestações sociais, de forma implícita ou explicita. A letra de música, além de ser um meio de produção cultural, é instrumento de manifestação ideológica e social. Ela produz, como poderá ser observado nesta pesquisa, diálogos com as mais complexas esferas da sociedade.

O próximo conceito que será utilizado para a realização da análise é a ideologia, conceito é bastante relevante para o Círculo. Para Volóchinov,

Qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social – seja ele um corpo físico, um instrumento de produção ou um produto de consumo – mas também, ao contrário desses fenômenos, reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. (VOLÓCHINOV, 2017, p. 91).

Tudo o que é ideológico é um signo e sem signo não há ideologia. Portanto, a compreensão de um signo depende de outro, formando assim uma cadeia de criatividade única e individual que está impregnada de ideologia. Isso acontece através de interações sociais em um determinado tempo. Dessa forma, os enunciados produzidos são ideológicos.

O capítulo II desta dissertação tratará de contextualizar o percurso da banda Teatro Mágico, com o objetivo de aclarar os sentidos que são expressos nas canções analisadas. Entender o contexto histórico e social em que as canções foram produzidas foi essencial para alcançar o objetivo proposto.

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O grupo, que nasceu como um projeto independente em 2003, se tornou um símbolo de arte, cultura e resistência. O Teatro Mágico representa, no atual cenário musical, uma nova forma de fazer arte, pois defende a música independente e gratuita. Suas produções são disponibilizadas na internet para que possam ser acessadas e baixadas gratuitamente. Mesclando música, performances circenses e teatrais, teatro de rua, palavra poética, signos ciganos, indígenas e afro-brasileiros, o grupo propõe diálogos fecundos produzindo enunciados reflexivos sobre o contexto político e social do país. Suas composições dialogam com diversas produções culturais dentre as quais destacam-se política, religião, música, teatro, literatura e filosofia e ainda são verdadeiras produções literárias em razão de sua familiaridade com a palavra poética.

O capítulo III será dedicado à análise das letras das canções a partir dos conceitos já mencionados. As letras escolhidas pertencem aos álbuns produzidos entre os anos de 2008 a 2014. A primeira letra a ser analisada é O mérito e o monstro (2008), que dialoga com a situação do transporte público das grandes capitais e as condições de trabalho exercidas pelo cidadão para suprir suas necessidades básicas. É possível perceber uma crítica ao sistema capitalista de produção em massa e ver na canção aspectos tratados no filme Tempos modernos (1936) que deixa claro um modo mecanizado de trabalho. Também é evidenciada a intertextualidade com o filme O médico e o monstro, que retrata a situação de um médico que, para comprovar sua tese que o bem e o mal coexistem dentro de cada indivíduo, bebe sua fórmula e passa a conviver com um monstro interior. É possível que a produção da canção mantenha relação com os trabalhadores da cidade de São Paulo.

Esse mundo não vale o mundo, que também foi analisada nesta dissertação, está presente no álbum A sociedade do espetáculo, o terceiro da banda. O trabalho sofre influências diretas da obra A Sociedade do Espetáculo, do filosofo francês Guy Debord, que traz em seu ensaio diversas reflexões acerca da espetacularização da vida em sociedade e a crítica da aparência alienada da realidade na sociedade contemporânea. As produções do grupo reúnem uma pluralidade de influências que vão desde a crítica à cultura de massa e à mercantilização da arte, à preocupação com questões sociais e com as práticas da indústria cultural, além de estarem repletas de construções identitárias, estabelecendo diálogo aberto com discursos produzidos pela cultura popular, literatura, poesia e vida social. Sabe-se que os discursos materializam-se sob a forma de textos, os quais podem ser imagéticos,

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escritos ou orais, sendo produções de sentidos realizados por sujeitos históricos. Neste sentido, nas letras de músicas em análises, materializam-se discursos que delimitam um dado posicionamento em razão de uma ideologia demarcada pela disseminação da cultura de resistência.

A terceira e última letra analisada, O sol e a peneira, aborda temas socias como manifestações, justiça e repressão por parte do Estado, assassinato da juventude da periferia pela polícia e retoma o conceito de espetacularização da vida e da sociedade através da imagem, conceito tratado pelo filósofo Guy Debord na letra anterior. A produção desse álbum ocorreu em um período delicado do Brasil, quando a onda de protestos em 2013 invadiu o país contra o aumento de 0,20 centavos na tarifa do transporte público.

Diversos questionamentos são e foram feitos pelos fãs ao longo da trajetória da banda com relação às mudanças em cada trabalho. Sobre isso, Anitelli afirma que cada álbum tem uma ideia, uma proposta nova, uma mensagem para passar. Em cada álbum é uma trupe, com músicos diferentes. Cada álbum tem uma personalidade, mas sempre encarando a arte como manifestação de cultura de resistência.

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1 BAKHTIN: VIDA, OBRA E CONTRIBUIÇÕES

O filósofo russo Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895 – 1975) nasceu em Oriol, pequena cidade ao sul de Moscou. Mudou-se com a família aos 9 anos para Vilna, onde teve contato com diversos idiomas. Sua família fazia parte da aristocracia russa. Seus pais e avós, eram pessoas abastadas, possuíam grandes quantidades de terras e escravos. Tinham uma produção agrícola grandiosa e ainda eram donos de casa bancária, recolhendo dinheiro e aplicando a juros. Bakhtin viveu do lado da sociedade que explorava as pessoas. Sua família vivia no topo da pirâmide social.

Em sua formação, carregou uma bagagem cultural e intelectual privilegiada pois, ainda criança, seu pai contratou uma governanta para lhe dar aulas, uma filósofa alemã que lhe impunha fazer as leituras em alemão. Formou-se em História e Filologia na Universidade de San Petesburgo. Atuou como professor em Nevel, Vitesbk, Kustanai, Savelovo e Saransk onde, em 1945, passou a coordenar o Departamento de Estudos Literários do Instituto Pedagógico de Saransk, que em 1957 transforma-se na Universidade Estadual da Mordóvia. Atuou como coordenador do curso até se aposentar, por volta de 1960.

Durante o período de 1918 a 1920, Bakhtin relaciona-se com alguns estudiosos e constitui um círculo de amigos que mais tarde será intitulado como Círculo de Bakhtin. Fizeram parte do Círculo: o filósofo Matvei Issaévitch Kagan, Valentin Nikolaévitch Voloshinov e Pável Nikolaévitch Medvedev, entre outros. Seus trabalhos foram desenvolvidos principalmente nos anos de 1919 e 1929 quando foi preso e, a partir daí, o círculo se dispersa. Alguns deles morreram, foram assassinados e Bakhtin é exilado no Cazaquistão, onde ficou por aproximadamente seis anos. Após sair do exílio não lhe agradou a falsa sensação de liberdade e ele decide se auto exilar para continuar o trabalho que exerceria por mais aproximadamente dois anos. Trabalhava em uma cooperativa de produção agrícola, como uma espécie de contador.

Bakhtin, viveu uma vida muito difícil. Foi proibido de viver em Moscou, por ser condenado político. Tinha uma osteomielite na perna, profunda e dolorida e

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ainda assim, em meio a toda essa dificuldade, foi construindo um modo de pensar totalmente novo e revolucionário, tendo revolucionado a filosofia. Essa revolução filosófica acontece quando tira o eu do centro das reflexões, fazendo assim um deslocamento, ou seja, ele dizia que o centro para pensar a filosofia não é o eu e sim esse eu deslocado. Para isso, precisou pensar e construir um segundo eixo de valor. Foi então que repensou esse eu, que há mais de trezentos anos era visto como tema central embasando toda a filosofia e anulando as diferenças. Esse segundo eixo e valor é o outro, em que um não anulava o outro. Existia agora dois eixos de valores, em uma relação eu e outro, sendo o outro justamente quem constituía esse eu.

Bakhtin viveu uma vida pautada na simplicidade, na humanidade e sem interesse em ostentar cargos significativos. Seu trabalho, na época, não obteve reconhecimento dos intelectuais mais renomados, mas suas reflexões frequentes fizeram dele um dos pensadores mais reconhecidos do século XX. Tendo produzido conceitos relevantes para os estudos da linguagem humana, é um dos teóricos de maior relevância para os estudos linguísticos.

Na atualidade muito se comenta sobre o filósofo por suas contribuições que têm sido bastante utilizadas como arcabouço teórico na rede regular de ensino, nos níveis fundamental e médio e em pesquisas de várias áreas do conhecimento.

Sabe-se que a obra de Bakhtin e seu círculo de estudos apresenta certa complexidade, por vários motivos: muitos de seus textos estavam inacabados; sua obra chegou ao Ocidente de forma não cronológica; e, por conta de questões políticas da União Soviética na década de 1920, essa obra mantém, até nossos dias, uma polêmica sobre a autoria dos escritos do Círculo.

Entre as várias contribuições teóricas do filósofo, encontra-se o conceito de relações dialógicas, ou dialogismo, que será utilizado como eixo condutor desta pesquisa. Essa base teórica do dialogismo teve um forte impacto nas pesquisas em todo o mundo e deu origem a outros conceitos, como os de intertextualidade e de heterogeneidade. Esses conceitos serão tratados aqui brevemente, mas o de intertextualidade, que teve uma forte adesão no Brasil, em especial no campo do ensino, será também utilizado para a análise das letras, que fazem muito uso do recurso de incorporação de outros textos. Também serão utilizados os conceitos de gêneros do discurso, ideologia e enunciado/enunciação. Acredita-se que esses conceitos darão conta de responder ao objetivo principal da pesquisa, uma vez que se procura estabelecer um diálogo entre as composições do grupo e a dinâmica social

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e política brasileira dos últimos anos. Assim, o conceito de gênero discursivo é importante para que se estabeleça um enquadramento das músicas do grupo Teatro Mágico nas categorias de estilo, configuração formal e conteúdo temático. A categoria de enunciado revela como cada canção se configura como um elo concreto e dialógico com a configuração sociopolítica atual.

1.1 RELAÇÕES DIALÓGICAS, INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE

Sabe-se que a linguagem não é uma substância atemporal, pelo contrário, ela está ligada ao tempo, ao espaço e ao meio social que o sujeito ocupa na sociedade. A palavra, por si só, não estabelece sentido. A manifestação desses sentidos se dará a partir do momento em que dela o homem se apropria a partir da inter-relação com a palavra do outro, estabelecendo assim relações dialógicas. Para Bakhtin, a linguagem é um produto vivo da interação social.

[...] Dois enunciados distantes um do outro, tanto no tempo quanto no espaço que nada sabem um do outro, no confronto dos sentidos revelam relações dialógicas se entre eles há ao menos alguma convergência de sentidos (ainda que seja uma identidade particular do tema, do ponto de vista, etc.). (BAKHTIN, 2011, p. 331).

As unidades da língua, ou seja, uma palavra por si só, destituída do seu contexto, não tem um acabamento que permita uma réplica, enquanto que um enunciado, quando pronunciado, carrega sentido, há um acabamento. Segundo Fiorin (2017, p. 26) as unidades da língua não são dirigidas a ninguém, enquanto que os enunciados têm um destinatário. Sendo assim, para apreender o conceito de enunciado, não basta saber o significado das palavras, pois as palavras por si só não estabelecem relações dialógicas. É preciso conhecer o cenário histórico, o contexto no qual tal enunciado ou diálogo está sendo produzido para que haja o estabelecimento da relação dialógica. Dessa forma, como afirma Fiorin (2017, p. 27), todo enunciado é dialógico. Sendo assim, é certo que as canções do grupo estabelecem relações dialógicas com o cenário político e sócio econômico do Brasil, e o objetivo deste trabalho é justamente revelar quais são e com quais setores

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Em relação ao conceito de relações dialógicas, vale lembrar que o termo diálogo, como unidade real da linguagem, conforme o concebe Bakhtin, ou seja, como dado oriundo da experiência, no sentido em que é empregado no mundo cotidiano, no “mundo da vida”, é o ponto de partida para o desenvolvimento do conceito de dialogismo, que será o eixo organizador do projeto de linguagem desenvolvido pelo filósofo russo e seu círculo de estudos.

Para Renata Marchezan, no capítulo “Diálogo” da obra “Bakhtin – outros conceitos-chave”, de Beth Brait,

o diálogo não é [...] somente uma metáfora na reflexão, resultado da transferência de um termo de um domínio semântico a outro que, não sendo o seu habitual, nele se destaca e atua. Trata-se de considerar, conjuntamente, os diálogos no sentido mais estrito do termo e os diálogos no sentido amplo de condição dialógica da linguagem. (MARCHEZAN, 2018, p. 119).

Para Bakhtin, qualquer que seja a esfera de análise, restrita à interação face a face, do campo da comunicação, ou ao seu sentido mais amplo, a linguagem é sempre e constitutivamente dialógica, no sentido de incluir o homem, o outro, e se fundamentar justamente na não coincidência entre o eu e o outro.

Segundo Caryl Emerson,

o dialogismo usa a linguagem, mas a ‘filosofia primeira’ que lhe subjaz não é (no sentido usual do termo) linguística. Ele se apoia numa lógica interativa que tensiona as palavras ao limite – incentivando-as a adquirir entonação, carne e contornos de uma completa visão de mundo. (EMERSON, 2003, p. 200).

Está, portanto, sob o domínio da filosofia da linguagem.

Assim, toda palavra, toda enunciação, é sempre ideológica, em dois sentidos: se materializa dentro de uma ideologia, no interior de uma das áreas da atividade intelectual humana (ciência, filosofia, direito, religião, ética, política, etc.) e expressa sempre uma posição valorativa, no sentido de que não há enunciado neutro. Ainda, para o Círculo de Bakhtin, toda criação ideológica é social e histórica, possui materialidade e, portanto, só pode ser estudada a partir da sua concretização material semioticamente mediada pela linguagem. As vozes sociais, então, fazem parte de uma cadeia ininterrupta da qual não se enxerga o início e o fim: ao mesmo tempo em que respondem ao “já dito”, provocam outras respostas – de

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adesão, negação, consentimento, etc. O universo da linguagem, na vida e na cultura é, então, constitutivamente dialógico.

Em “O discurso no romance”, Bakhtin (1998) vai afirmar que todo dizer

não pode deixar de se orientar para o “já dito”, que todo dizer é orientado para a resposta e que todo dizer é internamente dialogizado, de forma clara, destacada no enunciado, ou de forma mais ou menos velada.

A noção de dialogismo, ou de relações dialógicas, que perpassa a obra do Círculo de Bakhtin desde a década de 1920, terá um profundo impacto nos estudos da área da linguagem em todo o mundo e, a título de ilustração, é importante citar alguns exemplos na recepção na obra do filósofo russo, em especial da sua teoria dialógica. Na França, por exemplo, seu trabalho foi retomado pela analista do discurso Jacqueline Authier-Revuz na década de 1960. Authier-Revuz (1982) vai chamar a presença do outro no discurso de heterogeneidades enunciativas, constitutiva e mostrada (sendo estas marcadas ou não marcadas).

A heterogeneidade mostrada seria uma espécie de negociação do falante com a heterogeneidade constitutiva do seu discurso, aquela que não se encontra na superfície do enunciado. Ou seja, Authier-Revuz considera a existência de dois tipos de enunciados: aqueles que mostram a heterogeneidade, com marcas explicitas, e aqueles cujas marcas não são mostradas. Como exemplo de heterogeneidade mostrada e marcada, temos as glosas enunciativas, o discurso relatado (formas sintáticas do discurso direto e do discurso indireto), as aspas. Como exemplo de heterogeneidade mostrada, mas não marcada, temos a ironia, o discurso indireto livre, etc., que contam com o “outro dizer”, sem explicitá-lo, para produzir sentidos.

Authier-Revuz leva o conceito de dialogismo, ou relações dialógicas, para o domínio da linguística e organiza, sistematiza, esquematiza o conceito, em heterogeneidades enunciativas, constitutiva e mostrada (sendo a última marcada ou não marcada). Ela não está preocupada, por exemplo, com a questão de que é por meio do diálogo entre eu/outro, por meio do diálogo entre consciências, que o próprio sujeito se constitui.

Apesar de se considerar que a noção de dialogismo bakhtiniana é ampla o suficiente para dar conta da nossa análise, trazemos aqui o desenvolvimento conceitual de Authier-Revuz a partir do pensamento bakhtiniano a fim de mostrar o

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quanto as ideias do filósofo russo foram produtivas para o desenvolvimento de novas concepções teóricas, que se desenvolveram na Europa e atingiram o Brasil.

Entre as diversas formas de se analisar o conceito de dialogismo presente nas obras do Círculo de Bakhtin destaca-se no Brasil a de José Luiz Fiorin, no texto “Introdução ao pensamento de Bakhtin”. Para ele, as relações dialógicas “são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados” (2017, p. 22).

O termo enunciado, entretanto, para Bakhtin, deve se distinguir de oração, “enquanto unidade da língua é desprovida da capacidade de determinar imediata e ativamente a posição responsiva do falante. Só depois de tornar-se um enunciado pleno, uma oração particular adquire essa capacidade” (2011, p. 287). Ou seja, uma oração ou palavra da língua está restrita ao seu significado de dicionário. Seu sentido está condicionado a um contexto que lhe dá significado. É esse significado que dará ao interlocutor a atitude responsiva.

Fiorin (2017, p. 23) avalia as distinções das unidades da língua da seguinte maneira:

As unidades da língua são os sons, as palavras e as orações, enquanto os enunciados são as unidades reais de comunicação. As primeiras são repetíveis. Com efeito, um som como /p/, uma palavra como “irmão”, uma oração como “É preciso ser forte” são repetidos milhares e milhares de vezes. No entanto, os enunciados são irrepetíveis, uma vez que são acontecimentos únicos, cada vez tendo um acento, uma apreciação, uma entonação próprios.

Para Bakhtin, “o enunciado não está ligado apenas aos elos precedentes, mas também aos subsequentes da comunicação discursiva.” (2011, p. 301). Diz também: “Quando o enunciado é criado por um falante, tais elos ainda não existem. Desde o início, porém, o enunciado se constrói levando em conta as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é criado” (2011, p. 301).

O enunciado, então, pode ser considerado um fato material; uma unidade da comunicação verbal, isto é, uma manifestação única que está vinculada a uma unidade de gênero; apresenta um acabamento; é irreproduzível; e possui um autor e um destinatário.

A partir desse entendimento de enunciado, Fiorin organiza três conceitos de dialogismo a partir de sua leitura da obra do círculo de Bakhtin:

1) O primeiro deles refere-se à característica de que toda linguagem é dialógica, pois o dialogismo é o princípio constitutivo do enunciado. Todo enunciado constitui-se a partir de outros que o precedem.

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Fiorin lembra que as vozes constitutivas do enunciado são sociais, mas também individuais, portanto, todos os fenômenos presentes na comunicação real podem ser analisados levando-se em conta as relações dialógicas que os constituem. Deve-se levar em conta, aqui, que Bakhtin entende o posicionamento individual como fruto das relações sociais dos homens, e que toda resposta se dá não apenas ao interlocutor imediato, mas também a um superdestinatário, representante das ideologias nas quais o indivíduo está inserido. “O primeiro conceito de dialogismo diz respeito, pois, ao modo de funcionamento real da linguagem: todos os enunciados constituem-se a partir de outros”, assinala Fiorin (2017, p. 34).

2) O segundo conceito de dialogismo trata da incorporação da voz do outro no enunciado, de modo a se manifestar como uma forma composicional. Fiorin cita, como exemplos, os discursos direto e indireto, as aspas, a negação, o discurso indireto livre, a polêmica clara, a polêmica velada, a paródia e a estilização, numa gradação que vai da maior para a menor demarcação do discurso do outro. 3) O terceiro conceito de dialogismo está mais relacionado à

constituição do sujeito. Para Bakhtin, o dialogismo seria o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação, sempre a partir de sua relação com o outro, assimilando vozes históricas e sociais sem, no entanto, ser totalmente definido por elas nem totalmente livre de suas influências. O mundo interior seria composto, então, a partir da heterogeneidade dialógica das vozes sociais.

Diferentemente de Authier-Revuz, que está mais preocupada com a questão linguística, Fiorin, ao distinguir três conceituações de dialogismo, inclui também este último sentido, importante para a própria concepção de sujeito na obra do Círculo, como mostra, por exemplo, o trecho que segue, do próprio Bakhtin:

Eu tomo consciência de mim e me torno eu mesmo unicamente me revelando para o outro, através do outro e com o auxílio do outro. (...) Não se trata do que ocorre dentro, mas na fronteira entre a minha consciência e a consciência do outro, no limiar. (BAKHTIN, 2011, p. 341).

Essa concepção dialógica de linguagem explica, para Bakhtin, a própria constituição da consciência e, diríamos nós, da identidade. Coloca-se, assim, como eixo central a relação eu/outro, que, ao ser uma relação estabelecida com a

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linguagem, o eixo central passa a ser também a relação entre enunciados, entre textos.

Os diferentes contextos em que essa concepção dialógica da linguagem foi recebida propiciaram a formulação de outros dois conceitos além do de heterogeneidade: intertextualidade e interdiscursividade.

Conforme lembra Fiorin, em seu livro “Introdução ao Pensamento de Bakhtin” (2017, p. 57), o termo intertextualidade não aparece na obra de Bakhtin, que chega a citar, no máximo, uma relação entre textos. Ele foi apresentado por Kristeva, na França, em 1967, numa publicação da revista Critique.

Como Kristeva vai chamar texto aquilo que Bakhtin denominou enunciado, a semioticista acaba por designar por intertextualidade aquilo que Bakhtin denominou dialogismo. As ideias de Kristeva são bastante difundidas e essa maneira de receber o dialogismo se alastra no campo da Educação e da pesquisa. Como no contexto histórico predominavam as ideias estruturalistas, a noção de dialogismo foi lida e aproveitada em uma perspectiva estrutural.

Fiorin alerta entretanto que, para Bakhtin, há uma distinção entre texto e enunciado.

O enunciado é uma posição assumida por um enunciador, é um sentido. O texto é a manifestação do enunciado, é uma realidade imediata, dotada da materialidade que advém do fato de ser um conjunto de signos. O enunciado é da ordem do sentido; o texto, do domínio da manifestação (FIORIN, 2017, p. 57).

A distinção entre os termos intertextualidade e interdiscursividade se dá, então, da seguinte forma: o primeiro representa a relação entre textos e o segundo entre discursos, ou entre enunciados, o que coloca em pauta a necessidade de distinguir esses termos.

Bakhtin (2011) propõe que a unidade de estudo da linguagem seja o enunciado, unidade concreta de uso linguístico, com autor, situação concreta de produção, valores ideológicos. O enunciado é evento dialógico, pois se configura como resposta a enunciados já-ditos e como projeção da compreensão responsiva dos interlocutores, imediatos ou não. O que o delimita não são seus aspectos formais, porque seu “acabamento” se dá na passagem da palavra ao outro – trata-se de um “acabamento” provisório já que instaura, por sua vez, nova situação enunciativa.

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A produção de discursos não acontece no vazio. Ao contrário, todo discurso se relaciona, de alguma forma, com os que já foram produzidos. Nesse sentido, os textos, como resultantes da atividade discursiva, estão em constante e contínua relação uns com os outros. A esta relação entre o texto produzido e os outros textos é que se tem chamado intertextualidade.

O princípio do dialogismo que permeia as obras do Círculo pode ser considerado um divisor de águas nos estudos linguísticos. O conceito vai elucidar que, sem ao menos dois centros de valor, o sentido não se instaura, e que esse sentido não é promovido apenas por dois homens naquilo que possuem de individual, subjetivo, mas na relação concreta de enunciados, sempre únicos porém sempre repetíveis, no sentido de que fazem parte de uma infindável cadeia de comunicação verbal.

1.2 AUTORIA

Outro conceito importante para o pensamento bakhtiniano e para a análise de nosso objeto de pesquisa é o de autoria. Segundo Cristóvão (2012, p. 42), Bakhtin trabalhou com a questão de autoria em praticamente todos os seus trabalhos, principalmente pela perspectiva da literatura, já que o filósofo da linguagem dedicou uma grande parte de sua obra ao gênero romanesco. Bakhtin vai tratar do autor-criador de uma personagem, neste caso, o herói, em suas próprias palavras.

Ao discutir a questão da autoria, Bakhtin vai, então, distinguir o autor-pessoa, na figura do autor da obra, o escritor, e o autor-criador, ou seja, aquele que exerce a função “estético-formal engendradora”. Para o autor russo, “o autor-criador é um momento constitutivo da forma artística” (BAKHTIN, 2010, p. 58).

Para o filósofo a forma é:

[...] a expressão da relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe (co-criador da forma) com o conteúdo; todos os momentos da obra, nos quais podemos sentir a nossa presença, a nossa atividade relacionada axiologicamente com o conteúdo, e que são superados na sua materialidade por essa atividade, devem ser relacionados com a forma. (BAKHTIN, 2010, p. 59).

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Assim, ao transpor para o plano estético elementos da vida cotidiana, que passarão de um para o outro nível, eles se transformarão na voz do autor, assim como esse autor se transformará da ordem de pessoa para criador.

A estrutura totalmente nova da imagem do homem é a consciência do outro, rica em conteúdo, plenivalente, não inserida na moldura que conclui a realidade, consciência essa que não pode ser concluída por nada (nem pela morte), pois o seu sentido não pode ser solucionado ou abolido pela realidade (matar não significa refutar). Essa consciência do outro não se insere na moldura da consciência do autor, revela-se de dentro como uma consciência situada fora e ao lado, com a qual o autor entra em relações dialógicas. (...) O nosso ponto de vista não afirma, em hipótese alguma, uma certa passividade do autor, que apenas monta os pontos de vista alheios, as verdades alheias, renunciando inteiramente ao seu ponto de vista, à sua verdade. A questão não está aí, de maneira nenhuma, mas na relação de reciprocidade inteiramente nova e especial entre a minha verdade e a verdade do outro. O autor é profundamente ativo, mas o seu ativismo tem um caráter dialógico especial. (BAKHTIN, 2011, p. 338-339).

Como se vê pela citação, a reflexão filosófica de Bakhtin não se restringe à literatura, mas compreende as posições autorais como um todo e, mais ainda, compreende a própria concepção bakhtiniana de sujeito, considerado sempre na relação eu/outro, entendida como uma relação dialógica. Bakhtin enfatiza a relação eu/outro, necessária não somente na criação artística, mas também na própria constituição da consciência que se realiza sempre por meio da linguagem, ou seja, enfatiza-se, assim, que o sujeito bakhtiniano se constitui socialmente, na relação com o outro. “O sentido é personalista; nele há sempre uma pergunta, um apelo e uma antecipação da resposta, nele sempre há dois (como mínimo dialógico)” (BAKHTIN, 2011, p. 410).

Para Bakhtin, portanto, o autor não é a única e autêntica origem do texto. A autoria se exerce na relação com o outro, em outras palavras na relação com os enunciados do outro. A autoria, portanto, é constituída na relação do autor com os textos de sua cultura.

1.3 ENUNCIADO/ENUNCIAÇÃO

As atividades humanas estão organizadas em linguagem e é a esta que organiza e dá forma a tais atividades. É preciso também reforçar que língua não é

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algo estático, imóvel, fixado em regras gramaticais. A língua está em constante movimento e acompanha o desenvolvimento da vida social. Sobre essa mutação, Volóchínov (2013) vai dizer que:

Antes de tudo, devemos recordar que a língua não é algo imóvel, dada de uma vez para sempre e rigidamente fixada em “regras” e “exceções” gramaticais. A língua não é de modo algum um produto morto, petrificado, da vida social: ela se move continuamente e seu desenvolvimento segue aquele da vida social. Este movimento progressivo da língua se realiza no processo de relação entre homem e homem, uma relação não só produtiva, mas também verbal. Na comunicação verbal, que é um dos aspectos do mais amplo intercâmbio comunicativo – o social –, elaboram-se os mais diversos tipos de enunciações, correspondentes aos diversos tipos de intercâmbio comunicativo social (VOLÓCHÍNOV, 2013, p. 157).

Para Bakhtin, a linguagem é um produto vivo da interação social. A fala está constituída do eu e do outro e, sendo assim, a linguagem se constrói dentro de relações de interação.

As relações dialógicas são relações (semânticas) entre toda espécie de enunciados na comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam, se confrontados em um plano de sentido (não como objetos e não como exemplos linguísticos), acabam em relação dialógica (BAKHTIN, 2006, p. 323).

Em todo enunciado cabe ressaltar que há um começo e um fim. Antes de seu início ele traz outros enunciados, outras vozes e, no final haverá enunciados posteriores, enunciados-resposta. Dessa forma, percebemos na linguagem humana duas faces. Entende-se que, para que aconteça, é necessário que exista um falante e um ouvinte. Porém esse conceito é amplamente usado em várias áreas dos estudos linguísticos e apresenta uma ampla diversidade de sentidos e significados. Não trataremos aqui de fazer distinção entre os termos utilizados em cada teoria, nem contrapor ideias, e sim entender o funcionamento do conceito no estudo da linguagem. Apesar disso, é importante reforçar que o Círculo de Bakhtin não fazia distinção entre os termos enunciado e enunciação. O que ocorre é que Bakhtin vai diferenciar enunciado e oração, como explica Cristóvão (2012, p. 35): “[...] o enunciado, para ele, teria uma delimitação precisa, que é a alternância dos sujeitos do discurso. É o princípio do dialogismo”.

Sobre as noções de enunciado/enunciação, Brait (2017) afirma que os conceitos apresentam papel essencial na concepção de linguagem, uma vez que sabe-se que a mesma é concebida a partir de um ponto de vista histórico, cultural e

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social e que de fato inclui a comunicação em uso e os sujeitos e discursos que nela foram envolvidos. Para a autora:

As noções enunciado/enunciação têm papel central na concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compressão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos. (BRAIT, 2017, p. 65).

As palavras de uma língua fora do seu uso não pertencem a ninguém, são apenas palavras. No momento em que o indivíduo delas se aproxima, se apropria como falante, passam a ter expressão individual, fazendo parte de um contexto particular do enunciado.

Os significados lexicográficos neutros das palavras da língua asseguram para ela a identidade e a compreensão mútua de todos os seus falantes, contudo o emprego das palavras na comunicação discursiva viva sempre é de índole individual-contextual. Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra, porque, uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão (BAKHTIN, 2018, p. 294).

Para entender o que distingue a unidade da língua do enunciado é importante pensar que as palavras podem ser ditas e repetidas inúmeras vezes por qualquer falante, em qualquer época. Já o enunciado é a réplica de um diálogo, é irrepetível e sempre que é produzido participa de diálogos com outros discursos, carregando inúmeras vozes. A esse respeito, Fiorin (2017) afirma que:

Não é a dimensão que distingue uma unidade da língua de um enunciado, pois este pode ir desde uma réplica constituída de uma única palavra (por exemplo, não) até uma obra em vários volumes. O que os diferencia é que o enunciado é a réplica de um diálogo com outros discursos. O que delimita, pois, sua dimensão é a alternância dos falantes. Um enunciado está acabado quando permite uma resposta de outro. Portanto, o que é constitutivo do enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante. (FIORIN, 2017, p. 24).

Sendo assim, certificamos que o fenômeno da linguagem humana possui duas faces, pois cada enunciado, para ocorrer, necessita não apenas de um falante, mas conjuntamente de um ouvinte, até mesmo quando não existe como pessoa real, para que seja possível ocorrer a alternância dos sujeitos dos discursos, que é fator essencial para a produção de sentido no enunciado. Quando analisamos

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uma oração ou palavra fora de um contexto, de um tempo histórico, de forma isolada, o diálogo entre os sujeitos perde-se. Sobre essa afirmação, Bakhtin (2016) diz:

Quando se analisa uma oração isolada, destacada do contexto, os vestígios do direcionamento e da influência da resposta antecipável, as ressonâncias dialógicas sobre os enunciados antecedentes dos outros, os vestígios enfraquecidos da alternância dos sujeitos do discurso, que sulcaram de dentro o enunciado, perdem-se, obliteram-se, porque tudo isso é estranho à natureza da oração como unidade da língua. Todos esses fenômenos estão ligados ao todo do enunciado. (BAKHTIN, 2016, p. 69).

Para Bakhtin, não havia uma condução que definisse a natureza do enunciado. A esse respeito, Cristóvão (2012) diz:

Bakhtin ressente-se da ausência de estudos do problema do enunciado na Linguística Geral, encoberto pelas especificidades de gêneros considerados “maiores”. Mesmo nos estudos dos gêneros do discurso cotidiano, do ponto de vista da linguística geral e os auspícios da escola de Ferdinand de Saussure e seus seguidores, não se conduzia à definição da natureza do enunciado, segundo Bakhtin, mas apenas se colocava em evidência a especificidade do discurso cotidiano oral. Enfim, não se poderiam apreender as características do enunciado sem considerar os elementos extraverbais da situação de comunicação a que ele pertence. (CRISTÓVÃO, 2012, p. 36).

Segundo Bakhtin, para que seja concebido um significado, é necessário a construção do enunciado completo. A palavra por si só não é capaz de produzir esse sentido, impedindo dessa forma, proporcionar ao interlocutor a atitude responsiva. Cristóvão (2012, p. 36), reforça esse entendimento afirmando que: “[...] uma oração ou palavra da língua não diz nada. Seu sentido está condicionado a um contexto que lhe dá significado. É esse significado que dá ao interlocutor a atitude responsiva”.

Como dito anteriormente, sobre o início e o final do enunciado, vale ressaltar que, na cadeira de comunicação verbal, o enunciado está ligado a outros que o precedem e lhe sucedem. Durante a elaboração do enunciado, esses elos ainda não estão claros, mas, desde o início, já estão permeados pela possível reação-resposta, conforme Bakhtin:

Cada enunciado isolado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. Ele tem limites precisos, determinados pela alternância dos sujeitos do discurso (dos falantes), mas no âmbito desses limites o enunciado, como a mônada de Leibniz, reflete o processo do discurso, os enunciados do outro, e antes de tudo os elos precedentes da cadeia (às vezes os mais imediatos, e vez por outra até os muito distantes – os campos da comunicação cultural). (BAKHTIN, 2018, p. 298).

Dessa forma, reforça-se a ideia de que todo enunciado é produzido a partir de problematizações anteriores e se constrói permeados pelo discurso alheio.

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1.4 IDEOLOGIA

O conceito de ideologia, assim como os anteriores, é fundamental na obra bakhtiniana. Os estudos dessa definição foram realizados com base na perspectiva marxista e aprofundam temas que Marx e Engels haviam apenas mencionado. No entanto, essa não é a ideologia que ouvimos falar, equivocadamente, relacionada a partidos políticos, por exemplo. Quando certos discursos são mencionados fazendo referência a destruir o viés ideológico, é um tanto escorregadio, pois a ideologia está presente na vida do ser humano. Ela faz parte do nosso cotidiano. Todos os discursos que são materializados pela fala são ideológicos. Toda palavra, por mais neutralidade que pareça apresentar, é carregada de ideologia, que pode ser entendida como um aglomerado de valores, ideias, crenças, pensamentos, conhecimento e visão de mundo que permeiam a sociedade e são materializados através da fala ou através de uma representação artística. O ser humano é isento de neutralidade, por ser permeado pelos pensamentos tomados de ideologia.

Qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social – seja ele um corpo físico, um instrumento de produção ou um produto de consumo – mas também, ao contrário desses fenômenos, reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. (VOLÓCHINOV, 2017, p. 91).

Uma das análises questionadas por Bakhtin e o Círculo era a de que a ideologia era vista como algo subjetivo ou interiorizado. Essa perspectiva entende a ideologia como uma ideia fixa na mente humana. Se assim fosse, morreria, degeneraria pela ausência de um fator fundamental para a sua sustentação: a interação. Dessa forma, seria impossível entender a ideologia como um acontecimento vivo e dialógico. Sobre essa afirmativa, Miotelo (2017) afirma:

Bakhtin e seus companheiros do Círculo não trabalham, portanto, a questão da ideologia como algo pronto e já dado, ou vivendo apenas na consciência individual do homem, mas inserem essa questão no conjunto de todas as outras discussões filosóficas, que eles tratam de forma concreta e dialética, como a questão da constituição dos signos, ou a questão da constituição da subjetividade. (MIOTELLO, 2017, p. 168).

Como mostra Miotello, Bakhtin reforça que esse conceito é construído no movimento, na interação, alternando entre a estabilidade e a instabilidade, sem estar estagnado por um sistema precedente, prezando sempre pela relação dialética

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ou dialógica. Diz também que tudo que é ideológico, possui significação sígnica.

1.5 GÊNEROS DO DISCURSO

Os estudos acerca de gêneros do discurso ou gêneros discursivos alargam uma imensa possibilidade de entender esse assunto presente na comunicação, já que existem inúmeros deles utilizados na linguagem humana. Isso não se dá de forma genérica e aleatória, e sim amparados em teorias que listam desde gêneros retóricos ou artísticos, até os gêneros da vida cotidiana. Os gêneros podem então ser entendidos como um agrupamento de textos com características comuns.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas por que são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e por que em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo(BAKHTIN, 2011, p. 262).

É essencial não deixar de ressaltar a abundante diversidade dos gêneros do discurso, não apenas orais e escritos, mas até as mais breves e simples réplicas do diálogo do cotidiano. Sobre essa pluralidade discursiva, Bakhtin enumera alguns deles:

Cabe salientar em especial a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), nos quais devemos incluir as breves réplicas do diálogo do cotidiano [...] (extraordinariamente grande em função do seu tema, da situação e da composição dos participantes), o relato do dia a dia, a carta (em todas as suas diversas formas), o comando militar lacônico padronizado, a ordem desdobrada e detalhada, o repertório bastante vário (padronizado na maioria dos casos) dos documentos oficiais e o diversificado universo das manifestações publicísticas (no amplo sentido do termo: sociais, políticas); [...] também devemos incluir as variadas formas das manifestações cientificas e todos os gêneros literários (do provérbio ao romance de muitos volumes) (BAKHTIN, 2011, p. 262).

O autor ressalta que desde o falante que usa o discurso do dia a dia, pouco habituado aos estudos da linguagem, até o mais profundo conhecedor do tema, fará uso de gêneros discursivos. O primeiro de forma natural, o segundo, pelo conhecimento dos estudos da linguagem, de forma mais elaborada, sendo capaz de escolher o gênero de acordo com sua finalidade. Sobre isso, Cristóvão (2012) reafirma:

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Esses estudos mostram que o falante comum, pouco afeito aos estudos da linguagem, usa o gênero com naturalidade, sabe diferenciá-los. O falante, ou o escritor, antecipa o gênero a partir de seu objetivo na utilização da língua, isto é, de acordo com seu propósito, escolhe um bilhete, um conto, uma ordem, um aviso, uma carta, um telegrama, um e-mail, entre outros. (CRISTÓVÃO, 2012, p. 26).

No Brasil, os estudos de gênero no currículo pedagógico são analisados com base em um conjunto formal de regras. Em sua teoria, Bakhtin terá um outro foco e olhar não considerando o produto e sim o seu processo de produção. Sobre isso, Fiorin (2017, p. 68) vai dizer: “Bakhtin não vai teorizar sobre o gênero, levando em conta o produto, mas o processo de sua produção. Interessam-lhe menos as propriedades formais dos gêneros do que a maneira como eles se constituem”.

A teorização dos estudos parte do início do vínculo inerente entre o uso da linguagem e as atividades humanas. São elas: as da escola; da igreja; esferas de trabalho como jurídico, jornalístico, industrial, da política; das relações de amizade, etc. É a partir da produção dos enunciados que se constituem as interações nas mais diversas esferas da atividade humana. A respeito disso, Fiorin (2017, p. 68) reitera que: “Não se produzem enunciados fora das esferas de ação, o que significa que eles são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera”. Através da linguagem, vida e enunciado estão entrelaçados.

Os gêneros discursivos são enunciados relativamente estáveis e dividem-se em primário e secundário. Segundo Bakhtin, existe uma grande diferença entre eles, e é necessário levar em consideração as especificidades de cada um. Segundo o filósofo:

[...] é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas cientificas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. no processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios: por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano ou da carta no romance, ao manterem a sua forma e o significado cotidiano apenas no plano do conteúdo romanesco, integram a realidade concreta apenas através do conjunto do romance, ou seja, como acontecimento artístico – literário e não na vida cotidiana (BAKHTIN, 2011, p. 264).

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O gênero escolhido para compor o corpus de análise desta pesquisa é letra de música. Assim como as demais linguagens artísticas, a música está fortemente presente nas sociedades e tem sido objeto de muita reflexão. Diversas manifestações sociais são apresentadas através da música, construindo enunciados que dialogam constantemente com a sociedade. Bakhtin (2011, p. 156), a respeito do gênero lírico, afirma que: “a lírica é uma visão e uma audição do interior de mim mesmo pelos olhos emocionais e na voz emocional do outro: eu me escuto no outro, com os outros e para os outros”.

Referências

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