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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

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29 DE MAIO A 1 DE JUNHO DE 2007, UFPE, RECIFE (PE)

GRUPO DE TRABALHO SEXUALIDADES, CORPORALIDADES,

TRANSGRESSÕES

O FENÔMENO RELIGIOSO

Josadac Bezerra dos Santos

DISCURSOS E CONFLITOS EPISTEMOLÓGICOS EM TORNO DAS

SEXUALIDADES ALTERNATIVAS NO CAMPO RELIGIOSO

BRASILEIRO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE josadac@ufs.br

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DISCURSOS E CONFLITOS EPISTEMOLÓGICOS EM TORNO DAS SEXUALIDADES ALTERNATIVAS NO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO

Josadac Bezerra dos Santos*

INTRODUÇÃO

O presente texto, em grande parte, é uma extração de minha tese de doutorado intitulada “Conflito e Novas Identidades no Campo Religioso Brasileiro: feminismo, aborto homossexualidade e eutanásia”, na qual me proponho a analisar o discurso de igrejas e organizações para-eclesiásticas, tanto católicas quanto protestantes, no que se refere ao feminismo, ao aborto, à homossexualidade e à eutanásia. Para este ensaio, extraímos parte do conteúdo sobre homossexualidade, sobretudo aquilo que diz respeito ao sentido de transgressão nesta área específica.

Para uma compreensão mais adequada da exposição abaixo, julgamos serem necessários alguns esclarecimentos. Primeiro a questão da diferença entre católicos e protestantes no que se refere aos fundamentos de suas posições nesta questão específica, embora ela possa ser generalizada para as demais questões abordadas na minha tese.

Para o protestantismo, o reconhecimento da centralidade das “Escrituras Sagradas” é a chave hermenêutica para uma interpretação correta de suas diversas posições, sobretudo no que se refere à distinção entre igrejas ecumênicas e não-ecumênicas. Para o protestantismo histórico a questão se localiza no que dizem as Escrituras. Daí, como se verá abaixo, o esforço inerente à disputa pela hegemonia de alguma posição, se concentrar em exaustivas proposições por re-leituras de textos bíblicos que recoloquem a questão da existência ou não de transgressão.

Para a Igreja Católica a luta se dá em outro campo: o Magistério da Igreja. A centralidade do Magistério, tanto dos bispos quanto do papa. Também, e como uma conseqüência destes últimos, os documentos oficiais da Igreja. Daí a luta dos agentes pela afirmação de que seus possíveis argumentos, ou têm origem em tais fontes não necessariamente bíblicas ou, pelo menos, não as fere.

Finalmente, em comum às duas tradições, o conflito epistemológico; que põe de um lado aqueles que partem da separação entre natureza e cultura, e do outro e os que

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não fazem tal separação. A conseqüência dessa distinção em relação à sexualidade humana é que, na primeira opção, a corporalidade é a sede tanto da correção como a transgressão. Na segunda opção a corporalidade é esquecida, minimizada em termos de referência moral, transferindo-se toda a questão para o plano da cultura.

DENOMINAÇÕES EVANGÉLICAS: POSIÇÕES E PROBLEMAS RELATIVOS A HOMOSSEXUALIDADE – PENTECOSTAIS, NEOPENTECOSTAIS,

CONSERVADORES E LIBERAIS

O emprego do conceito “conservador” no contexto desta comunicação, se restringe a discursos reconhecidos como “discurso tradicional” em relação à compreensão de conceitos bíblicos e teológicos relativos a estes temas. Tradicional, porque historicamente associado a uma corrente epistemológica que separa natureza e cultura, e que parte da realidade da criação de Deus como um fato dado, fundamento para uma hermenêutica possível dos textos bíblicos. Para esta hermenêutica, o fundamento principal é que as Escrituras explicam as próprias Escrituras. Também pressupõe que o texto sagrado retenha em si um único significado universal. Para Lopes (2004),

tradicionalmente a hermenêutica reformada reconhece a necessidade de aplicarmos o texto bíblico às diversas situações em que nos encontramos, mas vê essas aplicações não como ‘sentidos’ novos e múltiplos de um mesmo texto, mas como a significação do sentido único de um texto para as diversas situações da vida.

Trata-se de uma posição essencialista do significado do texto e, conseqüentemente, da universalização deste significado. Isto implica manter-se em posição subalterna qualquer recorrência às ciências humanas e sociais ou à cultura, como elementos válidos para uma hermenêutica reformada. Implica também no reconhecimento do aborto, da homossexualidade e da eutanásia como práticas pecaminosas diante de Deus. Do ponto de vista cultural, trata-se de uma teologia cujas implicações para o campo da sexualidade e da vida implica em uma exclusão moral (TRASFERETTI, 2004).

O emprego do conceito de “liberal”, por sua vez, é feito no sentido oposto. Pressupõe uma hermenêutica e uma teologia que fundem as ciências humanas e sociais à capacidade das Escrituras explicarem as próprias Escrituras, com evidentes implicações sobre uma teologia da sexualidade e da vida. Portanto, ao contrário da situação anterior, esta hermenêutica implica em inclusão moral, uma vez que leva em consideração a não aceitação de uma leitura essencialista da Bíblia, a separação entre natureza e cultura, e a

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validade do emprego das ciências humanas e sociais como parte constitutiva de tais interpretações. Isto também implica em negação da existência do pecado ou em sua circunscrição a casos muito particulares.

Em relação ao diversificado mundo denominacional evangélico, existe uma certa variedade nos discursos e práticas articulatórias nas posições a favor ou contra a estes temas e práticas, com maior ou menor profundidade no debate. Também posicionamentos extremados ou mais moderados, especialmente no que se refere ao aborto e à homossexualidade. A variedade do debate se dá, em parte, em função de algumas macro-diferenças já conhecidas na literatura da sociologia da religião: igrejas pentecostais, neopentecostais e históricas (FRESTON, 1993; MAFRA, 2001), subdividindo-se esta última entre igrejas ecumênicas ou liberais e não-ecumênicas ou conservadoras (TRASFERETTI, 2004).

Discutindo a questão da homossexualidade no âmbito do luteranismo, em especial na Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil – IECLB, Brakemeier1 (2004)

reconhece a impossibilidade de se indicar uma posição oficial do luteranismo em geral, e não só deste, mas de várias outras igrejas cristãs. Mas sugere uma unidade de posições entre igrejas históricas ecumênicas, ao mesmo tempo reconhecendo existir no meio cristão como um todo duas posições extremadas que, segundo este autor, têm as seguintes características. Para uma tendência conservadora

o homossexualismo é visto como grave pecado, ofensa a Deus, algo abominável em todas as suas formas, para o que se invoca o testemunho da Bíblia. É considerado um desvio da ordem original de Deus que criou homem e mulher para constituírem o matrimônio como lugar da vivência da sexualidade e da procriação da prole. Homossexualidade é nada inato ou pré-fixado, portanto não faz parte da constituição do ser humano. Muito pelo contrário, seria uma opção capaz de ser alterada mediante tratamento ou esforço próprio. Não se submeter a tal tratamento seria agir culposo. Sob essas premissas, evidentemente, não há lugar para pessoas homófilas no ministério da Igreja. A discriminação é conscientemente assumida.

Para uma tendência liberal,

o homossexualismo como algo absolutamente normal, sempre existente na história da humanidade. Tratar-se-ia de uma

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disposição da pessoa, impossível de ser corrigida. Nessa perspectiva, não há nada de detestável nas relações homossexuais. As passagens bíblicas, aduzidas como contra-prova, estariam se referindo não à orientação homossexual como tal, e sim, a abusos nessa área. Caberia, portanto, reconhecer a homossexualidade como equivalente à heterossexualidade e destinar-lhe o mesmo amparo legal. Reivindicam tais grupos, enquanto cristãos, o livre acesso ao ministério da Igreja e a bênção matrimonial das parcerias do mesmo sexo. Lutam pelo fim de toda e qualquer discriminação em Igreja e sociedade.

É provável que a maior parte, se não a totalidade das denominações evangélicas históricas no Brasil excluída a esfera ecumênica, se alinhem muito proximamente da primeira posição, pelo menos no que se refira a implicações epistemológicas. Mas, Brakemeier (2004) também aponta posições intermediárias entre estes extremos, e alguns consensos que talvez se estendam até mesmo nas igrejas históricas não-ecumênicas:

Homossexualidade continua sendo motivo de discórdia nas Igrejas. Mesmo assim, há resultados a registrar. Mencionamos: a. É compartilhada por todas as Igrejas a oposição à violência contra pessoas homófilas. Reconhecendo a co-responsabilidade de grupos cristãos na perseguição dessas pessoas, as Igrejas concordam em qualificar a agressão física como abominável crime. É o que se pode ouvir inclusive da boca de um Pat Robertson, da “moral majority” nos Estados Unidos, organização extremamente conservadora. Na Europa, após agressões de Skinheads a homossexuais, Igrejas tornaram público o seu protesto. A violência é a primeira forma de homofobia a ser combatida.

Embora o autor esteja efetivamente referindo-se a situações de violência em razão da homossexualidade, pode-se observar que tal consenso poderia prevalecer não pelo fato das pessoas serem homoeróticas, e sim, por serem simplesmente pessoas humanas que, como tais, naturalmente não deveriam ser mesmo agredidas. No Brasil, considerando-se o atual estágio de inserção desta temática nos meios conservadores, não se registram pronunciamentos de apoio por parte das denominações evangélicas no meio não-ecumênico, a eventuais pessoas homoeróticas agredidas.

Iniciemos a próxima sessão pela exposição sobre homossexualidade entre pentecostais e neopentecostais e, em seguida, conservadores e liberais.

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HOMOSSEXUALIDADE: DEMONIZAÇÃO OU RESULTADO DO PECADO? DIVERGÊNCIAS E SEMELHANÇAS ENTRE PENTECOSTAIS E HISTÓRICOS

Uma dimensão a considerar nos discursos protestantes sobre a homossexualidade, é o fato de haver uma variedade de abordagens quanto à questão da demonização ou não da tendência e/ou prática da homossexualidade. Não há consenso entre os discursos pentecostais e históricos, por exemplo, e nem mesmo entre o discurso das denominações históricas entre si, como se verá abaixo.

Estamos de acordo com Machado (1996), no que se refere a pentecostais e neopentecostais. Estes efetivamente tratam a homossexualidade como o resultado direto da ação de algum “espírito maligno”, ou, na linguagem dos cultos afro-brasileiros, “uma entidade de frente”, que atua sobre o indivíduo. Mas para o discurso do protestantismo histórico, esta demonização não só não é reconhecida, como é completamente rejeitada, uma vez que a teologia conservadora das igrejas históricas, ecumênicas ou não, possui uma racionalidade bem mais consistente do que as teologias das igrejas pentecostais e neopentecostais, tendendo assim a recolocar a questão da homossexualidade num outro patamar.

Além disso, o modo como representantes deste segmento atuam em relação a pessoas homossexuais, demonstra com clareza esta rejeição. Para os protestantes conservadores o homossexualismo nada mais é que um problema moral diante de Deus, que se define pala palavra pecado. Somente pecado. Para o protestantismo liberal nem isso; a não ser em particularíssimas situações, quando a prática da homossexualidade encontra-se associada à promiscuidade, etc.

Ao observamos a literatura especializada em temas relativos à sexualidade e teologia, especificamente em relação à homossexualidade (TRASFERETTI, 2004; CALLAGHER 1990; MULLER, 2000), alguns temas se destacam com mais ênfase. A questão se a homossexualidade é pecado ou não, é um deles. Esta questão se reveste de especial importância por dois motivos. Em primeiro lugar, a afirmação da natureza pecaminosa da prática das relações homossexuais tem sido, para o MOSES – Movimento pela Sexualidade Sadia2 e outras organizações similares, um refúgio seguro para livrar-se

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da fortíssima pressão dos movimentos organizados de homossexuais que, historicamente, acusam tais organizações de quererem “curar” os supostos “doentes” da homossexualidade. Em segundo lugar, o fato da defesa intransigente de que tais movimentos tratam a questão da homossexualidade como um problema espiritual, e não psicológico ou médico, permitiu que estes movimentos evangélicos se saíssem relativamente bem, do ponto de vista jurídico e científico3, da acusação de seus históricos

adversários, de que estes movimentos evangélicos exercem uma prática curativa, sobretudo em termos psicológicos. Isto acarretou uma abrupta politização da questão da homossexualidade vista como pecado ou não, a ponto de algumas ONGs do movimento gay, religiosas e não, discutirem a questão da relação entre pecado e homossexualidade4

em suas páginas na internet, tônica bem presente no discurso conservador.

Em síntese, esta questão leva em seu âmago o problema central da divergência epistemológica e do lugar das ciências humanas e sociais na teologia e na hermenêutica, uma vez que uma leitura conservadora do ato ou até mesmo da tendência à homossexualidade (tida como pecado), sugere, para o conjunto da sociedade, um julgamento moral que implica na aceitação completa do discurso conservador ou dos pontos da doutrina conservadora das igrejas evangélicas e católica.

Como contraponto, os discursos dos movimentos religiosos que aceitam, em parte ou no todo, as afirmações das igrejas inclusivas, isto é, igrejas para quais não há pecado na tendência ou na prática da homossexualidade, tendem sempre a desqualificar tais discursos doutrinários ou leituras conservadoras, dizendo buscarem compreensões racionais, históricas e culturais para uma releitura de textos bíblicos, aparentemente profundamente contrários a qualquer expressão de amor entre iguais.

Assim, para encarar a questão da homossexualidade como pecado ou não, Hugo (2004) sugere, por exemplo, ser necessário reconhecer que não seria possível tirar-se princípios morais do Velho Testamento, uma vez que

todo exame de textos antigos testamentários serve somente para satisfazer legítimas curiosidades histórico-culturais ou, no máximo, para mostrar como podem ter sido forçadas e sedimentadas certas

3

Não conheço qualquer processo em andamento em qualquer instância contra qualquer pessoa ou instituição, seja no campo jurídico ou científico, visando condenar quem quer que seja. Mas há a condições de possibilidade de que tal coisa venha a ocorrer. Daí a base do raciocínio.

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convicções, não certamente visando criar certezas morais válidas

em si mesmas [grifo nosso] (HUGO, 2004, p. 23).

Cavedo, por sua fez, sustenta que a condenação bíblica se prende à violência homossexual e não à homossexualidade em si mesma (CAVEDO, 2000). Para estes autores, em alguns momentos da história da Igreja, foi reconhecida a visão que se pode obter da homossexualidade associada a cultos pagãos e à violência, portanto, o modo radical de ver a homossexualidade como pecado não condiz com a forma como a Igreja, historicamente, vê a homossexualidade. E Victor Hugo enumera uma relação de antigos líderes cristãos que segundo ele, faziam parte de uma tradição que nutria “atitudes tolerantes e positivas, respeito ao amor e ao erotismo” (HUGO 2004, p. 27).

UMA LEITURA CONSERVADORA DA HOMOSSEXUALIDE

Júlio Severo, escritor evangélico, um dos formadores de opinião no meio evangélico histórico conservador, publicou um livro intitulado “O Movimento Homossexual” (1998) pela editora Betânia, uma conhecida editora evangélica conservadora. Nele se encontra o sugestivo título do capítulo oitavo, “O Movimento Homossexual na Bíblia”, onde o autor analisa diversas passagens que indicam uma clara situação de mobilização social5 em torno da questão do homossexualismo. Ao se referir aos acontecimentos aos

quais se propõe analisar, o autor interpreta-os de modo a distanciar-se das ciências humanas e sociais como instrumento válido para o estudo em questão.

Comentando o capítulo 19 do livro de Juízes, onde se lê que um forasteiro com sua família na cidade de Gibeá, havia sido insistentemente convidado por um morador antigo da cidade a abrigar-se em sua casa, devido ao grande risco que corria de ser abusado sexualmente por homossexuais6, já que planejava dormir com sua família na

praça. O autor não faz qualquer interpretação do incidente como um ato associado à violência sexual ou a uma possível ligação com a introdução de rituais da religião dos cananeus, povo que habitava os arredores daquela cidade, atribuindo a reação divina a

5

O autor se refere, por exemplo, ao incidente registrado no livro de Juízes, capítulo 19 verso 22 em diante, onde se lê que a pequena cidade de Gibeá se mobilizou em defesa dos habitantes homossexuais da cidade.

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Ver Juizes 19:22 onde se lê que, inconformados em não achar o forasteiro na praça, o grupo de homossexuais foi à casa do hospedeiro e lá dissera: “Traga para fora o homem que está em sua casa! Nós queremos ter relações com ele”.

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tais fatos. Atribui sim, a uma maldade intrínseca à homossexualidade, como se lê a seguir:

[...]os habitantes de Gibeá se colocaram ao lado de seus cidadãos homossexuais. Aliás, toda a tribo de Benjamim7 não quis dar

atenção aos outros israelitas, pois o homossexualismo estava tão integrado em seu meio que, para eles, não havia razão para erradicá-lo só por causa de um crime praticado por uma minoria. Mas o objetivo de Deus não era simplesmente castigar os excessos daqueles homens. Ele queria cortar o mal pela raiz (SEVERO 1998, p. 74).

Uma leitura liberal deste texto provavelmente interpretaria estes fatos como uma clara reação de Deus às práticas pecaminosas referentes à idolatria e à violência, e não ao homossexualismo ou à homossexualidade em si. Limitar-se a reconhecer a questão da idolatria e da violência como os pecados a serem reconhecidos aqui, não é o que faz o autor. Pelo contrário, enfatiza a insuficiência do castigo restrito aos que praticaram tal exagerada maldade, e reforça a idéia da maldade intrínseca da homossexualidade.

Comentando, em tom de reprovação, um relatório de 1993 da Igreja Evangélica Luterana dos Estados Unidos que admite ou reconhece a contribuição das ciências humanas e sociais na distinção entre orientação homossexual e atividade homossexual, o autor cita um teólogo luterano nos seguintes termos:

[...] as pesquisas sociológicas e psicológicas modernas têm estabelecido a distinção entre a orientação homossexual e a atividade homossexual. Ninguém jamais soube disso antes. Os escritores dos livros da Bíblia certamente não sabiam disso. A orientação homossexual não é algo que uma pessoa escolhe. Provavelmente, todas as pessoas nascem com uma orientação sexual particular, assim como algumas nascem com olhos azuis outras com olhos castanhos...” E arremata: “A orientação sexual não é uma distinção moderna que requeira uma avaliação radical da atitude da igreja para com o homossexualismo. Essa é uma idéia que só prospera na mente de pessoas que querem colocar a

teoria sociológica no lugar da teologia da Bíblia [grifo nosso JBS],

(CRISTENSON apud SEVERO, 1998, p. 75).

Embora não seja do autor a citação acima, ele a usa no sentido de apoiar seu conteúdo, isto é, defender um distanciamento radical das ciências humanas e sociais, e assim evidenciar o conflito acima, isto é, a posição de recusa do reconhecimento de que

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as ciências humanas e sociais possam ser parte constitutiva da compreensão dos textos bíblicos. De fato, a proposição do teólogo luterano é questionar a separação entre orientação, isto é, tendência, inclinação interior, e a atividade homossexual em si. Em geral, as correntes que julgam a homossexualidade como pecado diante de Deus, o fazem na certeza de que é o ato em si que constitui o pecado propriamente dito, e não aquilo que está fora de controle pessoal: a inclinação homossexual. Mas aqui, a divisão entre inclinação involuntária e ato voluntário está sendo contestada, porque esta divisão seria uma “imposição” das ciências humanas e sociais, útil à causa gay e à nova teologia gay.

O problema está em que esta divisão também é útil ao discurso pastoral conservador, aquele que encontra nessa divisão uma brecha para “resolver” o imenso problema daqueles que, mesmo não praticantes do homossexualismo, tenham a tendência. Uma vez que este tipo de divisão não faria sentido na antiguidade, o mais coerente para uma posição que se coloca contra o emprego das ciências humanas e sociais na compreensão dos textos bíblicos seria a condenação da homossexualidade humana, reconhecendo-a como pecado nos dois níveis: o da inclinação e o da prática.

Uma segunda afirmação é a que se refere à naturalização biológica da orientação homossexual defendida por este teólogo luterano. Este tipo de raciocínio contradiz a definição naturalizada da condição de homem ou mulher, subordinada às condições fisiológicas e anatômicas de cada pessoa, já que se poderia vir a ser homossexual por uma inclinação natural, sem tais condições fisio-anatômicas. Além disso, uma afirmação deste tipo também colide com qualquer reconhecimento de que a homossexualidade estaria fortemente ligada à cultura e a comportamentos efetivamente aprendidos.

Por fim, o argumento mais importante para nosso ponto aqui. A situação de defesa da interpretação livre das Sagradas Escrituras em completa exclusão das ciências humanas e sociais. Esta rejeição caracteriza bem esta corrente de interpretação na medida em que pressupõe diversas universalizações no tempo e no espaço. Uma universalização de gênero, no sentido de limitá-la às relações entre homem e mulher; uma universalização corpórea, no sentido de que ambas as anatomias são definidoras dos nossos corpos enquanto feminino ou masculino, e, como conseqüência, uma universalização da nossa sexualidade e da nossa heterossexualidade, no sentido de que tais corpos só nos autorizariam uma única forma de expressão sexual: a heterossexualidade. Por fim, uma universalização da espiritualidade, que indica serem as

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relações heterossexuais as únicas em condição satisfatória diante de Deus para o homem e para mulher. São estes pontos de inflexão ou núcleos duros, em torno dos quais se estabelecem as dificuldades de tal corrente teológica nas suas relações com as ciências humanas e sociais.

Porém, é importante salientar que embora existam diferenciações teológicas e hermenêuticas fundamentais entre as duas correntes, este discurso mais conservador não despreza, em sua construção discursiva, a contribuição da ciência, sobretudo das ciências naturais (mas não só estas) quando estas lhes são convenientes. Mas, ressalve-se que o fazem ressalve-sempre mantendo a guarda no ressalve-sentido de evitar que a explicação científica suplante as verdades teológicas.

Vimos aqui, o modo como pessoas e instituições conservadoras tendem a abordar questões contemporâneas a partir de leituras de textos da Bíblia de forma a considerar sempre em última instância um sentido de leitura legalista das coisas referentes à sexualidade e a vida, através de uma rejeição explícita das contribuições possíveis das ciências humanas e sociais ao entendimento das Escrituras Sagradas. Vejamos agora um outro lado da questão.

UMA LEITURA LIBERAL DA HOMOSSEXUALIDADE

De acordo com a classificação de Trasferetti (2004), as principais igrejas ou denominações evangélicas consideradas liberais ou ecumênicas, no sentido restrito deste ensaio são: Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB; Igreja Presbiteriana Unida – IPU; Igreja Metodista do Brasil – IMB, entre outras de menor importância.

É sempre uma dificuldade a obtenção de posições oficiais devido à natureza profundamente controvertida da questão da homossexualidade dentro das próprias igrejas, gerando assim um debate que muitas vezes vai além da circunscrição daquela igreja ou denominação específica.

Como já nos referimos anteriormente, pronunciamentos oficiais das igrejas tendem a sair sempre que há uma demanda externa muito forte, que pressione nesse sentido. O primeiro exemplo é o da Igreja Metodista do Brasil – IMB. Pressionado por um incidente

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ocorrido com uma pastora da Igreja Metodista nos Estados Unidos8, acusada de

lesbianismo, o Colégio Episcopal da Igreja Metodista no Brasil fez as seguintes declarações9, a propósito da homossexualidade:

a) “Ter homossexualidade não é pecado em si mesmo, o pecado é a prática desta tendência. A Igreja pode e deve contribuir para a reversão das práticas da homossexualidade, por ser ela contrária ao padrão bíblico cristão da moral”; b) “O Colégio Episcopal está ciente de que o tema da homossexualidade é causador de conflitos, tanto na sociedade de uma forma geral, como na própria Igreja. Sendo este um assunto presente no mundo em que vivemos, a Igreja Metodista está em constante reflexão bíblica, teológica e pastoral, à luz dos valores do Evangelho, da justiça e da paz do Reino de Deus”.

Note-se que esta declaração afirma a separação entre “ter” e “praticar” a homossexualidade, reconhecendo a primeira como uma realidade não pecaminosa, e a segunda como pecaminosa. Como dissemos anteriormente, esta separação é questionável para aqueles que aceitem o argumento de que nos tempos do Velho Testamento essa divisão era completamente desconhecida.

No meio episcopal, a questão também se apresenta contraditória, mas esta igreja tem uma situação mais avançada no debate interno. Tomando como ponto inicial as recomendações da Conferência de Lambeth10 de 1998, a Igreja Episcopal Anglicana

recebeu de seus dirigentes na Inglaterra as recomendações abaixo expostas sobre o homossexualismo para observação dos bispos em todo o mundo nos seguintes termos:

1. “reconhece que há, entre nós, pessoas que receberam orientação homossexual. Muitas delas são membros da igreja e buscam atendimento pastoral, orientação moral da Igreja e o poder transformador de Deus para viver suas vidas e ordenar seus relacionamentos. Nós nos comprometemos a ouvir as experiências dos homossexuais, e desejamos assegurar-lhes que são amados por Deus, e que todos os batizados, pessoas fiéis e

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A propósito ver o site http://www.renascerfloripa.com.br/noticias/show_news.php?id=646

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De quatro pontos, nos limitamos a selecionar dois. Para ver a declaração na íntegra acessar http://www.expositorcristao.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=9&Itemid=26

10

A Conferência de Lambeth é um órgão consultivo da Comunhão Anglicana em nível internacional, e reúne bispos de todas as 39 Províncias em que esta denominação se organiza mundialmente. Suas resoluções são recebidas pelos bispos de todo o mundo como um instrumento auxiliar para o exercício da autoridade episcopal, não tendo porém caráter dogmático ou impositivo.

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crentes, discriminados com relação a sua orientação sexual, são membros plenos do Corpo de Cristo; 2. ao mesmo tempo em que rejeita a prática homossexual como incompatível com as Escrituras, solicita a todas as pessoas que auxiliem, de maneira sensível e pastoral, todas as pessoas, independente de sua orientação sexual, escondem o medo irracional aos homossexuais, a violência no casamento e toda banalização e comercialização do sexo; 3. não pode recomendar a legitimidade ou a bênção de uniões do mesmo sexo, nem ordenar aqueles que estão envolvidos em uniões do mesmo gênero; 4. solicita aos Bispos Primazes e ao Conselho Consultivo Anglicano que estabeleçam meios para monitorar o trabalho realizado sobre a sexualidade humana na Comunhão Anglicana e compartilhar informes e recursos entre nós; 5. considera a importância da Declaração de Kuala Lumpur Sobre Sexualidade Humana e as preocupações contidas nas resoluções IV.26, V.1,V.10, V.23 e V.35 sobre a autoridade das Escrituras em matéria de casamento e sexualidade, e solicita aos Bispos Primazes e ao Conselho Consultivo Anglicano que os incluam no seu processo de monitoramento”.

Pelo que se lê sobre os membros assumidamente homossexuais, nota-se também um avanço da parte desta igreja, em relação a muitas outras, pelo fato de afirmar a plena comunhão de tais pessoas, afirmar o amor de Deus para com elas, e a intenção de que, de modo algum sejam discriminadas por causa de suas orientações homossexuais.

Apesar destas recomendações, a Igreja Anglicana no mundo inteiro e aqui no Brasil não passou de modo pacífico por este processo de reflexão interna, devido a atitudes mais drásticas de alguns bispos e dioceses. Registram-se dois incidentes na experiência recente da denominação, que representam de forma emblemática a intensidade do conflito interno nesta igreja.

A imprensa de todo o mundo noticiou a investidura no cargo de bispo do reverendo V. Gene Robinson como o novo bispo da Diocese de New Hampshire (EUA), um assumido pároco gay com um relacionamento estável de 13 anos; investidura posteriormente oficializada pela Igreja Episcopal Anglicana dos Estados Unidos, mas causando muita controvérsia e divisões em toda a igreja pelo mundo afora.

No Brasil, um conflito interno intenso acabou provocando a punição, com exoneração do cargo de bispo da Diocese do Recife, Dom Robinson de Barros Cavalcanti, por suas resoluções enfáticas em relação à questão da ordenação de párocos gays no âmbito de sua Diocese. A natureza do conflito interno no plano das idéias não é diferente em outras denominações ecumênicas, conforme se apreende pelos diversos documentos internos circulantes na igreja. Mas, uma declaração final da I Consulta

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Nacional sobre Sexualidade Humana promovida pela IEAB demonstra, com clareza, que a IEAB assume ou pretende assumir a condição de “igreja inclusiva”, expressão característica das igrejas que já não trabalham com a dualidade de posições contraditórias e conflitantes em relação à homossexualidade.

Assim se expressa, em seu último parágrafo, a I Consulta Nacional sobre Sexualidade Humana: “É fundamental que a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil exerça sua vocação inclusiva e se permita acolher, com Amor e por inteiro, aquelas pessoas que a sociedade rejeita e aborta. Por esta razão assumimos a ética pastoral da Graça e da bênção de Deus e rejeitamos o princípio da exclusão, implícito na ética do pecado e da

impureza, que causa divisão entre os seres humanos”.

Note-se os avanços no sentido de se procurar garantir aos membros homossexuais os mesmos direitos dos outros membros heterossexuais, com exceção da postulação ao ministério eclesiástico, e de declarar-se como igreja inclusiva.

Essas decisões, no entanto, não garantiram aos episcopais a conquista da confiança de alguns líderes/pastores homossexuais, que pensaram na IEAB como alternativa para resolução de sues conflitos. Em minha pesquisa de campo, em conversa informal, numa observação participante em um culto com um dos pastores da Igreja da Comunidade Metropolitana – ICM, em São Paulo, aquele líder cristão falou-me de haver participado de uma reunião com alguns outros pastores evangélicos homossexuais, que estavam em conflito com suas consciências e suas denominações. Pensavam então sobre a possibilidade de migrarem para IEAB. A conclusão da reunião foi que a referida igreja não era confiável, no sentido de que lá ainda havia uma situação bastante conflitante, o que acabaria mantendo as dificuldades que cada um dos presentes àquela reunião queriam solucionar.

Estas posturas de maior flexibilização e situações de pendência em relação à questão da homossexualidade só ocorrem onde o debate hermenêutico se encontra bastante avançado. No caso da IEAB, assim como de resto da grande maioria das igrejas ecumênicas, já existe um rico debate neste ponto. Um exemplo deste debate podemos encontrar em Gonçalves (2004), para quem

Tradicionalmente tem prevalecido uma abordagem legalista e moralista da sexualidade na Bíblia. O enfoque tradicional buscou definir dentro da sexualidade aquilo que seria, ou não, ‘pecado’. Em geral a ênfase no pecado na sexualidade não leva em consideração as diferenças históricas entre aqueles que

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formularam os textos bíblicos e os dias de hoje. No entanto a leitura científica mostra que não há um modelo de sexualidade na Bíblia. Também é possível verificar que sempre os textos bíblicos têm a intenção de ‘regulamentar’ a sexualidade.

Partindo deste pressuposto, e abordando a questão de modo a levar em conta a teologia e antropologia, o autor nos fala de quatro modelos11 procriativos na Bíblia. O

modelo procriativo patriarcal (principalmente em Gênesis 12-50); (2) o modelo poligâmico monárquico (principalmente em 1 e 2 Samuel; 1 e 2 Reis; 1 e 2 Crônicas); (3) o modelo moralista e legalista (Esdras e Neemias, Levítico e outros escritos sacerdotais do Pentateuco) e (4) o modelo erótico-afetivo (Cântico dos Cânticos, e releituras de outros textos numa ótica de gênero) (GONÇALVES, 2004).

Não podemos fazer aqui uma detalhada exposição de cada uma dessas fazes, mas queremos mostrar que este é um bom exemplo de como é possível ver no texto bíblico específico, não uma única verdade universal a partir de um mesmo texto para múltiplas situações históricas distintas, como propõe Lopes (2004), e sim, situações diferentes de um mesmo assunto e referências bíblicas de épocas diferentes que podem esclarecer de um modo mais completo a mensagem a ser recebida hoje.

Para Brakemeir (2006) a questão acaba encontrando o seu lugar de impasse no campo da hermenêutica, isto é, nas opções alternativas de como se aproxima do texto sagrado para interpretá-lo.

examinando as mais recentes interpretações das passagens alusivas, deve-se concluir que o assunto é, no mínimo, controvertido. Como é sabido, trata-se basicamente de duas passagens no Antigo (Lv 18.22; 20.13) e de três do Novo Testamento (Rm 1.26,27; 1 Co 6. 9-11; 1 Ti 1.10). Nenhum posicionamento cristão sobre a homossexualidade pode passar de largo desses testemunhos. Mas deve fazê-lo, prestando contas da hermenêutica que usa. É mais do que flagrante ser maior a condenação da homossexualidade, onde prevalece o espírito biblicista, isto é uma interpretação literal dos textos que os isola do seu contexto histórico, postula uma isocronia da pregação do Evangelho ontem e hoje e que se recusa a distinguir entre o Evangelho em seu todo e as suas concretizações situacionais.

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O autor faz, no texto, a ressalva de que a palavra “modelo” não pode ser entendida aqui como sinônimo de aplicação prática a ser seguida pelos fiéis, e sim como diferentes situações de reconhecimento do processo social procriativo.

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Para este pesquisador, abre-se a possibilidade de levar a questão para um terreno que precede o confronto hermenêutico que está incluso em seu interior, o das opções epistemológicas. Se alguém abraça uma hermenêutica literalista ou biblicista, certamente o faz porque aceita que o conhecimento só é possível na medida em que se leva em conta a realidade objetiva dos fatos naturais, tidos pela teologia conservadora como a expressão da própria revelação da divindade. Quem, por outro lado, abraça uma hermenêutica imbricada às ciências humanas e sociais o faz por que pressupõe a não-existência, quanto à possibilidade do conhecimento, de uma realidade objetiva com este fim. Isto quer dizer a possibilidade de admissão à não-existência de qualquer essencialismo e não-separação entre natureza e cultura.

IGREJA CATÓLICA: POSIÇÕES E PROBLEMAS RELATIVOS A HOMOSSEXUALIDADE NA ESFERA DAS UNIÕES CIVIS

Em um documento sob o título “Considerações Sobre os Projetos de Reconhecimento Legal das Uniões entre Pessoas Homossexuais” a Igreja Católica faz sua defesa dando as razões por que se coloca contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. É necessário lembrar que o que nele se afirma sobre o matrimônio, pressupõe a afirmação da diferença de sexos e de sua função complementar em relação a homens e mulheres, isto também em decorrência da possibilidade de vir tal diferença proporcionar as condições biológicas para procriação.

Ao tratar do matrimônio, a Igreja o faz de um modo muito especial, por considerar este tipo de união humana um sacramento, um dos meios pelos quais se recebe a Graça de Deus. O que implica, na visão da Igreja, que este tipo de união tem algumas características “irrenunciáveis”, como define o documento da Congregação para Doutrina da fé. São irrenunciáveis, portanto, pela admissão de só existir casamento entre pessoas de sexos opostos, uma vez que se defende a complementaridade corporal, o que não seria possível em uma união homossexual. O segundo argumento de natureza teológica diz que, ao criar o homem à Sua imagem, Deus os fez homem e mulher, e não dois homens ou duas mulheres. O terceiro argumento fala em uma “fecundidade sexual” descrita no âmbito da narrativa sobre o relacionamento entre o homem e a sua mulher: “Por isso, o homem deixará o seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne” (Gn. 2:24). E por fim, talvez o argumento mais respeitado pela Igreja,

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a idéia de que o matrimônio cristão é “sinal eficaz da aliança de Cristo e da Igreja”, também por que é lugar de acolhimento à vida (função procriadora da relação sexual), algo inconcebível para um relacionamento homossexual. Além desse discurso “positivo” sobre as relações heterossexuais dentro do matrimônio, a Igreja se fundamenta em uma interpretação literal de inúmeros textos bíblicos, questionada pelos seus opositores, no que se refere a uma visão “negativa” da homossexualidade.

No documento pontifício Declaração Persona Humana, de 29 de Dezembro de 1975, se diz que as relações homossexuais “são condenadas como graves depravações... ... Desse juízo da Escritura, não se pode concluir que todos os que sofrem de semelhante anomalia sejam pessoalmente responsáveis por ela, mas nele se afirma que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desonrados”.

O CATOLICISMO CONTEMPORÂNEO E A QUESTÃO DO VALOR SUPREMO DA VIDA HUMANA: CONSEQUENCIAS EPISTEMOMOLÓGICAS SOBRE A QUESTAO

DA HOMOSSEXUALIDADE

A afirmação feita em torno da questão do valor da vida na Encíclica Evangelium

Vitae, é um dos fundamentos mais fortes nos documentos recentes da Igreja Católica.

Este documento tende a uma valoração acentuada da vida em seu sentido biológico ou físico, para opor-se a uma tendência dominante nos grupos pró-aborto e pró-eutanásia de uma interpretação do valor da vida associada à idéia de dignidade da vida. Isto é, uma interpretação que prioriza o caráter cultural e moral do valor da vida humana, mas, neste último caso, em um sentido distinto de moralidade ao que é oficialmente aceito pela Igreja Católica.

Dignidade da vida para os opositores da Igreja Católica pressupõe levar em conta aspectos da existência humana para além do fundamento da vida física ou biológica. O que temos em jogo aqui é um choque de concepções e pressupostos sobre o modo como se lida com a questão do sofrimento e/ou do bem-estar pessoal e social no presente século, nas sociedades ocidentais, sobretudo as dos países altamente desenvolvidos socialmente.

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Para a Igreja Católica uma interpretação correta pode ser obtida na declaração da Congregação para Doutrina da Fé, em seu documento “Instrução Sobre o Respeito à Vida Humana Nascente e a Dignidade da Procriação”

a vida física, pela qual tem início a caminhada no mundo, certamente não esgota em si todo o valor da pessoa, nem representa o bem supremo do homem que é chamado à eternidade. Todavia, de certo modo, ela constitui o seu valor

fundamental exatamente por que sobre a vida física

fundamentam-se e defundamentam-senvolvem-fundamentam-se todos os outros valores da pessoa (Instrução Sobre o Respeito à Vida Humana Nascente e a Dignidade da Procriação, Critérios Fundamentais para o Juízo Moral, p 15). Esta afirmação da dimensão física da vida como um valor essencial sobre o qual se fundamentam todos os outros valores, mostra-nos o quanto a dimensão biológica representa em termos epistemológicos para toda linha de raciocínio dos documentos oficiais da Igreja Católica, nos fazendo ver os desdobramentos desta opção epistemológica, não só em relação ao aborto ou a eutanásia, mas também no campo da sexualidade, atingindo a sexualidade diferenciada dos homossexuais.

Sendo o caminho do reconhecimento do supremo valor da dimensão física da vida, a base sobre a qual se assentam todos os outros valores, na perspectiva da Igreja Católica a única forma possível de estabelecimento de uma verdade moral universal sobre estas questões é no fato dado, e nunca, jamais, no relativismo da cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações acima nos mostram, portanto, um cenário que pode ser descrito como profundamente dividido, implicando em um conflito de proporções amplas no cenário religioso brasileiro e para além dele. Conflito que se torna politicamente cada dia mais significativo, na medida em que as instituições envolvidas tendem a se firmarem cada dia mais em suas posições de intransigência e radicalidade.

No centro da questão, encontra-se uma luta pela despenalização moral da homossexualidade e outras formas de comportamento homoafetivo, calcada na esfera religiosa, esta última o lugar do social que mais diretamente ecoa as matizes corporalidade e transgressão, temas concomitantes deste grupo de trabalho.

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAKEMEIER,2006. Gottfried. Igrejas e Homossexualidade: um ensaio de um balanço. http://www.centrodeestudosanglicanos.com.br/arq/Igrejas%20e%20homossexualidade% 20ensaio%20de%20um%20balanço.pdf . Acesso em : 1 fev.

CALLAGHER, 1990. Ralphael. Compreender o homossexual. Aparecida: Santuário.

FRESTON, 1993. Paul Charles, Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao

Impeachment. Tese de doutorado em Sociologia apresentada à Universidade Estadual de

Campinas, mimeo

GONÇALVES, 2004. Humberto Eugenio Maiztegui. Uma abordagem

teológico-antropológica da sexualidade na Bíblia. (Texto em circulação interna na IEAB),

HUGO, Vitor, 2004. Segurança Pública: a partir dos excluídos e entre os excluídos.In TRASFERETTI, José. Teologia e sexualidade: um ensaio contra a exclusão moral. Ed. Átomo, Campinas, SP.

LOPES, 2006, Augustus Nicodemos. Aborto: os dois pontos cruciais: o aborto de acordo

com a legislação vigente e à luz da Palavra de Deus. Disponível em:

http://www.ipb.org.br/artigos/artigo_inteligente.php3?id=13. Acesso em: 17 agosto. MACHADO, 1996, Maria das Dores. Conversão religiosa e a opção pela

heterossexualidade em tempos de AIDS. Sociedad & Religion, n. 14/15 novembro. MAFRA, Clara, 2001. Os evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

MULLER, Wunibald, 2000. Pessoas homossexuais. Petrópolis: Vozes. SEVERO, Júlio 1998.O movimento homossexual. Belo Horizonte: Betanea.

TRASFERETTI, José. 2004. Teologia e sexualidade: um ensaio contra a exclusão moral, Campinas SP: Átomo.

* Professor adjunto de Ciência Política da UFS, doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Ciências da Religião da UFS.

Referências

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