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REPRODUZIR UMA TÉCNICA OU APERTAR UM BOTÃO?

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Academic year: 2021

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REPRODUZIR UMA TÉCNICA OU APERTAR UM BOTÃO?

Fabiane Guimarães fabiane_guimarães@terra.com.br Mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática PUC - SP Bolsista - Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

INTRODUÇÃO

Este trabalho surgiu de reflexões durante um estudo sobre a história do zero, em específico sobre a importância do zero na constituição e consolidação do sistema de numeração decimal de origem indiana utilizado até os dias de hoje.

O zero junto com os demais algarismos (1 a 9) formaram um sistema eficiente que permitiu o desenvolvimento de técnicas para a solução de operações como a adição, subtração, multiplicação e divisão na forma escrita sem ser necessário o uso do ábaco.

Por um estudo histórico percebemos o quanto estas novas técnicas e algarismos contribuíram para o desenvolvimento da sociedade. O que era muito difícil e trabalhoso de ser realizado com ábacos foi possível e facilmente realizado com a ajuda dos algarismos. Esta nova tecnologia permitiu a democratização da arte de calcular, assim qualquer homem comum poderia fazer as operações que necessitava.

Apesar da eficiência do novo sistema a aceitação não foi imediata e este sistema foi rejeitado e por muitas vezes proibido. Os cálculos usando algarismos mostraram sua eficiência e com o tempo essas idéias foram sendo amplamente aceitas e divulgadas.

Pensando nos dias de hoje, temos uma nova ferramenta, a calculadora, ela permite resolver todas as operações que quisermos, e muito mais facilmente que os ábacos e que as técnicas usando algarismos. Para cálculos com ábacos era necessário o conhecimento dos procedimentos com as “pedras” e sem contar no peso das tábuas. Para os algoritmos1 é necessário lidar com muitas regras. Já para cálculos na calculadora simplesmente precisamos apertar botões.

Ábacos, algoritmos e calculadora tem a mesma função: dar o resultado de operações. Qual é a tecnologia mais eficiente?

1 Algoritmo foi o nome dado as técnicas operatórias desenvolvida com os algarismos, nome que vem do divulgador

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Muito se discute quanto ao uso da calculadora na escola, muitos abominam, outros acham que o uso deve ser de vez em quando e que a importância deve ser dada aos algoritmos.

Numa certa época se clamou pelos algoritmos no lugar de ábacos. Não seria o momento de clamarmos pelas calculadoras no lugar dos algoritmos?

UM POUCO DE HISTÓRIA

No período da extensão do império mulçumano ao longo do caminho para a China, conquistaram a Índia. Os mulçumanos absorviam os conhecimentos dos povos que conquistavam e os sábios traduziam os textos para o árabe. E assim os árabes tiveram contato com os algarismos indianos.

O árabe Al – Khowarizmi um dos primeiros estudantes da Casa da Sabedoria2 escreveu um livro em 825 d.C sobre o sistema de numeração indiano e suas técnicas para operar com estes números, que foram denominadas como algoritmos, uma corrupção de seu nome.

Nos combates entre cristãos e mulçumanos, durante o reinado de Carlos Magno, século IX, e nas cruzadas séculos XI, XII e XII era inevitável o intercâmbio de conhecimentos e os cristãos voltavam enriquecidos com o contato com as novas culturas. Este contato fez com que muitos aprendessem os cálculos ao modo de AL-Khowarizmi, surgiriam conforme Ifrah, os primeiros algoristas europeus.

A partir do século XI iniciou-se também um período de tradução de obras, árabes, gregas ou hindus na Espanha. O contato entre os dois mundos Oriente e Ocidente se tornou cada vez mais freqüente.

De volta ao lar, os cruzados divulgaram os novos cálculos muito mais fáceis e práticos do que os cálculos com ábacos e muitos aderiram à nova forma de calcular.

No século XIII o italiano Leonardo de Pisa, conhecido como Fibonacci, teve contato com os árabes que lhe ensinaram o seu sistema numérico, regras do cálculo algébrico e princípios fundamentais de geometria. Fibonacci, em 1202, escreveu um tratado que apresentava os algarismos e explicava todas as regras de cálculo denominado Líber abaci (Tratado do ábaco). Logo mercadores e banqueiros começaram a aderir o novo sistema.

Era o inicio da democratização do cálculo na Europa. Mas ainda, segundo Ifrah:

“A resistência ainda era muito forte, e os defensores encarniçados da velha tradição não tinham abandonado suas armas. Os calculadores..., aqueles que praticavam as operações no ábaco, queriam ciumentamente conservar para si os segredos desta arte:

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não queriam ouvir falar desses métodos revolucionários que colocavam as operações aritméticas ao alcance de todos”.(p.315)

A resistência não vinha só dos calculadores:

“Do mesmo modo, determinadas autoridades eclesiásticas espalharam boato de que, sendo tão fácil e tão engenhoso, o cálculo ao modo árabe devia ter algo de mágico ou até de demoníaco só podia vir do próprio Satanás!” (p. 315)

Segundo Ifrah, a igreja não favorecia a democratização do cálculo, pois para ela seria uma perda de poder. Ela preferia que a arte de calcular ficasse ao poder de alguns especialistas que pertenciam ao clero da igreja.

Os algarismos arábicos ficaram proibidos e muitos o utilizavam as escondidas. Esta disputa entre abacistas (defensores dos ábacos) e algoristas (defensores dos cálculos com os algarismos) durou muitos séculos. E segundo Ifrah, mesmo com a vitória dos novos métodos o uso do ábaco ainda prevaleceu sendo ensinado ainda no século XVIII.

Mas é claro que a eficiência era comprovada, e os conservadores tiveram grande dificuldade de se separar dos ábacos, mas a nova tecnologia era inevitável.

REFLEXÕES ATUAIS

Segundo D`Ambrosio, a tecnologia determina os rumos das civilizações, observamos que a arte de calcular com algarismos revolucionou, substituindo os ábacos e permitindo avanços em diversas áreas do conhecimento. Hoje nova tecnologia, a calculadora, toma este lugar para promover mais avanços.

Ainda em D`Ambrosio:

“A história nos ensina que só pode haver progresso científico, tecnológico e social se a sociedade incorporar, no seu cotidiano, todos os meios tecnológicos disponíveis. Assim, depois da invenção da escrita, não pode se justificar que alguém se recuse a ler e escrever, depois da invenção da imprensa, não se justifica que alguém não tenha acesso a livros e jornais, depois da adoção, na Europa, da aritmética indo-arábica, não se justificaria alguém se limitando a fazer contas com os ábacos, e assim, desde que há relógios não se justifica exigir que se diga as horas olhando para o céu, nem se justifica que, existindo automóveis, ônibus e

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caminhões, se utilize o cavalo como transporte. A sociedade se organiza em função da tecnologia disponível”.3

Com a calculadora disponível não há justificativa para a insistência no ensino de algoritmos.

O uso da calculadora permite resolver problemas reais, libera tempo e energia gastos na execução das técnicas operatórias, permite dar atenção ao significado dos dados, permite o desenvolvimento da criatividade, busca do novo, sobre a rotina, mesmice. (D`Ambrosio)

O grande argumento para o não uso da calculadora seria porque ela atrapalharia o desenvolvimento do raciocínio nos alunos. Mas sabemos que algoritmos são simplesmente memorizados e muitos alunos não sabem explicar por que “abaixa um determinado número na divisão”, “completa com zero na multiplicação” para adicionar e subtrair números com vírgula “virgula em baixo de vírgula”.

Os alunos reproduzem as técnicas operatórias sem entender o que estão fazendo e dão respostas, por exemplo, 0,63 para a operação 2 – 0,65. Não pensam nos números em si somente reproduzem.

Que raciocínios estariam por trás dessas reproduções de técnicas? O mesmo que apertar botões. E com certeza a chance de acerto está no uso da calculadora.

É necessário que a calculadora faça parte das aulas de matemática, insistir no ensino de algoritmos está preparando os alunos para uma tecnologia que está ultrapassada e caindo em desuso.

As técnicas operatórias com os algarismos foram criadas para resolver problemas do passado. Não podemos insistir no ensino de algo do passado.

D`Ambrosio cita em seu livro um poema de Dschuang Dsi completado por René Thom, para nos fazer refletir: Porque ensinar teorias e práticas que foram criadas para resolver problemas do passado?

Havia um homem Que aprendeu a matar dragões e deu tudo o que possuía Para se aperfeiçoar na arte. Depois de três anos Ele se achava perfeitamente preparado mas, Que frustração, não encontrou Oportunidades de aplicar sua habilidade (Dschuang Dsi)

3 Citação tirada do texto “O uso da calculadora” por Ubiratan D`Ambrosio feito para uma disciplina à distância

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Como resultado ele resolveu Ensinar como matar dragões (René Thom) (p. 30)

O USO DA CALCULADORA

Nossos alunos vão para escola já sabendo usar a calculadora, pois ela faz parte do dia a dia da vida em sociedade. Na escola o professor deve utilizar a calculadora propondo situações de busca de soluções e reflexões sobre o seu uso.

O uso da calculadora deve ser pensado conforme a vertente tecnoracia defendida por Ubiratan D`Ambrosio como proposta de currículo.

“Tecnoracia: a capacidade de usar e combinar instrumentos, simples ou complexos, inclusive o próprio corpo, avaliando suas possibilidades e suas limitações e a sua adequação a necessidades e situações diversas. (Instrumentos Materiais)” (p. 67)

O professor quando pretende utilizar uma tecnologia em sua sala de aula, deve se preocupar em como aproveitar eficientemente o novo instrumento. A calculadora permite resolver muitas operações o que ajudaria na resolução de problemas, não há sentido em usá-la simplesmente em situações como “arme e efetue”.

Com a calculadora pode-se explorar as operações através de resolução de situações onde o aluno precise buscar a solução e não reproduzir. Por exemplo: Resolver a operação 2000 – 190 no lápis e papel trás dificuldades aos alunos devido ao fato de na hora de desenvolver o algoritmo ser necessário fazer trocas o que acarretará num “corta corta”. Não teríamos problemas com a calculadora que daria direto a solução. Muito interessante seria propor aos alunos que resolvessem esta operação, mas existe um problema a tecla de número 2 está quebrada.

Algumas soluções: 1999 – 190 + 1 = 1810

1900 – 190 = 1710 +100 = 1810

Sobre esta situação problema o professor pode iniciar um estudo de estratégias de cálculo mental.

Para resolver operações como, por exemplo, 5 + 1,33, os alunos presos a técnicas operatórias sem pensar nos números em si, ou seja, temos 5 e o outro número é 1 + 33 partes de um inteiro dividido em 100 partes, montam a operação e dão respostas como 1,38. O uso de calculadoras não produz este tipo de erro e permite mais tempo para reflexão sobre os números em si.

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Outras operações apresentam dificuldades na forma lápis e papel, como divisões e multiplicações principalmente quando falamos de números com vírgula. Algoritmos complicados e longos só confundem nossos alunos e faz com que gastem muito tempo desenvolvendo a técnica e no fim nem lembram mais o que realmente queriam resolver. A importância é dada ao desenvolvimento da técnica e não se pensa na operação em si e nem em seu resultado.

Nossos alunos não vêm significado algum na reprodução das técnicas e só erram. Grande maioria dos alunos se considera ruins em matemática e se afastam desta ciência que poderia promover a eles situações onde a criatividade o raciocínio estariam presentes.

COMENTÁRIOS FINAIS

Defendo o uso da calculadora e a extinção dos algoritmos, como aconteceu com os ábacos. Os algoritmos podem ser aprendidos como curiosidades históricas.

O professor deve proporcionar aos alunos situações onde ele possa explorar as potencialidades da calculadora e também ocasiões onde o aluno deve decidir pelo não uso e utilizar, por exemplo, o cálculo mental.

Hoje ainda muitos testes e provas exigem a resolução de operações gigantescas na forma lápis e papel o que não nos permite abandoná-las do ensino. E sabemos que por conta disso muitas pessoas estão sendo excluídas por não dominarem uma técnica ultrapassada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

9 SEIFE, CHARLES. Zero A biografia de uma idéia perigosa. Portugal: Ed. Gradiva, 2001

9 IFRAH, G. Os Números. A história de uma grande invenção. 9 ed. São Paulo: Editora Globo, 1998, 367 p.

9 EVES, H. Introdução à História da Matemática. 1 ed. Campinas: Editora Unicamp, 2004, 843 p.

9 D`AMBROSIO, U. Educação Matemática – da Teoria à Prática, 2 ed. Campinas: 1997

_____________ Etnomatemática – Elo entre as tradições e a modernidade. 2 ed. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2002.

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