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EZLN: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

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Academic year: 2021

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EZLN: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Wilson Silva Silvestre Neto (SILVESTRE, W.S.)1 Universidade Estadual de Londrina

wilson.neto@londrina.pr.gov.br

Em 1º de janeiro de 1994 insurgiu, no Estado mexicano de Chiapas, o Exército Zapatista de Libertação Nacional, um levante armado de camponeses indígenas que lutam pelo direito à posse coletiva da terra e pela dignidade como condição primária para a vida em sociedade.

O EZLN grita i Ya – Basta! E reivindica “Democracia, Justiça e Liberdade” no dia marcado para a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), mostrando ao mundo que a prosperidade do México pretenso a “primeiro-mundista” construía-se falsamente sobre a espoliação das comunidades indígenas que eram deixadas na mais absoluta miséria sem seus meios de subsistência.

O artigo 27 da Constituição mexicana de 1917, que regulamentava a posse das terras coletivas dos ejidos e a proibição de alienação das mesmas, foi alterado por imposição dos EUA e do Canadá como condição sem a qual o México não faria parte do NAFTA. Com a alteração os ejidos podem ser vendidos, o que fatalmente acontece e transforma os indígenas em mão-de-obra barata para os grandes latifundiários.

Em um outro artigo da mesma Constituição, o artigo 39, o EZLN encontrou respaldo para sua sublevação, pautando-se no princípio de que o povo mexicano detém o poder público e a soberania nacional para escolher a forma de governo do país. Na Primeira Declaração da Selva Lacandona o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena (EZLN-CCRI:2000) apresenta o texto constitucional:“ A soberania nacional reside essencialmente e originalmente no povo. Todo poder público emana do povo e se institui em benefício dele. Em qualquer tempo, o povo tem o inalienável direito de alterar ou modificar a forma de seu governo.” A própria Constituição mexicana de 1917, oriunda da Revolução, assegura aos mexicanos o “direito a ter direitos” (Lefort:1991) e o EZLN encontrou nas armas a única opção para insurgir contra o autoritarismo de um governo de “partido-Estado” que limitava as vias de participação política no país.

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Encontrando esgotadas as vias de participação política no México, um grupo urbano de esquerda radical, inicialmente orientado basicamente pelo marxismo-leninismo, juntou-se a camponeses indígenas na Selva Lacandona em Chiapas e formaram um novo movimento político com o fim de, mesmo que por meio das armas, conquistar o espaço político de direito em um país onde o autoritarismo dos governantes é “enrustido” por uma autodenominada democracia. O EZLN desmascara o governo do PRI e demonstra a noção segundo a qual “é impossível ‘reinventar’ a democracia sem explicitar as várias idéias de democracia e isto implica localizar quem, como e porque se fala de democracia” (Fernandes: 1984 apud Rezende:1996, pp.206).

A questão da terra sempre esteve presente nos conflitos sociais da história mexicana, as principais rebeliões e revoltas relacionam-se com o problema agrário, criando um amplo imaginário político de resistência como herança para os camponeses indígenas em especial.

As propriedades comunais indígenas sempre foram atacadas ao longo da história do México. No entanto ainda resistem e mantém a forma de organização cultural e política, onde as decisões são tomadas coletivamente por meio dos comitês e assembléias. O poder nas comunidades é exercido de forma comunal, o autoritarismo é combatido na prática coletiva.

Esta valorização do coletivo das comunidades autônomas e a recusa às práticas hierarquizantes autoritárias talvez tenha sido uma das razões para o fortalecimento dos ideais anarquistas durante a Revolução de 1910. O jornal anarquista Regeneración, de Ricardo Flores de Magón, provavelmente potencializou o movimento revolucionário do sul, liderado por Emiliano Zapata. A organização dos camponeses indígenas em pequenas propriedades comunais era uma idéia atraente aos anarquistas e sobreviveu aos conflitos da Revolução, garantindo-se no artigo 27 da Constituição que seguiu a esta. (Wolf:1984, pp45). Zapata transformou as palavra “Tierra y Libertad” do anarquista Ricardo Flores de Magón em um símbolo de resistência e de luta pela dignidade dos camponeses indígenas, presente até os dias atuais nas manifestações do EZLN.

A forma de organização comunal ainda está presente até mesmo nas práticas políticas dos camponeses indígenas. O EZLN é comandado por um Comitê Revolucionário Indígena e as decisões são tomadas coletivamente em assembléias, o poder não é delegado a um líder hierárquico, porque este não existe.

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Parece que o grupo urbano se viu obrigado a abandonar os ideais marxista-leninista quando entraram em contato com as comunidades, de forma que aprenderam a lidar de uma maneira diferente com as questões políticas. O EZLN demonstra, em sua ação e discurso, valores da cultura política anarquista, inclusive quanto as críticas às práticas revolucionárias antidemocráticas e totalitárias do marxismo-leninismo.

O que se pode observar nos próprios relatos do subcomandante Marcos é que o grupo de origem urbana precisou abandonar o dogmatismo e a idéia de constituir-se como vanguarda do movimento, mantendo assim a estrutura de poder de decisão das comunidades indígenas. Com isto o grupo urbano aprendeu a lutar para mudar a realidade com tolerância a toda forma de diversidade e sobretudo sem autoritarismo.

O EZLN parece tentar construir uma cultura política constituída por valores democráticos voltados para a prática política participativa de toda a sociedade, para a democracia de base, para a autogestão e não para a centralização ou para a hierarquização das organizações políticas. São valores oriundos da cultura anarquista que há muito tempo critica a centralização burocrática e o totalitarismo do marxismo-leninismo. O EZLN não apoia qualquer partido político, não apoia a própria idéia de partido político, mas busca dissolver o poder político nas práticas cotidianas em todas as esferas sociais por meio de uma atitude política voltada para a transformação das condições imediatas de vida.

A proposta do EZLN, apesar de demonstrar-se de forma um tanto mais radical, não é diferente do que buscam os chamados novos movimentos sociais, que encontraram apoio inclusive em uma ala da Igreja Católica caracterizada pela Teologia da Libertação.

O EZLN convoca a sociedade civil para a construção de uma democracia pautada na pluralidade política, para a ampliação absoluta do espaço de participação política, para a superação das formas tradicionais de representação política.

Talvez a maior arma tática da guerrilha do EZLN seja a utilização da tecnologia da internet. Com o uso da internet o grupo mantém contato com a opinião pública internacional, com intelectuais, com grupos políticos e com simpatizantes de todas as partes do mundo. De forma que o EZLN provocou a construção de uma gigantesca rede virtual internacional de resistência em um período de refluxo da esquerda marxista em todo o mundo.

Com a atual hegemonia da mais violenta e excludente experiência capitalista a Esquerda em todo o mundo procura construir uma forma alternativa para enfrentar as forças neoliberais. Neste sentido, as práticas políticas do EZLN talvez possam influenciar

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na busca de opções para enfrentar o atual quadro de dominação política e ideológica neoliberal.

O EZLN realizou nas montanhas do sudeste de Chiapas, entre os dias 27 de julho e 03 de agosto de 1996, o Encontro Internacional pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, que ficou conhecido como a Internacional da Esperança. Assim o EZLN tornou-se a gênese do movimento antiglobalização contra o neoliberalismo em todo o mundo. Na carta de convocação para o encontro o subcomandante Marcos afirma que é necessário construir uma nova cultura política e dissolver o poder entre todos os que estão passíveis a este.

A concepção democrática de abertura do espaço da fala para tantos quantos forem os envolvidos na realidade social, parece que esteve presente desde a formação do EZLN, quando basicamente dois grupos distintos, um de origem urbana e outro de camponeses indígenas, um sob um devir histórico contemporâneo e o outro sob um devir histórico tradicional, absolutamente distintos, juntaram-se para propor uma outra prática política no México, pautada na participação de todos, os mais diversos possíveis e, sem uma idéia acabada do que seja esta democracia. Longe da idéia de um grupo sobressair-se ao outro, o EZLN parece ter se constituído por meio de uma relação pautada no respeito às diferenças de cada grupo. A organização do EZLN demonstra um movimento de valores voltados para a ampliação do potencial político dos indivíduos, direcionados para a igualdade, dignidade e liberdade. Além disso, a sua relação com a sociedade civil reafirma a característica de ser um movimento que busca ampliar o espaço político como um todo, para toda a sociedade mexicana e não apenas para as comunidades indígenas.

O EZLN demonstra características que o aproxima dos chamados novos movimentos sociais, como a democracia participativa de base, a noção de direitos como construção coletiva, a estrutura interna não hierárquica, a luta para politizar as relações do cotidiano e, diferencia-se dos movimentos voltados para a conquista do poder do Estado, apesar de seus traços de guerrilha antiimperialista. No entanto, o que se pode dizer, longe da pretensão de querer entalhar rótulos, é que se trata de uma tentativa de construção de uma nova cultura política, com uma nova forma de lidar com o poder.

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EZLN, CCRI. Primeira Declaração da Selva Lacandona. GENNARI, Emilio (org.). Terra e Liberdade! O grito de Zapata corre o mundo. Campinas. Texto digitado, 2000, p.13.

LEFORT, Claude. Pensando o Político – ensaios sobre Democracia, Revolução e Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1991.

FERNANDES, Vicissitudes da democracia reinventada. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 set. 1984. Caderno 1, p.03 apud REZENDE, Maria José de. A Transição como forma de dominação política: o Brasil na era da abertura – 1980-1984. Londrina: Ed. da UEL, 1996, 209.

REZENDE, Maria José de. A Transição como forma de dominação política: o Brasil na era da abertura – 1980-1984. Londrina: Ed. da UEL, 1996, 209.

SILVESTRE, W.S. EZLN: Luta Armada e Pluralidade Política. Revista Mediações – Programa de Pós-Graduação – Departamento de Ciências Sociais – Universidade Estadual de Londrina. v.6-n.2-jul\dez2001.

SILVESTRE, W.S. EZLN: MANDAR OBEDECENDO. Tese de Mestrado - Universidade Estadual de Londrina: Jul.2003.

Referências

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