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A não representatividade da mulher negra na Rede Globo: a telenovela O outro lado do Paraíso

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Academic year: 2021

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A não representatividade da mulher negra na Rede Globo: a

telenovela O outro lado do Paraíso

Fernanda Laureano1

Historicamente a mulher negra vem sendo invisibilizada, criticada e humilhada pela sociedade. Além disso, sabe-se que a população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência no Brasil, pois, segundo dados do IBGE2, mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos ou pardos, sendo que, a cada dez pessoas, três são mulheres negras. Esse dado pode não parecer relevante se não explicado onde está essa população negra e, a partir daí, questionar sobre quais papéis na sociedade estão sendo ocupados por ela. A Organização das Nações Unidas (ONU) juntamente com o Ministério Público do Trabalho alerta que, no mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral. De acordo com o Atlas da Violência 20173, a população negra também corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. Fazendo um recorte ainda menor, a mortalidade de mulheres não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, e entre as mulheres negras o índice subiu 22%. A partir desses números, torna-se fácil perceber que o povo negro está em desvantagem, sofre preconceito, racismo, ganha menos, ocupa posições inferiores. E se pensarmos nessa realidade voltada para as mulheres, percebemos que elas ainda sofrem preconceito de gênero, violência doméstica, violência obstétrica, entre outros. Então, a situação da mulher negra ainda é pior que a do homem negro, compreendida como uma dupla subordinação.

Essa realidade por ser vista de forma simples em nossa sociedade se pensarmos em quantos colegas negros tivemos na escola durante a educação infantil. Quantos eram os professores e diretores? E no ensino médio e superior? E nesses contextos, quantos eram mulheres? Percebemos, com isso, que esses números nunca foram igualitários e esse

1 Graduanda de Relações Públicas na Universidade Federal de Santa Maria, Integrante do Programa de Educação

Tutorial - PET Comunicação Social; Integrante do grupo de pesquisa Estudos Culturais e Audiovisualidades. E-mail: fernandallaureano@gmail.com

2 Disponível em:

<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/seis-estatisticas-que-mostram-o-abismo-racial-no-brasil>; Acesso em: 20 de abril de 2018

3 Disponível

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2 cenário social vai refletir nas representações midiáticas que temos hoje. Destacamos, assim, que os principais artistas da televisão brasileira não são negros e também não são mulheres negras. O jornalismo também não é produzido por negros. O enquadramento em reportagens ou notícias, muitas vezes, marginaliza o povo negro. Nas telenovelas, essa realidade não é diferente. O número de atrizes e atores negros é reduzido, e o papel dado a eles muitas vezes é estereotipado, além de reafirmar preconceitos nos relacionamentos interraciais retratados.

Com base nesse cenário, neste trabalho objetivamos analisar de que forma é representada a mulher negra, neste caso a personagem Raquel (Erika Januza), na telenovela O Outro lado do Paraíso. Essa telenovela é exibida pela Rede Globo, no horário das 21 horas desde 23 de outubro de 2017. Nela, Erika Januza interpreta Raquel que, na primeira fase, morava em um Quilombo e depois vai para a cidade com o intuito de trabalhar e conseguir pagar os estudos. Já na segunda fase da telenovela, ela se torna a juíza da cidade de Palmas.

Para tal, a pesquisa terá aporte teórico dos estudos culturais, um campo de investigação de caráter interdisciplinar que explora as formas de produção ou criação de significados e de difusão dos mesmos nas sociedades atuais. Ou seja, segundo Hall (2016), visa o estudo de aspectos culturais desse meio. Essa área de pesquisa tem surgimento no final da década de 1950 com os trabalhos iniciais de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward Thompson. Entretanto, somente a partir do ano de 1964 que o campo passa a existir de forma institucionalizada com a criação do Centre of

Contemporary Cultural Studies - CCCS, na Inglaterra. Com sua atenção voltada para as

classes trabalhadoras, a cultura da juventude, das mulheres, da feminilidade, da raça e etnicidade, das políticas culturais, da língua e dos media, os estudos culturais questionam o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais. Entre os objetivos desse campo de estudos está a proposta de desvelar discursos antes ocultos e sem voz, para então, compreender as condições em que são produzidos e recebidos.

É a partir dessa lógica que Jameson (2016) vai afirmar que os Estudos Culturais são, na verdade, um sintoma, ou seja, devem ser considerados como manifestação de grupos sociais que refletem o que acontece em um contexto maior. Assim, o que o referido autor está dizendo é que os Estudos Culturais têm dado espaço para uma série de temáticas ou grupos que até então eram desvalorizados, invisibilizados ou não tinham poder de

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3 expressão na sociedade tradicional. Quando esses grupos emergem, sua presença traz à tona uma série de problemáticas e agendas que não eram debatidas. Dessa forma, considera que os Estudos Culturais atuam como um sinônimo de "o que é politicamente correto", relacionando-o à valorização da política cultural dos vários "novos movimentos sociais", como o antirracismo, antissexismo, anti-homofobia e de todos aqueles que não têm sua voz ouvida. Inclui-se aí, também, os produtos até então desconsiderados como culturais, aqueles produzidos por esses grupos ou relacionados aos meios de comunicação de massa.

Nesse contexto, para os estudos culturais, a preocupação com os debates envolvendo gênero tiveram início nos anos 1970, quando se incorporam às questões trabalhadas os estudos feministas com questionamentos referentes à identidade e seu não determinismo apenas por questões culturais, mas também, de gênero. Assim, nessa época, o conceito de gênero começa a ser utilizado como uma forma de diferenciação entre o sexo como algo biológico e o gênero como resultado de construções sociais e culturais. Essa diferenciação era um modo de enfrentar o determinismo biológico, segundo o qual as características consideradas femininas eram derivadas naturalmente do seu sexo. Destacamos, no entanto, que nesse primeiro momento, que se relaciona a segunda onda do movimento feminista, a categoria “mulher” era universalizante, desconsiderando outros aspectos – além do gênero - que poderiam fazer parte da construção das identidades femininas. Posteriormente, as questões de identidade étnica começaram a integrar os debates sobre gênero a partir do entendimento das múltiplas identidades femininas – mulheres diferentes que passam por experiências diferentes não terão uma única identidade da mulher. Esses fatores, gênero, raça e também classe, passam, então, a serem utilizados para questionar as formas de dominação, opressão e marginalização que determinam as identidades (Piscitelli, 2008).

Essas relações se tornam pertinentes, pois, conforme Luiza Bairros (s/ano)4, o racismo e o sexismo influenciaram as relações que determinaram a sociedade brasileira no seu momento fundador. Isso está no DNA de nossa sociedade, é estruturante. E, hoje, mesmo analisando tudo o que já mudou em relação ao que consideramos violência, não há como discutir violência contra as mulheres sem discutir racismo e sexismo no Brasil.

4Disponível em: < http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossies/violencia/violencias/violencia-e-racismo/>;

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4 Metodologicamente, nossa pesquisa se valerá da Análise Textual, proposta por Casetti e Chio (1999), que é uma análise que não se contenta em verificar e classificar os seus elementos e conteúdos em separado, mas sim, por entender a estrutura de significação que se cria; os elementos lingüísticos que a dão forma; os inter-textos e as atualizações destes; as representações que neles se constroem; seus funções sociais; assim como os processos interativos, levando em conta não somente lugares como a produção e a recepção, mas também as marcas desse lugares e desse processo inscritos nos textos. Este método compreende os textos como elementos complexos, em que são reconhecidas as realizações linguísticas e comunicativas. Ainda, a partir da análise textual é possível ir além do próprio texto, problematizando atitudes e valores de quem os cria, revelando o modo como algo é proposto e apresentado a uma audiência. Ou seja, se por um lado a análise textual atenta para os elementos concretos do texto e sua construção, por outro também atende aos modos interpretativos desses textos e seus significados, valorizando os temas de que se falam e as formas pelos quais são enunciados.

Utilizamos, então, o esquema de leituras proposto por Casetti e Chio (1999), que se estrutura como um guia para organizar e compreender o objeto a ser analisado e suas características de acordo com diversas categorias. Com base nisso, pretendemos analisar a telenovela a partir de alguns aspectos principais. Sendo assim, o esquema proposto para este trabalho é dividido em duas categorias:

a. Sujeito: É a análise dos personagens em si. Observaremos como se apresentam no tempo e espaço, como se dá seu comportamento em relação às roupas, aos gestos, ao deslocamento espacial, à postura e, ainda, qual é a sua função na continuidade da telenovela e suas respectivas narrativas. Escolhemos analisar quatro personagens, Raquel (Erika Januza), Nádia (Eliane Giardini), Bruno (Caio Paduan) e Gustavo (Luis Mello).

b. Texto verbal: São as falas e diálogos marcantes das cenas analisadas. Observaremos, também, o conteúdo do discurso, seu tratamento e valorização explícita ou implícita, como juízos verbais pronunciados de/sobre sujeitos.

Em sua narrativa, a telenovela conta a história de Raquel, que, ao longo da primeira fase (Figuras 1 e 2), sofreu com o racismo de Nádia (sua “patroa” e quase sogra). Além dos comentários dela, ainda sofreu preconceito de Gustavo, marido de Nádia, pois, quando Bruno (filho do casal) começou a namorar Raquel, este dizia “isso é coisa de

Figura 1: Raquel na primeira fase da telenovela

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5 homem, que precisava se divertir, que ele mesmo fazia isso com as ‘negras’ que trabalhavam na casa dele quando jovem”.

Na segunda fase, Raquel volta na casa a convite de Nádia (sem saber que Raquel era a nova juíza (Figura 3)), para um jantar de apresentação. Nádia se contém durante o jantar, porém continua sendo racista. A trama continua com idas e vindas do casal Bruno e Raquel (Figura 4), e com muitas interferências de Nádia – que só irá aceitar o relacionado no fim da trama. Essa aceitação, no entanto, só ocorre, pois Nádia terá um neto negro, filho de Diego e Karina (ambos brancos) o que a leva a descobrir que em sua família existem parentes negros. Após esse reconhecimento, Nádia passa a “aceitar” Raquel.

Preliminarmente, podemos perceber que há uma representação de mulher negra na novela, no entanto não existe representatividade. Além disso, há uma estereotipização do corpo da personagem Raquel na primeira fase. Observamos, ainda, que na segunda fase da novela a personagem passa a ser caracterizada de outra forma, mais elegante e sóbria, diferentemente do início da trama. Nesse ponto, também podemos fazer o recorte de classe, visto que, na primeira fase, a personagem era uma empregada doméstica e na

Fonte: GShow

Fonte: GShow

Figura 2: Raquel e Nádia na primeira fase da telenovela

Fonte: GShow Fonte: GShow

Figura 3: Raquel na segunda fase da telenovela

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6 segunda, a juíza da cidade. Junto a isso, será problematizado, ainda, o relacionamento interracial e as diversas formas de preconceito e enfrentamentos dessa realidade.

Palavras-chave: Estudos culturais; Representação; Gênero; Mulheres negras; Telenovela

Referências bibliográficas

CASETTI, Francesco; CHIO, Frederico di. Análisis de la televisión: instrumentos, métodos y prácticas de investigación. Barcelona: Paidós, 1999.

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016. JAMESON, F. Los estudios culturales. Buenos Aires: Godot, 2016, edição Kindle. PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. In: Sociedade e Cultura. Goiânia: UFG, v.11, n.2, P.263-274, 2008.

Dossiê Violência contra as Mulheres. Disponivel em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-e-racismo/>. Acesso em: 26 de novembro de 2017.

Atlas da Violência 2017. Disponível em:

<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/atlas-da-violencia-2017-negros-e-jovens- Gshow.com: Disponivel em:

<http://gshow.globo.com/novelas/o-outro-lado-do-paraiso/capitulo/2017/10/28/gael-agride-clara.html#video-6251556> Acesso em: 26 de abril

Gshow.com: Disponivel em: <http://gshow.globo.com/novelas/o-outro-lado-do-paraiso/capitulo/2017/11/07/nadia-flagra-bruno-com-raquel.html#video-6273184> Acesso em: 26 de abril de 2018.

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