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5. Considerações Finais

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Academic year: 2021

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A análise da temática ‘patrimonialização de bares e botequins no Rio de Janeiro’ é recente no âmbito acadêmico (geográfico, sobretudo) da cidade do Rio de Janeiro. Todavia, mesmo que os debates sobre esses ‘símbolos da carioquice’ não sejam aprofundados, eles foram os instrumentos que me despertaram curiosidades e questionamentos, culminando na pesquisa sobre a patrimonialização no Rio de Janeiro.

Os bares e botequins não se configuraram como a única preocupação dessa pesquisa. O patrimônio cultural e o seu processo foram escolhidos para conectar os estabelecimentos comerciais / espaços de sociabilidade à gestão da cidade do Rio de Janeiro na atualidade, com o suporte dos dois decretos de patrimonialização ocorridos em 2011 e 2012. Trazer essa discussão para a Geografia deve ser considerado o maior dos exercícios acadêmicos dessa dissertação. Soma-se a esse exercício, a compreensão da gestão municipal de sustentabilidades para a preservação da história e paisagem cultural da cidade do Rio de Janeiro, a partir dos bares e botequins.

É necessário que os estudiosos dedicados à compreensão da gestão do território e cultural (sejam eles geógrafos, arquitetos, administradores, antropólogos...) tendo como finalidade maior a qualidade de vida das populações que vivem nos recortes espaciais estudados admitam a cultura como um dos pontos centrais a guiar seus trabalhos na teoria e na prática. Não há mais como ignorar a cultura e, portanto, as suas tradições e identidades como essência de desenvolvimento e na busca por sustentabilidades, ainda mais se pensarmos nas escalas local e regional indissociadas da escala global.

Uma discussão que envolva gestão de um espaço sustentável nos leva, obrigatoriamente, para questões que abarquem as políticas públicas como instrumentos da gestão. Relembra-se que as leis e decretos são o cerne das práticas políticas (e das políticas públicas) sobre as quais o espaço não pode ser esquecido. Dessa forma, identificar as possíveis contradições das políticas

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públicas de patrimonialização de sustentabilidades no espaço carioca torna-se fundamental, a partir das escolhas feitas até o momento.

Antes de alcançar essas considerações em torno das sustentabilidades (insustentabilidades) dos dois decretos responsáveis pela patrimonialização dos bares e botequins ressalta-se que esses lugares de sociabilidade são admitidos como símbolos culturais cariocas. Bares e botequins são encontrados em várias cidades e estados do país, e são estabelecimentos comercais, como se apresentam hoje, tipicamente brasileiros; porém, a importância deles na formação socioespacial (e na própria paisagem da cidade) do Rio de Janeiro configura-se como algo único. Esta perspectiva é fundante na sua decretação como patrimônio cultural carioca pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Ou melhor, esperamos que assim tenha sido pensado, e não somente pelo viés do patrimônio cultural enquanto mercadoria valiosa a ser cooptado pelo sistema mercadológico em tempos de um capitalismo cultural ou pelo biocapitalismo: o imaterial imponderável da nossa subjetividade é um bem muito poderoso a ser acumulado. Essa mesma imaterialidade / intangibilidade corre riscos maiores em transformar-se em meros produtos, objetos “coisificados” ou feitichizados pela lógica mercantil cujas peculiaridades e especificidades culturais dos lugares ganham destaque.

A grande questão, nesse sentido, são as formas pelas quais essas culturas são assimiladas e potencializadas pelos gestores e demais atores nas diferentes escalas de atuação, já que, por exemplo, elas podem ser tomadas como expressões dos setores estratégicos da economia criativa, que une inovações, imaginações e singularidades, capacitando pessoas, criando empregos e gerando rendas. Atenta-se que não é porque Atenta-se utiliza a palavra economia que instantaneamente o pensamento deve ser remetido à questão puramente mercadológica, muito pelo contrário. Como exposto, o turismo cultural não deixa de ser uma atividade comercial considerada para o desenvolvimento local e regional. Sabe-se que a reprodução da desigualdade em todos os seus sentidos é uma necessidade estrutural para a manutenção da própria lógica vigente na qual o patrimônio cultural imaterial está inserido; todavia, se é da cultura que pode advir o lucro,

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também é a partir dela pode se pensar em conceber um novo projeto de desenvolvimento: o sustentável.

Dessa forma questiona-se muito a inserção do patrimônio cultural em discussões sobre sua mercantilização. Essa dissertação reforça a ideia de que vivemos uma complexidade onde a analise econômica não basta e que não pode ser colocada como a questão central. Todas as críticas feitas ao ato de patrimonialização dos bares e botequins devem ser relevantes se deles forem eliminadas as possibilidades dos usos para a sociabilidade de quem os vive, cotidianamente. Ou seja, há que temer a patrimonialização se o resgate cultural dessa ação for menos importante do que a dimensionalização da ‘cultura como produto’.

Por transcenderem o que eles são (sejam materiais ou imateriais), os símbolos culturais se confundem com a alma da cidade do Rio de Janeiro, carregam memórias, valores, tradições e geram identidades. Eles são permanências e porque não dizer, representam, também, resistências cariocas. Posso afirmar que esses espaços são únicos e merecedores da condição de patrimônio cultural carioca, já levando em consideração todas as diferenças e semelhanças entre eles, principalmente, no que diz respeito às suas tradições. Os bares e botequins tradicionais cariocas são símbolos significantes e deles surgem as marcas “botequins chiques”, que extrapolam a escala municipal e nacional, como pode ser visto na reportagem do anexo 7.9 e no trabalho de Conrado e Queiroz (2010).

Para todos os donos / administradores / gerentes / funcionários / colaboradores que responderam ao questionário os seus estabelecimentos são símbolos da cidade e possuem relação com a história da mesma. Para eles, os bares e botequins, além de significarem o lugar onde realizam a vida ou grande parte dela, são referências históricas e se confundem com a fundação da cidade do Rio de Janeiro. A fala a seguir é a retórica dos gestores e frequentadores dos bares e sintetizam a ideia central deste trabalho: “a nossa cidade não teria o mesmo

charme sem os nossos bares e botequins tão queridos”. Ou seja, esses espaços são

de uma sociabilidade peculiar única, frutos de uma cidade que, ao mesmo tempo em que participaram, continuam a participar da produção e reprodução da mesma.

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Quanto aos dois decretos responsáveis pela patrimonialização dos bares e botequins, eles merecem atenção por serem as legislações para as políticas públicas em curso, cujo respaldo, positivo ou negativo, tem forte expressão espacial. As leis regem o espaço e através delas os cidadãos possuem obrigações e têm direitos. Se elas são justas, contemplam as diferenças, não promovem desigualdades, atendem as necessidades da população ou não é outra discussão; de qualquer forma, elas são normas pensadas, criadas e instituídas por aqueles que foram instituídos pela sociedade. Exatamente por serem decretos municipais, eles possibilitam trazer o debate para o lugar, e o município, enquanto gestor fundamental do seu território deve promover a gestão cultural. Essa escala de poder institucional, que tem forte expressão local, é um instrumento de reflexão e ação política fundamental para a população carioca, e, no caso aqui discutido, somente o poder executivo municipal e alguns intelectuais definiram esses patrimônios, o que reduz a prática democrática que se deseja de um governo eleito para atender a população que o elegeu.

Os próprios donos / administradores dos estabelecimentos precisam participar do processo de patrimonialização dos bens culturais. Dessa forma, os decretos reúnem discursos, ideologias e poderes que acabam por priorizar algumas posições, periferizando outras, Talvez, se a participação daqueles que realmente vivenciam esses lugares, como os donos e seus frequentadores fossem mais ativas, mais adequadas poderiam ser as definições patrimoniais.

Por mais que os decretos sejam questionáveis em termos da prática democrática de um processo de gestão municipal, eles representam os primeiros passos na valorização e proteção oficial dos bares e botequins tradicionais da cidade. Da resposta à pergunta realizada pelo questionário “A quem realmente

interessa que os bares e botequins se tornem patrimônio cultural?”, para 28% das

respostas obtidas dos donos de bares e botequins a patrimonialização interessa à cidade e os seus cidadãos e para 36% deles esse processo interessa à própria cidade, ou seja, interessa ao povo carioca. Tornar-se patrimônio é interessante para o governo local e essa ação deve se encarada, também, como um marketing governamental; porém, se interessa aos empresários é fundamental que interesse também à população carioca, em sua maioria. Portanto, esses símbolos precisam

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ser pensados e cooptados por instrumentos políticos que os vejam para além da ‘mercadoria’; Por isso mesmo, os decretos são válidos e não devem ser desqualificados, pois se abre espaço político para a discussão de tais decisões.

Ao relatar a amigos, familiares, e / ou pessoas que desconhecem os decretos de patrimonialização, que o conjunto total desses bares e botequins é de vinte e seis estabelecimentos eles tendem a surpreender-se: “mas só”. É compreensível tal estranhamento, pois a cidade do Rio de Janeiro é composta por centenas (talvez milhares) de bares e botequins. Porém, em primeiro lugar, deve-se atentar que os decretos não levam em consideração, por exemplo, aqueles pertencentes a redes como os ‘Belmontes’ e os ‘Botequins Informais’. Além disso, esses decretos são iniciais e, sendo assim, a tendência é de que novos lugares venham a ser considerados, afinal, mesmo dentre aqueles que são tradicionais, únicos, representantes dos bairros e comunidades, vinte e seis continua a ser uma quantidade muito baixa. Daí a importância da população local, da assimilação do vivido pelos frequentadores mais assíduos e das histórias por parte dos donos para a realização de mais decretos.

Por mais que os decretos em si não façam menção nos seus parágrafos à participação da sociedade, como um todo, durante o processo, eles se baseiam e são fortalecidos tanto pelos Artigos 215 e 126 da Constituição Federal de 1988 assim como, na escala municipal, pela Lei Complementar 111 de 1° de fevereiro de 2011. Tanto a legislação federal quanto a municipal garantem a participação social. Ou seja, fica a pergunta no ar: que atores sociais a prefeitura da cidade levou em consideração para formular os decretos n.º 34.869, de 05 de dezembro de 2011 e n° 36.605 de 11 de dezembro de 2012? Os donos / administradores, pelo menos, sabe-se que não, por conta das respostas do questionário a eles direcionado. Por ter sido desconsiderada a participação da sociedade na definição das políticas de patrimonialização dos bares e botequins, estas não podem ser concebidas como ‘políticas públicas sustentáveis’.

Para grande parte dos donos dos bares e botequins patrimonializados, estes seguirão independente do “status” / título recebido. Para eles, a legislação pode ajudar esses bens, já que muito antes de se tornarem patrimônio os símbolos já possuíam ressonância para a comunidade. Nesse sentido, o debate em torno de

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iniciativas voltadas para os bares e botequins ganha força, já que não basta somente torná-los patrimônios, mas sim incentivar e aprimorar as características da patrimonialização, tornando-a mais abrangente e favorável aos espaços de sociabilidade, em se tratando da sua manutenção material. Assim eles podem conseguir ampliar a força dos proprietários contra a lógica mercadológica, que, ao mesmo tempo em que se apropria das diferenças culturais, impõe uma receita dominante.

Além disso, não há como não lembrar que se a população, entre eles os próprios donos, não sabe o que significa tornar-se um patrimônio cultural imaterial muita coisa se perderá. É preciso que se entenda que a categoria patrimônio não se relaciona somente à cidade material, mas que ela incorpora intangibilidades diversas, das quais se criam e reforçam, também, as identidades. E a cidade do Rio de Janeiro é material, simbólica e imaterial simultaneamente, diferente de outras cidades cuja materialidade é mais importante do que a sua própria identidade cultural.

O patrimônio é um instrumento de luta política e por isso, a educação patrimonial necessita ser inserida nos processos educacionais escolares e comunitários. Como carioca e geógrafa preocupada em entender a gestão que a cidade vivencia, passei, cada vez mais, a acreditar que gerir o espaço da cidade do Rio de Janeiro significa também dar espaço (repetição proposital) a tudo aquilo que a nossa cidade tem e pode oferecer e, dentre as tantas possibilidades de estudo, os nossos bares e botequins. Enxerguei através desses símbolos culturais, que estão em constante simbiose com a cidade, possibilidades de irem além de uma gestão puramente técnica e rígida, administradora por si só, pois esse tipo de gestão não tem como finalidade principal oferecer qualidade de vida à população carioca.

Por essa pesquisa, os bares e botequins são apropriados por uma discussão teórica geográfica e das demais Ciências Sociais, e o conceito patrimônio cultural ganha outra “roupagem” para não ser banalizado por uma gestão territorial insustentável. Finalmente, os bares e botequins são merecedores do título de patrimônios culturais na cidade do Rio de Janeiro e esta cidade, ao assumir a intangibilidade desses estabelecimentos como norteadores de políticas públicas de

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patrimonialização, constrói-se em imaterialidades e subjetividades, e é aí que está a alma carioca para que a sustentabilidade possa ser atingida no âmbito da qualidade de vida de quem vive o Rio de Janeiro cotidianamente.

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