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Política, imprensa e perseguição no Pontal do Triângulo Mineiro (1964)

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Política, imprensa e perseguição no

Pontal do Triângulo Mineiro (1964)

Caio Vinicius de Carvalho Ferreira

Resumo: Em 1964, com o golpe civil-militar, a

microrregião do Pontal do Triângulo Mineiro foi afetada por uma junta militar armada que, em aliança com civis do município de Ituiutaba, executou uma série de ações arbitrárias, destituindo gestores de seus cargos políticos, fechando um jornal local e perseguindo lideres de movimentos de trabalhadores. Esse artigo tem a pretensão de analisar, por meio de diversos tipos de fontes, esses eventos na microrregião do Pontal do Triângulo Mineiro, procurando entender o processo histórico, os fatores indicativos e as repercussões desses acontecimentos nesta conjuntura sociopolítica.

Palavras-chave: Golpe de 1964; Pontal do Triângulo

Mineiro; Perseguição política.

Abstract: After the civil-military coup in 1964, the

microregion of Pontal do Triângulo Mineiro was affected by an armed military junta. In cooperation with civilians from the Municipality of Ituiutaba, the military junta took several arbitrary actions, such as forcing politicians to resign from office, closing a newspaper, and persecuting leaders of workers’ movements. Based on different sources available, this article aims to analyze these events in the microregion of Pontal do Triângulo Mineiro, seeking to understand the historical process, indicative factors, and repercussions in this sociopolitical context.

Keywords: 1964 Brazilian coup d'état; Pontal do

Triângulo Mineiro; Political persecution.

Graduado, mestre e doutorando em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Esse artigo é uma

síntese parcial derivada da dissertação Política, imprensa local, perseguição: O golpe de 1964 no Pontal do

Triângulo Mineiro, defendida em fevereiro de 2017. A pesquisa foi financiada pela CAPES.

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As mudanças políticas introduzidas pelo golpe de 1964 impactaram a vida de pessoas em diversas regiões do Brasil, dos grandes centros urbanos ao interior do país. Os estudos sobre essa temática deram mais atenção aos acontecimentos decorridos nas capitais e cidades maiores, porém, relegaram experiências em pequenas cidades interioranas. Entretanto, muitas tramas políticas desdobraram-se à margem dos processos mais destacados e evidenciados pela historiografia.

Essa pesquisa propõe a reflexão sobre alguns eventos ocorridos em 1964 na microrregião do Pontal do Triângulo Mineiro, que tinha como maior e mais influente expoente, em termos políticos e econômicos, a cidade de Ituiutaba. Em 1964, o poder Executivo da cidade pertencia aos membros eleitos pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) local, que também representava, à época, a maioria no poder Legislativo da cidade. A Câmara Municipal também tinha, em sua bancada, membros do Partido Social Democrático (PSD) e da União Democrática Nacional (UDN). Com as mudanças políticas forçadas pelo golpe civil-militar, os gestores municipais foram surpreendidos pela intervenção de uma junta militar vinda de outro município. Essa ação contou com o apoio de nomes influentes na política de Ituiutaba, principalmente de integrantes da UDN. Foi nesse contexto que os gestores políticos do PTB (Prefeito, vice e vereadores), ligados às causas trabalhistas, foram depostos de seus cargos. No poder Executivo, foi instituído o novo prefeito, o mesmo que, antes, atuava como um dos vereadores da UDN local.

Além das deposições desses administradores ligados às políticas trabalhistas, outras arbitrariedades foram executadas por essa aliança civil-militar local. Através dela, foi fechado um jornal local, a Folha de Ituiutaba, sendo presos o redator-chefe e o dono. Ambos permaneceram um período em cárcere privado no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em Belo Horizonte (MG). Na sequência, ressurgiu outro jornal de publicação regional, o Correio do Triângulo, periódico que já havia circulado na região em 1959. Agora, ele aparece em outro formato: é o novo veículo de comunicação representante de ideais alinhados ao discurso da UDN e dos militares.

Na sequência destes atos, outros civis desta microrregião, rotulados como “comunistas” ou “membros do credo vermelho”, foram perseguidos e presos sob acusações de apologia e propaganda em favor da “revolução comunista” e da “subversão”. Entre essas pessoas, havia lideranças de movimentos de trabalhadores regionais e/ou pessoas ligadas ao Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba. Algumas também colaboravam com textos para a Folha de

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Assim como na cidade mineira, as perseguições promovidas pelo Estado a lideranças de movimentos sociais, jornalistas e figuras políticas, e a cassação de direitos políticos destas pessoas, ocorreram em todo o Brasil durante boa parte da ditadura militar (1964-1985). Entretanto, o que quero diferenciar nessa pesquisa é que esses eventos também se deram em uma região periférica do país, com suas características peculiares. Tendo em vista esta experiência, também podemos afirmar que, dentre os desdobramentos decorrentes desses primeiros atos intervencionistas, depreende-se aquilo que as análises historiográficas estabelecem acerca da própria definição do golpe em termo de seu caráter “civil-militar”1. A

condução do golpe só aconteceu, de fato, por uma aliança entre parte da sociedade civil e o militares.

Politicamente, esses eventos na região só foram possíveis graças à efetivação do Ato Institucional Nº1 (AI-1). E muito do que se ouve falar das perseguições, censuras, prisões, cassações, torturas, extermínios, entre outras barbaridades promovidas pela ditadura, foi efetivado por meio do Ato Institucional Nº5 (AI-5), decretado em 1968. Contudo, o AI-1 deu ao governo federal o poder de alterar a Constituição, cassar leis do Legislativo, suspender direitos políticos, demitir e aposentar qualquer pessoa considerada subversiva e de potencial risco à segurança do país. A intenção, na realidade, foi neutralizar e eliminar qualquer forma de oposição, e legitimar a recém-instituída ditadura2.

O golpe e os anos subsequentes em que a ditadura esteve em vigor repercutiram e impactaram conjunturas políticas, e alteraram o cotidiano da população de pequenas cidades em proporções, até então, pouco estudadas. Essas particularidades são exemplos de que a ditadura afetou espaços além dos já conhecidos pela historiografia.

Sendo assim, esse trabalho tem como objetivo central analisar, historicamente, o processo político, a repercussão, o impacto e a reorganização do poder no Pontal do Triângulo Mineiro em meio ao golpe civil-militar de 1964. Apresentarei como se deram as disputas pela hegemonia política e quais foram os episódios que compreenderam as relações entre as forças políticas existentes na microrregião com o governo autoritário instaurado, além da relação entre os civis e os militares envolvidos. Busco também identificar os motivos das deposições dos cargos políticos públicos e das prisões realizadas, além de elencar as razões que conduziram ao fechamento do jornal Folha de Ituiutaba e suas consequências, pensando as possíveis ligações

1 FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. 3. ed. Rio de Janeiro:

Record, 2014; NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2014.

2 ALVES, Maria H. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis Marques. Ed. Petrópolis,

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entre este evento e o surgimento do Jornal Correio do Triângulo. Por fim, também refletirei sobre a perseguição a outros sujeitos da cidade tidos como “comunistas”, sendo, na realidade, lideranças sindicais e líderes de movimentos de trabalhadores.

Importante ressaltar que, aqui, temos uma narrativa específica sobre uma localidade, sobre um determinado período e suas peculiaridades. Este trabalho se encaixa no que conhecemos como uma história local ou regional. É necessário historicizar o espaço físico abordado, afinal, são eles que dão origem às práticas e ações que servem de base a projetos políticos, administrativos, culturais, étnicos e estéticos, que definem as fronteiras e os domínios históricos. Em práticas de significação, as regiões são organizações humanas que ordenam a natureza e atuam como objetos em movimento, em construção e desconstrução3.

Quanto às fontes históricas, utilizei uma gama de documentos referentes aos eventos de 1964. Temos depoimentos orais, que foram privilegiados na composição deste trabalho por serem fontes únicas de narrativa das experiências vividas. Para isso, foram gravadas entrevistas com 10 pessoas que vivenciaram direta e indiretamente essa trama. Segundo Alberti4, o fazer desse tipo de fonte, se constitui na produção de entrevistas com pessoas que participaram e testemunharam conjunturas do passado, e se apoia nos contextos temáticos e do objeto em que se almeja pesquisar.

Ainda sobre as fontes utilizadas na construção da crítica e da narrativa, há, também, documentos textuais. Analisei documentos da polícia política (DOPS/MG) e arquivos do poder Legislativo (como as atas da Câmara Municipal de Ituiutaba) tudo produzido no contexto de 1964. No que se refere às fontes textuais, concordo com o proposto por Barcellar, que afirma que é dever do historiador “cruzar as fontes, cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto e contexto, estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências, e produzir um trabalho de História”5.

Como documentos da polícia política, utilizei fichas do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS-MG) que abordam a ação feita na microrregião em 1964. Esses arquivos encontram-se todos disponíveis para a pesquisa no site do Arquivo Público

Mineiro6. Minha pretensão, ao analisar os documentos da polícia política, foi compreender a

3 ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval M. de. O Objeto em Fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região.

Fronteiras (Campo Grande), v. 10/17, p. 55-67, 2008.

4 ALBERTI, Verena. Histórias Dentro da História. In: PINSKY, Carla B. (org.). Fontes Históricas. 2º Ed. São

Paulo: Contexto, 2010, p. 155-202.

5 BARCELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos Arquivos. In: PINSKY, Carla B. (org.). Fontes Históricas. 2º Ed. São

Paulo: Contexto, 2010, p. 72.

6 Para pesquisar os arquivos do DOPS-MG, basta acessar: <

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visão dos perseguidores e como estes agiram. Afinal, os documentos da polícia são, de maneira geral, relativos à ação repressora do Estado e como, nas mais diversas ações, os sujeitos são investigados, capturados, julgados e presos.

Para a análise, também utilizei os documentos referentes ao poder Legislativo da cidade e às atas da Câmara Municipal de Ituiutaba, que se encontram abertas para pesquisa na própria casa. Cabe ressaltar que atas de Câmaras Municipais, apesar de serem documentos oficiais e de caráter administrativo, se analisadas a “contrapelo” podem evidenciar as disputas e os diferentes projetos políticos de conquista hegemônica nas relações de poder, identificado o quê e pelo quê cada um luta, e o teor das aprovações e recusas de determinados projetos de lei.

Outra categoria de documentos que se fizeram indispensáveis nesse trabalho são as fontes hemerográficas. A imprensa local foi importante não só dentro do processo político do golpe de 1964 nesta microrregião, como também foi uma de suas protagonistas. Assim, procuramos analisar essas mídias e compreender como elas agiram durante o processo político. A imprensa, cotidianamente, registra os lances políticos de forma a incutir que, mais do que a descrição dos fatos, existe também um posicionamento de quem escreve. Luca afirma que, ao analisarmos fontes impressas, devemos nos atentar à informação escrita, à materialidade e ao visual do periódico. Por isso, torna-se essencial entendermos a relação da imprensa com o mercado e avaliarmos seu meio de sobrevivência financeira, o seu público e seus objetivos7.

Para isso, utilizo dois diferentes jornais: O Correio do Triângulo, que conta com um acervo disponível para estudo no Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Pontal (CEPDOMP) da Universidade Federal de Uberlândia; e a Folha de Ituiutaba, que contém dois arquivos públicos que a tutelam: o já citado CEPDOMP, que guarda um acervo do jornal, e um arquivo online, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional.

Politica institucional no Pontal do Triângulo Mineiro em 1964

Localizada no oeste de Minas Gerais, na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, em meio ao cerrado e no limite com o estado de Goiás, Ituiutaba8 se insere na

7 LUCA, Tania R. de. A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla B. (org.). In: Fontes

Históricas. 2º Ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 111-153.

8 Até meados da segunda metade do século XX, várias cidades que comportam a microrregião eram distritos que

pertenciam ao município de Ituiutaba. Até parte dos anos 60, foram emancipadas as cidades de Guarinhatã, Ipiaçu, Capinópolis e Cachoeira Dourada.

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microrregião conhecida como Pontal do Triângulo Mineiro. É a principal referência econômica e política desta região. Nos anos 1960, a cidade tinha uma população de 70.9929habitantes.

Nessa época, Ituiutaba era considerada polo nacional da produção de arroz, motivo pelo qual ficou conhecida como a “capital do arroz”. Durante as décadas de 1950/60, a cidade passou por modificações socioeconômicas causadas, especialmente, pelo processo de industrialização proporcionado pela rizicultura. Com a falta de mão de obra local, um grande contingente de nordestinos migrou para executar o trabalho nas lavouras e nas indústrias de arroz, aumentando consideravelmente o número de habitantes na região.

Foi nesse contexto que se formou na região uma peculiar elite política que promoveu diferentes projetos políticos diretamente ligados ao latifúndio, às indústrias e aos trabalhadores. A cidade chegou aos anos 1960 com três partidos disputando a hegemonia política local (os mesmos eram, também, os maiores em representatividade nacional): UDN, PSD e PTB.

O PTB tinha como bandeira a reivindicação de políticas trabalhistas, tendo o ex-presidente Getúlio Vargas como sua grande inspiração. O partido, ao mesmo tempo em que reclamava a herança varguista, paulatinamente se desvinculava dessa imagem adotando um novo projeto reformista, em torno das Reformas de Base, que eram o carro-chefe da gestão do presidente João Goulart10. O diretório local do PTB agregava reivindicações dos trabalhadores locais dentro de uma nova realidade socioeconômica que começava a se desenvolver na cidade. A implantação da rizicultura trouxe também novos problemas e novas crises no espaço do trabalho, pois, conforme a economia se modificava, também despontavam novos atores políticos.

Em contraposição, a UDN se firmava como um partido antigetulista. Seus membros criticavam o excesso de intervenção do Estado na economia e se posicionaram a favor da abertura ao capital estrangeiro. Sendo um partido conservador, havia uma identificação com pautas como o liberalismo, moralismo e elitismo, uma defesa dos interesses de proprietários rurais e empresariais, e um posicionamento contra reivindicações trabalhistas 11. Por isso, a

UDN configurou-se como a maior inimiga do PTB. Localmente, ela tinha um forte apelo representativo não só entre os donos de indústrias, mas também entre os proprietários rurais.

9 Esse contingente englobava a população urbana, rural e distritos. Essas informações foram retiradas do senso

demográfico 1960, disponível no site oficial do IBGE. Para mais informações: <

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/68/cd_1960_v1_t9_mg.pdf >. Acesso em: 10/10/2019.

10 DELGADO, Lucília de A. N.. PTB: Do Getulismo ao Reformismo (1945-1964). 1ª ed., São Paulo: Marco Zero,

1989.

11 BENEVIDES. Maria V. de M.. A UDN e o Udenismo: Ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). 1ª

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Tanto que muitos dos filiados à legenda também eram membros da Associação Industrial, Comercial e Agropecuária de Ituiutaba (ACIAPI) – assim como alguns filiados do PSD.

O PSD era um partido conservador ligado às classes médias e oligarquias rurais, mas que evitava tomar decisões rígidas. De caráter pragmático, o partido estava mais ligado aos interesses do campo, contrabalanceando o conservadorismo com a moderação e a habilidade conciliatória. No partido, conviviam líderes tradicionais conservadores e, contraditoriamente, reformistas emergentes. Era um partido maleável às barganhas políticas, hora se aliando ao PTB, hora rompendo as alianças12. Localmente, o PSD tinha em seus representantes os velhos

conhecidos da área agrária da cidade e seus herdeiros, que eram donos de grandes propriedades rurais. Os mais jovens do partido – sendo, alguns, trabalhadores liberais - traziam consigo bandeiras reformistas ligadas ao nacionalismo e de tom político mais progressista.

Em 1962, depois de fracassadas tentativas eleitorais na década de 1950 e de perder sucessivamente para a UDN e o PSD, o PTB conseguiu eleger Prefeito, Vice e ter a maioria representativa dentro da Câmara Municipal de Ituiutaba. A curta gestão petebista, que terminou em 1964, foi marcada por uma agenda que favorecia os trabalhadores da região. Na posse da prefeitura, o petebista José Arcênio de Paula deixou bem claro sua posição de, como Prefeito, fazer um “governo trabalhista”13.

No Legislativo da cidade, o PTB também agiu nesse sentido. Um exemplo é que, em 1963, membros do partido lançaram a proposta de “semana inglesa”, em linhas gerais, um novo modelo que visava diminuir a jornada de trabalho no município. Este modelo previa a execução total de 44 horas semanais de trabalho, distribuídas em oito horas de segunda a sexta-feira e quatro horas durante o sábado, reservando o período da tarde de sábado e o domingo todo (além dos feriados) para descanso dos trabalhadores. O projeto foi aprovado, apesar da resistência udenista14.

O Poder Executivo também fez a proposta de um novo código tributário para o município, mas as bancadas dos partidos se distinguiam em relação aos projetos para esse novo código. As mais conservadoras (UDN e PSD), com apoio da ACIAPI, se mostravam contrárias ao aumento na tributação das propriedades rurais e afirmavam que, com esse aumento, os proprietários de terras seriam os grandes prejudicados. Ainda assim, apesar da resistência por

12 HIPPOLITO, Lucia. De Raposas e Reformistas: O PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). 2º ed.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

13 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 31 de jan. de 1963. 14 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 11 de mar. de 1963

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parte da bancada do PSD e, de maneira mais acentuada, da UDN 15, o Novo Código Tributário Municipal acabou sendo aprovado,

O PTB local se manteve firme na proposta trabalhista em sua gestão, lutando não só por direitos e interesses dos trabalhadores regionais como também pelas causas do pequeno produtor rural. Por meio da política, o partido tentou propor uma resposta para os problemas que surgiam em meio às modificações econômicas da microrregião.

Enquanto isso, a UDN local, seguindo as diretrizes nacionais do partido, exercia oposição ao PTB. O partido udenista era aliado aos interesses de proteção à propriedade privada e ao liberalismo, atuando firmemente contra modificações nas leis que julgava estarem atreladas aos seus ideais. Quando necessário, fazia algumas alianças com o PSD na defesa de privilégios dos proprietários rurais e donos de indústrias da microrregião. Os pessedistas dialogavam conforme seus interesses: hora apoiavam os projetos reformistas da prefeitura e do PTB, hora alinhavam-se à oposição feita pela UDN.

Em janeiro de 1964, o então Prefeito José Arcênio de Paulo se afasta do Executivo por questões de saúde, assumindo o vice, Rodolfo Leite. No momento, a região passava por um período de poucas chuvas e, consequentemente, estiagem rural, o que baixou consideravelmente o nível de produção de arroz na região. Une-se a isso o período de inflação econômica que o Brasil vivenciava. Nesse momento, a principal discussão no Legislativo local foi em torno de medidas contra o “aumento do custo de vida”. Surge também uma discussão sobre a corrupção no poder Executivo.

No início de 1964, é apresentado, na Câmara Municipal, um projeto de resolução que constitui uma Comissão de Inquérito (CI) para “apurar possíveis irregularidades da atual administração municipal”16.

Com o golpe militar em 1º de abril de 1964 e a deposição de João Goulart da presidência do país, o argumento de corrupção no Executivo de Ituiutaba torna-se uma das principais pautas dos opositores dentro do poder Legislativo. No fim, é criada uma comissão interna de inquérito que seguiria, de maneira constitucional, apurando irregularidades17. Porém, a “punição” do

prefeito e de alguns dos vereadores aconteceria de maneira inconstitucional, pois a CI foi deixada de lado. Nas atas desse período, há pronunciamentos dos vereadores ligados à UDN e ao PSD de elevação aos novos dirigentes do Governo instituído, a ponto de um udenista pedir

15 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 25 de nov. de 1963 16 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 25 de fev. de 1964. 17 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 14 de abr. de 1964.

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um requerimento para colocar uma foto do novo presidente militar, o Marechal Castelo Branco, na parede da Câmara Municipal da cidade 18.

Em 9 de abril de 1964, antes mesmo de Castelo Branco assumir a presidência, através do autodenominado Comando Supremo da Revolução (triunvirato governamental composto por três ministros militares) foi decretado o Ato Institucional, conhecido como AI-1, que conferiu à Presidência o poder de cassar mandatos efetivos e suspender direitos políticos até o dia 15 de junho do mesmo ano. O Ato dava ao Executivo nacional o poder de cassar representantes governamentais em qualquer nível, municipal, estadual ou federal. Autorizando a cassação de mandados políticos em todas as instâncias, além da suspenção de direitos políticos de qualquer cidadão, se abriu o caminho para a que ficaria conhecida pelo codinome “Operação Limpeza”. Foram criados os chamados IPMs (Inquérito Policial Militar), em que comissões de inquéritos investigavam atividades de civis e militares, e apuravam as que considerassem “subversivas”. Os inquéritos eram examinados pelo chefe do departamento militar o qual a região estava vinculada, e que também decidia a punição dada aos indivíduos investigados.

A partir de 26 de março, os encontros do Legislativo local foram marcados por uma enxurrada de renúncias. Nesse dia, renunciaram dois vereadores petebistas, sendo um deles o Presidente da Câmara. Dois dias depois, renunciam mais quatro petebistas, incluindo o Prefeito e o Vice. No terceiro encontro, renunciam mais quatro petebistas e acontece a cassação do mandato de dois desses. Com a renúncia do Presidente da Câmara, assume um vereador udenista que, após a renúncia do Prefeito e Vice, também acumula a cadeira do Executivo municipal. O novo Prefeito encaminhou um ofício de suspensão do estudo de todos os projetos de lei enviados pela prefeitura, e um vereador fez o mesmo pedido referente aos projetos formulados pelo Legislativo, suspendendo todos os projetos propostos pelo PTB no município19.

Segundo as fontes orais, foi por esses dias que chegou à cidade uma junta militar, vinda de Uberlândia, instaurando um IPM. Essa junta, em cooperação com civis (principalmente políticos ligados à UDN e uma parcela do PSD também), manteve alguns desses vereadores em cárcere privado. Foi feita uma barganha pela liberação desses sujeitos que propunha, em troca, que os vereadores do PTB, juntamente ao Prefeito e o Vice, renunciassem aos seus respectivos cargos. Isso mostra que as renúncias, na verdade, foram executadas de forma coercitiva. Parte

18 ITUIUTABA. Câmara Municipal. Ata da reunião realizada no dia 20 de abr. de 1964

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do PSD local apoiou essas deposições, porém, alguns membros do diretório se posicionaram contra.

Imprensa tijucana e o golpe de 1964

Além das deposições dos cargos políticos locais, a aliança civil-militar fechou um jornal local, a Folha de Ituiutaba, embargando sua produção e circulação. O proprietário e o redator-chefe foram presos e encaminhados ao Departamento de Ordem Política (DOPS) em Belo Horizonte.

O jornal Folha de Ituiutaba circulou de 1942 até 1964. Geralmente, era produzido e entregue duas vezes na semana, e contava com quatro páginas ou mais, dependendo da edição. Apesar de tratar, de maneira quase essencial, sobre assuntos da região, o jornal era distribuído em todo o Triângulo Mineiro, oeste de Minas Gerais, partes dos Estados de Goiás e São Paulo, chegando a ter uma tiragem de 3.000 exemplares. Impresso somente em tinta preta, com suas páginas tendo entre 53,5x36cm, era um jornal em formato conhecido como broadsheet. No período próximo ao encerramento do jornal, era o mais antigo e o único veículo de comunicação em circulação na microrregião.

Em 1964, o expediente do jornal era composto pelo dono e diretor Ercílio Domingues da Silva, pelo redator-chefe Geraldo Sétimo Moreira e pelo redator Manoel Agostinho. Entretanto, a Folha ainda tinha outros importantes nomes de colaboradores que escreviam constantemente em suas páginas. Aqui, vale destacar a Coluna Sindical, escrita pelo sindicalista Ivanildo Francisco dos Santos, que prestava esclarecimentos sobre os direitos trabalhistas, e sobre a luta sindical, aos trabalhadores da região. Ivanildo também escrevia a seção Legislativo

em ação, na qual comentava os lances do poder local, as notícias da Câmara Municipal de

Ituiutaba e o cumprimento, aprovação ou reprovação de leis. Vale apontar, também, que os advogados Humberto Teodoro Gomes e Tomaz de Aquino Petraglia contribuíam para o jornal durante a década de 1960, trazendo diversos textos de cunho nacionalista.

Aqui, vale ressaltar o posicionamento político dos três jornalistas da Folha que eram formalmente filiados ao PSD. Apesar disso, há, nas páginas do jornal, um claro apoio às medidas tomadas no poder municipal e às ações em favor dos trabalhadores no Legislativo, tornando o jornal, nesse momento, porta-voz das ações petebistas. Em 1962, o editorial do jornal começa com o título: “Conquistou o PTB (por fim) a prefeitura de Ituiutaba”20. Em 19

de janeiro de 1963, a Coluna Sindical registra um encontro, na Câmara Municipal, entre o novo

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Prefeito petebista, o Vice e os trabalhadores municipais, ocasião em que esclarecem seus pontos de vista sobre os direitos trabalhistas, se posicionando a favor de temas como a “Regulamentação definitiva do salário mínimo” e o “13º salário, objeto de consulta e de reais possibilidades de aprovação” para os trabalhadores21.

O jornal apoiava medidas trabalhistas, como mostra uma matéria cujo título é “Prefeitura de BH vai pagar 13º salário a seus servidores”22. Com isso, queria mostrar como a

valorização salarial deveria servir de exemplo aos empregadores. Em seguida, publicou matéria com o título: “13º Salário: Prefeitura começou a pagar”23. A Folha de Ituiutaba também

publicava artigos sobre “Leis Trabalhistas para o trabalhador Rural” e sobre a lei do “Estatuto do trabalhador rural”, sendo esta a que confirmou novos direitos aos trabalhadores e aboliu “os velhos costumes, tradições e sistemas empíricos de trabalho, predominantes no meio rural, entre empregado e empregador”24.

Por meio das suas publicações, a Folha articulou a formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba e serviu como um importante comunicador dos encontros, voltados aos trabalhadores, que aconteceriam na cidade. Um exemplo é a matéria intitulada “Vai começar a sindicalização rural”. Este tipo de texto firmava a ideia de que o redator-chefe do jornal dispunha de informações e instruções para a formação do sindicato na cidade 25. Em 1964, na primeira página da primeira edição anual, a Folha anuncia a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba.

Os colunistas Humberto Teodoro Júnior e Thómaz de Aquino Petaglia merecem atenção pelos seus artigos declaradamente de cunho nacionalista. Textos como “Os empréstimos norte-americanos”, que condenava os empréstimos dos EUA ao Brasil, a dívida externa e relação de dependência econômica criada pelos norte-americanos26, e “Testemunhos Nacionalistas”27, entre vários outros, afirmavam a importância de libertar o país da dependência política e econômica de outros países. Na metade do século XX, o ideário nacionalista, baseado no conceito de autossustentabilidade, concentrou duas correntes preponderantes: o

nacional-desenvolvimento, de caráter liberal, preocupada com a modernização, e o nacionalismo econômico, que era a vertente defendida pelas esquerdas e ligada aos interesses populares.

Enquanto ideologia de Estado, o nacionalismo se ancorou não só no trabalhismo de Getúlio

21Folha de Ituiutaba. N.1233, ano XXII, Ituiutaba (MG), 19 de jan. de 1963. 22 Folha de Ituiutaba. N.1203, ano XXI, Ituiutaba (MG), 5 de set. de 1962. 23 Folha de Ituiutaba. N.1308, ano XXII, Ituiutaba (MG), 19 de fev. de 1964. 24 Folha de Ituiutaba. N.1291, ano XXII, Ituiutaba (MG), 30 de out. de 1963. 25 Folha de Ituiutaba. N.1276, ano XXII, Ituiutaba (MG), 24 de ago. de 1963. 26 Folha de Ituiutaba. N.1251, ano XXII, Ituiutaba (MG), 6 de abr. de 1963. 27 Folha de Ituiutaba. N.1258, ano XXII, Ituiutaba (MG), 25 de mai. de 1963.

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Vargas, mas também no desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e no reformismo social de João Goulart.

Assim, na prática, “defender o desenvolvimento autossustentado significava, em primeiro lugar, criticar o modelo econômico agrário-exportador e, por extensão, a classe social a ele ligada: a oligarquia latifundiária”28 . A opção nacionalista é focada na construção de uma

economia autocentrada e voltada ao mercado interno. Nos setores de esquerda nacionalista, cresceu um forte sentimento de antiamericanismo, que identificava os interesses econômicos dos EUA como “imperialismo”. Portanto, para as pessoas ideologicamente ligadas à esquerda, ser nacionalista significava ser favorável à ideia de um país politicamente e economicamente autossustentável, eleger a oligarquia agrária como representante interna da exploração e do atraso, e apontar o imperialismo como fator externo.

Hippolito afirma que o PSD era, basicamente, formado por duas alas que entraram em conflito nos últimos anos do partido. Há a chamada “Ala Moça”, constituída por jovens, em sua maioria, de orientação reformista/nacionalista, e há, por outro lado, o que a autora chama de “raposas”, referindo-se a partidários ligados às elites rurais e herdeiros oligárquicos que defendiam os direitos elitistas29. Podemos afirmar que os jornalistas da Folha se aproximavam da Ala Moça por defenderem políticas reformistas, aliando-se aos políticos do PTB de Ituiutaba e a outros pessedistas locais.

O grande “crime” da Folha foi servir de porta-voz das esquerdas da microrregião. Nas suas páginas, encontramos a defesa de interesses trabalhistas, sindicalistas e nacionalistas. As elites locais viam o jornal como um inimigo que precisava ser derrotado, e o golpe de 1964 foi o momento certo para isso. As atividades da Folha foram interrompidas pelo golpe e nenhuma edição do jornal circulou a partir de abril de 1964. O jornal foi oficialmente fechado e impedido de circular, seu dono e o redator (assim como outros que escreviam no periódico) foram perseguidos pela aliança civil-militar e acabaram presos.

Nesse contexto, ressurge um jornal que já havia circulado na região em 1959, o Correio

do Triângulo. Em 1964, ele retorna como porta-voz do novo grupo que ascendeu à política

local, passando a ser um veículo de comunicação alinhado ao discurso da UDN e dos militares. Em 1959, o Correio tinha um projeto gráfico distinto do de 1964, desde seu tamanho até a impressão a cores, artifício que não se repete em sua segunda fase. Ele, na versão de 1959,

28 MOREIRA, Vânia M. L.. Nacionalismos e reforma agrária nos anos 50. Revista brasileira de História, vol. 18,

n. 35, São Paulo, 1998, p, 333.

29 HIPPOLITO, Lucia. De Raposas e Reformistas: O PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). 2º ed.

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se apresentou em um formato próximo do que se conhece como tabloide. Se comparada às edições da Folha, o Correio de 1959 contava com muitas imagens, enquanto a Folha contava com mais textos corridos.

Isso demostra o papel crucial da propaganda na manutenção do Correio, enquanto a

Folha, provavelmente, se sustentava por outros meios. Porém, a nova versão do Correio, que

passou a circular a partir de abril de 1964, ressurgiu esteticamente mais similar à Folha propriamente do que ao antigo Correio. Isso incluiu seu novo tamanho, configurado em formato de um jornal broadsheet: com suas páginas impressas apenas em tinta preta, poucas imagens, muitas reportagens e colunas. O jornal iniciou suas atividades em gráfica emprestada e era produzido dentro sede da ACIAPI, organização formada por industriais e proprietários rurais locais. A gráfica “Correio do Triângulo S/A” possuía vários acionistas que assinavam como subescritores, muitos desses nomes ligados à política local (principalmente à UDN). Nas novas páginas do Correio, assim como na Folha, havia diversos redatores que colaboravam com variadas colunas, além de matérias com assuntos regionais.

Na parte estrutural, ambos jornais eram muito parecidos, o que nos leva a afirmar que, enquanto produto informativo, tanto o Correio quanto o grupo que o financiava tomaram o espaço econômico e mercadológico antes ocupado pela Folha. No entanto, se os jornais eram similares em suas estruturas físicas, o Correio era, politicamente, muito distinto da Folha. Em uma das suas primeiras edições, o jornal afirmava quais eram essas suas posições políticas e, em nota intitulada “Advertência oportuna” 30, anunciava que condenava o “comunismo” (referindo-se ao governo do Presidente João Goulart). O Correio apoiou a deposição de Goulart e a ação dos militares. Podemos denotar isso em notas como a da versão da Marcha da “Família com Deus pela Liberdade” em Ituiutaba, que foi publicada com o título “Marcha da Vitória”31.

Na notícia, o jornal se posiciona favorável à deposição de Goulart e anuncia quem é o inimigo que acabou de ser derrotado: o “perigo comunista”.

Também há, no jornal, um recado levado ao recém-empossado ditador com o título “Mensagem ao Marechal Castelo Branco”, incentivando-o a tomar uma direção certa na administração do país e justificando a mudança no governo com o título “Tudo por um Brasil forte, livre e feliz”32. Já na nota de “Um ano de Luta”, de 1965, o jornal comemora tanto o

primeiro aniversário do periódico quanto do golpe33.

30 Correio do Triângulo. N.3, ano I, Ituiutaba (MG), 5 de mai de 1964. 31 Correio do Triângulo. N.1, ano I, Ituiutaba (MG), 7 de abr. de 1964. 32 Correio do Triângulo. N.4, ano I, Ituiutaba (MG), 17 de mai. de 1964. 33 Correio do Triângulo. N.49, ano II, Ituiutaba (MG), 9 de abr. de 1965.

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O jornal se posicionou favorável à tomada militar do poder local, marcando em suas páginas a intimidade com a nova administração governamental e com os membros da UDN que estiveram à frente das mudanças nos dois principais poderes da cidade (Executivo e Legislativo). Sobre essas deposições, o jornal lança um editorial com o título “Ituiutaba sob ação do comando militar: Profundas modificações na vida do Executivo e Legislativo do Munícipio” 34. Na edição seguinte, no editorial “Ação do Comando Militar em Ituiutaba”,

publica uma “Palpitante entrevista (exclusiva) concedida a este jornal pelo presidente do diretório municipal da UDN”, na qual o então líder udenista responde sobre as mudanças políticas no município, demonstrando a responsabilidade do partido nas deposições locais, e acusa os políticos locais depostos de mau uso de verbas municipais e subversão35.

O Correio apoiava a posição do novo Prefeito do município, afinal, ele foi um dos mantenedores do jornal. A ACIAPI, que era por ele presidida, abrigava a produção do periódico. O jornal vivia uma contradição e uma tensão interna, pois considerava seus escritores e apoiadores como democratas, mas, em seus textos, apoiava a derrubada de Goulart em plano nacional, e a deposição do Prefeito e vereadores em nível local – todos esses eleitos democraticamente.

Perseguição Civil e os documentos da polícia política

Ao passo em que o golpe se estabelecia, a polícia civil de Ituiutaba abriu um processo sobre a subversão na cidade, indiciando sujeitos que residiam na região. A ficha do Inquérito Policial Militar (IPM)36 tinha como assunto a apuração de “atividades subversivas registradas no município de Ituiutaba”, produzida sobre encomenda para a Delegacia de Vigilância Social (DVS) 046. O documento traz alguns apontamentos confusos sobre os suspeitos, chegando até a repetir nomes. Na realidade, esse documento serviu como um atrativo para que os militares averiguassem a tal “subversão” que ocorria na microrregião.

O documento repressivo traz como indiciados uma série de nomes, relacionando-os a “membros do Jornal Folha de Ituiutaba”. Os primeiros nomes da lista são do grupo editorial do periódico, mas há também nomes da política local: Prefeito, Vice, vereadores e suplentes do PTB. Ainda nessa mesma lista, encontramos outros nomes ligados aos movimentos sociais de trabalhadores na cidade, principalmente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O documento descreve 32 testemunhas que, provavelmente, denunciaram os indiciados. Curiosamente,

34 Correio do Triângulo. N.6, ano I, Ituiutaba (MG), 31 de mai. de 1964. 35 Correio do Triângulo. N.7, ano I, Ituiutaba (MG), 7 de jun. de 1964. 36 IPM número 70 - APM-Fundo DOPS/MG, Rolo 001, Pasta 0005.

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muitas das profissões dos indiciados são as mesmas ou próximas das testemunhas, o que indica que estas pessoas trabalhavam nas mesmas áreas profissionais ou, até, no mesmo local de trabalho dos denunciados.

Ao final da Ficha do IPM, há um apontamento da polícia política local sobre qual ação deveria ser executada, de tal modo que é “Sugerida a cassação do registro do jornal Folha de

Ituiutaba”. E em relação às prisões, o documento dizia que não havia a necessidade de efetuar

“nenhuma”. De fato, como, na primeira sugestão, o periódico realmente foi cassado, entretanto, em relação à segunda, o que aconteceu foi justamente o contrário: tanto os políticos quanto os jornalistas, além dos sindicalistas, foram presos.

Esse IPM deu origem a outro documento: um dossiê feito pelos militares que foi lido ao fim de uma das reuniões na Câmara Municipal e entregue ao DOPS-MG37. A investigação conta com cerca de vinte páginas que fazem uma descrição sobre a chamada “subversão individual” de todos os indiciados, com seus históricos políticos e criminais. Além dos jornalistas ligados à Folha de Ituiutaba, os eleitos do PTB e líderes sindicais locais estavam na mira da ação de repressão, que os via como um perigo para a segurança nacional. Por suas motivações políticas, os políticos ligados ao PTB eram vistos não só como subversivos, mas também como corruptos que dilapidaram o dinheiro público. No inquérito, é descrito um complexo sistema de corrupção, comandado por parte desses agentes públicos, que envolvia o uso irregular de verba municipal, desvio de combustível, uso particular de veículos oficiais, usufruto de mão de obra de operários municipais, compra sem concorrência de materiais públicos, entre outros delitos. Esse evento na Câmara Municipal, juntamente ao tal dossiê, aponta para a relação entre os militares e o poder político institucional da cidade naquele momento.

No documento, também são descritos outros sujeitos que compunham a chamada ala “subversiva”. Ela era composta, em boa parte, por chefes e organizadores de trabalhadores, especialmente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba. Esses membros eram vistos pelos organizadores do “dossiê” como agitadores e perturbadores da ordem política e social – verdadeiros “subversivos”. Antes da chegada dos militares na cidade, muitos desses se refugiaram na zona rural, não aparecendo mais até a data de formulação do relatório. Desta forma, os militares concluíram no documento que, com essa fuga, os investigados comprovavam o crime de subversão.

Desarticular os sindicatos e a organização de trabalhadores se tornou uma tarefa fundamental dentro da nova estrutura política que ascendia, portanto, foi essencial a imposição

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da nova ordem de perseguir os líderes trabalhistas, o que levou, no momento, ao esfacelamento dos movimentos como um todo. Não bastava cassar os cargos políticos dos que defendiam a política reformista, era preciso eliminar qualquer forma organizada que poderia agir de maneira a reivindicar direitos dos trabalhadores.

Como nos afirma Alves, a estratégia psicossocial da “Operação Limpeza” foi atingir os movimentos sociais que haviam ganhado força nos anos anteriores ao golpe de Estado. Os diversos IPMs vieram para fazer uma “limpeza” dentro dos sindicatos e, a partir de então, exercer controle direto na estrutura sindical38.

Considerações finais

A experiência do golpe de 1964 na microrregião do Pontal do Triângulo mineiro demonstra como a sociedade teve participação fundamental no golpe civil-militar, apoiando e executando-o em suas práticas persecutórias e arbitrarias. Assim, não só concordamos como afirmamos que a ação golpista foi possível dentro de todo um complexo arquitetado por civis e militares.

As ações persecutórias – que oprimiram políticos trabalhistas, líderes sindicais e jornalistas da Folha – fazem parte de um plano interligado de desmembramento e silenciamento das políticas local que favoreciam aos trabalhadores. No contexto regional, se configurou uma ação de deposição e desmantelamento das políticas de reivindicação trabalhistas. Em seu lugar, ascendeu um grupo que defendia os interesses dos donos de indústrias e dos grandes produtores rurais. A ação civil-militar local destruiu qualquer possibilidade de continuidade de um projeto trabalhista e reformista que estava sendo gradualmente aplicado na gestão petebista.

A Folha de Ituiutaba se fez como o porta-voz da conjuntura pré-1964 que vinham conquistando o espaço político na microrregião. Era essencial impedir que a Folha continuasse publicando e divulgando as ideias progressistas e nacionalistas em suas páginas. Ao mesmo tempo, era preciso também colocar um novo produto em seu lugar, um que faria o mesmo papel de imprensa regional, mas com a missão de ser porta-voz de outras políticas e legitimar a nova ordem política imposta. Isso porque a política é um jogo de forças: decomposta uma delas, outra toma o seu espaço. Assim, ressurge o Correio do Triângulo para ocupar o vácuo político e econômico que foi criado com o fim da Folha.

38 ALVES, Maria H.. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis Marques. Ed. Petrópolis,

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Perseguir as lideranças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi um modo de dispersar a organização que lutava em favor dos direitos desses trabalhadores de Ituiutaba. Por isso, a aliança perseguiu e prendeu esses líderes, neutralizando qualquer ação dessas associações.

Dentro dos eventos inauguradores da ditadura militar, originou-se um potente aparelho de perseguição e neutralização política que conseguiu agir até em lugares distantes dos centros administrativos do país. As consequências são visíveis mesmo em uma pequena cidade no extremo interior de Minas Gerais. As elites regionais, que se alinharam ao golpe e eliminaram seus adversários políticos, foram fortalecidas pelos militares, que viam nos embates políticos regionais um terreno fértil de controle social e político.

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Recebido em: 06/08/2020 Aprovado em: 15/12/2020

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